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Direito Civil Esquematizado

Professor Stanley Costa

Aula 01 – Introdução à Teoria dos


Fatos Jurídicos
Sumário: 1. Conceito de Fato Jurídico - 2 Classificação dos Fatos Jurídicos –
2.1. Fato Jurídico Natural (Fato Jurídico Stricto Sensu) – 2.2. Fato Jurídico
Humano (Ato Jurídico Lato Sensu) – 2.3. Ato-Fato Jurídico.

Nesse semestre estudaremos a disciplina “Direito Civil II”, que compreende a


outra metade da parte geral do Código Civil. Depois de termos estudado sobre as
pessoas (natural e jurídica), domicílio e bens, agora vamos partir à análise dos fatos
jurídicos, prescrição, decadência e provas. Trata-se de um conteúdo – é bem verdade –
bastante teórico, às vezes até difícil de vislumbrar exemplos práticos, todavia, este
conteúdo é fundamental para uma correta compreensão de institutos do Direito Civil
especial, notadamente obrigações e contratos. Ademais, devemos ressaltar que esta
matéria é objeto recorrente de concursos públicos e exames da OAB, sendo, por isso,
imprescindível para o estudante de Direito.

1. CONCEITO DE FATO JURÍDICO


O primeiro tema do nosso semestre é a “teoria do fato jurídico”, mas do que se
trata o fato jurídico? O que é um fato jurídico? Para compreender esse conceito basilar
no direito civil, primeiro precisamos dividi-lo, assim identificando que fato é sinônimo
de acontecimento, ocorrência ou evento. Um acontecimento determinado poderá ser
juridicamente relevante ou não. Se for juridicamente relevante, nós o chamaremos de
“fato jurídico”, caso contrário será considerado como mero “fato material” (fato
ajurídico ou fato social).

Fato material é, pois, aquele desprovido de consequências jurídicas (ex.: um


terremoto no meio do oceano). Fato jurídico, por sua vez, é todo acontecimento da vida
que tenha relevância para o mundo do Direito, relevância que será identificada a partir
da aptidão deste acontecimento para criar, modificar, conservar, transferir ou extinguir
direitos ou relações jurídicas.

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Conforme as lições de Maria Helena Diniz: “O fato jurídico lato sensu é o elemento
que dá origem aos direitos subjetivos, impulsionando a criação da relação jurídica,
concretizando as normas jurídicas. Realmente, do direito objetivo não surgem
diretamente os direitos subjetivos; é necessária uma “força” de propulsão ou causa, que
se denomina “fato jurídico”1.

No mesmo sentido, Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona: “Todo acontecimento,


natural ou humano, que determine a ocorrência de efeitos constitutivos, modificativos
ou extintivos de direitos e obrigações, na órbita do direito, denomina-se fato jurídico.
Indiscutivelmente, trata-se de conceito basilar, verdadeira causa genética das relações
jurídicas, e, bem assim, dos direitos e obrigações aí compreendidos. 2”.

Enfim, podemos realmente considerar que “o mundo jurídico nada mais é senão o
mundo dos fatos jurídicos”3. A sociedade existe e se desenvolve em razão de fatos
jurídicos, inclusive aqueles considerados ilícitos.

2. CLASSIFICAÇÃO DOS FATOS JURÍDICOS


Compreendido o conceito de fato jurídico, agora precisamos identificar as suas
variadas espécies, especialmente evidenciando aquilo que as distingue. O código civil de
2002 efetuou profunda modificação na classificação dos fatos jurídicos, ao abandonar a
corrente unitária (francesa), passando a adotar a corrente binária (alemã e italiana), que
diferencia o ato do negócio jurídico.

Os fatos jurídicos em sentido amplo são divididos em (1) fatos jurídicos naturais
(fato jurídico em sentido estrito ou stricto sensu) e (2) fatos jurídicos humanos (ato
jurídico em sentido amplo ou lato sensu). Os fatos jurídicos naturais podem ser (1.1)
ordinários ou (1.2) extraordinários. Os fatos jurídicos humanos dividem-se em (2.1) ato
jurídico lícito (que não contraria o direito) ou (2.2) ato ilícito (que atenta contra o

1
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, vol. 01: teoria geral do direito civil. 33. Ed.
São Paulo: Saraiva, 2016, p. 423.
2
GAGLIANO, Pablo Stolze e PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Manual de direito civil: volume único. 2.
Ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018, p. 154.
3
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcante. Tratado de Direto Privado. Atualizado por Vilson
Rodrigues Alves. Tomo 1. Campinas: Bookseller, 1999.
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direito). Ainda, os atos jurídicos lícitos são classificados em (2.1.1) ato meramente lícito
(ou ato jurídico em sentido estrito) e (2.1.2) negócio jurídico, enquanto que os atos
ilícitos podem ser (2.2.1) ilícitos civis ou (2.2.2) ilícitos penais. Existe, por fim, uma figura
sobre a qual paira grande discussão, inclusive sobre a sua existência, trata-se do (3) ato-
fato jurídico.

Ordinário
Fato Natural
(FJ Stricto Sensu)
Extraordinário

Fato Jurídico
Ato-Fato Jurídico Ato Jurídico Stricto
(Lato Sensu) Sensu
(meramente lícito)
Ato Jurídico Lícito
Fato Humano
(Ato Jurídico Lato Negócio Jurídico
Sensu)
Ato Ilícito

2.1. Fato Jurídico Natural (Fato Jurídico Stricto Sensu)

Os fatos jurídicos naturais (fatos jurídicos em sentido estrito) são aqueles que
independem da vontade humana para serem configurados, ocorrem sem influência
direta da vontade humana (nada impede que indiretamente a vontade humana esteja
presente). Decorrem de simples manifestação da natureza.

Os fatos jurídicos naturais (fatos jurídicos em sentido estrito) podem ser


ordinários (comuns, corriqueiros, previsíveis – ex.: nascimento; maioridade; morte e
etc.) ou extraordinários (incomuns, excepcionais, que fogem ao quotidiano – ex.: um
terremoto que causa a morte de pessoas e a destruição de diversos imóveis; incêndio
de uma casa em decorrência de raios e etc.). O caso fortuito e a força maior são
considerados fatos jurídicos naturais e extraordinários.

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Para justificar que os exemplos acima são fatos jurídicos, basta observar que o
nascimento determina o começo da personalidade; a morte o seu fim; a maioridade a
aquisição da capacidade plena; o incêndio e terremoto que destruíram os imóveis
causaram a perda parcial ou total do direito real de propriedade; e as mortes das vítimas
do terremoto, culminaram na abertura das sucessões e consequente transmissão das
heranças aos sucessores.

2.2. Fato Jurídico Humano (Ato Jurídico Lato Sensu)

Os fatos jurídicos humanos, por conseguinte, são aqueles que têm origem na
vontade humana, exteriorizada e consciente, razão pela qual são também chamados de
atos jurídicos em sentido amplo (fatos jurígenos). O termo ato sugere uma ação (ato de
agir), por isso diz-se que o ato jurídico está diretamente relacionado à conduta humana.
Trata-se da ação humana capaz de produzir efeitos jurídicos. Essa modalidade se
subdivide em ato jurídico lícito (que não contraria o direito) e ato ilícito (que atenta
contra o direito). Ainda, os atos jurídicos lícitos são classificados em ato meramente
lícito (ou ato jurídico em sentido estrito) e negócio jurídico, enquanto que os atos ilícitos
podem ser ilícitos civis ou ilícitos penais.

O ATO MERAMENTE LÍCITO (ato jurídico em sentido estrido) é aquele


configurado a partir da manifestação da vontade humana, mas cujos efeitos estão todos
previstos em lei (predeterminados pela norma). O agente manifesta, mas não delibera
a sua vontade (não há autonomia privada). O agente até pode escolher entre praticar
ou não o ato, todavia, ele não tem autonomia no tocante aos efeitos, razão pela qual a
doutrina diz que a eficácia do ato meramente lícito é ex lege. “Tem consectários previsto
em lei, afastando, em regra, a autonomia privada”4. É também chamado de ato não
negocial. Segundo Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo:

“(...) a vontade humana tem grande relevância e deve estar presente para a
configuração do aludido ato jurídico. Todavia, não terá a vontade humana
força para regrar os efeitos do ato”5.

4
CHAVES DE FARIAS, Cristiano. ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil - Vol. 1. Salvador:
JusPodivm, 2016, p. 582.
5
FIGUEIREDO, Luciano e FIGUEIREDO Roberto. Direito Civil – Parte Geral. Salvador: JusPodivm,
2018, p. 425.
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São exemplos de atos jurídicos meramente lícitos: a) notificação para constituir
mora a do devedor; b) notificação do locatário para retomada do imóvel alugado por
prazo determinado; c) reconhecimento voluntário de paternidade; c) renúncia da
herança; d) confissão; e) quitação; f) fixação de domicílio e etc.

O NEGÓCIO JURÍDICO, por sua vez, é a conduta praticada pelo agente com
manifestação de vontade, cujos efeitos também são escolhidos por ato voluntário
(autonomia privada). O agente manifesta e delibera a sua vontade. A vontade é o fato
gerador do negócio jurídico e, também, determinante dos seus efeitos. Deste modo,
determina a doutrina que a eficácia do negócio jurídico é ex voluntate. São exemplos de
negócios jurídicos: a) contratos; b) testamento; c) casamento.

2.3. Ato-Fato Jurídico

A última figura que precisamos compreender é o ato-fato jurídico, instituto que é


objeto de grande debate, tendo corrente (minoritária) que sequer reconhece a sua
inserção na classificação de fato-jurídico. Grande nome desse entendimento negativista,
Humberto Theodoro Júnior afirma que o Código Civil de 2002 não contemplou esta
figura: “não se contemplou, nessa nova classificação legal, a figura do ato-fato, que se
dá quando a atuação humana é lícita, mas desvinculada da vontade, situação que não é
exatamente a mesma atuação em que já há presença da vontade não autônoma”.6

A despeito do posicionamento acima, a grande maioria da doutrina reconhece a


existência do ato-fato jurídico, pairando a discussão acerca do seu posicionamento
dentre da classificação. Alguns afirmam que o ato-fato se encontra ao lado do fato
natural e do ato jurídico em sentido amplo (corrente adotada neste material), outros,
porém, dizem que o ato-fato é uma espécie de ato jurídico, estando, portanto, ao lado
do negócio jurídico e do ato meramente lícito.

Mas, enfim, do que se trata o ato-fato jurídico? O ato-fato jurídico é o


acontecimento decorrente da atuação humana, mas cuja intenção é abstraída pela

6
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Comentários ao Novo Código Civil. V. 3, 2 ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2003, p.5.
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norma jurídica, ou seja, a ação humana é essencial para que exista, mas o elemento
volitivo é irrelevante para a produção dos seus efeitos, não importando para o direito
se houve vontade em praticá-lo ou não.

Como a intenção não possui relevância para a produção dos efeitos, os atos-fatos
jurídicos não exigem capacidade de fato (de exercício) do agente, podendo ser
praticados por absolutamente incapazes sem representação ou relativamente incapazes
sem assistência. Em verdade, nem ao menos se discute o plano da validade, não se fala
em nulidade ou anulabilidade de atos-fatos jurídicos.

Para melhor elucidar, colacionamos abaixo uma série de lições doutrinárias.


Senão, vejamos.

Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo7:

Nada obstante surgir da vontade humana, de logo a despreza, eis que para a
produção de seus efeitos ela (a vontade humana) pode ser até não
intencional. Nestes casos, pouco importa a intenção da vontade na prática
do ato.

Carlos Roberto Gonçalves8:

“(...) Há certas ações humanas que a lei encara como fatos, sem levar em
consideração a vontade, a intenção ou a consciência do agente, demandando
apenas o ato material predeterminado. (...) No ato-fato jurídico ressalta-se a
consequência do ato, o fato resultante, sem se levar em consideração a
vontade de praticá-lo.

Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho9:

(...) situações em que, embora a atuação do homem seja da substância do


fato jurídico, não importa para a norma se houve, ou não, manifestação de
vontade em praticá-lo (ato-fato jurídico) (...) nada mais é do que um fato
jurídico qualificado pela atuação humana.
No ato-fato jurídico, o ato humano é realmente da substância deste fato
jurídico, mas não importa para a norma se houve, ou não, intenção de
praticá-lo. O que se ressalta, na verdade, é a consequência do ato, ou seja, o
fato resultante, sem se dar maior significância se houve vontade ou não de

7
FIGUEIREDO, Luciano e FIGUEIREDO Roberto. Direito Civil – Parte Geral. Salvador: JusPodivm,
2018, p. 426.
8
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro – Parte Geral. Vol. 1. 16ª ed. São Paulo:
Saraiva, 2018, p. 357 – 358.
9
GAGLIANO, Pablo Stolze e PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Manual de Direito Civil. 2ª ed. São Paulo:
Saraiva Educação, 2018, p. 153 – 155.
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realizá-lo (...) no ato-fato a vontade humana, o elemento psíquico, é
completamente irrelevante para a sua configuração, embora seja indiscutível
a deflagração de efeitos (...).

Cristiano Chaves de Farias, Felipe Braga Netto e Nelson Rosenvald10:

São fatos jurídicos em cujos suportes fáticos existem atos humanos, porém
a norma jurídica não se importa com a vontade em praticá-los. São atos,
segundo Pontes de Miranda, que o direito recebe como fatos. Não lhes é
essencial a capacidade de fato ou de exercício (incapazes, como crianças ou
loucos, podem praticá-los). (...) Há, portanto, em relação aos atos-fatos, duas
verdades fundamentais: a) eles, como dissemos, não exigem capacidade de
fato (também chamada de capacidade de exercício ou capacidade negocial).
Os civilmente incapazes, portanto, podem praticar os atos-fatos; b)
justamente porque a capacidade não é importante, os atos-fatos não passam
pelo plano da validade (não faz sentido, portanto, dizer que um ato-fato é
inválido – nulo ou anulável).

Por derradeiro, buscando uma compreensão prática deste tema demasiadamente


teórico, separamos alguns exemplos de atos-fatos jurídicos, os mais citados pela
doutrina:

i) Atos-Fatos Reais – Aqueles que simplesmente decorrem da atuação humana,


independentemente da vontade do agente: a caça; a pesca; o achado de
tesouro e a especificação (art. 1.269, CC). Ainda, os exemplos mais citados,
condutas praticadas por incapazes, como a da criança que compra merenda
escolar ou do louco (pessoa sem aptidão para manifestar vontade) que
descobre um tesouro enterrado e torna-se proprietário dele.
ii) Atos-Fatos Indenizativos – Aqueles que são causas de indenização sem
ilicitude: situação de iminente perigo que leva o agente (sem culpa ou dolo) a
destruir ou deteriorar coisa alheia e, por isso, apesar do estado de necessidade
que exclui a ilicitude do ato, terá de indenizar o lesado (CC, arts. 188, II, 929 e
930).
iii) Atos-Fatos Caducificantes – Situação em que o comportamento do agente gera
a extinção de determinado direito, como acontece na prescrição e decadência.

10
FARIAS, Cristiano Chaves de, BRAGA NETTO, Felipe e ROSENVALD Nelson. Manual de Direito
Civil. 3ª ed. Salvador: Juspodivm, 2018, p. 512-513.
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