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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI

VICE-REITORIA DE PESQUISA, PÓS-GRADUAÇÃO E INOVAÇÃO


PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM CIÊNCIA JURÍDICA –
PPCJ
CURSO DE MESTRADO EM CIÊNCIA JURÍDICA – CMCJ
ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: FUNDAMENTOS DO DIREITO POSITIVO

A REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA EM ÁREA DE


PRESERVAÇÃO PERMANENTE URBANA

CARLOS AUGUSTO RIBEIRO FERNANDES

Itajaí-SC, abril de 2020


UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI
VICE-REITORIA DE PESQUISA, PÓS-GRADUAÇÃO E INOVAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM CIÊNCIA JURÍDICA –
PPCJ
CURSO DE MESTRADO EM CIÊNCIA JURÍDICA – CMCJ
ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: FUNDAMENTOS DO DIREITO POSITIVO

A REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA EM ÁREA DE


PRESERVAÇÃO PERMANENTE URBANA

CARLOS AUGUSTO RIBEIRO FERNANDES

Dissertação submetida ao Curso de Mestrado em Ciência


Jurídica da Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI,
como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em
Ciência Jurídica.

Orientador: Professor Doutor Zenildo Bodnar

Itajaí-SC, abril de 2020


AGRADECIMENTOS

Primeiramente, sou grato a Deus por permitir chegar a esse momento.

Especialmente a minha esposa Mariella e meus filhos Sophia e Lorenzo


pelo apoio e compreensão.

Meus sinceros agradecimentos ao meu Orientador Professor Doutor


Zenildo Bodnar pela paciência e pelos períodos que se dedicou a me ajudar na reta
final desta caminhada.

Ao Professor Doutor Josemar Soares que me ajudou a na oportunidade


de cursar o presente mestrado.

À Secretaria do Curso de Mestrado da UNIVALI por sempre se


prontificarem em me ajudar, especialmente a Cristina de Oliveira.

E a todos aqueles que contribuíram e me apoiaram nesta jornada.


DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho à minha amada família, Mariella, Sophia e Lorenzo,


e àqueles que também podem, de alguma maneira, tornar o mundo e a humanidade
melhores.
TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo aporte
ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do Vale do Itajaí,
a Coordenação do Curso de Mestrado em Ciência Jurídica, a Banca Examinadora e
o Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.

Itajaí-SC, abril de 2020

Carlos Augusto Ribeiro Fernandes

Mestrando
PÁGINA DE APROVAÇÃO

(A SER ENTREGUE PELA SECRETARIA DO PPCJ/UNIVALI)


ROL DE ABREVIATURAS E SIGLAS

APP Área de Preservação Permanente

CNUMAD Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o


Desenvolvimento

CONAMA Conselho Nacional do Meio Ambiente

CRFB Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e


emendas constitucionais posteriores

DUDH Declaração Universal dos Direitos Humanos

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

ONU Organização das Nações Unidas

PMCMV Programa Minha Casa Minha Vida

REURB Regularização Fundiária Urbana

REURB-E Projeto de Regularização Fundiária Urbana com objetivo


Específico
REURB-S Projeto de Regularização Fundiária Urbana com objetivo Social
ROL DE CATEGORIAS

Áreas de Preservação Permanente: são áreas ambientais sensíveis e protegidas,


coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os
recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica e a biodiversidade, facilitar o
fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações
humanas, pertencentes a um ecossistema global, cujos impactos negativos ou
positivos se refletem em consequências no meio ambiente de maneira geral.1

Cidade Sustentável: é definida como um novo paradigma de cidade, que abraça os


objetivos contidos no princípio desenvolvimento sustentável em um patamar urbano.
Entende-se como um modelo civilizatório que prioriza a harmonia entre as
necessidades sociais, econômicas e ambientais no desenvolvimento da sociedade
humana, com o aumento da qualidade de vida sem comprometer os recursos naturais,
tendo como consequência a preservação e o meio ambiente para as presentes e
futuras gerações.2

Direito à Moradia ou Habitação Digna: é um direito humano fundamental de


segunda geração em razão de sua natureza social, uma vez que se caracteriza como
uma das necessidades básicas do ser humano e compreende um determinado espaço
físico para o indivíduo e sua família. O direito à moradia digna também abrange o
direito a uma região que seja apropriada para o desenvolvimento de uma saudável
qualidade de vida em cidades sustentáveis e um meio ambiente preservado.3

Direito à Propriedade: é um conjunto complexo de direitos sobre um bem, de maneira


geral, que possibilita o titular exercer qualquer um deles sem a interferência de
terceiros. Apesar de ser um direito que está descrito no rol dos direitos fundamentais

1
PAULA, Rodney Pereira de. O Direito de Propriedade e a Devida Proteção às Áreas de
Preservação Permanente Urbana – Conflito e Controvérsias. Dissertação de Mestrado. Itajaí:
Universidade do Vale do Itajaí, 2019, p. 70.
2 PROVIN, Alan Felipe. O Outro Lado da Cidade: A Regularização Fundiária como Instrumento à
Sustentabilidade. Dissertação de Mestrado. Itajaí: Universidade Vale do Itajaí, 2017, p. 32.
3 MOTA, Mauricio Jorge Pereira e MOURA, Emerson Affonso da Costa. O Direito à Moradia e a
Regularização Fundiária. In: MOTA, Mauricio Jorge Pereira et al (org.). Direito a `moradia e
regularização fundiária. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2018, p. 13.
da Constituição Federal Brasileira de 1988, não é absoluto e deve estar de acordo
com sua função social.4

Função Social da Propriedade: função social da propriedade é um princípio


constitucional que consiste em impor um determinado comportamento, positivo ou
negativo, ao proprietário. O comportamento imposto deve harmonizar os interesses
sociais coletivos com a manutenção dos direitos de usar, gozar e dispor, inerentes à
propriedade. Este princípio começa a incorporar a noção sobre a preservação e
proteção ambiental no conteúdo dos interesses coletivos.5

Meio Ambiente Ecologicamente Sustentável: direito fundamental de terceira


geração, de característica transindividual que se preocupa com a proteção de todo
gênero humano, com o dever imposto de sua preservação a todas as pessoas, do
Poder Público à sociedade privada, do coletivo ao individual, para o uso racional dos
recursos naturais, atendendo as necessidades das presentes e futuras gerações. Em
sentido estrito, encontra-se o conceito na legal como “o conjunto de condições, leis,
influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e
rege a vida em todas as suas formas”.6

Regularização Fundiária Urbana: é o resultado de políticas públicas no


enfrentamento ao problema de irregularidade e ilegalidade de propriedades,
adaptando as propriedades imobiliárias urbanas às leis e às diretivas contidas no
princípio desenvolvimento sustentável, sendo considerada, desta forma, um
instrumento legal para se alcançar uma moradia digna em uma cidade sustentável.7

4 SCHERER, Marcos D’Avila. Regularização Fundiária: Propriedade, Moradia e Desenvolvimento


Sustentável. Dissertação de Mestrado. Itajaí: UNIVALI, 2015. p. 27-28.
5 NEVES, Edson Alvisi, SANTOS, Fábio Roberto Oliveira e SEPULVEDA, Fernanda de Mattos.

DIREITO À MORADIA: O papel da jurisdição na redistribuição do solo urbano. 1ª ed., Rio de


Janeiro: Lumen Juris, 2017. p. 69.
6 Inciso I, art. 3º da Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981. Lei de Política Nacional do Meio Ambiente.
7 VIEIRA, Eriton Geraldo, e JÚNIOR, Othoniel Ceneceu Ramos. A Regularização Fundiária Urbana

de Interesse Social em Áreas de Preservação Permanente à Luz do Direito Fundamental ao


Meio Ambiente Ecologicamente Equilibrado. Disponível em
<http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=4285d861bc62cba0>. Acessado em 05/03/2020.
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 – Crescimento da população urbana e rural. Fonte: IBGE, Censo
Demográfico 1960, 1970, 1980, 1991, 2000 e 2010. ________________________ 20

Tabela 2 – Déficit Habitacional por Regiões - 2007 a 2009/2011, 2012/2013 e 2014. -


Fonte: Dados básicos: Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD)-IBGE,
v.28, 2007; v.29, 2008; v.30, Elaboração: Fundação João Pinheiro (FJP), Centro de
Estatística e Informações (CEI) ________________________________________ 41

Tabela 3 – Déficit Habitacional no Brasil - 2007 a 2009/2011, 2012/2013 e 2014/2015.


- Fonte: Dados básicos: Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD)-IBGE,
v.28, 2007; v.29, 2008; v.30, Elaboração: Fundação João Pinheiro (FJP), Centro de
Estatística e Informações (CEI) ________________________________________ 42
Sumário

RESUMO ............................................................................................................................................. 13
ABSTRACT ......................................................................................................................................... 14
INTRODUÇÃO .................................................................................................................................... 15
1 DIREITO FUNDAMENTAL À MORADIA E À CIDADE SUSTENTÁVEL ............................... 19
1.1 O DIREITO FUNDAMENTAL À MORADIA ......................................................................... 21
1.2 CONTEXTO INTERNACIONAL DO DIREITO À MORADIA ............................................. 30
1.3 ANÁLISE HISTÓRICA E EVOLUÇÃO LEGISLATIVA ....................................................... 31
1.4 CONCEITO DE DIREITO À MORADIA ................................................................................ 36
1.5 CONCEITO DE DIREITO À CIDADE SUSTENTÁVEI ...................................................... 37
1.7 OCUPAÇÃO EXCLUDENTE DO SOLO URBANO: A CIDADE FORMAL E A CIDADE
REAL ................................................................................................................................................ 41
1.8 A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE FRENTE AO DIREITO À PROPRIEDADE 46
1.9 DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL URBANO ............................................................ 49
1.10 ESTATUTO DAS CIDADES – ATUAÇÃO DO PODER ESTATAL EAS POLÍTICAS
PÚBLICAS ....................................................................................................................................... 53
2 O MEIO AMBIENTE ECOLOGICAMENTE EQUILIBRADO E ÁREAS DE PRESERVAÇÃO
PERMANENTE ................................................................................................................................... 58
2.1 DIREITO AO MEIO AMBIENTE ECOLOGICAMENTE EQUILIBRADO ......................... 58
2.2 DEFINIÇÃO DE UM MEIO AMBIENTE ECOLOGICAMENTE EQUILIBRADO ............. 62
2.3 EVOLUÇÃO HISTÓRICA E LEGISLATIVA DAS ÁREAS DE PRESERVAÇÃO ........... 65
2.4 CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA DE ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE
........................................................................................................................................................... 72
2.5 MODALIDADE OU ESPÉCIES DE ÁREAS DE PRESERVAÇÃO PERMANENTES ... 75
2.6 ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE URBANA ..................................................... 79
2.7 ÁREAS CONSOLIDADAS E CONSEQUENCIAS JURÍDICAS ........................................ 86
2.8 INTERVENÇÃO E SUPRESSÃO EM ÁREAS DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE
URBANAS ....................................................................................................................................... 89
3 REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA COMO INSTRUMENTO PARA DESENVOLVIMENTO
SUSTENTÁVEL .................................................................................................................................. 97
3.1 PANORAMA LEGISLATIVO DA REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA .................................. 97
3.2 CONCEITO DA REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA URBANA ............................................. 98
3.3 OBETIVOS DA REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA ............................................................... 99
3.4 MODALIDADES E REQUISITOS DA LEI 13.465/17 ....................................................... 101
3.5 INSTRUMENTOS DA REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA URBANA ................................ 104
3.6 ANÁLISE ECONÔMICA DA REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA URBANA ..................... 105
3.7 REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE E O
DANO AMBIENTAL ..................................................................................................................... 108
3.8 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS: UM CONFLITO APARENTE ................................. 114
3.9 PONDERAÇÃO ENTRE O DIREITO À MORADIA E AO MEIO AMBIENTE
ECOLOGICAMENTE EQUILIBRADO ....................................................................................... 117
CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................................ 124
BIBLIOGRAFIA ................................................................................................................................. 127
13

RESUMO
A presente Dissertação está inserida na linha de pesquisa Direito,
Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente. A regularização fundiária de invasões ou
ocupação de áreas de preservação permanente urbanas é a essência da pesquisa. O
direito à moradia digna e ao meio ambiente são pressupostos de uma qualidade de
vida sadia que se incorporam aos elementos da dignidade da pessoa humana,
princípio previsto na Carta Magna brasileira. O direito social de possuir um lugar para
ser chamado de lar é um direito de todos, pois atende às necessidades primárias da
população. Da mesma forma, a natureza deve ser preservada e sua estabilidade
conservada e, se possível, restaurada quando prejudicada, visto que a vida de todas
as espécies depende de um meio ambiente equilibrado no presente e no futuro.
Apesar dos direitos à moradia, meio ambiente e propriedade estarem no degrau dos
direitos fundamentais, nenhum possui a caraterística de ser absoluto, não
prevalecendo um sobre o outro de forma abstrata. Na aplicação dos instrumentos
trazidos pela legislação recém introduzida ao ordenamento jurídico, como o Novo
Código Florestal, Estatuto da Cidade e, por último, a Lei de Regularização Fundiária,
os conflitos de direitos fundamentais serão uma constante. O choque desses direitos
de tamanha importância se mostra mais agudo quando se envolve áreas ambientais
sensíveis nos centros urbanos, uma vez que envolvem consequências sociais,
econômicas e, principalmente, ambientais. Ademais, não obstante os avanços
científicos da sociedade atual, a avaliação no caso em concreto não pode deixar de
avaliar os danos futuros e desconhecidos. Assim, no caso concreto, analisar qual a
melhor técnica para alcançar o melhor resultado em qualquer das situações que se
apresente que, por consequência, pode comprovar se a regularização fundiária veio
como uma ferramenta jurídica inovadora ao Poder Público ou não no objetivo de
possibilitar a implantação do desenvolvimento sustentável, como a prosperidade
social, econômica e ambiental. O estudo foi realizado por meio dedutivo e pesquisa
bibliográfica.

Palavras-chave: Direito à Moradia; Meio Ambiente Ecologicamente


Equilibrado; Área de Preservação Permanente; Regularização Fundiária;
14

ABSTRACT
This Dissertation is part of the line of research Law, Urban Development
and Environment. It’s focus is the land regularization of invasions or occupation of
urban permanent preservation areas. The right to decent housing and to the
environment are basic premises for a healthy quality of life that are incorporated into
the elements of human dignity, a principle provided for in the Brazilian Magna Carta.
The social right to own a place that can be called home is the right of all, as it meets
the primary needs of the population. Likewise, nature, and its stability, must be
preserved and, if possible, restored when damaged, as the life of all species depends
on a balanced environment in the present and in the future. But although the rights to
housing, the environment and property are all fundamental rights, none of them has
the characteristic of being absolute, not prevailing over the other in an abstract way. In
the application of the instruments brought by the legislation recently introduced to the
legal system, such as the New Forest Code, City Statute and, finally, the Land
Regularization Law, conflicts of fundamental rights will be a constant. The clash
between these rights of such importance is more acute when it comes to
environmentally sensitive areas that border on urban centers, as this often involves
social, economic and, particularly environmental consequences. Furthermore, despite
the scientific advances of today's society, the assessment in the concrete case must
include an assessment of future and unknown damage. Thus, in the concrete case, to
analyze the best technique for achieving the best result in any of the situations that
arise that, as a consequence, can prove whether or not land regularization came as
an innovative legal tool to the Public Power in order to enable the implementation of
sustainable development, such as social, economic and environmental prosperity. The
study was carried out through deductive and bibliographic research.

Keywords: Right to Housing; Ecologically Balanced Environment; Permanent


Preservation Area; Land Regularization;
15

INTRODUÇÃO
A questão do déficit habitacional é evidente e um dos mais desafiadores
para os gestores de cidades e para o poder público, de maneira geral e em uma
perspectiva mais reduzida, mas se ampliarmos o foco sobre as consequências
possíveis e concretas, esse desafio diz respeito à toda humanidade.

O enfoque principal do presente trabalho é discorrer sobre a harmonização


ou a ponderação entre o direito à moradia digna e o direito ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado no contexto da regularização fundiária em APP urbana,
analisando as consequências e seus efeitos jurídicos diretos e indiretos. Citando como
exemplo a afetação ao direito da propriedade que deverá se submeter o seu caráter
direito subjetivo e individual a um novo sentido, o da função socioambiental da
propriedade, consequentemente, se amoldando ao paradigma contemporâneo
estipulado pelo princípio do desenvolvimento sustentável, gerando uma cidade
sustentável.

Neste âmbito, a pesquisa também tem como intuito estudar a regularização


fundiária em áreas de preservação permanente dentro dos limites urbanos das
cidades, como uma inovadora ferramenta jurídica que se coloca como uma solução
para efetivação de políticas públicas, onde analisa modelos que se adaptem para cada
situação em concreto.

Parte-se da questão sobre o conflito em se promover o direito à moradia


como um elemento da digna qualidade de vida e, da mesma forma, garantir o meio
ambiente ecologicamente equilibrado e preservado para a atual e, principalmente,
futuras gerações. Surgindo, neste contexto, o debate de qual a técnica adequada para
definir a melhor aplicação dos direitos conflituosos ao caso concreto, seja pela
aplicação exclusiva de um direito ou pela harmonização ou ponderação entres os dois
direitos fundamentais.

Para o desenvolvimento da pesquisa foram levantadas três hipóteses sobre


o tema.

A primeira questão trata sobre a moradia digna, que remota aos tempos em
que a humanidade começou a se aglomerar em centros urbanos e, com a aumento
16

populacional das últimas décadas, isso se agravou e começou a gerar pressão de


ocupação em áreas ambientalmente protegidas nas cidades. O modelo adotado
mostra seus resultados com a realidade caóticas dos centros urbanos em todos os
aspectos. O direito de propriedade, também previsto em norma constitucional, em
vista aos novos valores incorporados pela sociedade moderna, deve se encaixar
nessa hodierna concepção de função social e ambiental da propriedade e do princípio
do desenvolvimento sustentável, justamente para atender aos direitos humanos
fundamentais, que englobam tanto o direito à moradia digna como o direito ao meio
ambiente ecologicamente sustentável, onde ambos são pressupostos ou requisitos
para uma vida saudável.

A outra questão refere-se à nova Lei de Regularização Fundiária,


juntamente com a possibilidade de intervenção em áreas de preservação permanente
urbana prevista no Novo Código Florestal, que veio com o objetivo de resolver a
questão de moradia, assunto que demanda esforços em diversas frentes e áreas da
ciência, principalmente na jurídica. O desafio dos grandes centros urbanos, onde os
resultados negativos são mais vultuosos, está nas ocupações de locais
ambientalmente sensíveis que, por serem locais desprezados e sem interesse
especulativo, foram relegados ao esquecimento e, por conseguinte, deixados de lado
na prioridade de se implantar uma fiscalização eficiente por parte das autoridades
competentes. Incube ao Poder Público o dever de organizar futuras ocupações do
solo urbano com políticas previstas em instrumentos jurídicos, como o Estatuto das
Cidades e o Plano Diretor, e as já consolidadas devem ser analisadas para que os
potenciais das APP’s sejam restaurados com a gradativas retiradas dessas
ocupações, se possível.

Por fim, a última hipótese levantada trata sobre a Intervenção em uma área
de preservação permanente para regulamentar a moradia, a uma primeira vista, vai
contra o corolário produzido pelos princípios ambientais da proibição do retrocesso
em proteção ambiental, o princípio da prevenção e da precaução, tendo em vista a
gestão de riscos ambientais conhecidos e o que ainda estão por ser dimensionados.
A lei de Regularização Fundiária inova o ordenamento jurídico, trazendo instrumentos
eficazes ao administrador público em implantar uma regulamentação da moradia e
das áreas ambientais que devem ser protegidas. Perante dessa colisão de direitos, a
17

harmonização ou ponderação, respectivamente, se mostram como uma melhor


resposta diante de uma colisão de interesses constitucionais no caso concreto.

O presente trabalho alcançou os seguintes resultados em resposta às


hipóteses levantas, de forma resumida, como segue.

Primeiramente, no Capítulo 1, inicia-se sobre a construção histórica do


direito humano à moradia e sua transformação em um direito fundamental positivado
nas constituições, passando por um breve contexto internacional, até se chegar na
situação normativa atual no Brasil. Com o conceito do direito à moradia, busca-se um
paralelo com o conceito da cidade sustentável que gera a moradia digna como
consequência. Para a implantação dos conceitos de moradia digna e do
desenvolvimento urbano sustentável é preciso alterar a concepção do direito
constitucional à propriedade, antes visto como um direito subjetivo absoluto, para
atender ao princípio da função social da propriedade, que agora se soma à definição
socioambiental. Da mesma forma, o processo da regularização fundiária soma-se ao
Novo Código Florestal e ao Estatuto das Cidades como instrumento para ajudar a
implantar políticas públicas que tratem do desenvolvimento sustentável.

Em seguida, é trabalhado no Capítulo 2 o meio ambiente ecologicamente


equilibrado como um direito fundamental abraçando o movimento global nessa
direção. Desenvolve-se, em uma breve síntese, a evolução histórica e legislativa de
como foi feita a distribuição e ocupação de terras e espaços urbanos no Brasil, desde
os primórdios da colônia de Portugal até os dias atuais, com a polêmica aprovação do
Novo Código Florestal e expondo os problemas de ocupação de APP. Faz-se um
estudo de maneira horizontal em todos as características atinentes à área de
preservação permanente e enfatiza naquela situada no âmbito urbano e ocupada com
o intuito de moradia pela população de baixa renda.

Finalmente, no Capítulo 3, cuida-se do processo de Regularização


Fundiária nas áreas de preservação permanente e as normas aplicáveis. Dedica-se
ao conceito, objetivo, instrumentos e modalidades da contido na Lei 13.465/17 de
maneira geral. Passando a analisar os benefícios e possíveis conflitos com outros
interesses que essa regulamentação pode trazer, principalmente com os princípios
ambientais previstos na atual Constituição Federal do Brasil. Chegando-se a
18

conclusão de que se deve harmonizar ou ponderar os interesses contidos nos


princípios do direito à moradia e do meio ambiente ecologicamente equilibrado, sendo
o processo de regularização fundiária um instrumento do princípio do desenvolvimento
sustentável.

A presente Dissertação se encerra com as Considerações Finais, nas quais


são apresentados aspectos destacados da Dissertação, seguidos de estimulação à
continuidade dos estudos e das reflexões sobre a regularização fundiária em área de
preservação permanente urbana com o devido confronto da questão de conflito do
direito à moradia e ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.

O Método a ser utilizado na fase de Investigação foi o dedutivo; na fase de


Tratamento dos Dados foi adotado o cartesiano.

A técnica de investigação foi feita com a base em investigação bibliográfica


nacionais, como livros, e-books, teses, dissertações e artigos e alguns livros e artigos
internacionais sobre o tema.

Nesta Dissertação as Categorias principais estão grafadas com a letra


inicial em maiúscula e os seus Conceitos Operacionais são apresentados em
glossário inicial.

A presente Dissertação tem como objetivo institucional a obtenção do título


de Mestre em Ciência Jurídica pelo Curso de Mestrado em Ciência Jurídica da Univali.
19

1 DIREITO FUNDAMENTAL À MORADIA E À CIDADE


SUSTENTÁVEL
Há uma progressiva preocupação com esse excessivo crescimento da
população mundial, principalmente sobre a fatia que está na área urbana em busca
de circunstâncias que melhoram, ou deveriam melhorar, as condições da vida, como
por exemplo a educação, empregos, saneamento básico.

Certamente, com o notório e súbito crescimento populacional, os grandes


centros urbanos não possuem estrutura suficiente para suportar e absorver essa
massa de pessoas. Tal fenômeno acaba gerando resultados negativos de natureza
socioeconômicos e ambientais, muitas das vezes, ocorrendo nos países ainda em
desenvolvimento.

O surgimento da revolução industrial, em sua primeira etapa no ano de


17608, ajudou a intensificar o fluxo migratório da população rural para os centros
urbanos, atraídos muito em razão da promessa de melhores e maiores oportunidades
de trabalho, pelo acesso à saúde e educação, ou mesmo pelo desalento com a falta
de políticas públicas voltadas para o campo e a mecanização das produções
agrícolas.

A população mundial tem escolhido o meio urbano como seu habitat. As


estatísticas comprovam essa escolha com o crescimento das cidades em torno do
globo terrestre, uma vez que no ano de 1975 a população urbana era 37,5% e
passando para 49,2% em 2005. Neste mesmo ano, a América Latina estava com
77,6% e o Brasil com 81,25% de sua população residentes em área urbana9.

No Brasil, o número de pessoas residentes na zona rural era maior na


década de 1960, mas foi superado pela quantidade de residentes na zona urbana a
partir do ano de 1970. Essa tendência de crescimento dos centros urbanos foi
observada até os dias atuais, conforme o censo realizado pelo IBGE entre o anto de
1960 até o ano de 2010, a seguir:

8 SÓ HISTÓRIA. Revolução Industrial. Disponível em <https://www.sohistoria.com.br/resumos/


revolucaoindustrial.php>. Acessado em 04/12/2019;
9 CHAER, Tatiana Mamede Salum. Regularização Fundiária em Área de Preservação Permanente:

Uma contribuição à gestão urbana sustentável. Brasília: Universidade de Brasilia, 2007, p. 11.
20

CRESCIMENTO DA POPULAÇÃO URBANA E RURAL


180000000
160000000
140000000
120000000
POPULAÇÃO

100000000
80000000
60000000
40000000
20000000
0
1960 1970 1980 1991 2000 2010
ANOS

URBANA RURAL

Tabela 1 – Crescimento da população urbana e rural. Fonte: IBGE, Censo Demográfico 1960, 1970,
1980, 1991, 2000 e 2010.10

Esse excessivo fluxo migratório em direção às cidades gera problemas,


como a questão de acesso ao solo urbano, que evidencia cada vez mais a segregação
social e a violação do direito fundamental à moradia, com a formação de favelas,
cortiços e ocupações de áreas irregulares ou ilegais.11

Dentre esses resultados, destaca-se as invasões e ocupações irregulares


ou clandestinas do solo urbano em áreas ambientais sensíveis, causando danos sem
controle, por meio da supressão de vegetação nativa que expõe as encostas de
morros ou margens dos cursos d’águas, com isso podendo gerar, por exemplo,
deslizamento de terras, contaminação dos mananciais, dentre outros efeitos adversos.

A amarga constatação da realidade vai na direção contrária às visões


utópicas de uma “cidade perfeita”, concebida com planejamento prévio, estrito,
detalhado e abrangente do espaço da cidade e na regularidade, uniformidade,

10
O levantamento de dados é feito a cada 10 anos, conforme metodologia adotada pelo IBGE que, até
a finalização deste trabalho, ainda não estava disponível.
11 NEVES, Edson Alvisi, SANTOS, Fábio Roberto Oliveira e SEPULVEDA, Fernanda de Mattos.

DIREITO À MORADIA: O papel da jurisdição na redistribuição do solo urbano. 1ª ed., Rio de


Janeiro: Lumen Juris, 2017. p. 5.
21

homogeneidade e reprodutibilidade dos elementos espaciais inseridos em torno dos


edifícios administrativos localizados nas partes centrais12.

O direito fundamental à moradia e seus desdobramentos jurídicos têm seu


estudo imprescindível para retratar a influência dos fatos e acontecimento de destaque
político e socioeconômicos sobre os inúmeros direitos individuais e coletivos, dado
que será tratado, também, sua influência no meio ambiente ecologicamente
equilibrado por meio da regularização fundiária em áreas de preservação permanente.
Essa influência faz nascer a necessidade de se acompanhar essa evolução por parte
das várias ciências, como já mencionado, em especial merece um acompanhamento
de perto pelos pensadores do Direito13.

Para a continuação da pesquisa, será adotado como sinônimos os termos


“moradia” e “habitação”, malgrado haver gabaritados autores que diferenciam as
definições dos dois termos, diferenças conceituais que não vão atrapalhar o
entendimento da pesquisa da forma como estão sendo flexibilizadas.

1.1 O DIREITO FUNDAMENTAL À MORADIA

A caracterização do Direito à Moradia como um direito humano


fundamental se mostra uma etapa de grande importância para o desenvolvimento da
presente pesquisa. Ao passo que a definição de direitos humanos e direitos
fundamentais, também, se mostra complexo, em vista do vasto campo de critérios
teóricos para conceituar os termos “humanos” e “fundamentais” no ordenamento
jurídico.

Os Direitos Humanos, ao longo da história e de uma forma geral, é o nome


dado a um conjunto de normas jurídicas que se aplica a qualquer ser humano,
independentemente de qualquer característica. A proteção jurídica do homem,
segundo relatos, está dispersa em várias passagens pela antiguidade, passo desde o
Código de Hamurabi e Manu, passando pela Lei das XII tábuas até a ascensão do
cristianismo. Para tanto, Ademario Tavares ilustra o caso chamado de “Os Debates

12BAUMAN, Zygmunt. Globalização: as consequências humanas. Rio de Janeiro: Zahat, 1999, p.42-
43.
13 NEVES, Edson Alvisi, SANTOS, Fábio Roberto Oliveira e SEPULVEDA, Fernanda de Mattos.

DIREITO À MORADIA: O papel da jurisdição na redistribuição do solo urbano. p. 11.


22

de Valladollid”, onde um o frade espanhol Bartolomeu de Las Casas defendeu perante


a Coroa Espanhola o direito dos nativos americanos em defender seu modo de vida
em face a ocupação, argumentando que “todos os seres humanos nascem
naturalmente iguais e não cabia à Coroa Espanhola ou à Igreja Católica subjugar os
povos nativos da América”.14

Na medida em que os direitos humanos vão evoluindo gradativamente pela


história, a resistência ao seu reconhecimento de forma universalizada vai
desaparecendo no mesmo ritmo, como o fim da escravidão, a revolução francesa e o
reconhecimento dos direitos da mulher, por exemplo.15

Apesar de haver um debate sobre o emprego de expressões


terminológicas, há um consenso sobre a ideia que estipula a classificação dos direitos
humanos em quatro gerações ou dimensões, ou até mesmo seis dimensões
dependendo do ponto de vista do estudo, que vêm sendo reconhecidas ao longo do
tempo pelas Constituições.

O surgimento do Iluminismo foi um movimento catalizador da


Independência norte-americana e da Revolução Francesa e naquela época foram
positivados os direitos fundamentais de primeira geração, ou dimensão, nos textos da
Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão do Estado da Virgínia (1776) e a
Declaração de Direito do Homem e do Cidadão da França (1789). Em sequência, com
as mudanças radicais da Revolução Industrial no final do século XIX, surgem os
direitos sociais, ou de segunda dimensão, em resposta à exploração dos
trabalhadores, com o objetivo de proteger os vulneráveis e suas famílias16.

Os primeiros textos constitucionais, de forma embrionária, começaram a


contemplar os direitos humanos no final do XVIII e meados do século XIX, como as

14 TAVARES, Ademario Andrade. Dos Direitos Humanos à Cidadania Jurídica Global: Uma história
inacabada. In: MELO, Vanessa Alexsandra de, et al. (org.) Direitos Fundamentais: Desafios à sua
concretização. Recife: Editora Universitária UFPE, 2015, p. 19-20.
15 TAVARES, Ademario Andrade. Dos Direitos Humanos à Cidadania Jurídica Global: Uma história
inacabada. p. 20.
16 TAVARES, Ademario Andrade. Dos Direitos Humanos à Cidadania Jurídica Global: Uma história
inacabada. p. 20.
23

Constituições Francesas de 1793 e 1848 e a Carta Magna do Brasil de 1848 17, mas
as duas constituições que positivaram os direitos humanos como fundamentais foram
a Constituição Mexicana em 1917 e a Constituição Alemã de 1919, o Brasil seguiu o
movimento na Constituição de 1934.18

A partir da metade do século XX, com a Declaração Universal dos Direitos


Humanos, também conhecida como Carta de Direitos Humanos, feita pela ONU em,
1948, tais direitos são o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo, da
dignidade e do valor do ser humano e considerado como essencial para “que os
direitos humanos sejam protegidos pelo império da lei, para que o ser humano não
seja compelido, como último recurso, à rebelião contra a tirania e a opressão”.19 A
criação da ONU e a idealização da Declaração do Direitos Humanos foram
consequências diretas do fim da II Guerra Mundial.20

Assim, com o fim do conflito mundial em 1945, houve um movimento global


para a internacionalização dos direitos humanos como reação à concepção positivista,
a qual revestiu de legalidade os atos de barbárie que foram praticados durantes as
duas grandes guerras, dentre os quais podemos citar o nazismo alemão, o holocausto
do povo judeu e as bombas lançadas contra as cidades japonesas de Hiroshima e
Nagasaki.21

Esse movimento jurídico, político e filosófico ficou conhecido como “pós-


positivismo” ou “neoconstitucionalismo” e consistia no reconhecimento de um sistema
constitucional mais aberto aos conceitos de princípios e valores da dignidade da
pessoa humana e surge como base do Estado Democrático de Direito. 22

17 SANTOS, Leonardo Moreira, e GOUVEIA, Lúcio Grassi de. O Direito Fundamental à Tutela Executiva
Efetiva no Processo Civil. In: MELO, Vanessa Alexsandra de, et al. (org.) Direitos Fundamentais:
Desafios à sua concretização. Recife: Editora Universitária UFPE, 2015, p. 120.
18 TAVARES, Ademario Andrade. Dos Direitos Humanos à Cidadania Jurídica Global: Uma história

inacabada. p. 21.
19 ORGANIZAÇÕES DAS NAÇÕES UNIDAS – ONU. Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Disponível em <https://www.ohchr.org/EN/UDHR/Pages/Language.aspx?LangID=por>. Acessado


em 02/01/2020.
20 TAVARES, Ademario Andrade. Dos Direitos Humanos à Cidadania Jurídica Global: Uma história

inacabada. p. 22.
21 BARROS, Felipe Maciel Pinheiro. Regularização Fundiária e Direito à Moradia: instrumentos

jurídicos e o papel dos Municípios. Curitiba: Juruá, 2014. p. 21.


22 BARROS, Felipe Maciel Pinheiro. Regularização Fundiária e Direito à Moradia: instrumentos

jurídicos e o papel dos Municípios. p. 22.


24

Os direitos humanos fundamentais são caracterizados como indivisíveis,


universais23, dinâmicos, indisponíveis, inalienáveis e intransmissíveis 24. Também são
históricos, pois se desenvolvem gradualmente a medida em que vão mudando as
circunstâncias de lutas sociais ou políticas, pois não importa qual geração ou
dimensão de um novo direito humano fundamental está inserido, mas sim a tutela que
deve receber, pois com a mudança do contexto histórico-social pode vir um elenco de
perigos ainda desconhecidos e que devem ser combatidos, chegando à conclusão de
que não há numerus clausus dos direitos humanos e suas dimensões.25

Antes mesmo de serem positivados, os direitos humanos são considerados


como uma ordem jurídica superior, direta e objetiva, servindo como uma força moral,
o princípio e fundamento universal de todo ordenamento jurídico, desta forma sendo
chamados de suprapositivos.26

A universalidade dos direitos humanos é a característica que estende a


titularidade desses direitos para toda e qualquer pessoas, ou seja, o requisito único
para ser titular é a condição de ser humano.27 São direitos universais pelo sentido
lógico da palavra e pela quantificação geral da classe de sujeitos que são titulares,
reconhecidos de igual forma e medida. 28

No entanto, ainda que os direitos humanos sejam prioritários e essenciais


a quaisquer pessoas, sem limitação de fronteiras, estes sofrem críticas de um
pensamento relativista, que prega a possibilidade de restrição de tais direitos em nome
das particularidades culturais, com o argumento principal de que a imposição dos
direitos com base na sua universalidade é um artifício para a prática do imperialismo
da cultura ocidental.29 Malgrado o pensamento dessa corrente, o certo é que os

23 BARROS, Felipe Maciel Pinheiro. Regularização Fundiária e Direito à Moradia: instrumentos


jurídicos e o papel dos Municípios. p. 22.
24 FERRAJOLI, Luigi. Los fundamentos de los derechos fundamentales. Madrid: Simancas

Ediciones, 2001. p. 31.


25 SANTOS, Leonardo Moreira, e GOUVEIA, Lúcio Grassi de. O Direito Fundamental à Tutela Executiva

Efetiva no Processo Civil. p. 120.


26 SANTOS, Leonardo Moreira, e GOUVEIA, Lúcio Grassi de. O Direito Fundamental à Tutela Executiva

Efetiva no Processo Civil. p. 122.


27 BARROS, Felipe Maciel Pinheiro. Regularização Fundiária e Direito à Moradia: instrumentos

jurídicos e o papel dos Municípios. p. 22.


28 FERRAJOLI, Luigi. Los fundamentos de los derechos fundamentales. p. 30.
29 BARROS, Felipe Maciel Pinheiro. Regularização Fundiária e Direito à Moradia: instrumentos

jurídicos e o papel dos Municípios. p. 23.


25

direitos humanos surgiram como defesa dos mais fracos contra os mais fortes, força
essa interpretada de maneira ampla, como na relação do Estado contra o indivíduo.

Essa universalidade dos direitos do homem é uma ideia clássica intrincada


no desenvolvimento humano ao longo da história, para alguns estudiosos, segundo
os quais nascem como convicções do jusnaturalismo. Para tanto, Antonio Enrique
Luño tece o seguinte ensinamento:

Para algunos, los derechos humanos suponen una constante histórica


cuyas raíces se remontan a las instituciones y el pensamiento del
mundo clássico. Otros, por el contrario, sostienen que la idea de los
derechos humanos nace con la afirmación cristiana de la dignidad
moral del hombre en cuanto persona. [...] Unas veces se considera
que los derechos humanos son el fruto de la afrimación de los ideales
iunaturalistas; en tanto que en otras se considera que los términos
“derechos naturales” y “derechos humanos” son categorias que no se
implican necessariamente, o, incluso, entre las que antes de una
continuidade existe una alternativa. De otra parte, es muy corriente
ostener que los derechos humanos son el producto de la progresiva
afirmación de la individualidad.30

A questão entre direitos humanos e direitos naturais estarem de algum


modo ligados, visto que o jusnaturalismo considera o direito do homem uma extensão
de seus preceitos, essa conexão é negada pelos autores positivistas. Esse debate de
gêneses conceitual tem a tendência de considerar que os direitos humanos têm um
conceito mais amplo do que os direitos naturais, sendo esta perspectiva aceita até por
aqueles que reconhecem a correlação entre os dois termos.31

Quando os direitos humanos são positivados nos textos constitucionais


recebem, dessa maneira, a nomenclatura de direitos humanos fundamentais por
possuírem um sentido mais preciso e estrito, posto que constituem uma série de
direitos e liberdades jurídicas, institucionalmente protegidos pela norma positivada. Da

30 Para alguns, os direitos humanos são uma constante histórica cujas raízes remontam às instituições
e ao pensamento do mundo clássico. Outros, pelo contrário, sustentam que a idéia de direitos
humanos nasce com a afirmação cristã da dignidade moral do homem como pessoa. [...] Às vezes,
os direitos humanos são considerados frutos da afirmação dos ideais jusnaturalistas; enquanto em
outros os termos “direitos naturais” e “direitos humanos” são considerados categorias que não estão
necessariamente implícitas, ou mesmo entre as quais, antes de uma continuidade, existe uma
alternativa. Por outro lado, é muito comum afirmar que os direitos humanos são o produto da
progressiva afirmação da individualidade. Traduzido livremente pelo autor. (LUÑO, Antonio Enrique
Pérez. Derechos Humanos, Estado de Derecho u Constituicion. 5ª edición. Madrid: Tecnos,
1995. p. 23.)
31 LUÑO, Antonio Enrique Pérez. Derechos Humanos, Estado de Derecho u Constituicion. p. 30.
26

mesma forma que existem outros direitos considerados fundamentais em conjunto


com os direitos humanos.32

Sobre os direitos fundamentais, Luigi Ferrajoli propõe duas definições, uma


teórica e puramente formal ou estrutural, como:

[...] son “derechos fundamentales” todos aquellos derechos subjetivos


que corresponden universalmente a “todos” los seres humanos en
cuanto dotados del “status” de personas, de ciudadanos o personas
con capacidad de obrar; entendiendo por “derecho subjetivo” cualquier
expectativa positiva (de prestaciones) o negativa (de no sufrir lesiones)
adscrita a un sujeto, por norma jurídica; y por “status" la condición de
un sujeto, prevista asimismo por una norma jurídica positiva, como
presupuesto de su idoneidad para ser titular de situaciones jurídicas
y/o autor de los actos que son ejercício de éstas.33

Em seguida, o autor traz a definição dogmática:

[...] una definición “dogmática”, es decir, formulada con referencia a las


normas de un ordenamiento concreto, como, por ejemplo, la
Constitución italiana o la espñola. Conforme a esto, diremos que son
‘fundamentales’ los derechos adscritos por um ordenamiento jurídico
a todas las personas física em cuanto tales, em cuanto ciudadanos o
em cuanto capaces de obrar.34

Os direitos fundamentais, para grande parte da doutrina, são aqueles


direitos humanos positivados no texto constitucional e, por consequência, se tornam
os princípios informadores da ideologia política e social de cada sistema jurídico,
sendo considerados como resultado das demandas da filosofia dos direitos humanos
com sua expressão normativa no direito positivo. 35

32 SANTOS, Leonardo Moreira, e GOUVEIA, Lúcio Grassi de. O Direito Fundamental à Tutela Executiva
Efetiva no Processo Civil. p. 122.
33 [...] são "direitos fundamentais" todos os direitos subjetivos que correspondem universalmente a

"todos" os seres humanos, à medida que são dotados do "status" de pessoas, cidadãos ou pessoas
com capacidade de agir; entender por "direito subjetivo" qualquer expectativa positiva (de
benefícios) ou negativa (de não sofrer ferimentos) associada a um sujeito, por norma legal; e por
"status" a condição de um sujeito, também prevista por uma norma legal positiva, como pressuposto
de sua aptidão para ser titular de situações jurídicas e/ou autor dos atos que exercem. Tradução
livre pelo autor. (FERRAJOLI, Luigi. Los fundamentos de los derechos fundamentales. p. 19.)
34 [...] uma definição "dogmática", isto é, formulada com referência às normas de uma ordem jurídica

específica, como, por exemplo, a Constituição italiana ou a espanhola. De acordo com isso, diremos
que são fundamentais os direitos atribuídos por um ordenamento jurídico as todas as pessoas
físicas enquanto tais, enquanto cidadão e forem capazes de agir. Tradução livre pelo autor.
(FERRAJOLI, Luigi. Los fundamentos de los derechos fundamentales. p. 20.)
35 LUÑO, Antonio Enrique Pérez. Derechos Humanos, Estado de Derecho u Constituicion. p. 30.
27

Assim, os direitos humanos se positivam no texto constitucional como


direitos fundamentais. A positivação dos direitos fundamentais possibilita qualifica-los
como concepções estruturais do Estado Democrático de Direito, uma vez que a
Constituição garante a efetivação de tais direitos.

De qualquer maneira, há uma tendência, não absoluta, de reservar a


denominação de “direitos fundamentais” para designar internamente direitos humanos
positivos nas Constituições, enquanto o termo “direitos humanos” é o mais
comumente usado no campo das declarações e convenções internacionais.36

É inegável de que rol de direitos humanos contemplados em declarações e


tratados internacionais é muito maior do que aquele adotado pelas constituições.
Assim, não há uma identidade necessária entre o direito natural, direitos humanos e
direitos fundamentais, apesar do fato de alguns direitos da doutrina jusnaturalista
terem sido positivados, como o direito à vida.37

Por fim, a despeito da divergência sobre o conceito de direitos humanos


fundamentais, nota-se que há uma harmonia em reconhecer que se o direito de fato
está dentro do corpo da Constituição, esta posição lhe confere a característica de
direito fundamental. A falta dessa positivação constitucional relegaria os direitos
humanos ao tratamento no campo da moral, aspirações, ideias, retóricas políticas ou
qualquer outra definição fluída, mas que não é protegido pelo império da lei
constitucional.38

O privilégio dessa proteção constitucional visa o acompanhamento das


mudanças socioeconômicas e políticas próprias da evolução dos Estados. 39

O Brasil não é signatário da Declaração Universal dos Direitos do Homem


feita pela ONU em 1948, assim como alguns documentos e tratados internacionais,
mas o fez quanto à Convenção de Direitos Humanos, conhecido como Pacto de São
José da Costa Rica, o qual este pacto reafirma todos os princípios feitos em outros

36 LUÑO, Antonio Enrique Pérez. Derechos Humanos, Estado de Derecho u Constituicion. p. 30-
31.
37 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado,

2007. p. 40.
38 LUÑO, Antonio Enrique Pérez. Derechos Humanos, Estado de Derecho u Constituicion. p. 31.
39 BRASIL, Senado Federal. Direitos Humanos, atos internacionais e normas correlatas. 4ª ed.

Brasília: Coordenação de Edições Técnicas, 2013. p. 9.


28

instrumentos internacionais, inclusive a declaração da ONU. O Brasil é signatário


original da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, como também é
conhecida, que foi aprovada na Conferência Especializada Interamericana sobre
Direitos Humanos, na cidade de San José, Costa Rica, em 22 de novembro de 1969,
mas entrou em vigor no território brasileiro somente em 1978.40

Da mesma forma, o Brasil ratificou tantos outros que tratavam sobre direitos
humanos, pois desde o fim da Segunda Grande Guerra, o Brasil começou a observar
tais direitos como condição a ser seguida na política interna e externa do país. 41

Assim, o direito à moradia consta na DUDH42 de 1948, no artigo XXV,


quando menciona que a pessoa tem direito à um padrão de vida que assegure a
habitação, dentre outros.

ARTIGO XXV 1. Toda pessoa tem direito a um padrão de vida capaz


de assegurar a si e a sua família saúde e bem estar, inclusive
alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços
sociais indispensáveis, e direito à segurança em caso de desemprego,
doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios
de subsistência fora de seu controle.

E consta também no texto do Pacto Internacional sobre Direitos


Econômicos, Sociais e Culturais43, celebrado na cidade de Nova York em 1966,
quando no art. 11 menciona que o Estado reconhece e tomará medida para
implementar, também, o direito à moradia.

ARTIGO 11 - 1. Os Estados Partes do presente Pacto reconhecem o


direito de toda pessoa a um nível de vida adequando para si próprio e
sua família, inclusive à alimentação, vestimenta e moradia adequadas,
assim como a uma melhoria continua de suas condições de vida. Os
Estados Partes tomarão medidas apropriadas para assegurar a
consecução desse direito, reconhecendo, nesse sentido, a
importância essencial da cooperação internacional fundada no livre
consentimento.

40 TAVARES, Ademario Andrade. Dos Direitos Humanos à Cidadania Jurídica Global: Uma história
inacabada. p. 25.
41 BRASIL, Senado Federal. Direitos Humanos, atos internacionais e normas correlatas. p. 6-9.
42 ORGANIZAÇÕES DAS NAÇÕES UNIDAS – ONU. Declaração Universal dos Direitos Humanos.
43 ORGANIZAÇÕES DAS NAÇÕES UNIDAS – ONU. Pacto Internacional sobre Direitos

Econômicos, Sociais e Culturais. Disponível em


<https://www.oas.org/dil/port/1966%20Pacto%20Internacional%20sobre%20os%20Direitos%20Ec
on%C3%B3micos,%20Sociais%20e%20Culturais.pdf>. Acessado em 15/01/2020.
29

O Brasil, como já mencionado, apesar de já ter mencionado os direitos


humanos em suas Cartas constitucionais anteriores de forma embrionária, foi com a
Constituição de 1988 em que os direitos fundamentais foram contemplados no art. 5º,
sendo um marco histórico na transição para a democracia e o respeito e proteção dos
Direitos Humanos, que engloba os demais pela sua natureza universal.44

Já é pacífico o entendimento de que os direitos fundamentais estão fluidos


e espalhados pelo texto constitucional de forma implícita ou explícita, além daqueles
insertos nos textos de tratados internacionais, não sendo circunscrito somente no rol
do art. 5º45, mesmo porque a redação do art. 2º da Constituição de 1988 estabelece
que:

[...] § 2º. Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não


excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela
adotados, ou dos tratados internacionais em que a República
Federativa do Brasil seja parte. [...]

Malgrado o entendimento de que o direito à moradia já seria um direito


fundamental, por constar em tratados internacionais ratificados pelo Brasil, o
Congresso Nacional promulga em 14 de fevereiro de 2000 a Emenda Constitucional
n.º 26, que inclui expressamente o direito à moradia no caput do art. 6º da Constituição
Federal do Brasil, no Título II que trata sobre os direitos e garantias fundamentais.

Segundo a exposição de motivos da emenda à constituição, o motivo para


a proposta tem como base o fato do Brasil ser escolhido o relator da carta de intenções
da Conferência Habitat II, organizada pela ONU em 1996, e poderia colocar o país em
situação crítica e delicada perante o cenário nacional e internacional, qualificando
como “chagas social” as condições das moradias de milhões de brasileiros. 46

Com a promulgação da referida emenda, o direito à moradia foi


formalmente incorporado ao texto constitucional, não deixando espaço para qualquer
dúvida ou argumento que fosse usado como fundamentos para deixar a não

44 BRASIL, Senado Federal. Direitos Humanos, atos internacionais e normas correlatas. p. 9.


45 COELHO, Ariadne Elloise, e RIBEIRO, Luiz Gustavo Gonçalves. A tutela do ambiente e o problema
do controle jurisdicional de políticas públicas: entre o ativismo e o passivíssimo. Revista do
Direito Ambiental e Socioambientalismo. Disponível em
<https://indexlaw.org/index.php/Socioambientalismo/article/view/2390>. Acessado em 12/01/2020.
p. 45-46.
46 BRASIL. Diário do Senado Federal, de 19 de Junho de 1996. Proposta de Emenda à Constituição

n. 28, de 1996. Justificação, p. 10.244-10.245


30

efetivação do direito no campo das retóricas políticas, como pode se extrair de parte
da justificativa da proposta à emenda.

Portanto, o direito à moradia é um direito humano fundamental, visto que


atende aos requisitos formais de positivação e, em sua essência, é um dos direitos
essenciais para se alcançar a dignidade da pessoa humana, condição presente nos
tratados e constituições que observam os direitos dos homens nas suas normas.

1.2 CONTEXTO INTERNACIONAL DO DIREITO À MORADIA

A ONU, sem ignorar a importância de outros organismos internacionais, é


a organização que se destaca no processo histórico de proteção dos direitos
humanos. Com isso e no intuito de fazer uma pequena ilustração do tema, cabe aqui
um breve relato sobre a relevância do direito à moradia digna obteve no âmbito de
tratado e convenções internacionais, as quais o Brasil, de certa forma, tenta
implementar internamente.

O sistema adotado pela ONU consiste em um sistema global e outro


regional, ou seja, um documento internacional com considerações gerais e abstratas
e outro derivado regional contendo instrumentos mais particularizados para o país ou
região que ratificou o original47. Assim, com o objetivo de ilustração, cita-se alguns
tratados os quais o Brasil ratificou.

Além das conferências já mencionadas que resultaram no Pacto de San


José da Costa Rica, no Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e
Culturais, na Conferência Habitat II, vale destacar as conferências que resultaram nos
compromissos denominados “Agenda 21” e “Agenda 2030”.

A Agenda 21 Global é um programa que foi resultado da Conferência das


Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento – CNUMAD, conhecida
como “Rio 92” ou “Cúpula da Terra”. Vale destacar a menção que o documento faz
sobre o direito à moradia e habitação, contido no Capítulo 748, transcrito a seguir:

47 BARROS, Felipe Maciel Pinheiro. Regularização Fundiária e Direito à Moradia: instrumentos


jurídicos e o papel dos Municípios. p. 39.
48 Agenda 21 Global. Disponível em <https://www.mma.gov.br/responsabilidade-
socioambiental/agenda-21/agenda-21-global.html>. Acessado em 06/03/2020.
31

O acesso a habitação segura e saudável é essencial para o bem-estar


físico, psicológico, social e econômico das pessoas, devendo ser parte
fundamental das atividades nacionais e internacionais. O direito à
habitação adequada enquanto direito humano fundamental está
consagrado na Declaração Universal dos Direitos Humanos e no
Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais.

No mesmo sentido, a Agenda 2030, realizada em Nova York em setembro


de 2015, estabelece objetivos e metas para serem cumpridas até 2030, dentre as
quais podemos selecionar o “Objetivo 11” 49 que tem a meta de “Tornar as cidades e
os assentamentos humanos inclusivos, seguros, resilientes e sustentáveis”, a ser
alcançado “11.1 Até 2030, garantir o acesso de todos à habitação segura, adequada
e a preço acessível, e aos serviços básicos e urbanizar as favelas”.

Em vista deste pequeno, mas relevante, apanhado de documentos


internacionais dentre outros, mostra a seriedade do direito à moradia digna têm no
cenário externo, qualidade que deve ser considerada na hora de sopesar a
harmonização deste direito com o meio ambiente sadio, que também é considerado
em tais documentos, como se verá mais à frente.

1.3 ANÁLISE HISTÓRICA E EVOLUÇÃO LEGISLATIVA

O momento histórico determina a importância atribuída aos direitos,


variando conforme as circunstâncias que vigoram e a época em que se determinam a
importância e alcance da norma, como foi para o direito à propriedade privada. 50

Na Europa, um acontecimento histórico que ilustra bem como era feita a


política pública para a ocupação do solo urbano ou mesmo a organização promovida
pelo poder público, foi a reforma urbanista promovida pelo Barão Georges Haussmann
em Paris nos anos de 1853 e 1870, que expulsou para os subúrbios a classe
trabalhadora que, segundo Henri Lefebvre, era uma estratégia da burguesia local para
frear a democracia urbana que estava nascendo naquela época.51

49 Agenda 2030 – 17 Objetivos para transformar o mundo - ONU. Disponível em


<https://www.mma.gov.br/responsabilidade-socioambiental/agenda-21/agenda-21-global.html>.
Acessado em 05/01/2020.
50 BOBBIO, Noberto. A Era dos Direitos. Trad. Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004,

p. 93.
51 TRINDADE, Thiago Aparecido. DIREITO E CIDADANIA: REFLEXÕES SOBRE O DIREITO À

CIDADE. Lua Nova [online]. 2012, n.87, pp. 139-165. ISSN 0102-6445. Disponível em
<http://dx.doi.org/10.1590/S0102-64452012000300007>. Acessado em 03/10/2019. p. 141.
32

No final do século XVII, Friedrich Engels52 começa a publicar manifestos


em jornais com influência na Alemanha e nos demais Estados Europeus, dirigido para
a solução da escassez aguda de moradia, que é atribuída, por Engels, a um sintoma
da Revolução Industrial que se realizava na Alemanha àquela época. Nos seus
manifestos, escritos nos anos de 1872 e 1873, Engels critica o capitalismo e defende
que a formação dos grandes aglomerados urbanos são a causa do aumento dos
aluguéis, concentração de famílias em uma única moradia, quando no extremo, sendo
desabrigados.53

Nessa linha de raciocínio Friedrich Engels e Karl Marx defendem que a


escassez de moradias naquela época, bem como todas as mazelas sociais, era
causada pelo capitalismo e a sua base jurídica, restando somente a eliminação desse
modelo econômico e seu ordenamento legal como solução.54

O ordenamento legal de modelo capitalista, também, é o problema comum


afeto a toda a América Latina, sendo um forte componente na reprodução das
desigualdades sociais e como o padrão excludente e concentrador de riqueza da
urbanização na região, dos quais os resultados são a segregação socioespacial,
exclusão territorial e degradação urbanístico-ambiental, onde é punida a camada
empobrecida da sociedade.55

No Brasil, no início da colonização portuguesa, a distribuição de terras era


feita com o objetivo de promover a ocupação do território para fazer frente às ameaças
estrangeiras e essa partilha era feita através concessão de Sesmarias, Capitanias
Hereditárias e Florais, com a condição de se tornarem produtivas. A demarcação das
áreas era imprecisa, possibilitando a apropriação pela simples posse, nascendo aqui
as primeiras ocupações irregulares. Soma-se a esse problema, o modelo adotado pela
ocupação lusitana, que a principal característica era o mal aparelhamento, a

52 Friedrich Engels (1820 – 1895) foi um filósofo social e político alemão e colaborou junto com seu
amigo Karl Marx na elaboração dos volumes II e III da obra “O Capital”. Disponível em
<https://www.ebiografia.com/friedrich_engels/>. Acessado em 23/01/2020.
53 ENGELS, Friedrich. Sobre a questão da moradia. Boitempo Editorial. Edição do Kindle, posição.

1125 de 3478.
54 ENGELS, Friedrich. Sobre a questão da moradia. posição 1206.
55 TRINDADE, Thiago Aparecido. DIREITO E CIDADANIA: REFLEXÕES SOBRE O DIREITO À

CIDADE. p. 143-144.
33

liberalidade e a predominância dos fins econômicos que resultou na primazia de


construções de cidades eminentemente litorâneas56.

A transferência da Coroa Portuguesa para o Brasil foi um fato que trouxe


mudanças significativas nas áreas sociais, econômicas, urbanísticas e jurídicas. No
final do século XIX, com a abolição da escravatura, o conceito mais agudo de
propriedade sobre as terras estimula o modelo mais excludente de acesso à
propriedade e consolida-se o latifúndio como realidade fundiária brasileira. Os
programas urbanísticos brasileiros eram ligados aos ciclos e regimes econômicos
globais à época, por isso o modelo que se consolidou, e persiste até hoje, é o marcado
pela segregação e diferenciação na ocupação do solo urbano, dividindo a cidade na
parte oficial e na outra oculta57 ou, como será tratada mais adiante, na cidade real e
cidade formal.

O primeiro regramento jurídico começou com a Lei 601 de 18 de setembro


de 1850, conhecida como a Lei de Terras, e disciplinava a aquisição de propriedade
privada somente por meio de compra e venda, ainda no Brasil-Império. Esta lei
instituiu o primeiro registro oficial do Brasil, o Registro Paroquial, e obrigava a
regularização das concessões e posses produtivas, bem como estabelecia um novo
paradigma de mercado, onde a terra passou a ter valor sob a forma de mercadoria,
dando origem ao mercado imobiliário urbano58.

Apenas na década de 1930 é que houve algum movimento no sentido de


mudar a concepção de um modelo econômico e jurídico excludente, especialmente,
na questão de ocupação de solo urbano para fins de habitação.

Nesse período é promulgada a Constituição Brasileira de 1934, inspirada


na Constituição Alemã de 1919, conhecida como Constituição de Weimar, e que é

56 MOTA, Mauricio Jorge Pereira e MOURA, Emerson Affonso da Costa. O Direito à Moradia e a
Regularização Fundiária. In: MOTA, Mauricio Jorge Pereira et al (org.). Direito a `moradia e
regularização fundiária. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2018, p. 3.
57 MOTA, Mauricio Jorge Pereira e MOURA, Emerson Affonso da Costa. O Direito à Moradia e a

Regularização Fundiária. p. 7.
58 CHAER, Tatiana Mamede Salum. Regularização Fundiária em Área de Preservação Permanente:

Uma contribuição à gestão urbana sustentável. p. 17.


34

considerada como um esboço da função social da propriedade, conceito que foi


contemplado em todas as Constituições brasileiras seguintes59.

Nesse ínterim, com o escopo de buscar uma melhor distribuição das


opções de habitação, são editadas algumas leis incentivadoras tanto para o poder
público quanto para o setor privado em promover e ofertar unidades habitacionais para
a população de baixa renda, que fora excluída do mercado imobiliário, das quais vale
destacar a lei que criou o Sistema Financeiro de Habitação e o Banco Nacional da
Habitação pela Lei 4.380 de 21 de agosto de 1964, e a Lei 6.766 de 19 de dezembro
de 1979, que disciplina o parcelamento do solo urbano.

No entanto, na visão de Marcos Mota e Emerson Moura, as “sucessivas


tentativas de regulamentação do uso da terra – como códigos de edificação, leis de
zoneamento, normas para o parcelamento do solo – apresentaram-se como
virtualmente fracassadas no Brasil”60 em virtude da falta de fiscalização do poder
estatal competente e de sua incapacidade de fazer valer as regras editadas na
intenção de melhorar as condições dos centros urbanos de maneira geral.

Até que em 5 de outubro de 1988 entra em vigor os 182 e 183, em virtude


da promulgação da Constituição Federal do Brasil. O art. 183 tratam sobre a matéria
de usucapião e o art. 182 trata, de forma mais profunda, sobre o desenvolvimento
urbano, com prioridade de execução pelo Município:

Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder


Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por
objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da
cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes.
§ 1º O plano diretor, aprovado pela Câmara Municipal, obrigatório para
cidades com mais de vinte mil habitantes, é o instrumento básico da
política de desenvolvimento e de expansão urbana.
§ 2º A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende
às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no
plano diretor.
§ 3º As desapropriações de imóveis urbanos serão feitas com prévia
e justa indenização em dinheiro.
§ 4º É facultado ao Poder Público municipal, mediante lei específica
para área incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do

59 JELINEK, Rochelle. O Princípio da Função Social da Propriedade e sua Repercussão sobre o


sistema do Código Civil. Dissertação de Mestrado. Porto Alegre: Pontifícia Universidade Católica
do Rio Grande do Sul, p. 17.
60 MOTA, Mauricio Jorge Pereira e MOURA, Emerson Affonso da Costa. O Direito à Moradia e a
Regularização Fundiária. p. 9.
35

proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não


utilizado, que promova seu adequado aproveitamento, sob pena,
sucessivamente, de:
I - parcelamento ou edificação compulsórios;
II - imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo
no tempo;
III - desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública
de emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, com prazo
de resgate de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas,
assegurados o valor real da indenização e os juros legais.

Pela primeira vez na história das Constituições brasileiras, a norma


constitucional deixa claro a importância dada à função social da propriedade e,
também, estabelece procedimentos e fornece instrumentos para que seja
implementada de forma não voluntária.61

A inovação trazida pela Carta Régia de 1988 é bem tratada na lição de


Tatiana Chaer, que diz:

Instaura novas formas de intervenção pelo Poder Público para coibir o


mercado especulativo, estabelece a necessidade de promoção de
moradia e de saneamento, cede autonomia aos municípios para o
gerenciamento urbano, reconhece o instrumento da usucapião para
fins de moradia e abre as portas para a participação popular nas
decisões de gestão urbana. A consolidação do conceito da função
social traz consigo a possibilidade de transferir a natureza jurídica do
tratamento da propriedade para o Direito Público e, assim, modificar
as relações do direito à cidade.62

Após 13 anos da aprovação da Constituição, entra em vigor o Estatuto das


Cidades, na forma da Lei 10.257/2001. O Estatuto da Cidade, que regulamento os
artigos 182 e 183 da Constituição Federal, foi aprovada no final do governo do ex-
presidente Fernando Henrique Cardoso.

A aprovação do Estatuto das Cidades deixa à disposição dos atores


estatais uma excelente ferramenta para mudar a forma com está posto o modelo de
urbanização e ocupação do solo urbano, sendo um exemplo de legislação avançada
para a reestruturação profunda nos alicerces de qualquer sociedade.63

61 JELINEK, Rochelle. O Princípio da Função Social da Propriedade e sua Repercussão sobre o


sistema do Código Civil. p. 21-22.
62 CHAER, Tatiana Mamede Salum. Regularização Fundiária em Área de Preservação Permanente:

Uma contribuição à gestão urbana sustentável. p. 20.


63 ALVARES, Camila Morais. O Direito Fundamental à Moradia e as Construções em Áreas de

Preservação Permanente. Disponível em


36

1.4 CONCEITO DE DIREITO À MORADIA

O direito à moradia deriva, sob uma perspectiva mais primitiva, do instinto


de todo ser vivo buscar um abrigo para se proteger em face das intempéries e perigos
de seu habitat.64

Logo, para Odoné Serrano Júnior, a moradia “é uma necessidade essencial


para todo e qualquer ser humano. [...]” e diz que este direito é um bem extrapatrimonial
e está ligado a aspectos materiais e imateriais, pois:

Dispor de um lugar com certa exclusividade serve tanto como abrigo


das intempéries e proteção contra ataques de outros seres vivos,
propiciando momentos de paz e tranquilidade para o descanso do
corpo e da alma, quanto para assegurar um espaço próprio de
intimidade/privacidade, imprescindível para o exercício de uma vida
privada e/ou familiar, fazendo desse ambiente um lar.65

O Direito à Moradia foi inserido pela Emenda Constitucional n.º 26 no artigo


6º da Carta Magna de 1988, como um direito social e inserido no título dos direitos e
garantias fundamentais, nas seguintes palavras:

Art. 6º - São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o


trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência
social, a proteção, à maternidade e à infância, a assistência aos
desamparados, na forma desta Constituição.

Já é ponto pacífico o entendimento de que a inserção do direito à moradia


no texto constitucional foi uma mera formalidade, uma vez que o Brasil é signatário de
vários tratados internacionais que tratam sobre esse direito fundamental, conforme os
parágrafos 2º e 3º da CRFB/88.

O direito à habitação, como também é conhecido o direito à moradia, é


garantido pela Constituição Brasileira de 1988 a todos, proibida qualquer forma de
distinção. Apesar de ser um direito fundamental, como visto, não se trata de um direito
absoluto, uma vez que deve se curvar perante as restrições “quanto ao modo de se
construir, uma vez que, é preciso assegurar a melhor interação da coletividade na

<http://esamcuberlandia.com.br/revistaidea/index.php/idea/article/view/112>. Acessado em
05/03/2020.
64 BARROS, Felipe Maciel Pinheiro. Regularização Fundiária e Direito à Moradia: instrumentos

jurídicos e o papel dos Municípios. p. 70.


65 JÚNIOR, Odoné Serrano. O Direito Humano Fundamental à Moradia Digna. Curitiba: Juruá, 2012,

p. 45-46.
37

busca de qualidade de vida, sob pena de haver desordem, como apresenta as grandes
cidades, com altos índices de favelização e pessoas sem terem onde morar”. 66

Nota-se nos tratados internacionais a preocupação em enunciar o direito à


moradia ligado sempre à qualidade de vida e não somente o fornecimento de um teto,
sendo detalhada sempre a noção de moradia adequada e digna67.

Nesse sentido, salutar transcrever o Objetivo número 11.1 da Agenda 2030


da ONU, que tem como meta até o ano de 2030 “garantir o acesso de todos à
habitação segura, adequada e a preço acessível, e aos serviços básicos e urbanizar
as favelas”. Imperioso mencionar que essa é uma submeta, derivada de um propósito
mais amplo que é “Objetivo 11 - Tornar as cidades e os assentamentos humanos
inclusivos, seguros, resilientes e sustentáveis”.68

Conforme foi desenvolvido a essência do direito à moradia ou habitação,


percebe-se a interação direta e interdependente com o direito à cidade sustentável,
pois chega a configurar uma simbiose entre os dois institutos, uma vez que a moradia
digna está contida na cidade sustentável, mas esta cidade não existe sem a moradia

Nesse sentido, Thiago Trindade diz que ter direito à cidade significa “poder
usufruir das vantagens, dos serviços e oportunidades oferecidas pelas boas
localidades do sistema urbano. O direito à cidade, portanto, não é equivalente ao
direito à moradia; o primeiro é muito mais amplo e complexo [...].”69

1.5 CONCEITO DE DIREITO À CIDADE SUSTENTÁVEI

Analisando o processo de desenvolvimento das sociedades humanas em


cidades, sob uma ótica evolucionista, este pode ser dividida em 3 (três) etapas, a

66 ALVARES, Camila Morais. O Direito Fundamental à Moradia e as Construções em Áreas de


Preservação Permanente. Disponível em
<http://esamcuberlandia.com.br/revistaidea/index.php/idea/article/view/112>. Acessado em
05/03/2020.
67 MENEZES, Rafael Lessa V. de Sá. Crítica do direito à moradia e das políticas habitacionais. Rio

de Janeiro: Lumen Juris, 2017, p. 38-39.


68 ORGANIZAÇÕES DAS NAÇÕES UNIDAS – ONU. Agenda 2030 – 17 Objetivos para transformar

o mundo. Disponível em <https://www.mma.gov.br/responsabilidade-socioambiental/agenda-


21/agenda-21-global.html>. Acessado em 05/01/2020.
69 TRINDADE, Thiago Aparecido. DIREITO E CIDADANIA: REFLEXÕES SOBRE O DIREITO À

CIDADE. p. 149.
38

primeira sendo a selvageria, seguida pela etapa da barbárie e chegando no pico ao


atingir o desenvolvimento sociocultural de uma sociedade, chamado de civilização.

No que diz respeito essa convivência comum, Paulo de Bessa Antunes70


cita o pensamento de Aristóteles, onde o filósofo grego defendia que essa convivência
era o reflexo sobre a capacidade e necessidade de o homem se organizar em cidades:

Todas as coisas se definem sempre pelas suas funções e


potencialidades; por conseguinte, quando elas não têm mais suas
características próprias, não se deve dizer mais que se trata das
mesmas coisas, mas apenas que elas têm o mesmo nome
(homônima). É evidente, nessas condições, que a cidade existe
naturalmente e que é anterior aos indivíduos, pois cada um destes,
isoladamente, não é capaz de bastar-se a si mesmo e está [em relação
à cidade] na mesma situação que uma parte em relação ao todo; o
homem que é incapaz de viver em comunidade, ou que disso não tem
necessidade porque basta-se a si próprio, não faz parte de uma cidade
e deve ser, portanto, um bruto ou um deus.

Aflorou, dessa forma, o desenvolvimento da cultura dos povos sobre as


necessidades e as vantagens de viver em sociedade por meio do convívio
comunitário. As cidades, então, emergiram das aldeias e apareceram novas
adversidades com essa evolução.

O conceito de “cidade” é, segundo Jose Afonso da Silva, “núcleo urbano


qualificado por um conjunto de sistemas político-administrativo, econômico não
agrícola, familiar e simbólico como sede do governo municipal, qualquer que seja a
sua população”.71

Para Wendel Henrique, a cidade se define como uma “grande realização


humana, artefato por excelência e aparente negação da natureza, torna-se o local
principal para observação de uma nova relação, mitológica, capitalista e midiática, do
homem com a natureza.”72

70 ANTUNES, Paulo de Bessa. Áreas de Preservação Permanente Urbanas O Novo Código


Florestal e o Judiciário. <https://www12.senado.leg.br/ril/edicoes/52/206/ril_v52_n206_p83.pdf>–
Acessado em 28/12/2019.
71 SILVA, José Afonso da. Direito Urbanístico Brasileiro. 8ª edição atualizada. São Paulo: Malheiros,

2018, p. 24-25.
72 HENRIQUE, Wendel. O direito à natureza na cidade. SciELO - EDUFBA. Edição do Kindle. Posição

176.
39

O direito à cidade, segundo Henri Lefebvre, citado por Thiago Trindade, é


“uma utopia, uma plataforma política a ser construída e conquistada contra a lógica
capitalista de produção da cidade, que mercantiliza o espaço urbano e o transforma
em uma engrenagem a serviço do capital”, e continua fazendo referência não a uma
vida melhor e digna na cidade, mas sim uma vida em interação com a sociedade de
diferentes classes ou grupos sociais e onde o espaço urbano seja produzido pelo valor
de uso e não pelo valor de troca. 73

Conseguir viver sob um teto em um conglomerado urbano não significa que


conseguir usufruir do direito à habitação e do direito à cidade. A cidade deve propiciar
a moradia digna através da sua função social, que consiste em oferecer as melhorais
da qualidade de vida. A função social da cidade “é a garantia de todos os meios para
uma melhor qualidade de vida a seus habitantes, estabelecendo moradia, lazer,
trabalho, ou seja, viver adequadamente”74.

O autor Celso Fiorillo conceitua função social da cidade na seguinte lição:

A função social da cidade é cumprida quando esta proporciona a seus


habitantes o direito à vida, à segurança, à igualdade, à propriedade e
à liberdade (constituição federal, artigo 5º, caput), bem como quando
garante a todos um piso vital mínimo, compreendido pelos direitos
sociais à educação, à saúde, ao lazer, ao trabalho, à previdência
social, à maternidade, à infância, à assistência aos desamparados,
entre outros encartados no artigo 6º.75

Assim, a função social do espaço urbano está contida na definição da


cidade sustentável, a qual deve proporcionar, além da estrutura já mencionada,
também um espaço que compreenda uma vida socioeconômica condizente com a
dignidade da pessoa humana, com a possibilidade de o indivíduo conseguir um
emprego, usufruir de lazer, interagir com a comunidade e ter acesso às decisões
políticas, atributos inerentes à qualidade da cidadania.

73 TRINDADE, Thiago Aparecido. DIREITO E CIDADANIA: REFLEXÕES SOBRE O DIREITO À


CIDADE. p. 140-142.
74 ALVARES, Camila Morais. O Direito Fundamental à Moradia e as Construções em Áreas de
Preservação Permanente. Disponível em
<http://esamcuberlandia.com.br/revistaidea/index.php/idea/article/view/112>. Acessado em
05/03/2020.
75 FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. 14 ed. São Paulo:
Saraiva, 2013, p. 261
40

Nos ensinamentos de Josemar Soares e Maria Lochi, a dignidade não


consistente em algo meramente interente à natureza humana,

[...] mas também possui um sentido cultural, sendo fruto do trabalho


de diversas gerações da humanidade em seu todo, razão pela qual as
dimensões natural e cultural da dignidade da pessoa se
complementam e interagem mutuamente. [...] Dworkin define o direito
à dignidade como o direito que as pessoas têm de não serem vítimas
da indignidade, de não serem tratadas de um modo que, em sua
cultura ou comunidade, se entende como demonstração de
desrespeito. [...]76

Posto que o direito à cidade sustentável deva ser interpretado como um


dever de agir do Estado, conforme disposto no art. 2º, inciso I do Estatuto da Cidade,
o que compreende o direito à terra, à moradia, ao saneamento ambiental, à
infraestrutura urbana, ao lazer e trabalho, dentre outros, garantido para as presentes
e futuras gerações.77

No auxílio do Estatuto da Cidade, a Constituição Federal de 1988


estabelece no §1º do artigo 182 o Plano Direito como uma importante ferramenta para
os Municípios com mais de 20 mil habitantes, que se materializa em um complexo de
normas, tratando de vários aspectos no intuito de agregar o conjunto normativo na
implantação da uma cidade sustentável.

Desta feita, o Estatuto da Cidade em conjunto com o Plano Diretor e, como


se verá, a Lei de Regularização Fundiária no âmbito urbano, constituem uma base
jurídica muito positiva para políticas públicas que visem implantar as diretrizes do
conceito de cidade sustentável nos centros urbanos.

76 SOARES, Josemar Sidinei e LOCHI, Maria Chiara. O Papel do Indivíduo na Construção da


Dignidade da Pessoa Humana. Revista Brasileira de Direito – IMED [online]. jan-jun. 2016, n. 12(1),
pp. 31-41. ISSN 2238-0604. Disponível em
<https://seer.imed.edu.br/index.php/revistadedireito/article/view/1118/928>. Acessado em
28/04/2020.
77 OLIVEIRA, Dinalva Souza de. Cidades sustentáveis e planejamento urbano. In: SOUZA, Maria
Cláudia da Silva Antunes de (org.). Sustentabilidade e Meio Ambiente: Relação
Multidimensional. Rio de Janeiro: 2019, p. 57.
41

1.7 OCUPAÇÃO EXCLUDENTE DO SOLO URBANO: A CIDADE FORMAL E


A CIDADE REAL

O relatório resultado de um estudo produzido pelas Nações Unidas – ONU,


revela que a população mundial aumenta 83 milhões de pessoa por ano78, sendo que
no Brasil esse número é de 210.768.702 às 13:29:52 do dia 25/11/2019 79. É inegável
a relação direta entre o crescimento de habitantes no planeta com a demanda por
moradia.

Diante dessa problemática, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística


– IBGE desenvolveu a metodologia para traduzir melhor essa realidade brasileira,
conceituando o “déficit habitacional” como a necessidade de construção ou reposição
de novas unidades habitacionais. Como resultado dessa pesquisa realizada pelo
IBGE, os últimos dados mostram um avanço no déficit habitacional:

Déficit Habitacional Regional


3.000.000

2.500.000
Número de Residncias

2.000.000

1.500.000

1.000.000

500.000

0
2007 2008 2009 2011 2012 2013 2014

REGIÃO NORTE REGIÃO NORDESTE REGIÃO SUDESTE REGIÃO SUL REGIÃO CENTRO-OESTE

Tabela 2 – Déficit Habitacional por Regiões - 2007 a 2009/2011, 2012/2013 e 2014. - Fonte: Dados
básicos: Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) -IBGE, v.28, 2007; v.29, 2008; v.30,
Elaboração: Fundação João Pinheiro (FJP), Centro de Estatística e Informações (CEI)

78 População mundial atingiu 7,6 bilhões de habitantes. Disponível em <https://news.un.org/pt/story/


2017/06/1589091-populacao-mundial-atingiu-76-bilhoes-de-habitantes>. Acessado em 25/11/2019;
79 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. População do Brasil. Disponível em
<https://www.ibge.gov.br/apps/populacao/projecao/>. Acessado em 25/11/2019 às 13 horas 29
minutos e 52 segundo, sendo que o tempo médio de aumento da população é de 20 minutos;
42

Déficit Habitacional Nacional


6.600.000

6.400.000

6.200.000

6.000.000

5.800.000

5.600.000

5.400.000

5.200.000

5.000.000

4.800.000
2007 2008 2009 2011 2012 2013 2014 2015

BRASIL

Tabela 3 – Déficit Habitacional no Brasil - 2007 a 2009/2011, 2012/2013 e 2014/2015. - Fonte: Dados
básicos: Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) -IBGE, v.28, 2007; v.29, 2008; v.30,
Elaboração: Fundação João Pinheiro (FJP), Centro de Estatística e Informações (CEI)

O cenário demonstrado nos gráficos é resultado de um modelo de


liberalismo exacerbado que vigorou durante grande parte do século passado, sob
manto normativo do antigo Código Civil de 1916, teve um grande estimulo e
participação na retenção de terras e imóveis nas mãos de poucos para a prática da
especulação imobiliária, com a expectativa de auferir grandes lucros trazidos pela
valorização futura. Nesse contexto, a expansão urbana ocorreu de forma caótica,
atendendo ao interesse do mercado imobiliário de reservar as áreas mais bem
localizadas e com mais melhorias urbanas para as classes de maior poder aquisitivo. 80

Nos grandes centros urbanos fica cada vez mais evidente a divisão entre
as classes sociais onde, analisando esse panorama, a professora Regina Bienenstein
defende a existência de duas cidades: a cidade real, onde estão localizadas as faixas
da população de baixa renda, sendo estes os marginalizados pela administração
pública, e a cidade oficial, locais onde recebe atenção e os holofotes públicos
concentram a sua atuação81.

80 TRINDADE, Thiago Aparecido. DIREITO E CIDADANIA: REFLEXÕES SOBRE O DIREITO À


CIDADE. p. 147.
81 NEVES, Edson Alvisi, SANTOS, Fábio Roberto Oliveira e SEPULVEDA, Fernanda de Mattos.
DIREITO À MORADIA: O papel da jurisdição na redistribuição do solo urbano. p. 6.
43

Na realidade brasileira, por volta da década de 1990, houve um grande


aumento da cidade informal e exigiu uma atenção que da administração pública não
pretendia e muito menos estava preparada para dar.

Segundo Erminia Maricato82, essa estratégia de se impor aos trabalhadores


o custo de sua moradia por autoconstruções e ocupações irregulares é própria da
condição capitalista com os objetivos de barateamento da força de trabalho e
manutenção de um mercado residencial restrito ao produto de luxo. Entretanto,
mesmo sob os ditames das relações capitalistas é possível fazer mudanças sociais e
urbanas importantes para melhorar as condições de vida dessa cidade informal.

A atenção dos governos para a cidade informal, especialmente os


municipais, rotineiramente, surge quando ocorre algum desastre (enchente,
deslizamento) ou tragédia (incêndio, desabamento) que gera um número expressivo
de vítimas, ou quando há a necessidade de se mover esses cidadãos para outro lugar
em virtude de uma grande obra de expansão. 83

As consequências dessa conjuntura de abstenção do Estado em intervir no


mercado de imóveis foram o aglomerado de grandes propriedades, que não exerciam
nenhuma função social para coletividade, mas sim a concentração de riqueza de seus
proprietários.

Contrastando de tal realidade, as camadas da população mais


desamparada, empobrecida e com baixos rendimentos econômicos foram tolhidas da
possibilidade de entrarem no mercado formal de habitação ao longo da história, sendo
forçada a ocuparem as áreas nas periferias e privadas de uma estrutura urbana
mínima, que muitas vezes se materializavam de forma ilegais ou irregulares. 84

Sem embargos, a paisagem das cidades começou a ter imóveis ociosos,


sendo moldada com o aparecimento dos “vazios urbanos”, que constituem em
terrenos ou construções vazias, concentrados principalmente nas áreas centrais, mas

82MARICATO, Ermina. O impasse da política urbana no Brasil. 3 ed. Petrópolis: Vozes, 2014, p. 31;
83 MARICATO, Ermina. O impasse da política urbana no Brasil. p. 32-34;
84 TRINDADE, Thiago Aparecido. DIREITO E CIDADANIA: REFLEXÕES SOBRE O DIREITO À

CIDADE. p. 147.
44

de forma paradoxal um grande contingente populacional se forma na periferia da


cidade. Essa tendência ocorre sobretudo em razão da especulação imobiliária.85

A inércia ou omissão do Estado em exercer seu papel de agente


fiscalizador e regulador do uso da propriedade e da ocupação do solo, por meio de
criação de planos habitacionais, foi resultado de décadas de carência de modelo de
política urbana que presenteou o mercado especulativo imobiliário com uma imensa
liberdade, deixando aqueles que que não tinham acesso aos recursos fora deste
mercado.86

Um dos frutos dessa política nefasta são as ocupações irregulares de


imóveis ociosos ou abandonados, tanto construções quanto terrenos, as quais
ocorreram com maior vulto a partir do ano de 1997, virando verdadeiras “bombas
relógios” que começaram a mostrar seus resultados trágicos nos últimos anos, para
tanto podemos citar as tragédias nos recentes casos dos desabamentos do Edifício
no Largo do Paissandu, centro de São Paulo87 e os dois prédios na comunidade do
Muzema na zona oeste do Rio de Janeiro88.

As ocupações irregulares ou ilegais de imóveis urbanos são uma forma de


utilização que contraria o planejamento das cidades e as leis urbanísticas e
ambientais, da mesma forma que afronta o direito da propriedade.

A falta de planejamento urbano somando-se à urbanização acelerada


evidencia o conflito entre o uso e ocupação do solo urbano, além de trazer vários
impactos à sociedade e ao meio ambiente, sendo que o mais usual é a ocupação de

85 ALVARES, Camila Morais. O Direito Fundamental à Moradia e as Construções em Áreas de


Preservação Permanente. Disponível em
<http://esamcuberlandia.com.br/revistaidea/index.php/idea/article/view/112>. Acessado em
05/03/2020.
86 FILHO, João Manoel de Vasconcelos. O Direito à Moradia e o Discurso de Implantação de

Políticas Públicas Habitacionais na Perspectiva de Construção de Cidades Saudáveis e


Democráticas: Reflexões sobre Araguaína-TO. Tese de Doutorado. Uberlândia: Universidade
Federal de Uberlândia, 2013, p. 101.
87 Em 01/05/2018 – Desaba o Edifício Wilton Paes de Almeida, no Largo do Paissandu, em São

Paulo/SP. Uma semana depois, o que se sabe sobre o desabamento do prédio no Centro de
SP? Disponível em <https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/uma-semana-depois-o-que-se-sabe-
sobre-o-desabamento-do-predio-no-centro-de-sp.ghtml>. Acessado em 20/01/2020.
88 Em 12/04/2019 – Desabamento no Rio: o que se sabe sobre o desastre na Muzema, zona oeste

carioca. Disponível em <https://www.bbc.com/portuguese/geral-47899484>. Acessado em


20/01/2020.
45

APP89 e, por ser a delimitação da problemática desta pesquisa, é a ocupação e


invasão em o estudo terá o foco.

Encontra-se nessa conjuntura a população pobre, lhe restando a opção do


direito à ocupação em detrimento ao direito à cidade sustentável e moradia digna, pois
a moradia dessa camada social geralmente é edificada em invasões ilegais em beiras
de córregos ou margens de cursos d’águas, encostas de morros, mangues e até
mesmo em mananciais de fornecimento de abastecimento público de água, causando
sérios danos e intensa degradação ambiental, além da contribuição para a ocorrência
de desastres que geram acontecimentos naturais negativos socioeconômicos e um
imensurável prejuízo em vidas humanas.90

Nesta mesma linha de pensamento, Juliana Muniz Pacheco trabalha essa


busca pela moradia em áreas restritas ambientalmente na seguinte lição:

Isto porque parte da população economicamente desfavorecida, como


já mencionado, sem condições financeiras de pagar pelo preço da
terra em bairros dotados de infraestrutura pública – ou seja, com
arruamento organizado e interligado à rede de transporte público,
instalações de saneamento básico, iluminação pública, coleta de
resíduos, estabelecimentos de ensino público e saúde, entre outros –
, buscou estabelecer sua moradia em áreas e terrenos públicos e
particulares mais distantes, que não estivessem sendo utilizados ou
vigiados.

Acompanhando esse entendimento, Tatiana Chaer91 acrescenta:

As ocupações ilegais ou irregulares do solo urbano impõem-se como


solução habitacional de grande parcela da população que, por não ter
recursos para custear a moradia regular, busca alternativas no
mercado informal ou através de invasões. [...] As ocupações
caracterizam-se, em sua maioria, pelas degradantes condições de
vida da população, desconsideram as fragilidades do meio em que se
instalam e deflagram consequências econômicas, sociais e ambientais
que incidem sobre todo o território urbano. [...] É grande a incidência
de ocupações em áreas protegidas pela lei, gerando processo de
deterioração ambiental. O fato da ocupação, por si só, já acarreta
inúmeras consequências ambientais e, se for somado a ele a

89 ALMEIDA, Paulo Santos de, e SILVA, Iohana Cristina Nogueira. Regularização fundiária em áreas
de conservação: análise da legislação ambiental e seus reflexos nas populações locais
vulneráveis e no meio ambiente entre 2000-2010 no reservatório Billings impacto na saúde
humana. Revista Direito Ambiental e sociedade, v. 7, n. 2, 2017 (p. 239-264). p. 245.
90 TRINDADE, Thiago Aparecido. DIREITO E CIDADANIA: REFLEXÕES SOBRE O DIREITO À

CIDADE. p. 148-149.
91 CHAER, Tatiana Mamede Salum. Regularização Fundiária em Área de Preservação Permanente:

Uma contribuição à gestão urbana sustentável, p. 88.


46

inexistência de infraestrutura e de serviços urbanos, os resultados


associam degradação ambiental com degradação das condições de
vida da população. [...] Os espaços protegidos, ou de fragilidades
ambientais, estão contidos nas cidades na forma dos vazios urbanos,
impróprios para as atividades de loteamento ou como as parcelas
doadas ao poder público em obediência à legislação do parcelamento.
São comuns as apropriações dessas áreas por população não
atendida pelo mercado imobiliário formal, que passam a ser ocupadas
informalmente, sem infraestrutura e em condições precárias, gerando
processos graves de deterioração ambiental.

Em consequência disso, as ocupações de APP’s se intensificaram nas


últimas décadas por representar uma alternativa barata e próxima aos centros
urbanos, bem como estar fora do mercado de modo formal e não sofre a influência da
especulação imobiliária.92 No entanto, essas edificações são feitas sem qualquer
planejamento ou acompanhamento técnico e, como visto, feitas em áreas ambientais
sensíveis e frágeis, não proporcionando o desenvolvimento sustentável nem da
população que ali se abriga, muito menos para o meio ambiente, que pode sofrer
danos de difíceis e incertas reparações.

Portanto, diante da construção trabalhada até agora nesta pesquisa,


mostra que o ser humano merece uma condição de vida sadia proporcionada por uma
moradia digna em uma cidade sustentável, sendo que esse direito é expresso em
várias normas legais dos mais diversos patamares de importância e eficácia,
nacionais e internacionais. Sem ampliar por demais a lente da análise e restringindo
o foco para o Brasil, conclui-se que a realidade está longe de atingir esse objetivo,
muito em razão da supervalorização da propriedade, mas esse panorama começa a
mudar com a incorporação mais efetiva da função social da propriedade na produção
legislativa contemporânea.

1.8 A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE FRENTE AO DIREITO À


PROPRIEDADE

O estudo dos institutos da propriedade e da função social da propriedade


se mostram relevantes, do ponto de vista em que os desdobramentos da regularização

92 ALMEIDA, Paulo Santos de, e SILVA, Iohana Cristina Nogueira. Regularização fundiária em áreas
de conservação: análise da legislação ambiental e seus reflexos nas populações locais
vulneráveis e no meio ambiente entre 2000-2010 no reservatório Billings impacto na saúde
humana. p. 246.
47

fundiária em área de preservação permanente irão atingir o direito do proprietário do


bem imóvel, sendo ele uma pessoa de direito privado ou de direito público.

Nessa linha, apresenta-se um breve histórico do surgimento da ideia de


propriedade no ordenamento jurídico e, por consequência, o nascimento do conceito
de sua função social, para descrever como foi gerada a concepção dos dois institutos
e, por conseguinte, dar substância ao desenvolvimento da pesquisa.

A primeira menção à propriedade foi datada no século XVIII a.C., no


famigerado Código do Rei Babilônico Hammurabi, o qual começou a tratar os imóveis
como propriedade privada, e foi tratada e mencionada em várias leis e códigos ao
longo das civilizações e países, dentre as quais pode-se citar o Egito no século VIII
a.C., o tempo de Bocchoris, na Índia pelo Código de Manu e a civilização Germânica93.

O Direito Romano é considerado pela doutrina como a base para a


evolução do instituto do direito à propriedade no sistema normativo brasileiro. A
evolução da propriedade no período romano passa pelo surgimento da Lei das XII
Tábuas, passando pelo regime de propriedade coletiva e familiar, até se consolidar
em um direito subjetivo individual, exclusivo e absoluto94. Do mesmo modo, o embrião
da função social da propriedade também surgia no cenário romano, através de
limitações

No Brasil, as primeiras constituições, mais especificamente as que


vigoraram em 1934, 1946 e 1969, o direito à propriedade era visto como intocável e
irrestrito e sua defesa era absoluta em contraposição a outros direitos. As mesmas
constituições também previam a função social da propriedade95, mas sem
regulamentar instrumentos para que fosse efetivada.

Essa concepção de interpretação jurídica prevaleceu muito em razão da


base jurídica dada pelo então vigente Código Civil de 1916, promulgado quando
apenas dez por cento da população do Brasil vivia em centros urbanos. O Código Civil

93 NEVES, Edson Alvis et al. Direito à Moradia: O papel da jurisdição na redistribuição do solo
urbano. p. 53-54.
94 NEVES, Edson Alvis et al. Direito à Moradia: O papel da jurisdição na redistribuição do solo
urbano. p. 53-54.
95 JELINEK, Rochelle. O Princípio da Função Social da Propriedade e sua Repercussão sobre o
sistema do Código Civil. p. 17.
48

de 1916 vigorou até 2002 e, que no período em que esteve vigorando, utilizava-se da
referência jurídica do liberalismo clássico pela defesa do direito individual de
propriedade, limitando-se, desse modo, a atuação do Poder Público no
desenvolvimento urbano.96

A função social da propriedade começa a tomar forma nas críticas aos


problemas gerados pelo posicionamento do Estado Liberal e pelos problemas de
desigualdade social advindos do modelo de concentração de riquezas nas mãos de
poucos, momento que o direito à propriedade era absoluto e inquestionável.

O surgimento da função social da propriedade, segundo Edson Alvisi


Neves97 et ali, foi a emergência do Estado Socialista avesso às doutrinas liberais do
século XVIII e XIX”, sendo o socialismo idealizado por Marx e Engels e implantado em
vários países, dentre eles a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas – URSS,
promovendo uma coletivização da propriedade sem precedentes na história.

A promulgação da Constituição de 1988, o Brasil atende às reinvindicações


dos movimentos sociais e traz a função social da propriedade como um elemento
estruturador de sua política urbana98. Além de colocar em um lugar de destaque, como
cláusula pétrea no inciso XXIII do art. art. 5 º, a Carta Magna cita a função social em
mais alguns artigos do Título VII – Da Ordem Econômica e Financeira.

Desta forma, esse princípio constitucional prega que o Estado deve exercer
o papel provedor e implementador de políticas públicas que respeitem o direito da
coletividade em benefício de toda a comunidade, fazendo a ordenação adequada das
cidades para chegar, se não à situação ideal ou utópica, a mais próxima possível em
cumprir a função social da propriedade e, por consequência, da cidade 99.

Assim, a previsão do princípio da função social da propriedade já consta


nos principais textos legais infraconstitucionais como no art. 1.228 do Código

96 TRINDADE, Thiago Aparecido. DIREITO E CIDADANIA: REFLEXÕES SOBRE O DIREITO À


CIDADE. p. 147.
97 NEVES, Edson Alvisi, et al. DIREITO À MORADIA: O papel da jurisdição na redistribuição do

solo urbano. p. 61.


98 CHAER, Tatiana Mamede Salum. Regularização Fundiária em Área de Preservação Permanente:

Uma contribuição à gestão urbana sustentável. p. 18.


99 NEVES, Edson Alvisi, et al. DIREITO À MORADIA: O papel da jurisdição na redistribuição do

solo urbano. p. 5.
49

Civil/2002 e, especialmente, no Estatuto da Cidade/2001 que em seu art. 2° que


estipula: “A política urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das
funções sociais da cidade e da propriedade urbana, [...]”

1.9 DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL URBANO

O crescimento das cidades é um acontecimento inevitável nos moldes


atuais. O poder de determinar os rumos desse crescimento está nas mãos do Estado
que são desastrosos pelos resultados apresentados, mas podendo a orientação
mudar e se enveredar para um desenvolvimento urbano que se utiliza do direito à
moradia incorporada à função social em uma cidade que prospere consagrando as
suas necessidades sociais, econômicas e ambientais. Deste modo, há a necessidade
da busca pela preservação do meio ambiente em conjunto com o desenvolvimento
econômico e social do homem e essa busca encontra a reposta no desenvolvimento
sustentável100.

O primórdio da ideia de desenvolvimento sustentável, para alguns


estudiosos101, foi na Conferência de Estocolmo, realizada em 1972, conforme pode se
extrair de um trecho contido no parágrafo 6º da declaração: “Defender e melhorar o
meio ambiente para as atuais e futuras gerações se tornou uma meta fundamental
para a humanidade”102

Todavia, na Conferência de Estocolmo ficou destacado o embate entre a


preocupação com o meio ambiente, defendido pelos países desenvolvidos, em
detrimento do crescimento sem limitações, posição adotada pelos países
subdesenvolvidos. Apesar da conferência ter sido marcada por uma falsa impressão
de que o crescimento econômico não comporta o desenvolvimento social em conjunto
com os cuidados com a natureza, o termo “desenvolvimento sustentável” começa a
ganhar destaque nas conferências que se seguiram.

100 FERNANDES, Carlos. Pagamento por Serviços Ambientais – PSA e Agronegócio. In: DANTAS,
Marcelo Buzaglo (Coord..). Estudos de Direito Ambiental e Urbanísticos. Itajaí: UNIVALI, 2018.
p. 525.
101 PACHECO, Juliana Muniz. Área de Preservação Permanente em Zona Urbana e Regularização

da Moradia. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2013. p. 68.
102 ORGANIZAÇÕES DAS NAÇÕES UNIDAS – ONU. Declaração da Conferência da ONU sobre o

Meio Ambiente. Disponível em <https://nacoesunidas.org/acao/meio-ambiente/>. Acessado em


28/11/2019.
50

O conceito de “desenvolvimento sustentável” ganha uma definição mais


trabalhada no Relatório Brundtland 103, também intitulado de “Nosso Futuro Comum”.
Este documento foi o resultado da Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e
Desenvolvimento da Nações Unidas, publicou em abril de 1987. Neste sentido,
citando um trecho do Relatório, tem-se que o desenvolvimento sustentável é:

[...] um processo de transformação no qual a exploração de recursos,


direcionamento de investimentos, a orientação de do desenvolvimento
tecnológico e mudanças institucionais são feitas de modo consistente
com o futuro assim como de acordo com as necessidades presentes.
[...] Na sua essência, o desenvolvimento sustentável é um processo
de mudança no qual a exploração dos recursos, o direcionamento dos
investimentos, a orientação do desenvolvimento tecnológico e a
mudança institucional estão em harmonia e reforçam o atual e futuro
potencial para satisfazer as aspirações e necessidades humanas.104

Naquele momento, o Relatório Bruntland condensa o conceito de


desenvolvimento sustentável como “aquele que atende às necessidades do presente
sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras atenderem às suas
necessidades”.

Assim, Juliana Pacheco105 ao analisar o conteúdo do documento “Nosso


Futuro Comum”, e destaca que no texto:

[...] ficou consignada a possibilidade (e necessidade) de conciliação


entre desenvolvimento econômico e preservação ambiental,
culminando no conceito de desenvolvimento sustentável. A partir de
então, esta expressão passou a veicular o sentido de que o
desenvolvimento econômico deve se dar de forma a atender as
necessidades das gerações presentes, sem comprometer a
capacidade de produção para as gerações futuras. Para tanto, é
imprescindível imprimir práticas de produção que respeitem mais o
meio ambiente, ante a finitude dos recursos naturais.

Posteriormente, na Conferência da Organização das Nações Unidas Sobre


o Meio Ambiente e Desenvolvimento, ocorrida em 1992 no Rio de Janeiro, conclui-se

103 Relatório da Comissão Brundtland, criada em 1983 com o nome original de “World Commission on
Environment and Development”;
104 ORGANIZAÇÕES DAS NAÇÕES UNIDAS – ONU. Relatório Bruntland. Disponível em

<https://www.un.org/documents/ga/res/42/ares42-187.htm>. Acessado em 28/11/2019.


105 PACHECO, Juliana Muniz. Área de Preservação Permanente em Zona Urbana e Regularização

da Moradia. p. 68.
51

que o conceito de desenvolvimento sustentável deveria ter sustentação no seguinte


trinômio106: socialmente justo, economicamente viável e ecologicamente correto

Ao longo das últimas décadas, o conceito do desenvolvimento sustentável


é fluído e mutável com o passar do tempo, passível de atualizações na medida em
que se avança nas convenções sobre o meio ambiente e nos conhecimentos
científicos.

Um conceito semelhante e que se deve destacar é o da sustentabilidade,


que significa prudência e moderação, utilizando os recursos renováveis de modo que
respeite o ciclo de renovação e os não renováveis com as limitações que lhes são
inerentes. Todavia, não obstante ser um conceito altamente ligado ao meio ambiente,
a sustentabilidade não se confunde com desenvolvimento sustentável.

Na esfera legal, a expressão “desenvolvimento sustentável” foi previsto


primeiramente no art. 4º, I da Lei 6.938/81 e depois próprio texto da Constituição
Federal de 1988 e, em seguida, na legislação infraconstitucional e seus
desdobramentos, como a lei que institui Política Nacional do Desenvolvimento
Urbano, o Estatuto da Cidade e a Regularização Fundiária, sendo que as referidas
normas adotam os preceitos do modelo de desenvolvimento sustentável.

Marcos Scherer107 ao responder como efetivamente se configuraria o


modelo de desenvolvimento sustentável, esclarece:

A nosso ver, qualquer atividade humana que, ao se utilizar de recursos


naturais ou de qualquer forma intervier no meio ambiente para a
consecução de determinada finalidade socioeconômica, promova a
necessária ponderação entre os interesses a ela relacionados, quando
divergentes e indissociáveis, tais como a propriedade, a moradia e a
necessária preservação ambiental. Vale dizer que, ao se considerar
um modelo de desenvolvimento humano sustentável, impõe-se a
consideração de que não somente se faz necessária a preservação do
meio ambiente, mas que esta precisa coexistir com modalidades
intervencionistas já existentes ou por existir, dependendo, num ou
noutro caso, a extensão da tutela que haverá de se estabelecer. Tal
constatação encontra amparo na abordagem política de participação
democrática do desenvolvimento sustentável, acima referido. Ao

106 ALTMANN, Alexandre; RECH, Adir Ubaldo. Pagamento por Serviços Ambientais – Imperativos
jurídicos e ecológicos para a preservação e a restauração das matas ciliares. Caxias do Sul:
Educs, 2009, p. 58-59.
107 SCHERER, Marcos D’Avila. Regularização Fundiária: Propriedade, Moradia e Desenvolvimento

Sustentável. Dissertação de Mestrado. Itajaí: UNIVALI, 2015. p. 90-91.


52

privilegiar a dignidade da pessoa humana, o modelo de


desenvolvimento almeja antes de tudo a defesa da humanidade ou
uma vida digna para todos.

Observando o anseio à dignidade e a melhor qualidade de vida, o


desenvolvimento sustentável traça regras que permitam fazer a ponderação entre os
impactos da atividade humana com o equilíbrio necessário no uso do meio ambiente,
através dos recursos naturais, garantindo que as futuras gerações também possam
usufruir desse ambiente. Sobre essa harmonia na exploração dos recursos naturais,
Celso Fiorillo108 manifesta o seguinte pensamento:

Dessa forma, o princípio do desenvolvimento sustentável tem por


conteúdo a manutenção das bases vitais da produção e reprodução
do homem e de suas atividades, garantindo igualmente uma relação
satisfatória entre os homens e destes com o seu ambiente, para que
as futuras gerações também tenham oportunidade de desfrutar os
mesmos recursos que temos hoje à nossa disposição. A busca e a
conquista de um ´ponto de equilíbrio` entre o desenvolvimento social,
o crescimento econômico e a utilização dos recursos naturais exigem
um adequado planejamento territorial que tenha em conta os limites
da sustentabilidade. O critério do desenvolvimento sustentável deve
valer tanto para o território nacional na sua totalidade, áreas urbanas
e rurais, como para a sociedade, para o povo, respeitadas as
necessidades culturais e criativas do país.

Portanto, não se trata em escolher o desenvolvimento econômico em


detrimento do meio ambiente, mas sim encontrar formas e modelos que possibilitem
o desenvolvimento socioeconômico sem prejudicar ou até mesmo recuperando o meio
ambiente.

O presente trabalho traz ao debate as ocupações ilegais em áreas de


preservação permanente, fomentada pela falta de desenvolvimento econômico e,
como mencionado alhures, por falta de opção de uma faixa da população mais
vulnerável economicamente, esta acaba por invadir áreas ambientais sensíveis.

Por isso, quando forem regularizadas as ocupações em APP’s, não pode


ocorrer novamente a negligência das antigas condições e das suas consequências
perversas que fazem parte de sua rotina109, pelo contrário, deve ser adotado o

108 FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. 14 ed. São Paulo:
Saraiva, 2013, p.72
109 CHAER, Tatiana Mamede Salum. Regularização Fundiária em Área de Preservação
Permanente: Uma contribuição à gestão urbana sustentável. p. 24.
53

princípio do desenvolvimento sustentável que preza pela incorporação da


prosperidade social, com o crescimento econômico e pela preservação ambiental.

Na esteira deste pensamento, deve haver a união dos esforços de todos os


envolvidos no processo de regularização fundiária não só para garantir a titulação do
lote, casa ou área para moradia em casos pontuais, mas sim deve haver uma política
pública que possibilite as condições para se corrigir as ocupações ilegais dentro da
baliza de um desenvolvimento socioeconômico e ambiental sustentáveis.

1.10 ESTATUTO DAS CIDADES – ATUAÇÃO DO PODER ESTATAL EAS


POLÍTICAS PÚBLICAS

O Estado deve exercer o papel provedor e implementador de políticas


públicas que respeitem o direito da coletividade em benefício de toda a comunidade,
fazendo a ordenação adequada das cidades para chegar, se não à situação ideal ou
utópica, a mais próxima possível em cumprir a função social da propriedade e, por
consequência, da cidade sustentável110.

A garantia do direito à moradia e uma cidade sustentável passa


necessariamente pela a atuação estatal no exercício da uma política pública em que
considere na sua elaboração fenômeno da ocupação do solo urbano pela coletividade.
A elaboração dessas políticas deve consagrar o interesse coletivo ao invés da
individual, como é o caso da propriedade privada que vinha determinando o modo de
ocupação do solo urbano.

O estudo preliminar para se determinar qualquer política pública fundiária


se mostra patente a abordagem multidisciplinar, utilizando-se o conhecimento de
várias outras ciências além do direito, como por exemplo o urbanismo, uma vez que
o relacionamento do homem com a cidade é complexo, em um grau individual e
coletivo.

Desde a descoberta das terras brasileira pelo reino de Portugal, a temática


fundiária rendeu diversas tentativas de emplacar políticas que provessem a moradia
para população e regular a ocupação de terras de forma correta, mas sem êxito, até

110 NEVES, Edson Alvisi, et al. DIREITO À MORADIA: O papel da jurisdição na redistribuição do
solo urbano. p. 5.
54

que surgiu a Lei de Parcelamento do Solo Urbano – Lei 6.766/79, editada com o
objetivo de reverter a proliferação de loteamentos irregulares, trazendo o Município
para o papel de regular os parcelamentos de lotes urbanos.111

Seguindo a tendência internacional, constatada nas conferências


realizadas sobre o meio ambiente, de se adotar o princípio do desenvolvimento
sustentável na atuação e planejamento do Estado, esta foi abraçada pela Constituição
Federal de 1988, no seu art. 182, quando dispõe em seu caput que “a política de
desenvolvimento urbano” e deverá ser executada pelo município com o “objetivo
ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar
de seus habitantes”, sendo as orientações gerais serão fixadas em lei
infraconstitucional.

Interpretando esse artigo constitucional, verifica-se que a Carta Magna


recepcionou e ratificou a lei de parcelamento do solo, determinando que o Município
como o responsável pela implantação do desenvolvimento sustentável nas cidades e
que tais diretrizes seriam fixadas em lei, mas enfatizando o desenvolvimento social e
a garantia do bem-estar dos habitantes, ou seja, o desenvolvimento urbano 112 deve
consistir em transformações territoriais e sociais que implicam na utilização do
conceito de função social da propriedade, direito à cidade e moradia e à justiça urbana.

Obedecendo ao comando constitucional, o legislador ordinário elaborou a


Lei 10.257 de 30 de setembro de 2001 e recebeu a denominação de Estatuto da
Cidade. Logo em seu 1º artigo, está expresso que o Estatuto da Cidade está
regulamentando os artigos constitucionais, enquanto seu objetivo 113 está estampado
do Parágrafo Único, in verbis:

[...] Parágrafo único. Para todos os efeitos, esta Lei, denominada


Estatuto da Cidade, estabelece normas de ordem pública e interesse
social que regulam o uso da propriedade urbana em prol do bem
coletivo, da segurança e do bem-estar dos cidadãos, bem como do
equilíbrio ambiental.

111 BARROS, Felipe Maciel Pinheiro. Regularização Fundiária e Direito à Moradia: instrumentos
jurídicos e o papel dos Municípios. p. 90.
112 MARICATO, Erminia. O impasse da política urbana no Brasil. Petrópolis: Vozes,2014. p. 36.
113 Lei 10.257/2001 – Estatuto da Cidade.
55

O Estatuto da Cidade se mostra como uma importante ferramenta para


consolidar uma ordem urbanística mais justa, inclusiva e democrática 114, uma vez que
segue as normas constitucionais e traz instrumentos jurídicos significativos para
promover os ditames contidos no princípio do desenvolvimento sustentável, os quais
são reafirmados no Plano Diretor.

O conteúdo do Estatuto da Cidade é inovador e necessário para que seja


promovida uma política urbana que consagra a justiça social em detrimento da gestão
adotada anteriormente. Todavia, como vimos no desenvolvimento histórico, a
existência formal de lei não implica necessariamente a sua efetivação, mas depende
que seja executada por uma gestão comprometida com seus objetivos e, neste caso,
serão as políticas públicas municipais.

A gestão pública deve atacar os principais problemas urbanos que estão


profundamente ligados ao território, quais sejam, a falta de moradia digna, mobilidade,
trânsito e o saneamento ambiental, que engloba o fornecimento de água potável,
drenagem de água pluvial e a coleta e destinação de esgoto e resíduos sólidos. Assim,
as políticas públicas devem seguir diretrizes e orientações de combate aos vazios
urbanos com a aplicação do Estatuto da Cidade, reabilitação das áreas urbanas
tradicionais, prevenção de riscos de enchentes e desmoronamento e, em especial, a
regularização fundiária para, se não conseguir resolver totalmente, se aproximar da
promoção do direito à cidade fundamentado em uma moradia digna. 115

Os objetivos das políticas públicas devem se pautar em minimizar as


injustiças urbanas e a predação ambiental selvagem, com a ampliação da consciência
sobre a realidade das cidades, levando uma construção social e econômico
sustentável.

Apesar de ser competência municipal no caso de cidades116 e estadual no


caso de metrópole117, nada impede que o governo federal possa amparar aqueles

114 BARROS, Felipe Maciel Pinheiro. Regularização Fundiária e Direito à Moradia: instrumentos
jurídicos e o papel dos Municípios. p. 90.
115 MARICATO, Ermina. O impasse da política urbana no Brasil. p. 37;
116 Art. 30. Compete aos Municípios: I - legislar sobre assuntos de interesse local; [...] VIII - promover,

no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do


parcelamento e da ocupação do solo urbano;
117 Art. 25. Os Estados organizam-se e regem-se pelas Constituições e leis que adotarem, observados

os princípios desta Constituição. [...] § 3º Os Estados poderão, mediante lei complementar, instituir
56

entes federados para uma efetivação de políticas públicas que vão ao encontro do
objetivo comum de combater os problemas urbanos da cidade, em especial a falta de
moradia digna.118

Para tanto, na busca por defrontar o problema da moradia digna ou déficit


habitacional, e minimizar os efeitos da crise econômico-financeira global119, entrou em
vigor a Lei 11.977 de 7 de julho de 2.009 ou o Programa Minha Casa, Minha Vida. O
programa, de maneira geral, fomenta a produção de moradias e estabelece regras
para regularização fundiária de assentamentos localizados em assentamentos
urbanos.

No entanto, a Lei 13.465 entra em vigor em 11 de julho de 2017 e


expressamente revoga o Capítulo III da Lei 11.977/09 que trata especificamente da
regularização fundiária de assentamentos urbanos, com a justificativa 120 de que o
modelo proposto veio para preencher lacunas da legislação anterior, dinamizar e
simplificar o processo.

Nesse toar, reforçando a delimitação da pesquisa, será estudado a


regularização fundiária em áreas de preservação permanente ocupadas por
população de baixa renda, sob a égide dos direitos fundamentais a moradia digna, em
uma cidade sustentável com o meio ambiente ecologicamente equilibrado e
regulamentado pelas normas constitucionais e, especialmente, pelas leis do Estatuto
da Cidade, novo Código Florestal e pela Lei de Regularização Fundiária.

Desta forma, o Estatuto da Cidade em conjunto com as leis citadas tem o


condão de promover a regularização e urbanização dessas áreas ocupadas, que
assegure “para as presente e futuras gerações, o direito à terra urbana, à moradia, ao

regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões, constituídas por agrupamentos de


municípios limítrofes, para integrar a organização, o planejamento e a execução de funções públicas
de interesse comum.
118 MARICATO, Ermina. O impasse da política urbana no Brasil. p. 38;
119 BRASIL. Exposições de Motivos do projeto de Medida Provisória n.º 459/09 e foi convertida

na Lei 11.977 instituiu o Programa Minha Casa, Minha Vida – PMCMV, E.M. Interministerial n.º
33/2009/MF/MJ/MP/MMA/MCidades, Brasília, 27/03/2009. Disponível em
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2009/Exm/EMI-33-MF-MJ-MP-MMA-
Mcidades-09-Mpv-459.htm>. Acessado em 28/01/2020.
120 BRASIL. Exposições de Motivos do projeto de Medida Provisória n.º 759/16 e foi convertida

na Lei 13.465, E.M. Interministerial n.º 00020/2016 MCidades/MP/CCPR, Brasília, 21/12/2016.


Disponível em < https://www2.camara.leg.br/legin/fed/medpro/2016/medidaprovisoria-759-22-
dezembro-2016-784124-exposicaodemotivos-151740-pe.html>. Acessado em 29/11/2019.
57

saneamento ambiental, à infraestrutura urbana, ao transporte, aos serviços públicos,


ao trabalho e ao lazer” 121.

Porém, a situação habitacional vivenciada no País desde os primórdios do


Brasil-Colônia até os dias atuais tem suas raízes fincadas nas crises socioeconômicas
ao longo do tempo, marcadas pela concentração de terras e riquezas na mão de
poucos.

O cenário que se apresenta sempre foi pouco, ou nada, combatido pelo


Poder Público não foi capaz de obter resultados satisfatórios para uma questão que
envolve institutos sensíveis como a propriedade, a moradia e meio ambiente
ecologicamente equilibrado122.

Não obstante o atual arcabouço jurídico, baseado nesse modelo que


celebra o desenvolvimento sustentável como meta a ser seguido, não ter muito tempo
de vigência ao ponto de mudar significativamente o cenário, coloca à disposição do
administrador público ferramentas de grande importância e eficácia para implantar as
políticas públicas sustentáveis.

121 ALMEIDA, Paulo Santos de, e SILVA, Iohana Cristina Nogueira. Regularização fundiária em áreas
de conservação: análise da legislação ambiental e seus reflexos nas populações locais
vulneráveis e no meio ambiente entre 2000-2010 no reservatório Billings impacto na saúde
humana. p. 249.
122 SCHERER, Marcos D’Avila. Regularização Fundiária: Propriedade, Moradia e Desenvolvimento

Sustentável. p. 44.
58

2 O MEIO AMBIENTE ECOLOGICAMENTE EQUILIBRADO E


ÁREAS DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE
2.1 DIREITO AO MEIO AMBIENTE ECOLOGICAMENTE EQUILIBRADO
De início, pertinente trazer a reflexão sobre a relação entre o homem e a
natureza feita em 1973 por José Ortega y Gasset e citada por Wendel Henrique:

“A pedra, a planta, o animal são, quando começam a existir, o que eles


podem ser, não o que eles podem vir a ser. O Homem, por outro lado,
não tem, no início de sua existência, nenhuma imagem prefixada ou
imposta, mas pelo contrário, carrega consigo – predeterminada e
imposta - a liberdade para escolher o que será. E isto, dentro de um
vasto horizonte de possibilidades. O poder de escolher, o que no
universo do ser é seu privilégio, tem ao mesmo tempo a natureza de
uma sentença e um trágico destino, pois ele é forçado a selecionar a
sua própria maneira de ser e também é condenado à responsabilidade
por ser ele mesmo - uma situação pela qual não passa a pedra, a
planta ou o animal.”123

O livre arbítrio que o homem possui em seu poder soberano e individual de


escolha, define como a humanidade trata a natureza, arcando com as consequências
tanto individuais quanto as coletivas de suas escolhas.

O atual cenário reflete a evolução das civilizações, de uma forma


desamparada de proteção ou preocupação ambiental voltada à proteção das espécies
e a manutenção de um ambiente ecologicamente equilibrado, incapaz de fazer frente
aos anseios da expansão territorial e exploração de seus recursos. A evidência
pragmática são as primeiras reservas ambientais, que eram instituídos a sua
conservação puramente por questões religiosas ou visando a caça.

Entretanto, com o decorrer do tempo e da evolução das sociedades,


começaram a surgir uma preocupação com a natureza, o meio ambiente em suas
derivações e a necessidade de se organizar a maneira pela qual a humanidade se
relaciona com exploração dos recursos naturais.

Essa preocupação começou a ter efetiva importância com o debate sobre


o meio ambiente e esse assunto ser alçado à temas de conferências ou encontros
internacionais em meados do século passado, iniciando pela Conferência de
Estocolmo, realizada em junho de 1972. Assim, o Estado moderno, com o objetivo de

123 HENRIQUE, Wendel. O direito à natureza na cidade. Posição 169.


59

preservar os recursos naturais e assegurar que as gerações futuras tenham condições


de receber e manter um meio ambiente ecologicamente equilibrado, cria o Direito
Ambiental que tem como escopo estudar os princípios e regras predispostos a
assegurar a preservação da natureza.124

Apesar de acontecer de forma tardia, em comparação ao período em que


o ser humano começou a ter condições de explorar a natureza, nasce a
primordialidade de se estabelecer normas que garantam um equilíbrio racional na
relação natural, com o objetivo de preservar as condições de integridade e renovação
dos sistemas naturais.

Toda atividade humana gera impacto ambiental, sendo o conceito legal


definido pelo art. 1º da Resolução n.º 001 de janeiro de 1986 do Conama125, e essa
interação, em maior ou menor escala, do homem com o meio está cada vez mais
evidente com o desenvolvimento da tecnologia empregada na modificação do
ambiente para atender seus anseios, podendo ser com resultados negativos ou
positivos.

O meio ambiente ecologicamente equilibrado recebe o adjetivo de direito


fundamental, que é dotado de tutela constitucional, isso porque a Carta Magna
brasileira de 1988 considerou a questão ambiental como essencial para a sadia
qualidade de vida. É harmônico o pensamento de que o meio ambiente foi colocado
no mesmo grau de direito fundamental pelo texto constitucional, pois é essencial ao
bem-estar humano e gozo dos outros direitos fundamentais, bem como para as
gerações futuras. 126

124 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil: de acordo com o novo Código Civil. 8ª
ed.,São Paulo: Saraiva, 2003, p. 86.
125 Artigo 1º - Para efeito desta Resolução, considera-se impacto ambiental qualquer alteração das

propriedades físicas, químicas e biológicas do meio ambiente, causada por qualquer forma de
matéria ou energia resultante das atividades humanas que, direta ou indiretamente, afetam: I - a
saúde, a segurança e o bem-estar da população; II - as atividades sociais e econômicas; III - a biota;
IV - as condições estéticas e sanitárias do meio ambiente; V - a qualidade dos recursos ambientais.
126 COELHO, Ariadne Elloise, e RIBEIRO, Luiz Gustavo Gonçalves. A tutela do ambiente e o

problema do controle jurisdicional de políticas públicas: entre o ativismo e o passivismo.


Revista do Direito Ambiental e Socioambientalismo. Disponível em
<https://indexlaw.org/index.php/Socioambientalismo/article/view/2390>. Acessado em 12/01/2020.
p. 46.
60

A previsão constitucional desse direito está descrita no caput do art. 225 da


CF/88, com a seguinte redação:

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente


equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade
de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de
defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. [...]

Utilizando as mesmas palavras do art. 225 da CF/88, temos que o meio


ambiente é um “bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida”,
podendo todos se utilizar dele, com isso, chega-se a um binômio expresso no mote
que um meio ambiente sadio aproveita a todos, ao passo que sua degradação a todos
prejudica.

Desta forma, a Constituição conferiu ao meio ambiente a características de


ser um direito difuso, transindividual e de natureza indivisível, tendo como titulares
pessoas indeterminadas e sendo classificado como um direito fundamental de terceira
dimensão.127

Corroborando a importância dada ao meio ambiente na CF/88, cita-se um


movimento global e crescente que está influenciando a inserção deste direito, na
qualidade de direito fundamental, na lista de direitos protegidos pelo manto de um
direito constitucionalmente garantido. Esse movimento de proteção constitucional do
meio ambiente, destarte ser ainda incomum, é de grande importância para o mundo.
Sobre esse movimento global, na lição de James R. May diz:

Environmental constitutionalism advancing the right of nature is


emergent and insistent, but still uncommon. [...] The
constitutionalization of the rights of nature is part of a growing global
movement highlighting the importance of the natural environment for
its own sake and as a whole, rather than as an aggregation of
resources to be harnessed by humans for various purposes. Moral
philosophers, including Stone, have long proposed that nature should
have a legally protected right to self-protection. The United Nations has
affirmed the importance of such rights in the Universal Declaration of
the Rights of Nature. The rights of nature have also been considered
by constitutional and other apex courts, [...]128

127 COELHO, Ariadne Elloise, e RIBEIRO, Luiz Gustavo Gonçalves. A tutela do ambiente e o
problema do controle jurisdicional de políticas públicas: entre o ativismo e o passivismo. p.
43.
128 O constitucionalismo ambiental que promove o direito à natureza é emergente e insistente, mas
ainda incomum. [...] A constitucionalização dos direitos da natureza faz parte de um crescente
61

Assim, o direito do meio ambiente no movimento internacional em proteger


a natureza destaca a importância dessa proteção estar inserida no sistema normativo
no mesmo nível das normas constitucionais, inclusive sendo reconhecida essa
natureza por cortes supremas de outros países. Esse movimento enfrenta um grande
adversário quando se trata de empresas transnacionais, as quais exploram as
riquezas naturais do local, privatizando os lucros e socializando os ônus ambientais
com todo o planeta, “sobretudo naqueles casos de grande magnitude”129.

As constituições de alguns países chamam o meio ambiente de natureza,


ou mesmo intitulam como “mãe natureza” ou expressão própria de sua cultura, como
no caso do Peru que denomina como natureza ou “Pachamama” 130 para atribuir mais
uma das várias definições do meio ambiente.

Desde a Declaração de Estocolmo feita em 1972, esse consenso global em


colocar o meio ambiente ou a natureza sob proteção essa proteção estar contida no
texto das Constituições de mais de cem países131.

Na Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano,


realizada de 5 a 16 de junho de 1972 em Estocolmo, mais tarde conhecida como a
Declaração de Estocolmo, tratou de estabelecer critérios e princípios comuns que
serviriam de inspiração e de guia aos povos. O meio ambiente é mencionado logo no
primeiro princípio da Declaração:

Princípio 1 - O homem tem o direito fundamental à liberdade, à


igualdade e ao desfrute de condições de vida adequadas em um meio
ambiente de qualidade tal que lhe permita levar uma vida digna e gozar

movimento global, destacando a importância do ambiente natural para o seu próprio bem e como
um todo, e não como uma agregação de recursos a serem aproveitados pelos seres humanos para
diversos fins. . Filósofos morais, incluindo Stone, há muito que propõem que a natureza deve ter um
direito legalmente protegido à autoproteção. As Nações Unidas afirmaram a importância de tais
direitos na Declaração Universal dos Direitos da Natureza. Os direitos da natureza também foram
considerados pelos tribunais constitucionais e outros ápices, [...]. Tradução livre pelo autor. (MAY,
James R.. Global Environmental Constitutionalism. Cambridge University Press. Edição do
Kindle, 2015. Posição 255-256.)
129 SOUZA, Maria Cláudia da Silva Antunes de, e SOARES, Josemar. Ética, sustentabilidade e

desenvolvimento empresarial. In: GONÇALVES, Rubén Miranda Gonçalves e BRITO, Paulo de


(coord.). Estudos de Direito, Desenvolvimento e Novas Tecnologias. Porto: Instituto
Iberoamericano de Estudos Jurídicos, 2020, p. 256-257.
130 MAY, James R.. Global Environmental Constitutionalism. Posição. 257.
131 SCHERER, Marcos D’Avila. Regularização Fundiária: Propriedade, Moradia e Desenvolvimento

Sustentável. p 75.
62

de bem-estar, tendo a solene obrigação de proteger e melhorar o meio


ambiente para as gerações presentes e futuras. [...]

De acordo com primeira parte do princípio, o meio ambiente é parte


essencial para se ter condições de vida adequadas, sem o qual não se poderia levar
uma vida digna e gozar de bem-estar.

Como sabido, os direitos humanos fundamentais são classificados em


gerações ou dimensões132, onde os direitos da primeira dimensão são os “direitos de
liberdade”, focado no indivíduo, nos direitos civil e políticos, que pregava a atuação
negativa do Estado. Os direitos da segunda dimensão são conhecidos como os
“direitos sociais”, que buscam uma postura ativa do Estado em prover os direitos
sociais, culturais e econômicos; E, por fim, os direitos de terceira dimensão, são
baseados no princípio da fraternidade e tem como alvo do o gênero humano, o
presente e o futuro. 133

Desta maneira, não é o suficiente somente a inclusão de maneira formal no


sistema legislativo-jurídico, mas, como já mencionado, os direitos humanos
fundamentais são dependentes de políticas públicas para sua implementação, uma
vez que necessitam de instrumentos para serem efetivados.

2.2 DEFINIÇÃO DE UM MEIO AMBIENTE ECOLOGICAMENTE


EQUILIBRADO

O termo “meio ambiente” no campo da língua portuguesa já sofre críticas


por ter na junção das palavras “meio” e “ambiente” um pleonasmo, ou serem
redundantes, visto que são sinônimos. A grande parte dos estudiosos sobre direito
ambiental defendem que essa expressão não é a mais adequada, podendo ser usada
somente a palavra “ambiente” por ter um conceito mais amplo assim definido como
“aquilo que cerca ou envolve os seres vivos ou as coisas”, também utilizada em

132 O termo “geração” sofre críticas por dar a ideia errônea de sucessão de direitos antigos pelos mais
novos. Narrativa defendida por Ariadne Coelho e Luiz Gustavo Ribeiro em sua obra.
133 COELHO, Ariadne Elloise, e RIBEIRO, Luiz Gustavo Gonçalves. A tutela do ambiente e o

problema do controle jurisdicional de políticas públicas: entre o ativismo e o passivismo. p.


45.
63

Portugal e Itália, como também em países de idiomas francês para milieu, alemão
para unwelt e inglês para environment.134

Contudo, como se verá adiante, o uso da expressão “meio ambiente” foi


consagrada pela lei federal que trata sobre a política do meio ambiente e,
posteriormente, pela Constituição Federal de 1988, recepcionando e outorgando o
sentido mais amplo e global possível.

O conceito do meio ambiente, por meio de uma interpretação literal da


norma, temos aquele definido pela norma infraconstitucional no art. 3º, inciso I da Lei
6.938/81, conhecida como Lei da Política Nacional do Meio Ambiente, que entende o
meio ambiente como:

Art. 3º [...]: I - meio ambiente, o conjunto de condições, leis, influências


e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga
e rege a vida em todas as suas formas.

A despeito da definição legal do meio ambiente estar contida em uma lei


federal de forma ampla, alguns Estados-membros também se utilizaram da lei para
conceituar o meio ambiente135, como por exemplo no caso de Santa Catarina136 e Rio
Grande do Sul137.

No âmbito da doutrina, temos a definição dada por José Afonso da Silva,


onde o meio ambiente é “a interação do conjunto de elementos, naturais, artificiais e
culturais que propiciem o desenvolvimento equilibrado da via em todas as suas
formas”138.

Segundo Maria Cláudia de Souza e Josemar Soares citam a classificação


dada por Luigi Ferrajoli, caracterizando o meio ambiente na classe de bens comuns e

134 SALLES, Carolina. O conceito jurídico de meio ambiente. Disponível em <http://www.ambito-


jurídico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=1546>. Acessado em
27/01/2020.
135 MACHADO, Paulo Affonso Leme. DIREITO AMBIENTAL BRASILEIRO. São Paulo: Malheiros, 25ª

edição, 2005, p. 53-54.


136 Art. 2º, I da Lei 5.793/80 – “interação de fatores físicos, químicos e biológicos que condicionam a

existência dos seres vivos e de recursos naturais e culturais”.


137 Art. 3º, II da Lei 7.488/81 – “conjunto de elementos – águas interiores e costeiras, superficiais ou

subterrâneas, ar, solo, subsolo, flora e fauna, as comunidades humanas resultado do


relacionamento dos seres vivos entre si e com os elementos nos quais se desenvolvem e
desempenham as suas atividades”.
138 SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. 8ª edição. São Paulo: Malheiros

editores, 2010.
64

consiste em bens “que afetam a vida planetária, como preservação da água e dos
ecossistemas” 139.

O meio ambiente, de acordo com a lição de Paulo Antunes, “é um conceito


que implica o reconhecimento de uma totalidade. Isto é, meio ambiente é um conjunto
de ações, circunstâncias, de origem culturais, sociais, físicas, naturais e econômicas
que envolve o home e todas as formas de vida.”140

Seguindo nesta esteira, para Celso Fiorillo, citado por Eriton Vieira e
Othoniel Júnior, “trata-se de uma definição jurídica indeterminada, assim colocada de
forma proposital pelo legislador com visas a criar espaço positivo de incidências da
norma”, ou seja, se fosse exaurido a definição de forma específica e delimitada, o
conceito não poderia abranger outros cenários ou situações que viessem a surgir com
o decorrer do tempo.

Em suma, as definições e conceitos convergem no sentido de que o meio


ambiente deve ser globalizante141 e compreender toda a natureza original e artificial,
bem como seus diversos componentes, possibilitando o seguinte detalhamento 142:
“‘meio ambiente natural’ (constituído pelo o solo, a água, o ar atmosférico, a fauna, a
flora), ‘meio ambiente cultural’ (integrado pelo patrimônio arqueológico, artístico,
histórico, paisagístico, turístico) e ‘meio ambiente artificial’ (formado pelas edificações,
equipamentos urbanos, comunitários, enfim todos os assentamento de reflexos
urbanísticos).”

O meio ambiente equilibrado confere a dignidade para o direito à vida, uma


sadia qualidade de vida na ideia de se viver bem e fora de perigo para a vida humana,
depende do ambiente harmonioso e equilibrado, conforme estipulado pelo art. 225 da

139 SOUZA, Maria Cláudia da Silva Antunes de, e SOARES, Josemar. Ética, sustentabilidade e
desenvolvimento empresarial, p. 257.
140 ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. p. 611.
141 VIEIRA, Eriton Geraldo, e JÚNIOR, Othoniel Ceneceu Ramos. A Regularização Fundiária Urbana

de Interesse Social em Áreas de Preservação Permanente à Luz do Direito Fundamental ao


Meio Ambiente Ecologicamente Equilibrado. Disponível em
<http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=4285d861bc62cba0>. Acessado em 05/03/2020.
142 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil: de acordo com o novo Código Civil. p.

87.
65

CF/88. O direito à vida é pressuposto para a fruição dos outros direitos fundamentais,
mas este está fortemente atrelado ao meio ambiente. 143

Desta maneira, um meio ambiente propício para gerar e manter a vida,


como um ecossistema, é a característica que garante a existência das gerações
presentes e futuras com a necessária e sadia qualidade de vida.

Para conseguir alcançar esse objetivo de proteger esse direito fundamental


ao meio ambiente, o ordenamento jurídico pátrio exige da coletividade e do Poder
Público a responsabilidade de defende-lo e preservá-lo, seja com imposições
positivas, o dever de agir, ou com proibições, obrigações de não agir. 144

Desta feita, infere-se que o meio ambiente é um direito de todos e de uso


comum do povo que visa garantir a vida e a dignidade de ser humano e, por se tratar
de um direito humano fundamental

Corroborando a obrigação de proteger, está até mesmo na DUDH, por uma


interpretação sistemática, o dever para com a comunidade, “Artigo XXIX - 1. Todo ser
humano tem deveres para com a comunidade, na qual o livre e pleno desenvolvimento
de sua personalidade é possível.” 145

2.3 EVOLUÇÃO HISTÓRICA E LEGISLATIVA DAS ÁREAS DE


PRESERVAÇÃO

As primeiras menções e referências sobre o tema de Área de Preservação


Permanente – APP no sistema normativo que vigorou no Brasil começou nas
legislações da Coroa Portuguesa, que influenciou a evolução jurídica até o conjunto
legislativo atual, tendo disciplinado ao longo do tempo qualquer forma de interferência
estatal nas faculdades e direito do proprietário sobre o imóvel (usar, gozar, dispor e
reaver o bem).

143 COELHO, Ariadne Elloise, e RIBEIRO, Luiz Gustavo Gonçalves. A tutela do ambiente e o
problema do controle jurisdicional de políticas públicas: entre o ativismo e o passivismo. p.
46-47.
144 COELHO, Ariadne Elloise, e RIBEIRO, Luiz Gustavo Gonçalves. A tutela do ambiente e o

problema do controle jurisdicional de políticas públicas: entre o ativismo e o passivismo. p.


47.
145 ORGANIZAÇÕES DAS NAÇÕES UNIDAS – ONU. Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Disponível em <https://www.ohchr.org/EN/UDHR/Pages/Language.aspx?LangID=por>. Acessado


em 02/01/2020.
66

As Ordenações Afonsinas, de início, entraram em vigor no dia 12 de março


de 1393 e a Carta Régia de Portugal de 27 de abril de 1442 e foram consideradas as
primeiras normas produzidas pela Coroa portuguesa, as quais eram voltadas para a
proteção ambiental e serviram como ponto de partida para futuras regras que se
seguiriam no período colonial brasileiro.146

No Brasil-Colônia (1530-1822)147, a primeira movimentação foi para regular


o tratamento dispensado à flora com o objetivo de diminuir o ímpeto devastador dos
portugueses na exploração madeireira, uma vez que os grandes descobrimentos e a
expansão marítimas demandavam muitos recursos naturais e cada viagem custava
um significativo prejuízo ecológico.148

Durante esse período foram expedidos normas e regulamentos que


visavam a proteção da floresta impondo restrições à quantidade e forma do corte,
particularmente do pau-brasil, impedindo a queima dessas áreas para facilitar o
rebrotamento e, também, para reservar as melhores madeiras para a Coroa.149

Nesse ínterim, em 1595 entra em vigor as Ordenações Filipinas que tinham


regras que controlavam o corte e utilização de árvores, podendo o infrator ser açoitado
ou até degrado para outros países. No ano de 1605 a Coroa portuguesa criou as
reservas extrativistas e a função dos “guardas florestais” para o controle do pau-brasil
e, posteriormente, também foi criado o cargo de “juiz conservador” pelas normas que
regulavam a propriedade das matas e árvores na borda da Costa e sobre o
reflorestamento. Entretanto, o resultado que se verificou foi justamente o contrário,

146 SILVA, Américo Luis Martins da. Direito do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais - Volume 2:
Proteção Legal da Flora, das Águas e da Fauna - Unidades de Conservação da Natureza –
Agrotóxicos. Edição do Kindle, 2015. Posição 1606-1607.
147 “Este período começou quando o governo português enviou ao Brasil a primeira expedição

colonizadora chefiada por Martim Afonso de Souza”. Disponível em


<https://www.todamateria.com.br/brasil-colonia/>. Acessado em 10/02/2020.
148 SILVA, Américo Luis Martins da. Direito do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais - Volume 2:

Proteção Legal da Flora, das Aguas e da Fauna - Unidades de Conservação da Natureza –


Agrotóxicos.. Posição 1607-1608 de 35819.
149 DEMANGE, Lia Helena Monteiro de Lima. Desastres, Responsabilidade Civil e Áreas de

Preservação Permanente: paradoxo do progresso nômade. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2019.
p. 63.
67

visto que os proprietários não conservavam porque ficavam temerosos de ter suas
propriedades requisitadas pela Coroa para a exploração.150

Já no Brasil-Império (1822-1889)151, por iniciativa de José Bonifácio de


Andrada e Silva, foi elaborada uma lei que tratava como seria feito o uso do solo e
previa a conservação de um sexto da área da propriedade vendida ou doada pela
Coroa pelo regime das sesmarias, novamente, com o objetivo de evitar a escassez de
lenhas e madeiras necessárias ao desenvolvimento econômico.152

A Carta Régia de 1827, por sua vez, incumbia aos juízes de paz das
províncias o dever de fiscalizar e proteger as matas dos cortes para a exploração de
madeiras com valor econômico, época em que surgiu classificou tais madeira com a
nomenclatura “madeiras de lei”. A proteção dos recursos naturais com valor
econômico nesta época foi uma tendência mundial a qual as normas ambientais
nacionais seguiram, culminando no Código Penal do Império de 1830, o qual
classificou como crime o corte ilegal de madeira.153

Os efeitos nocivos do desmatamento eram percebidos já naquela época


em áreas que posteriormente viriam a se tornar APP. A qualidade da água que servia
para o abastecimento da população da cidade do Rio de Janeiro estava
comprometida, muito em consequência do plantio de café nos morros do Vale do
Paraíba. O Imperador D. Pedro II, na ocasião, desapropriou as chácaras do entorno e
assim surgiu a Floresta da Tijuca em 1862.154

Em 1920, o então presidente Epitácio Pessoa criou uma comissão para


elaboração de um Código Florestal, afirmando, para tanto, que “dos países cultos
dotados de matas e ricas florestas, o Brasil é talvez o único que não possui um Código

150 SILVA, Américo Luis Martins da. Direito do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais - Volume 2:
Proteção Legal da Flora, das Aguas e da Fauna - Unidades de Conservação da Natureza –
Agrotóxicos. Posição 1627 de 35819.
151 Brasil Império – “D. Pedro I (1798-1834) foi aclamado Imperador no dia 12 de outubro de 1822”.

Disponível em <https://www.todamateria.com.br/brasil-imperio/>. Acessado em 10/02/2020.


152 DEMANGE, Lia Helena Monteiro de Lima. Desastres, Responsabilidade Civil e Áreas de

Preservação Permanente: paradoxo do progresso nômade. p. 63.


153 SILVA, Américo Luis Martins da. Direito do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais - Volume 2:

Proteção Legal da Flora, das Aguas e da Fauna - Unidades de Conservação da Natureza –


Agrotóxicos. Posição 1640.
154 DEMANGE, Lia Helena Monteiro de Lima. Desastres, Responsabilidade Civil e Áreas de

Preservação Permanente: paradoxo do progresso nômade. p. 64.


68

Florestal”.155 Assim, referidos estudos foram utilizados no primeiro Código Florestal


Brasileiro, que entrou em vigor no governo de Getúlio Vargas com a promulgação do
Decreto 23.793/34, mas também não referenciava especificamente os termos ou
nomenclatura de Área de Preservação Permanente.

O instituto da APP começou a tomar forma pelo Decreto 24.643/34,


conhecido como Código da Águas, que foi promulgado em paralelo com o Código
Florestal, onde no art. 12 instituía uma faixa de 10 (dez) metros de servidão de trânsito
para os agentes da administração pública. No mesmo Decreto, ainda, foram
denominados terrenos de marinha uma faixa de até 33 (trinta e três) metros de terra,
que forem banhados por mar ou rios navegáveis, e de até 15 (quinze) metros de faixa
de terra banhados por rios navegáveis, mas fora do alcance das marés, previsões
contidas respectivamente nos artigos 11, 13 e 14. 156

No entanto, o Código Florestal de 1934 se ocupou de usar as expressões


“florestas protectoras”, no artigo 4º, onde se pode verificar uma certa semelhança com
a futura definição legal da APP:

Art. 4º - Serão consideradas florestas protectoras as que, por sua


localização, servirem conjuncta ou separadamente para qualquer dos
fins seguintes:
a) conservar o regimen das aguas;
b) evitar a erosão das terras pela acção dos agentes naturaes;
c) fixar dunas;
d) auxiliar a defesa das fronteiras, de modo julgado necessário pelas
autoridades militares;
e) assegurar condições de salubridade publica;
f) proteger sítios que por sua belleza mereçam ser conservados;
g) asilar especimens raros de fauna indígena.

E “conservação perenne" no art. 8º do mesmo Decreto:

Art. 8º - Consideram-se de conservação perenne, e são inalienaveis,


salvo se o adquirente se obrigar, por si, seus herdeiros e successores,
a mantel-as sob o regimen legal respectivo, as florestas protectoras e
as remanescentes.

155 DEMANGE, Lia Helena Monteiro de Lima. Desastres, Responsabilidade Civil e Áreas de
Preservação Permanente: paradoxo do progresso nômade. p. 64.
156 JÚNIOR, Zedequias de Oliveira. Áreas de Preservação Permanente Urbana dos cursos d’água:

responsabilidade do poder público e ocupação antrópica à luz do novo código Florestal e


seus reflexos jurídicos. p. 32.
69

Conforme se retira das normas citadas, estes textos serviram de base para
elaboração futura do conceito jurídico da APP. Desde aquela época, as florestas eram
consideradas bem de interesse comum e os institutos já preconizavam
categoricamente a importância de se proteger de forma duradoura, em especial as
“florestas protectoras”, uma vez que estas possuem grande função ambiental, que
mais tarde seriam denominadas de APP. 157

Na vigência da Constituição Federal promulgada em 1946, entra em vigor


a Lei 4.771/65, na qualidade de segundo Código Florestal, revogando expressamente
o primeiro.

O Código Florestal de 1965 teve sua vigência por quase cinquenta anos e
no que diz respeito ao tema, salienta-se que estipulou a criação de 2 espécies de APP,
sendo que uma criada por Lei e a outra por ato do Poder Executivo de forma
administrativa, segundo os seus artigos 2º e 3º.

A lei editada em 1965 sobre a flora vigorou sem alterações por mais de
vinte anos, até que a partir de 1978 começou a edição de leis158, que alteraram o
Código Florestal vigente à época, e buscavam também o aprimoramento da forma
como eram tradas as APP’s, inclusive no âmbito urbano e metropolitano, como a
largura mínima da área e qual seria o marco de onde iniciaria a medição, por exemplo.
159

Por fim, a redação final dos artigos 2º e 3º da Lei 4.771/65 ficou nos
seguintes termos:

Art. 2° - Consideram-se de preservação permanente, pelo só efeito


desta Lei, as florestas e demais formas de vegetação natural situadas:
a) ao longo dos rios ou de qualquer curso d'água desde o seu nível
mais alto em faixa marginal cuja largura mínima será: 1 - de 30 (trinta)
metros para os cursos d'água de menos de 10 (dez) metros de largura;
2 - de 50 (cinquenta) metros para os cursos d'água que tenham de 10
(dez) a 50 (cinquenta) metros de largura;

157 DEMANGE, Lia Helena Monteiro de Lima. Desastres, Responsabilidade Civil e Áreas de
Preservação Permanente: paradoxo do progresso nômade. p. 71.
158 Lei 6.535 de 15/06/1978; Lei 7.511 de 07/07/1986; Lei 7.803 de 18/07/1989; Lei 9.9985 de

18/07/2000; Medida Provisória 2.166-67 de 2001.


159 JÚNIOR, Zedequias de Oliveira. Áreas de Preservação Permanente Urbana dos cursos d’água:

responsabilidade do poder público e ocupação antrópica à luz do novo código Florestal e


seus reflexos jurídicos. p. 38-39.
70

3 - de 100 (cem) metros para os cursos d'água que tenham de 50


(cinquenta) a 200 (duzentos) metros de largura;
4 - de 200 (duzentos) metros para os cursos d'água que tenham de
200 (duzentos) a 600 (seiscentos) metros de largura;
5 - de 500 (quinhentos) metros para os cursos d'água que tenham
largura superior a 600 (seiscentos) metros;
b) ao redor das lagoas, lagos ou reservatórios d'água naturais ou
artificiais;
c) nas nascentes, ainda que intermitentes e nos chamados "olhos
d'água", qualquer que seja a sua situação topográfica, num raio
mínimo de 50 (cinquenta) metros de largura;
d) no topo de morros, montes, montanhas e serras;
e) nas encostas ou partes destas, com declividade superior a 45°,
equivalente a 100% na linha de maior declive;
f) nas restingas, como fixadoras de dunas ou estabilizadoras de
mangues;
g) nas bordas dos tabuleiros ou chapadas, a partir da linha de ruptura
do relevo, em faixa nunca inferior a 100 (cem) metros em projeções
horizontais;
h) em altitude superior a 1.800 (mil e oitocentos) metros, qualquer que
seja a vegetação.
i) nas áreas metropolitanas definidas em lei.
Parágrafo único. No caso de áreas urbanas, assim entendidas as
compreendidas nos perímetros urbanos definidos por lei municipal, e
nas regiões metropolitanas e aglomerações urbanas, em todo o
território abrangido, observar-se-á o disposto nos respectivos planos
diretores e leis de uso do solo, respeitados os princípios e limites a
que se refere este artigo.

Art. 3º - Consideram-se, ainda, de preservação permanentes, quando


assim declaradas por ato do Poder Público, as florestas e demais
formas de vegetação natural destinadas:
a) a atenuar a erosão das terras;
b) a fixar as dunas;
c) a formar faixas de proteção ao longo de rodovias e ferrovias;
d) a auxiliar a defesa do território nacional a critério das autoridades
militares;
e) a proteger sítios de excepcional beleza ou de valor científico ou
histórico;
f) a asilar exemplares da fauna ou flora ameaçados de extinção;
g) a manter o ambiente necessário à vida das populações silvícolas;
h) a assegurar condições de bem-estar público.
§ 1° A supressão total ou parcial de florestas de preservação
permanente só será admitida com prévia autorização do Poder
Executivo Federal, quando for necessária à execução de obras,
planos, atividades ou projetos de utilidade pública ou interesse social.
§ 2º As florestas que integram o Patrimônio Indígena ficam sujeitas ao
regime de preservação permanente (letra g) pelo só efeito desta Lei.

A despeito das alterações normativas feitas no texto original, foi editado o


Decreto 89.336/1984 que remeteu ao Conselho Nacional do Meio Ambiente –
CONAMA a responsabilidade de estabelecer critérios e normas para o uso de recursos
71

naturais por meio de resoluções160 editadas administrativamente pelo Conselho


Nacional do Meio Ambiente – CONAMA. Sem adentrar no tecnicismo, pormenores de
cada lacuna e seu tratamento pelas resoluções, importante destacar que, de maneira
geral, foram definidos os referencias métricos e definições ausentes na norma
federal.161

Por fim, com a entrada em vigor da Lei 12.651 de 25/05/2012, resultante


do Projeto de lei n.º 1.876/99, contudo, a narrativa da sanção do Novo Código Florestal
foi cercada de polêmica e manifestações por todos os setores da sociedade brasileira
para que o chefe do Poder Executivo162 vetasse totalmente o aludido projeto de lei.

Em um primeiro momento, a lei foi sancionada com vetos, o que motivou a


edição de Medida Provisória n.º 571 de 25/05/2012, com o propósito de corrigir
distorções e lacunas, a qual também foi convertida em lei e sancionada em 17/10/2012
com o número de 12.727, mas, novamente, com partes de seu texto vetada. As
pressões nacionais163 e internacionais sobre os congressistas tiveram ressonância no
texto do Novo Código Florestal.164

Desta forma, a APP teve seu conceito legal determinado no art. 3º, inciso
II e adiante foram tratadas no Capítulo II, delimitada na Seção I, dos artigos 4º ao 6º
e seu regime de proteção constante na Seção II, dos artigos 7º ao 9º.

As diferenças para com o antigo Código Florestal em relação às APP’s, de


forma sintética, podem-se frisar a adoção do marco a ser considerado como medição
é “a borda da calha do leito regular”, deixou de considerar como APP as hipóteses em
que os acúmulos de água que não sejam formados por curso d’água e aqueles que a

160 Resoluções n.º 302 de 20/03/2002, n.º 303 de 13/05/2002 e n.º 369 de 28/03/2006 dentre as mais
relevantes.
161 DEMANGE, Lia Helena Monteiro de Lima. Desastres, Responsabilidade Civil e Áreas de

Preservação Permanente: paradoxo do progresso nômade. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2019.
p. 63.
162 A título de informação, o chefe do executivo era a presidente Dilma Roussef.
163 Relevante indicar a manifestação da Sociedade Brasileira para o Progresso da Pesquisa - SBPC

em conjunto com a Associação Brasileira de Ciências – ABC por meio de uma carta endereçada ao
Congresso Nacional. Texto disponível em <http://portal.sbpcnet.org.br/noticias/cartaquebrasbpc-e-
abc-enviam-carta-aos-congressistas-em-defesa-dos-vetos-ao-novo-codigo-florestal/>. Acessado
em 25/01/2020.
164 ALMEIDA, Paulo Santos de, e SILVA, Iohana Cristina Nogueira. Regularização fundiária em áreas

de conservação: análise da legislação ambiental e seus reflexos nas populações locais


vulneráveis e no meio ambiente entre 2000-2010 no reservatório Billings impacto na saúde
humana. p. 249-250.
72

lâmina d’água seja inferior a um hectare, sendo muito criticadas essas modificações,
mas incluiu a previsão de APP para os manguezais e as veredas.165

Assim, após concluída a exposição da evolução legislativa sobre as normas


que tratam da flora brasileira, em um sentido amplo, e mais detalhada sobre as Áreas
de Proteção Permanente, se faz necessário trazer ao debate o conceito e natureza
jurídica de instituto, visto que terá grande influência no tratamento do direito à moradia
e à cidade dentro do meio ambiente urbano.

2.4 CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA DE ÁREA DE PRESERVAÇÃO


PERMANENTE

Em um primeiro momento, cabe fazer uma rápida e pequena distinção entre


Flora, Florestas e APP. A doutrina entende que flora pode ser considerada como um
conceito genérico166, enquanto que floresta “é um ecossistema complexo, no qual as
árvores são a forma vegetal predominante que protege o solo contra o impacto direto
do sol, dos ventos e das precipitações”167 e, como se verá pelo conceito, as APP’s
podem integrar o contexto da flora e floresta.

O conceito legal da APP está enumerado no inciso II do Art. 3º da Lei


12.651/12, nos seguintes termos:

Art. 3o. Para os efeitos desta Lei, entende-se por: [...]


II - Área de Preservação Permanente - APP: área protegida, coberta
ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os
recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica e a
biodiversidade, facilitar o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo
e assegurar o bem-estar das populações humanas; [...]

Etimologicamente as palavras “preservação” e “permanente” conduz a


conclusão de que a integridade da vegetação deve ser constantemente mantida,
mesmo que sua vegetação seja exótica, ou seja, a área seja coberta por vegetação
diversa da que originariamente existia.

165 JÚNIOR, Zedequias de Oliveira. Áreas de Preservação Permanente Urbana dos cursos d’água:
responsabilidade do poder público e ocupação antrópica à luz do novo código Florestal e
seus reflexos jurídicos. p. 49.
166 PACHECO, Juliana Muniz. Área de Preservação Permanente em Zona Urbana e Regularização

da Moradia. p. 15.
167 SILVA, Americo Luis Martins da. Direito do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais - Volume 2:

Proteção Legal da Flora, das Águas e da Fauna - Unidades de Conservação da Natureza –


Agrotóxicos. Posição 557 de 35819.
73

O Ministério do Meio Ambiente também conceituou as APP’s nos seguintes


termos:

As Áreas de Preservação Permanente foram instituídas pelo Código


Florestal (Lei nº 12.651, de 25 de maio de 2012) e consistem em
espaços territoriais legalmente protegidos, ambientalmente frágeis e
vulneráveis, podendo ser públicas ou privadas, urbanas ou rurais,
cobertas ou não por vegetação nativa.168

Na doutrina, para Pedro de Menezes Niebuhr conceitua Áreas de


Preservação Permanente como “áreas determinadas que não estão sujeitas a
qualquer ocupação ou intervenção humana e deverão ser preservados suas
características naturais e protegidos de qualquer dano ou alteração de suas
características essenciais de forma duradoura”169.

Outro conceito consta da lição de Americo Martins da Silva, onde APP “é


uma área protegida e deve permanecer preservada em virtude das características
especiais que apresentam” 170.

Na visão de Eriton Vieira e Othoniel Júnior, APP consiste em:

[...] espaços territoriais especialmente protegidos de acordo com o


disposto no inciso III, § 1º, do art. 225 da Constituição Federal [...]. Em
virtude da proteção jurídica conferida as áreas de preservação
permanente, de acordo com o novo Código Florestal, determinados
locais devem permanecer inalterados. Objetiva-se com isso, destacar
porções do território que pela sua natural conformação [...].171

Diante dos conceitos apresentados, Paulo Affonso Leme Machado extrai


das APP’s cinco características:

(a) É uma área, e não mais uma floresta [...]. A área pode ou não estar
coberta por vegetação nativa, podendo ser coberta por vegetação
exótica.

168 BRASIL. Ministério do Meio Ambiente. Áreas de Preservação Permanente Urbanas. Disponível
em <https://www.mma.gov.br/cidades-sustentaveis/areas-verdes-urbanas/item/8050.html>.
Acessado em 05/02/2020.
169 NIEBUHR, Pedro de Menezes. Manual da Áreas de Preservação Permanente. Belo Horizonte:

Fórum Conhecimento Jurídico, 2018. p. 15.


170 SILVA, Americo Luis Martins da. Direito do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais - Volume 2:

Proteção Legal da Flora, das Aguas e da Fauna - Unidades de Conservação da Natureza -


Agrotóxicos. Posição 7334 de 35819.
171 VIEIRA, Eriton Geraldo, e JÚNIOR, Othoniel Ceneceu Ramos. A Regularização Fundiária Urbana

de Interesse Social em Áreas de Preservação Permanente à Luz do Direito Fundamental ao


Meio Ambiente Ecologicamente Equilibrado. Disponível em
<http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=4285d861bc62cba0>. Acessado em 05/03/2020.
74

(b) A APP não é uma área qualquer, mas uma ‘área protegida’. A
junção destes dois termos tem alicerce na Constituição da República,
[...] (art. 225, § 1º, III).
(c) A área de proteção de forma ‘permanente’, isto é, não episódica,
descontínua, temporária ou com interrupções. O termo ‘permanente’
deve levar a um comportamento individual do proprietário, de toda a
sociedade e dos integrantes dos órgãos públicos ambientais no
sentido de criar, manter e/ou recuperar a APP.
(d) A APP é uma área com funções ambientais específicas e
diferenciadas, apontadas na Lei 12.651/2012: função ambiental de
preservação, função de facilitação, função de proteção e função de
asseguramento. [...]
(e) A supressão indevida da vegetação na APP obriga o proprietário
da área, o possuidor ou o ocupante, a qualquer título, a recompor a
vegetação; e essa obrigação tem natureza real. Essa obrigação
tramite-se ao sucessor em caso de transferência de domínio ou de
posse do imóvel [...]172

A contribuição do autor Paulo Machado, em detalhar as características das


APP’s, mostra a grande relevância que estas áreas possuem para o meio ambiente.

A importância da APP está na conservação de serviços ambientais que


tenham como objetivos de preservar a água, flora, fauna, recursos naturais e o bem-
estar social, sendo relevante a manutenção de suas características as mais originárias
possíveis173, uma vez que desempenham papel como reguladoras de vazão fluviais,
dissipação de energia erosiva, preservação da vida aquática, bem como tratando da
qualidade da água de mananciais de abastecimento de cidades, dentre outras 174.

A natureza jurídica da APP consiste em uma modalidade de intervenção


estatal na propriedade privada, que no quesito de restrições só perde para a
modalidade de expropriação, possui a natureza jurídica de um ônus para o proprietário
e/ou possuidor e é uma obrigação propter rem (art. 7º e §§ da Lei 12.651/2012), pois
instauram sobre a propriedade três tipos de exigências. A primeira é um
comportamento negativo (proibições genéricas) de implantação, desenvolvimento ou
operação de atividades. Seguindo, a segunda é a imposição de comportamento
positivo em relação à compensação e conservação. E, a terceira e última exigência é

172 MACHADO, Paulo Affonso Leme. DIREITO AMBIENTAL BRASILEIRO. p. 907-908.


173 JÚNIOR, Zedequias de Oliveira. Áreas de Preservação Permanente Urbana dos cursos d’água:
responsabilidade do poder público e ocupação antrópica à luz do novo código Florestal e
seus reflexos jurídicos. p. 34;
174 ALMEIDA, Paulo Santos de, e SILVA, Iohana Cristina Nogueira. Regularização fundiária em áreas

de conservação: análise da legislação ambiental e seus reflexos nas populações locais


vulneráveis e no meio ambiente entre 2000-2010 no reservatório Billings impacto na saúde
humana. Revista Direito Ambiental e sociedade, v. 7, n. 2, 2017 (p. 239-264). p. 253.
75

a permissão de que se faça na propriedade a fiscalização e medidas necessárias de


recuperação que terceiros estejam executando.175

No tocante ao titular da propriedade ou da posse em que se localize a APP,


seja ele público ou privado, não muda em nada o uso, gozo e fruição da área, desde
que se obedeça à limitação imposta pelas normas florestais, urbanísticas ou de outras
restrições, sempre visando o interesse da coletividade presente e futura176. Da mesma
forma que o texto constitucional garante o direito à propriedade com direito
fundamental, art. 5º, inciso XXII da CF/88, também impõe limites e condições para o
exercício do respectivo direito, em especial a função social da propriedade.177

Entretanto, há a possibilidade de intervenção ou supressão em APP’s e são


a exceção à regra protetiva, conteúdo seriamente ligado à regularização fundiária em
ocupações urbanas, como já mencionado.

Portanto, as limitações de natureza ambiental, urbanística e de interesse


público impostas ao proprietário ou possuidor, são de cumprimento obrigatório tanto
para o particular quanto para o Poder Público, mas com variações de acordo com a
espécie de instituição da APP.

2.5 MODALIDADE OU ESPÉCIES DE ÁREAS DE PRESERVAÇÃO


PERMANENTES

No Código Florestal de 1965 existia a menção à duas espécies de APP que


se diferenciavam pelo critério de sua criação, podendo ser por lei ou por ato
declaratório, de acordo com o descrito nos artigos 2º e 3º da lei revogada em 2012.

O novel Código Florestal também contempla a classificação da APP em


duas hipóteses, cuja primeira está prevista no seu artigo 4º, como sendo “áreas de
preservação permanente decorrentes de lei”, e a outra hipótese no artigo 6º,

175 NIEBUHR, Pedro de Menezes. Manual da Áreas de Preservação Permanente. p. 17-18.


176 JÚNIOR, Zedequias de Oliveira. Áreas de Preservação Permanente Urbana dos cursos d’água:
responsabilidade do poder público e ocupação antrópica à luz do novo código Florestal e
seus reflexos jurídicos. p. 143.
177 SENÔ, Mirela Andréa Alves Ficher. A Utilização de Medidas Compensatórias para a Reparação

de Danos Ambientais Ocorrido em Áreas de Preservação Permanentes Urbanas: Limites e


Alternativas. Dissertação de Mestrado. Ribeirão Preto: Universidade de Ribeirão Preto, 2010, p.53-
54.
76

denominada de “área de “preservação permanente decorrente de ato administrativo”.


178

As espécies definidas em lei são as seguintes:

Art. 4º. Considera-se Área de Preservação Permanente, em zonas


rurais ou urbanas, para os efeitos desta Lei:
I - as faixas marginais de qualquer curso d’água natural perene e
intermitente, excluídos os efêmeros, desde a borda da calha do leito
regular, em largura mínima de: [...]
II - as áreas no entorno dos lagos e lagoas naturais, em faixa com
largura mínima de: [...]
III - as áreas no entorno dos reservatórios d’água artificiais,
decorrentes de barramento ou represamento de cursos d’água
naturais, na faixa definida na licença ambiental do empreendimento;
IV - as áreas no entorno das nascentes e dos olhos d’água perenes,
qualquer que seja sua situação topográfica, no raio mínimo de 50
(cinquenta) metros;
V - as encostas ou partes destas com declividade superior a 45º,
equivalente a 100% (cem por cento) na linha de maior declive;
VI - as restingas, como fixadoras de dunas ou estabilizadoras de
mangues;
VII - os manguezais, em toda a sua extensão;
VIII - as bordas dos tabuleiros ou chapadas, até a linha de ruptura do
relevo, em faixa nunca inferior a 100 (cem) metros em projeções
horizontais;
IX - no topo de morros, montes, montanhas e serras, com altura
mínima de 100 (cem) metros e inclinação média maior que 25º , as
áreas delimitadas a partir da curva de nível correspondente a 2/3 (dois
terços) da altura mínima da elevação sempre em relação à base,
sendo esta definida pelo plano horizontal determinado por planície ou
espelho d’água adjacente ou, nos relevos ondulados, pela cota do
ponto de sela mais próximo da elevação;
X - as áreas em altitude superior a 1.800 (mil e oitocentos) metros,
qualquer que seja a vegetação;
XI - em veredas, a faixa marginal, em projeção horizontal, com largura
mínima de 50 (cinquenta) metros, a partir do espaço
permanentemente brejoso e encharcado.

De acordo como visto no art. 4º da Lei 12.651/12, as APP’s enumeradas


pelo artigo não precisam de qualquer ato ou regulamentação do poder público para
existirem, pois decorrem de ope legis, havendo a autoaplicabilidade plena da norma.
179

178 NIEBUHR, Pedro de Menezes. Manual da Áreas de Preservação Permanente. p. 59.


179 NIEBUHR, Pedro de Menezes. Manual da Áreas de Preservação Permanente. p. 60.
77

A modalidade de APP’s administrativas, determinadas por ato do Chefe do


Poder Executivo, são:

Art. 6º. Consideram-se, ainda, de preservação permanente, quando


declaradas de interesse social por ato do Chefe do Poder Executivo,
as áreas cobertas com florestas ou outras formas de vegetação
destinadas a uma ou mais das seguintes finalidades:
I - conter a erosão do solo e mitigar riscos de enchentes e
deslizamentos de terra e de rocha;
II - proteger as restingas ou veredas;
III - proteger várzeas;
IV - abrigar exemplares da fauna ou da flora ameaçados de extinção;
V - proteger sítios de excepcional beleza ou de valor científico, cultural
ou histórico;
VI - formar faixas de proteção ao longo de rodovias e ferrovias;
VII - assegurar condições de bem-estar público;
VIII - auxiliar a defesa do território nacional, a critério das autoridades
militares.
IX - proteger áreas úmidas, especialmente as de importância
internacional.

Assim como no art. 3º do Código Florestal antecessor, a possibilidade de


se instituir APP administrativamente por ato do Chefe do Poder Executivo foi
contemplada no art. 6º da nova Lei da Flora, devendo ser declarada de interesse social
e estar coberta com floresta ou vegetação que esteja destinada a desempenhar uma
ou mais finalidades daquelas elencadas no artigo.

No campo doutrinário, Pedro Niebuhr destaca três diferenças entre as


modalidades de APP’s. 180 A primeira, e por óbvio a mais patente, é a fonte normativa
de sua origem, característica que vai determinar a propensão de gerar efeitos ao caso
concreto. Para as APP’s criadas diretamente por lei, as restrições de não intervenção
se operam seus efeitos de forma integral e imediata, independentemente de qualquer
ato regulador, mas as APP’s administrativas dependem da declaração específica de
interesse social do Chefe do Executivo, que o faz por meio de “decreto”.

Entendida como uma segunda diferença entres as modalidades de APP’s


são as espécies, enquanto que o art. 4º da Lei 12.651/12 apresenta um rol taxativo,
numerus clausus, o art. 6º da mesma Lei, por sua vez, não especifica quais ambientes,
áreas ou ecossistemas devem ser objeto da proteção, fazendo uma previsão aberta,

180 NIEBUHR, Pedro de Menezes. Manual da Áreas de Preservação Permanente. p. 60.


78

autorizando o Poder executivo a proteger qualquer área, mas com uma condicionante:
a área deve conter uma ou mais finalidades que são enumeradas nos respectivos
incisos.

Sem embargos, não há, neste caso, a liberdade compreendida na


conveniência e oportunidade, que são a base da discricionariedade da autoridade
pública ao emitir um ato administrativo, pois a finalidade está circunscrita nas
hipóteses elencadas nos incisos do art. 6 da lei federal da flora, mesmo que o rol não
trate exclusivamente de temas ambientais. 181

A terceira diferença, enfim, toma por base os reflexos da natureza jurídicas


das duas distinções referendadas, a qual consiste nas condições com que o titular da
APP é tocado pelas restrições impostas pela lei. No caso das APP’s decorrentes de
lei, essas limitações são consideradas, como já dito, de natureza administrativa, gerais
e abstratas, portanto, não dando aso a indenizações de qualquer tipo. Por outro lado,
a instituição de APP por ato do poder Público deve ter a obrigação de indenizar o
proprietário, uma vez que impõe um ônus excessivo e que não é experimentado por
outras pessoas em situação de equivalência. 182

Ainda no campo doutrinário, segundo Paulo Machado, as APP’s


proveniente de lei podem receber outra classificação, podendo dividir em três
categorias as hipóteses relacionadas nos incisos do art. 4º do Novo Código Florestal:
“a primeira, como protetora das águas; a segunda, como protetora das montanhas; e
a terceira, como protetora de ecossistemas determinados”183.

No entanto, visto que as qualidades decorrentes da modalidade de sua


criação têm o condão de influenciar o modo de criação das políticas públicas ocupação
do solo, principalmente em área urbana, onde o problema de ocupação irregular e
ilegal se mostra de alta complexidade, a melhor classificação se traduz naquela que
diferencia a APP legal da APP administrativa. Essa classificação terá ingerência direta
sobre a noção de área de preservação permanente no cenário urbano.

181 NIEBUHR, Pedro de Menezes. Manual da Áreas de Preservação Permanente. p. 62.


182 NIEBUHR, Pedro de Menezes. Manual da Áreas de Preservação Permanente. p. 63.
183 MACHADO, Paulo Affonso Leme. DIREITO AMBIENTAL BRASILEIRO. p. 910.
79

2.6 ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE URBANA

Incialmente, a caracterização legal de área urbana foi tratada no inciso


XXVI do art. 3º do atual Código Florestal que, ao conceituar área urbana, remete à
disposição contida no revogado art. 47, inciso I da Lei 11.977/09 – Minha Casa Minha
Vida:

Art. 47. Para efeitos da regularização fundiária de assentamentos


urbanos, consideram-se:
I – área urbana: parcela do território, contínua ou não, incluída no
perímetro urbano pelo Plano Diretor ou por lei municipal específica;
[...]

A despeito da Lei 13.465/17 revogar todo o Capítulo III da Lei 11.977/09,


capítulo onde o art. 47 estava incluso, não repetiu ou substituiu o conceito específico
de áreas urbanas, mas definiu no seu art. 11 o conceito de “núcleo urbano”, o qual
mais se aproxima do texto revogado, nos seguintes termos:

Art. 11. Para fins desta Lei, consideram-se:


I - núcleo urbano: assentamento humano, com uso e características
urbanas, constituído por unidades imobiliárias de área inferior à fração
mínima de parcelamento prevista na Lei nº 5.868, de 12 de dezembro
de 1972, independentemente da propriedade do solo, ainda que
situado em área qualificada ou inscrita como rural; [...]

O meio ambiente urbano, também denominado de meio ambiente artificial,


consiste em um espaço urbano construído, consubstanciado no conjunto de
edificações de maneira geral, como por exemplo as casas, escolas e prédios públicos,
e dos equipamentos públicos, com as ruas, praças, transporte públicos, áreas verdes,
espaços livres em geral, dentre outros.184

A revogação da Lei 4.771/65, antigo Código Florestal, pela a Lei 12.651/12,


não conseguiu colocar fim na polêmica sobre a aplicação e alcance das proteções nas
áreas urbanas pautadas na legislação federal sobre a temática.

Tal controvérsia começou a se desenhar desde o momento em que foi


acrescida a letra “i” no art. 2º pela Lei 6.535/78 no antigo códex, o tratamento das
APP’s em área urbana deveria obedecer ao contido na nova lei federal da flora, ainda

184 BERNDSEN, Guilherme Rigo. A Operação Urbana Consorciada como Instrumento do


Urbanismo Sustentável. Dissertação de Mestrado. Itajaí: Universidade do Vale do Itajaí, p. 8.
80

mais que se refere às “zonas rurais ou urbanas”, mas alterações normativas


posteriores também tentaram sem sucesso acabar com a discórdia.

Como já explicitado, as APP`s se dividem em duas grandes categorias,


aquelas criadas por lei e aquelas criadas por ato do poder público. As APP`s, assim
como no antigo Código Florestal/1965, o novo Códex não alterou de forma significativa
a essência do conceito.

O debate sobre a aplicação de do Novo Código Florestal se mostra


complexo e demanda por uma harmonização de diferentes instrumentos jurídicos e
em diferentes níveis federativos, pois há duas correntes bem definidas sobre a
aplicação ou não da incidência da referida norma sobre as APP’s urbanas.185

De um lado, uma corrente defende que as áreas urbanas devem ser


regidas pelo o Estatuto das Cidades, Lei n.º 10.257 de 10 de julho de 2.001, seus
Planos Diretores e, quando for o caso, a Lei n.º 6.766, de 19 de dezembro de 1979,
conhecida como a Lei de Parcelamento do Solo Urbano.

Enquanto do lado contrário, há a corrente de pensamento contrário que


defende a aplicação do Código Florestal em espaços urbanos, naquilo em que for de
seu objeto, tendo ambas as posições argumentos e estudiosos de peso para sustentar
suas teses.

Um dos pontos usados como argumento é a competência legislativa para


tratar sobre a matéria, pois o meio ambiente urbano deve ser protegido através de
normas urbanísticas municipais186, conforme se depreende de uma interpretação da
Constituição Federal de 1988 e que, em obediência aos preceitos constitucionais, o
legislador infraconstitucional editou a Lei 10.257/01 ou o Estatuto das Cidades, lei
geral e aplicável a todos os Municípios, que deverão ter por base o estatuto quando
for elaborar suas normas. 187

185 PACHECO, Juliana Muniz. Área de Preservação Permanente em Zona Urbana e Regularização
da Moradia. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2013. p. 46.
186 BERNDSEN, Guilherme Rigo. A Operação Urbana Consorciada como Instrumento do

Urbanismo Sustentável. Dissertação de Mestrado. Itajaí: Universidade do Vale do Itajaí, p. 8.


187 PACHECO, Juliana Muniz. Área de Preservação Permanente em Zona Urbana e Regularização

da Moradia. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2013. p. 74.
81

Nesse mesmo sentido, recentemente, entrou em vigor a Lei n.º 13.089, de


12 de janeiro de 2016, onde institui o Estatuto da Metrópole. Em uma apertada síntese,
o Estatuto da Metrópole disciplina a forma, diretrizes e instrumentos da política para o
desenvolvimento da região metropolitana, destacando que no artigo 10 prevê a
elaboração de um “plano de desenvolvimento urbano integrado”, o qual deverá ser
aprovado por lei estadual, e que deverão ser observadas as disposições gerais da Lei
10.257/01188.

Para construir a linha de raciocínio da não incidência do Código Florestal,


esta corrente começa o discurso atacando o revogado código e estende o raciocínio
para o atual. A argumentação abarca, em primeiro plano, a regra contida no art. 7º da
Lei Complementar n.º 95, de 26 de fevereiro de 1998:

Art. 7o O primeiro artigo do texto indicará o objeto da lei e o respectivo


âmbito de aplicação, observados os seguintes princípios:
I - excetuadas as codificações, cada lei tratará de um único objeto;
II - a lei não conterá matéria estranha a seu objeto ou a este não
vinculada por afinidade, pertinência ou conexão;
III - o âmbito de aplicação da lei será estabelecido de forma tão
específica quanto o possibilite o conhecimento técnico ou científico da
área respectiva;
IV - o mesmo assunto não poderá ser disciplinado por mais de uma
lei, exceto quando a subseqüente se destine a complementar lei
considerada básica, vinculando-se a esta por remissão expressa.

Pelo critério da especificidade da norma, somente o Plano Diretor pode


tratar sobre proteção ambiental no âmbito dos Municípios, uma vez que esta
particularidade está descrita no Estatuto da Cidade.

Em seguida, busca outro fundamento na regra de aplicação da lei no


tempo, previsão expressa no art. 2º e seus parágrafos do Decreto-Lei 4.657, de 4 de
setembro de 1942:

Art. 2º. Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até
que outra a modifique ou revogue.
§ 1º A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare,
quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a
matéria de que tratava a lei anterior.
§ 2º A lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par
das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior.

188 Os artigos da Lei 13.089/16 que referendam a Lei 10.257/01 são: art. 1º, § 2º; art. 6º, inciso V; art.
7º; art. 9º, caput e inciso V; art. 10, § 2º; e art. 24, que acresce o art. 34-A no Estatuto da Cidade;
82

§ 3º Salvo disposição em contrário, a lei revogada não se restaura por


ter a lei revogadora perdido a vigência.

Desta forma, como o tema sobre áreas urbanas é tratada pelo Estatuto das
Cidades e pela Lei de Parcelamento do Solo Urbano, sendo consideradas estas
normas como posteriores determinando o encerramento do antigo Código Florestal
pelo critério temporal, mesmo que a entrada em vigor da alteração proposta pela Lei
7.803/89 que o alterou.

E ainda, no caso do novo Diploma Florestal, Paulo Bessa Antunes diz que:

É importante realçar que o meio ambiente urbano é regido pelas


normas especiais do Estatuto da Cidade, complementadas pelos
diferentes Planos Diretores dos Municípios que tenham população
superior a 20 mil habitantes. [...] embora posterior às normas acimas
descritas, não possui força normativa suficiente para afastar as
competências próprias dos municípios, nem sobrepor às normas
constantes do Estatuto da Cidade.189

O outro argumento para não se aplicar o Novo Código Florestal em APP


urbana é a menção expressa em seu conceito, art. 3º, inciso II, da “função ambiental”,
pois para ser caracterizada como “área de preservação permanente”, ou seja, para
que determinada área tenha reconhecida sua necessidade de proteção como APP,
deve exercer sua função ambiental. 190

Se entende por função ambiental aquela área que possua um ecossistema


preservado em seus limites191 ou consiga atender, de alguma forma, os requisitos
contidos no art. 3º, inciso II da Lei 12.651/12, que são o de “preservar os recursos
hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica, a biodiversidade, o fluxo gênico de
fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas”.

Ademais, a função ambiental de uma APP tem uma abrangência muito


maior que busca proteger espaços que possuem uma grande importância, também,
para assegurar a qualidade de vida da população humana.192

189 ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. p. 685 e p.707.


190 MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2018. p. 1672.
191 SENÔ, Mirela Andréa Alves Ficher. A Utilização de Medidas Compensatórias para a Reparação

de Danos Ambientais Ocorrido em Áreas de Preservação Permanentes Urbanas: Limites e


Alternativas. p.73.
192 VIEIRA, Eriton Geraldo, e JÚNIOR, Othoniel Ceneceu Ramos. A Regularização Fundiária Urbana

de Interesse Social em Áreas de Preservação Permanente à Luz do Direito Fundamental ao


83

No primeiro momento, este argumento parece contradizer o primeiro, mas


busca alicerce na conceituação que a própria lei da flora considera grandes
adensamentos populacionais como “áreas urbanas consolidadas” e a constatação
fática da realidade em que a ocupação do solo foi executada de forma desordenada,
sem planejamento ou fiscalização do Poder Público, não se podendo ignorar a
situação concretizada por esse processo histórico.

Em razão dessa ocupação em área de preservação permanente ocorrer de


forma volumosa, desordenada e sem fiscalização, e, mais tarde, sendo consolidada
de tal modo que não existe mais a função ambiental possível de ser desempenhada
pela área, portanto, não existindo mais áreas que desempenhem a função ambiental
nos limites urbanos que sejam capazes de receber a proteção especial prevista na Lei
12.651/12, porque tais características ambientais foram literalmente aniquiladas pela
antropização de maneira irreversível. 193

Se aplicação das regras estabelecidas nas normas protetivas tivessem que


ser implantadas para todas as áreas que se enquadrem como APP, haveria um grande
número de intervenções de deveriam ser revertidas ao status quo ante, gerando um
altíssimo custo financeiro à primeira vista.

Por fim, em uma breve síntese, a descrita corrente interpretativa reputa que
o antigo e, agora, o novo Código Florestal disciplinava a proteção somente sobre
ecossistemas naturais localizados em zonas rurais, argumentando que é impossível
de trazer as proteções especiais em virtude da consolidação da urbanização das
áreas e pelo critério da especialidade da Lei de Parcelamento do Solo Urbano e
Estatuto das Cidades.

Contudo, há a outra corrente que interpreta que a entrada em vigor da Lei


12.651/12, veio para dirimir a controvérsia e estabelecer a prevalência desta nova lei
tanto em âmbito rural quanto no urbano.

O art. 4º da Lei 12.651/12 estabelece expressamente em seu caput de que


as definições e limites das APP`s contidas em seus incisos aplica-se de maneira

Meio Ambiente Ecologicamente Equilibrado. Disponível em


<http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=4285d861bc62cba0>. Acessado em 05/03/2020.
193 MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente. p. 1673.
84

inequívoca e indistintamente às “zonas rurais e urbanas”. E, nas palavras de Pedro


Niebuhr, “Pretende-se, com isso, dirimir uma controvérsia histórica, acerca da
incidência e dimensões das áreas de preservação permanente no perímetro
urbano.”194

No desenrolar dos fatos no embate para a promulgação do novel Código


Florestal e suas alterações por Medidas Provisórias, a Lei 12.272/12 tinha introduzido
os §§ 9º e 10 no art. 4º da Lei 12.651/12, para corrigir a redação do § 8º que remetia
ao Municípios a edição de leis e regras para o distanciamento nas APP’s urbanas e
ao final foi vetado195 por considerar que a possibilidade de os municípios instituírem
distâncias menores seria um retrocesso em relação à legislação em vigor 196, mas os
referidos parágrafos foram vetados197 também porque sua redação era muito
semelhante como o parágrafo único do art. 2º da Lei 4.771/65 e causaria ou
continuaria a mesma controvérsia sobre o alcance em áreas urbanas.

Em resposta ao ideário de inexistência de APP urbana, outro argumento


utilizado, conforme a Lei de Introdução ao Código Civil, é a regra da especialização
da norma que, assim como já mencionado pela outra corrente, a nova legislação da
floresta trata especificamente no texto de APP, as situadas em zona rural e em zona
urbana, e trata o tema de forma exaustiva, não deixando brecha para
questionamentos.

Todavia, a argumentação que merece destaque é sobre a interpretação


que deve ser dada para toda a legislação infraconstitucional, uma vez que haja dúvida
sobre as disposições que devem ser seguidas, “deve prevalecer a interpretação que
evite a degradação da APP e que enfraqueça a finalidade principal da Reserva Legal”,
nas palavras de Paulo Affonso Leme Machado198.

Na defesa de se ter uma proteção maior para o meio ambiente nas cidades,
em especial as APP’s urbanas, Zedequias Júnior tece os seguintes comentários:

194 NIEBUHR, Pedro de Menezes. Manual da Áreas de Preservação Permanente. Belo Horizonte:
Fórum Conhecimento Jurídico, 2018, p. 63.
195 Mensagem de Veto n.º 212/12.
196 NIEBUHR, Pedro de Menezes. Manual da Áreas de Preservação Permanente. Belo Horizonte:

Fórum Conhecimento Jurídico, 2018, p. 67.


197 Mensagem de Veto n.º 484/12.
198 MACHADO, Paulo Affonso Leme. DIREITO AMBIENTAL BRASILEIRO. p. 910.
85

No particular do ambiente urbano, teoricamente, deveria também


proteger a vegetação das margens dos cursos d’água com benefícios
à sadia qualidade de vida, considerada um direito humano
fundamental de todos os seres vivos. [...] Por conseguinte, a razão de
ser desta preocupação com a ligação entra a área urbana e a APP [...]
se justifica devido a incondicional relação entre a sociedade urbana
com o meio natural, [...] no que ganha relevo a necessidade de
preocupar-se com a qualidade ambiental de tais espaços, relação com
o abastecimento público, lazer, recreação, contemplação e mesmo
para garantira estabilidade do solo e proteção dos próprios cursos
d’água feitos ordinariamente pela vegetação ciliar e, em contrapartida,
evitar desastres do tipo inundações, alagamentos, desmoronamentos
e enchentes que tem correlação com cursos d’água e instabilidade de
áreas ocupadas das cidades.199

Apesar das APP’s urbanas não possuírem todo o potencial de serviço


ambiental200 do que aquelas localizadas nas áreas rurais, em virtude da influência e
proximidade antrópicas que sofrem, mas contribuem de outras formas como no
amortecimento térmica da temperatura ou prestando o serviço de barreira natural de
proteção contra volumes extremos de água para dentro ou para fora dos rios, dentre
outros.

Nesse sentido, mesmo que a APP seja suprimida ou degradada de tal


maneira que deixe de existir, tal situação não excluem ou afastam a proteção legal em
razão dos preceitos constitucionais de defesa do meio ambiente, obrigando o
proprietário ou possuidor da área atingida a obrigação de reparar o dano ambiental e
reestabelecer o meio ambiente ao status quo ante.201

Desta forma, em resumo, esta corrente considera o Novo Código Florestal


trata sobre as florestas nacionais, outras áreas de proteção ambiental e as áreas de
preservação permanente, independentemente de sua localização, e o Estatuto das
Cidades uma norma especial que trata sobre as regras do urbanismo.

199 JÚNIOR, Zedequias de Oliveira. Áreas de Preservação Permanente Urbana dos cursos d’água:
responsabilidade do poder público e ocupação antrópica à luz do novo código Florestal e
seus reflexos jurídicos. p. 36 e p. 52.
200 Serviços Ambientais, segundo Robert Constanza e Ralph d’Arge, citados por Ana Maria Nusdeo,

“são definidos como fluxo de materiais, energia e informação que provém dos estoques de capital
natural e são combinados ao capital de serviços humanos para produzir bem estar ao seres
humanos”. NUSDEO, Ana Maria de Oliveira, Pagamento por Serviços Ambientais –
Sustentabilidade e disciplina jurídica. São Paulo: Atlas, 2012, pag.16.
201 PACHECO, Juliana Muniz. Área de Preservação Permanente em Zona Urbana e Regularização

da Moradia. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2013. p. 56 e p. 58.
86

No tocante à jurisprudência, há julgados nos dois sentidos, mesmo com a


entrada em vigor da atual lei da flora, debate que demandará tempo para pacificar o
entendimento.

A partir de uma leitura e interpretação teleológica do regramento


constitucional acerca do meio ambiente, parece acertada o entendimento da corrente
interpretativa que aceita o alcance protetivo da Lei 12.651/12, o Novo Código
Florestal, para dentro dos limites municipais, nos casos em que lhe compete.

Não é preciso ir muito longe em estudos ou pesquisas para perceber que o


meio ambiente urbano é vital para as cidades, melhorando a qualidade de vidas dos
cidadãos de todas as formas, pleiteando, desta forma, o máximo de defesa possível.

2.7 ÁREAS CONSOLIDADAS E CONSEQUENCIAS JURÍDICAS

Novamente, a Lei determina os conceitos para serem considerados os


“efeitos” a que se destina. No caso de “área urbana consolidada” este conceito foi
determinado pelo art. 47, inciso II da revogada Lei 11.977/09, onde consta que a área
deve conter densidade demográfica superior a cinquenta habitantes por hectare,
malha viária e pelo menos dois dos seguintes requisitos: drenagem de águas pluvial;
fornecimento de água e esgoto, energia elétrica e limpeza urbana.

Antes de chegar na definição de áreas consolidadas, para o efeito


específico da Lei 13.465/17, a Lei de Regularização Fundiária, esta adota o termo de
“núcleo urbano” ao invés de “área urbana”, já citado, e passa pelos conceitos
normativos de “núcleo urbano informal” e “núcleo urbano informal e consolidado, o
quais estão considerados no art. 11:

Art. 11. Para fins desta Lei, consideram-se: [...]


II - núcleo urbano informal: aquele clandestino, irregular ou no qual
não foi possível realizar, por qualquer modo, a titulação de seus
ocupantes, ainda que atendida a legislação vigente à época de sua
implantação ou regularização;
III - núcleo urbano informal consolidado: aquele de difícil reversão,
considerados o tempo da ocupação, a natureza das edificações, a
localização das vias de circulação e a presença de equipamentos
públicos, entre outras circunstâncias a serem avaliadas pelo
Município; [...]
87

Em relação ao contido na norma anterior, percebe-se que o legislador


ordinário deixou de elencar alguns critérios para considerar a área como urbana e
consolidada, que agora é considerada pela norma como “núcleo urbano informal
consolidado”.

Dessa forma, serão considerados como as áreas ou núcleos urbanos


consolidados aqueles que apresentem características urbanas, várias unidades
imobiliárias, seja clandestino ou irregular, seja de difícil reversão e que considerados
a natureza das edificações e o tempo das ocupações.

Podem ocorrer dois tipos de ocupações de APP. O primeiro tipo é aquele


em que o Poder Estatal competente, em sua maioria o municipal, desconsidera de
forma culposa ou dolosa os requisitos ou restrições contidas na legislação ambiental,
principalmente sobre APP, e os efeitos são devastadores e imensuráveis, pois o
empreendimento com uma aparência de regularidade, induz o adquirente a construir
no local e, ao final, o somatório de todas as situações acarreta em danos ao longo do
tempo, muitas vezes irreversíveis, como os casos de cursos d’água no ambiente
urbano. O segundo tipo de ocupação é a feita de maneira irregular, clandestina ou
ilegal, mas existem em um elevado número, perdurando sem serem devidamente
enfrentados o que acabam causando graves e nefastos prejuízos socioambientais.202

Sem o devido combate às ocupações com a aparência de legalidade ou


daquelas que de modo flagrante foi instaurada sem controle, com o decurso de tempo,
começa a se consolidar em bairros ou favelas203 os invasores passam a adquirir
direitos. Esses direitos se constituem na possibilidade de ter o reconhecimento
constitucional e legal em ter a sua situação fundiária regularizada, mesmo que seja
em área urbana ou privada. 204

202 JÚNIOR, Zedequias de Oliveira. Áreas de Preservação Permanente Urbana dos cursos d’água:
responsabilidade do poder público e ocupação antrópica à luz do novo código Florestal e
seus reflexos jurídicos. p. 152.
203 SCHERER, Marcos D’Avila. Regularização Fundiária: Propriedade, Moradia e Desenvolvimento

Sustentável. p. 46.
204 ALVARES, Camila Morais. O Direito Fundamental à Moradia e as Construções em Áreas de

Preservação Permanente. Disponível em


<http://esamcuberlandia.com.br/revistaidea/index.php/idea/article/view/112>. Acessado em
05/03/2020.
88

Dessa forma como está posto o regramento jurídico, com a possibilidade


de reconhecimento de direito aos ocupantes de invasões ilegais205, pode ser traduzido
para o restante da população a ideia de que a política urbana, especialmente
regulamentada pelo Estatuto das Cidades, pode ser desempenhada de forma
desigual, heterogênea e desequilibrada, o que está disposto ao contrário no parágrafo
único do art. 1º do Estatuto, que diz:

Art. 1º Na execução da política urbana, de que tratam os arts. 182 e


183 da Constituição Federal, será aplicado o previsto nesta Lei.
Parágrafo único. Para todos os efeitos, esta Lei, denominada Estatuto
da Cidade, estabelece normas de ordem pública e interesse social que
regulam o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da
segurança e do bem-estar dos cidadãos, bem como do equilíbrio
ambiental.

É meramente retórica, enganosa e distorcida a argumentação de que a


regularização fundiária se funda na igualdade, sendo usado por diversas vezes em
discursos políticos em razão da tradição brasileira jurídico-política.206

Assim, desenvolvendo o raciocínio de que a legislação que trata sobre a


regularização fundiária tem um sentido perverso, Zedequias Júnior prolata o seguinte
entendimento:

O legislador premiou, como se percebe, os Municípios que, via dos


seus gestores, não se preocuparem com a forma de ocupação urbana
dos respectivos espaços, ao permitir a mencionada regularização.
Deixou de considerar o ônus decorrente desta antropização indevida
que compulsoriamente recai sobre a sociedade, pois são ou serão
áreas que necessitam ou necessitarão de serviços públicos e
privados, saneamento, transporte e toda uma gama de elementos que
propiciem aos habitantes as mínimas condições de convivência e
interação.207

Essa situação de invasões e ocupações de forma irregular ou ilegais em


APP urbana mostra a necessidade do exercício do poder de polícia pelo Poder
Público, em especial pelo Município, uma vez que sem o devido combate por meio da

205 JÚNIOR, Zedequias de Oliveira. Áreas de Preservação Permanente Urbana dos cursos d’água:
responsabilidade do poder público e ocupação antrópica à luz do novo código Florestal e
seus reflexos jurídicos. p. 152-153.
206 FERNANDES, Edésio. A nova ordem jurídico-urbanística no Brasil. p. 16-17.
207 JÚNIOR, Zedequias de Oliveira. Áreas de Preservação Permanente Urbana dos cursos d’água:

responsabilidade do poder público e ocupação antrópica à luz do novo código Florestal e


seus reflexos jurídicos. p. 156.
89

fiscalização208, cada vez mais situações individuais vão se somando em um processo


caótico e desordenado e provocando os mais diversos prejuízos à coletividade 209, em
especial violando os princípios da dignidade da pessoa humana que incorpora o direito
à moradia sustentável em ambiente saudável.

2.8 INTERVENÇÃO E SUPRESSÃO EM ÁREAS DE PRESERVAÇÃO


PERMANENTE URBANAS

A intervenção ou supressão da vegetação nativa ou vegetação exótica,


pelo caráter especial de proteção constitucional, é uma forma de exceção que teve
tratamento nas duas últimas normas sobre a flora.

Essa forma de exceção para a alteração ou supressão de APP, seguindo o


entendimento majoritário da literatura ambiental, é condicionada à existência de uma
lei em sentido formal210. É uma exigência se fundamenta na redação do art. 225, § 1º,
inciso III, da Constituição Federal:

Art. 225. § 1º. Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao


poder público: [...]
III – definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais
e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a
alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada
qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que
justificam sua proteção.

Na redação original do antigo Código Florestal havia a previsão de que se


a área de preservação permanente que fosse instituída por lei, somente por meio
desta é que se poderia promover a transformação ou extinção da vegetação, mas para
as APP’s criadas por ato administrativo211, tal regra não se aplicava, pois era
autorizado a alteração ou supressão pela simples finalidade pública ou interesse
social.

Não era permitido qualquer degradação em APP até julho de 2001 de


acordo com o Código Florestal revogado, porém, a Medida Provisória n.º 2.166-66/01

208 CARVALHO, Alexandre Assis. A Dinâmica de Áreas de Preservação Permanente Estipulada


pelo Código Florestal. Dissertação de Mestrado. Brasília: Universidade de Brasília, 2013, p. 56
209 PROVIN, Alan Felipe. O Outro Lado da Cidade: A Regularização Fundiária como Instrumento

à Sustentabilidade. Dissertação de Mestrado. Itajaí: Universidade Vale do Itajaí, 2017, p. 86.


210 PACHECO, Juliana Muniz. Área de Preservação Permanente em Zona Urbana e Regularização

da Moradia. p. 50.
211 Art. 3º, § 1º da Lei 4.771/65;
90

alterou o art. 4º e parágrafos, medida que possibilitou a intervenção e a supressão da


vegetação em APP urbana ou rural, total ou parcial, desde que seja com os objetivos
de atender a utilidade pública, as atividades consideradas de baixo impacto ambiental
e de interesse social. Após as alterações promovidas pela Medida Provisória, também
veio a Resolução n.º 369/06 do CONAMA tratando sobre o tema.212

Com isso, a despeito do instituto ser denominado como Área de


Preservação Permanente, que pela própria concepção do adjetivo “permanente”
deveria ser inalterável213, por óbvio, não se sustentava mais, uma vez que a regra
geral passou a admitir exceções que, desta forma, estão amparadas pelo
ordenamento jurídico pátrio. 214

Então, com a edição do novo Códex da Flora, seguindo a orientação


constitucional, com o seu atributo de lei formal, possibilitou a alteração da APP quando
fosse a hipótese de utilidade pública, interesse social ou baixo impacto ambiental.
Referidas hipóteses estão previstas no caput e parágrafos do art. 8º:

Art. 8º A intervenção ou a supressão de vegetação nativa em Área de


Preservação Permanente somente ocorrerá nas hipóteses de utilidade
pública, de interesse social ou de baixo impacto ambiental previstas
nesta Lei.

Os parágrafos 1º e 2º do mesmo artigo, abrangem as excepcionalidades


para os casos de atividade de segurança nacional, para obras da defesa civil quando
for constatada a urgência e para prevenção ou mitigação de acidentes em áreas
urbanas, para acesso à água de pessoas ou animais e para atividades de baixo
impacto ambiental.

Ainda no dentro do art. 8º, reforçando a expressão “prevista nesta lei” na


última parte do caput e, de forma expressa, o § 4º determina que a relação das
exceções nas hipóteses de utilidade pública, interesse social e baixo impacto

212 JÚNIOR, Zedequias de Oliveira. Áreas de Preservação Permanente Urbana dos cursos d’água:
responsabilidade do poder público e ocupação antrópica à luz do novo código Florestal e
seus reflexos jurídicos. p. 57.
213 SILVA, Americo Luis Martins da. Direito do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais - Volume 2:

Proteção Legal da Flora, das Águas e da Fauna - Unidades de Conservação da Natureza –


Agrotóxicos. Posição 7347-7349.
214 PACHECO, Juliana Muniz. Área de Preservação Permanente em Zona Urbana e Regularização

da Moradia. p. 63.
91

ambiental é numerus clausus215, uma lista fechada, sendo dessa maneira considerada
peremptória e exaustivas, visto que no § 4º estabelece:

Art. 8º [...]
§ 4º Não haverá, em qualquer hipótese, direito à regularização de
futuras intervenções ou supressões de vegetação nativa, além das
previstas nesta Lei.

Trançando um paralelo com a norma anterior, a hipótese de intervenção


por utilidade pública previa apenas três situações em que se poderia intervir na
vegetação da APP que eram as atividades de segurança nacional e proteção sanitária,
as obras essenciais de infraestrutura destinadas aos serviços públicos de transporte,
saneamento e energia e, por fim, demais obras ou projetos previstos em resoluções
do CONAMA.216

Entretanto, a lista de possibilidades de intervenção ou supressão de


vegetação em APP urbana no Novo Código Florestal foi alargada e estão previstas no
art. 3º, VIII e são:

Art. 3º. [...] VIII - utilidade pública:


a) as atividades de segurança nacional e proteção sanitária;
b) as obras de infraestrutura destinadas às concessões e aos serviços
públicos de transporte, sistema viário, inclusive aquele necessário aos
parcelamentos de solo urbano aprovados pelos Municípios,
saneamento, energia, telecomunicações, radiodifusão, bem como
mineração, exceto, neste último caso, a extração de areia, argila,
saibro e cascalho;
c) atividades e obras de defesa civil;
d) atividades que comprovadamente proporcionem melhorias na
proteção das funções ambientais referidas no inciso II deste artigo;
e) outras atividades similares devidamente caracterizadas e motivadas
em procedimento administrativo próprio, quando inexistir alternativa
técnica e locacional ao empreendimento proposto, definidas em ato do
Chefe do Poder Executivo federal;

Ainda, sob a salvaguarda do argumento da utilidade pública também pode


ser desconsiderada até mesmo a proteção de nascentes, dunas, restingas ou
manguezais, desde que este último a função ambiental da área esteja comprometida
e tenha como pressuposto a “execução de obras habitacionais e de urbanização,
inseridas em projetos de regularização fundiária de interesse social, em áreas urbanas

215 Superior Tribunal de Justiça – Resp. 12.45149/MS


216 SENÔ, Mirela Andréa Alves Ficher. A Utilização de Medidas Compensatórias para a Reparação
de Danos Ambientais Ocorrido em Áreas de Preservação Permanentes Urbanas: Limites e
Alternativas. p.73.
92

consolidadas ocupadas por população de baixa renda”, tudo de acordo como o art. 8º,
§§ 1º e 2º da atual norma da flora.

Outra hipótese contemplada pela legislação é a atividade de baixo impacto


ambiental que deve ser eventual, apesar de não constar no caput do art. 8º, mas antes
o termo “eventuais” aparece taxativamente no inciso X do art. 3 º, sem prejuízo dos
casos previstos do art. 9º, todos da Lei 12.651/12.

Por fim, a última hipótese é a intervenção por interesse social foi introduzida
pela Medida Provisória 2.166-67/01, que no art. 1º, inciso V, alíneas “a” e “c”, e previa
o interesse social aplicável na APP urbana quando as atividades tivessem o intuito de
“proteção da integridade da vegetação nativa” e para demais obras, atividades ou
projetos, mas todos os casos seriam definidos em resoluções emitida pelo CONAMA.
As resoluções, não obstante, em repetir a letra da lei, acrescentou, dentre outras, a
possibilidade de se efetuar a regularização fundiária sustentável de área urbana, com
o destaque para a palavra sustentável, termo que não se repetiu na Lei 13.465/17, Lei
da Regularização Fundiária.217

As hipóteses aplicáveis à área urbana encontram-se enquadradas no art.


3º, IX do Novo Código Florestal, que são:

Art. 3º. [...] IX - interesse social:


a) as atividades imprescindíveis à proteção da integridade da
vegetação nativa, tais como prevenção, combate e controle do fogo,
controle da erosão, erradicação de invasoras e proteção de plantios
com espécies nativas; [...]
c) a implantação de infraestrutura pública destinada a esportes, lazer
e atividades educacionais e culturais ao ar livre em áreas urbanas e
rurais consolidadas, observadas as condições estabelecidas nesta
Lei;
d) a regularização fundiária de assentamentos humanos ocupados
predominantemente por população de baixa renda em áreas urbanas
consolidadas, observadas as condições estabelecidas na Lei nº
11.977, de 7 de julho de 2009;
e) implantação de instalações necessárias à captação e condução de
água e de efluentes tratados para projetos cujos recursos hídricos são
partes integrantes e essenciais da atividade;
f) as atividades de pesquisa e extração de areia, argila, saibro e
cascalho, outorgadas pela autoridade competente;

217 JÚNIOR, Zedequias de Oliveira. Áreas de Preservação Permanente Urbana dos cursos d’água:
responsabilidade do poder público e ocupação antrópica à luz do novo código Florestal e
seus reflexos jurídicos. p. 62.
93

g) outras atividades similares devidamente caracterizadas e motivadas


em procedimento administrativo próprio, quando inexistir alternativa
técnica e locacional à atividade proposta, definidas em ato do Chefe
do Poder Executivo federal;

A despeito da menção à Lei 11.977/09 feita na alínea “d” acima referida,


que remete à disciplina da regularização fundiária, esta matéria foi totalmente tratada
pela Lei 13.465/17 que, também, expressamente revogou o Capítulo III, o qual
dispunha especificamente sobre a “Regularização Fundiária de Assentamentos
Urbanos”.

A intervenção em APP urbana por interesse social implica em uma análise


mais específica e profunda mais adiante e dentre deste trabalho, isto porque é um dos
assuntos ligados direta com a problemática desta pesquisa que abarca a
regularização fundiária por interesse social em área consolidada em APP.

Isto posto, as hipóteses e de intervenção ou supressão em APP prevista


pelo Novo Código da Flora são criticadas, principalmente, por ampliar o leque de
possibilidade de alterar a vegetação das APP’s tanto para hipótese de interesse social,
quanto para a utilidade pública, por permitir ao Chefe do Poder Executivo criar mais
situações de interesse social ou utilidade pública, baseado somente no critério político
e sem respaldo técnico-científico e em total desarmonia com o princípio da vedação
ao retrocesso socioambiental, sendo questionada até a constitucionalidade dessas
normas. 218

As discussões de inconstitucionalidade foram levadas para análise, por


meio de ações próprias219, da Suprema Corte brasileira, que se pronunciou a seguinte
decisão na ADI n.º 4903:

PLENÁRIO
EXTRATO DE ATA
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 4.903
PROCED. : DISTRITO FEDERAL
RELATOR : MIN. LUIZ FUX
REQTE.(S) : PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA
INTDO.(A/S) : PRESIDENTE DA REPÚBLICA
INTDO.(A/S) : CONGRESSO NACIONAL

218 JÚNIOR, Zedequias de Oliveira. Áreas de Preservação Permanente Urbana dos cursos d’água:
responsabilidade do poder público e ocupação antrópica à luz do novo código Florestal e
seus reflexos jurídicos. p. 63.
219 Destaque para as Ações Direitas de Inconstitucionalidades n.º 4901, n.º 4902, n.º 4903 e 3540/DF

e Ação Declaratória de Constitucionalidade n.º 42;


94

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AM. CURIAE. : ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DOS PRODUTORES
INDEPENDENTES DE ENERGIA ELÉTRICA - APINE
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OUTRO(A/S) AM. CURIAE. : ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE
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TRABALHADORES RURAIS NO ESTADO DA BAHIA - AATR
ADV.(A/S) : CARLOS EDUARDO LEMOS CHAVES (16430/BA) E
OUTRO(A/S)
AM. CURIAE. : ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE REFORMA
AGRÁRIA - ABRA
ADV.(A/S) : ANDRE LUIZ BARRETO AZEVEDO (0032748/PE) E
OUTRO(A/S)
AM. CURIAE. : ASSESSORIA JURÍDICA POPULAR - DIGNITATIS
ADV.(A/S) : DANIEL ALVES PESSOA (4005/RN) E OUTRO(A/S)
AM. CURIAE. : INSTITUTO GAÚCHO DE ESTUDOS AMBIENTAIS-
INGÁ
ADV.(A/S) : EFENDY EMILIANO MALDONADO (82227/RS) E
OUTRO(A/S)
AM. CURIAE. : FEDERAÇÃO DE ORGÃOS PARA ASSISTÊNCIA
SOCIAL E EDUCACIONAL - FASE
ADV.(A/S) : ANDRE LUIZ BARRETO AZEVEDO (0032748/PE) E
OUTRO(A/S)
AM. CURIAE. : NÚCLEO AMIGOS DA TERRA BRASIL - NAT
ADV.(A/S) : ANDRE LUIZ BARRETO AZEVEDO (0032748/PE) E
OUTRO(A/S)
AM. CURIAE. : ORGANIZAÇÃO DAS COOPERATIVAS
BRASILEIRAS - OCB
ADV.(A/S) : LEONARDO PAPP (SC018634/)
AM. CURIAE. : INSTITUTO SOCIOAMBIENTAL - ISA
AM. CURIAE. : REDE DE ORGANIZACOES NAO
GOVERNAMENTAIS DA MATA ATLANTICA - RMA
AM. CURIAE. : MATER NATURA INSTITUTO DE ESTUDOS
AMBIENTAIS
AM. CURIAE. : ASSOCIAÇÃO MINEIRA DE DEFESA DO MEIO
AMBIENTE – AMDA
ADV.(A/S) : MAURICIO GUETTA (0271433/SP)

Decisão: O Tribunal julgou parcialmente procedente a ação, para: i)


por maioria, vencidos os Ministros Edson Fachin e Gilmar Mendes, e,
em parte, o Ministro Alexandre de Moraes, declarar a
inconstitucionalidade das expressões “gestão de resíduos” e
“instalações necessárias à realização de competições esportivas
estaduais, nacionais ou internacionais”, contidas no art. 3º, VIII, b, da
Lei 12.651/2012 (Código Florestal); ii) por maioria, dar interpretação
conforme a Constituição ao art. 3º, VIII e IX, do Código Florestal, de
modo a se condicionar a intervenção excepcional em APP, por
95

interesse social ou utilidade pública, à inexistência de alternativa


técnica e/ou locacional à atividade proposta, vencidos, em parte, os
Ministros Dias Toffoli, Gilmar Mendes e Celso de Mello; iii) por maioria,
vencidos os Ministros Gilmar Mendes, e, em parte, a Ministra Cármen
Lúcia (Presidente), dar interpretação conforme a Constituição ao art.
3º, XVII, do Código Florestal, para fixar a interpretação de que os
entornos das nascentes e dos olhos d´água intermitentes configuram
área de preservação permanente; iv) por maioria, reconhecer a
constitucionalidade do art. 3º, XIX, do Código Florestal, vencidos, em
parte, os Ministros Cármen Lúcia (Presidente) e Ricardo
Lewandowski, que declaravam inconstitucional, por arrastamento, o
art. 4º, I, do Código Florestal; v) por maioria, vencidos os Ministros
Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes, declarar a
inconstitucionalidade das expressões “demarcadas” e “tituladas”,
contidas no art. 3º, parágrafo único, do Código Florestal; vi) por
unanimidade, reconhecer a constitucionalidade do art. 4º, III, do
Código Florestal; vii) por maioria, dar interpretação conforme ao art.
4º, IV, do Código Florestal, para fixar a interpretação de que os
entornos das nascentes e dos olhos d’água intermitentes configuram
área de preservação ambiental, vencidos o Ministro Gilmar Mendes e,
em parte, os Ministros Marco Aurélio e Cármen Lúcia (Presidente); viii)
por maioria, vencidos os Ministros Cármen Lúcia (Presidente) e
Ricardo Lewandowski, reconhecer a constitucionalidade do art. 4º,
§1º, do Código Florestal; ix) por maioria, vencidos os Ministros Cármen
Lúcia (Presidente) e Ricardo Lewandowski, reconhecer a
constitucionalidade do art. 4º, § 4º, do Código Florestal; x) por
unanimidade, reconhecer a constitucionalidade do art. 4º, § 5º, do
Código Florestal; xi) por unanimidade, reconhecer a
constitucionalidade do art. 4º, § 6º, e incisos, do Código Florestal; xii)
por maioria, vencidos, em parte, os Ministros Marco Aurélio e Ricardo
Lewandowski, o Tribunal reconheceu a constitucionalidade do art. 5º
do Código Florestal; xiii) por unanimidade, reconhecer a
constitucionalidade do art. 8º, § 2º, do Código Florestal; xiv) por
maioria, vencidos, em parte, os Ministros Cármen Lúcia (Presidente)
e Ricardo Lewandowski, reconhecer a constitucionalidade do art. 11
do Código Florestal; xv) por maioria, vencidos os Ministros Relator,
Marco Aurélio, Edson Fachin, Roberto Barroso e Ricardo
Lewandowski, reconhecer a constitucionalidade do art. 17, § 3º, do
Código Florestal; xvi) por unanimidade, julgou constitucional o art. 62
do Código Florestal. Plenário, 28.2.2018.

Presidência da Senhora Ministra Cármen Lúcia. Presentes à sessão


os Senhores Ministros Celso de Mello, Marco Aurélio, Gilmar Mendes,
Ricardo Lewandowski, Dias Toffoli, Luiz Fux, Rosa Weber,Roberto
Barroso, Edson Fachin e Alexandre de Moraes. Procuradora-Geral da
República, Dra. Raquel Elias Ferreira Dodge. (destaque em itálico e
sublinhado não consta no original)

Desta forma, o resultado do pronunciamento da Suprema Corte, em uma


breve síntese do acórdão transcrito, foi no sentido de manter a maioria dos artigos
atacados, utilizando-se da ferramenta da interpretação conforme para os dispositivos
96

sobre as APP. Em suma, não alterando substancialmente a lei que criou o Novo
Código Florestal.
97

3 REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA COMO INSTRUMENTO


PARA DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
A regularização fundiária urbana (REURB) é outro ponto primordial desta
pesquisa, pois é o instrumento jurídico-legal que possibilita o atendimento de tudo que
cimentado nesta pesquisa como base teórica até agora.

O procedimento da regularização inova no tocante a forma como declara a


aquisição e, por consequência, a perda do direito de propriedade220, uma vez que não
se encontra regulada em nenhum dispositivo legal essa modalidade de tratar quem
ganha ou perde referido direito.

Além disso, a análise abarcará a regularização de ocupações em áreas


urbanas sensíveis no sentido ambiental, somando-se a um conjunto complexo de
direitos e princípios fundamentais previstos constitucionalmente.

Por isso, é de fundamental importância o estudo do instituto em tela,


discorrendo sobre as particularidades que são inerentes às ocupações em áreas de
preservação permanente urbanas e o regramento que possibilita a implementação
desse projeto de forma a consagrar o princípio do desenvolvimento sustentável.

3.1 PANORAMA LEGISLATIVO DA REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA

Em um breve histórico do panorama legislativo, temos o Decreto-Lei


n.58/1937 que foi considerado a primeira norma que regulamentava a propriedade
imobiliária, passando pelo Decreto-Lei n.º271/1967 que objetivava disciplinar a
expansão e o parcelamento urbano, mas não obteve êxito no controle das ocupações
informais.
Desta maneira, é editada a Lei n.º 6.766 em 1979 que introduz dispositivos
legais mais abrangentes e completos na disciplina de parcelamentos de urbanos.
A regularização fundiária já era tratada por algumas normas legais
anteriores à novel legislação específica sobre o tema, das quais podemos citar as
mais recentes que são a Lei 11.977/09, que trata sobre o programa “Minha Casa,
Minha Vida” e a Lei 12.651/12, norma que estabelece o Novo Código Florestal.

220 SCHERER, Marcos D’Avila. Regularização Fundiária: Propriedade, Moradia e Desenvolvimento


Sustentável. p. 67.
98

A Lei 13.465/17, no seu art. 109, inciso IV, revoga expressamente todo o
Capítulo III da Lei 11.977/09 em sua totalidade e no art. 82 altera a redação dos artigos
64 e 65 do Novo Código Florestal.

3.2 CONCEITO DA REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA URBANA

Primeiramente, o art. 46 da Lei do PMCMV trouxe o conceito legal da


Regularização Fundiária, o qual, apesar de revogado, muito relevante definição e
salutar a sua citação no seguinte texto:
A regularização fundiária consiste no conjunto de medidas jurídicas,
urbanísticas, ambientais e sociais que visam à regularização de
assentamentos irregulares e à titulação de seus ocupantes, de modo
a garantir o direito social à moradia, o pleno desenvolvimento das
funções sociais da propriedade urbana e o direito ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado.

Tatiana Chaer221 traz sua concepção sobre regularização fundiária e a


define como:

[...] processo no qual o objetivo é tornar o terreno regular para uma


finalidade específica. Quando há a pretensão de legalizar uma
estrutura informal de ocupação mantendo o uso de moradia, o
caminho se faz pelo processo de regularização fundiária, através de
um conjunto de ações voltadas à regularização do domínio da terra em
favor das famílias ocupantes. [...] A regularização fundiária deve ser
entendida, portanto, como um conjunto de ações com o objetivo geral
de reverter a situação da informalidade e integrar as estruturas
irregulares de ocupação à cidade legal.

A contribuição de Felipe Barros sobre o conceito de regularização fundiária


mostra-se igualmente oportuna de se transcrever:
A expressão ‘regularização fundiária’ comporta diversas
interpretações, podendo se falar num sentido amplo e num sentido
estrito para o instituto. Em sentido amplo, a regularização consiste no
conjunto articulado de ações que abrange um trabalho jurídico,
urbanístico, ambiental e social, sendo, portanto, a regularização
jurídica dos lotes apenas um de seus elementos. [...] Em sentido
estrito, regularização fundiária se confunde com a regularização
jurídica de lotes, vale dizer, com a entrega de um título de propriedade,
ou de outro instrumento jurídico que garanta a segurança da posse
contra despejos forçados, inclusive em face do poder público.

221 CHAER, Tatiana Mamede Salum. Regularização Fundiária em Área de Preservação


Permanente: Uma contribuição à gestão urbana sustentável. p. 23-24.
99

Nessa linha, Cicília Nunes222 condensa o conceito na seguinte frase: “A


regularização fundiária pode ser definida como o processo de integração dos
assentamentos irregulares ao contexto legal das cidades, por meio da adoção de
medidas jurídicas, urbanísticas, ambientais e sociais.
A partir de tais premissas, é possível perceber que os elementos social,
ambiental e urbanístico são essenciais para a conceituação de regularização
fundiária.
Ademais, mostra-se oportuno salientar que a Lei de Regularização
Fundiária se vale de legislação explicativa, em razão da sua natureza orientativa
dessas previsões normativas reconhecidas pelo legislador.223
Nesse toar, para fins de Regularização Fundiária, o art. 11 da Lei
13.465/2017 destaca-se os conceitos legais dos principais termos:

I - núcleo urbano: assentamento humano, com uso e características


urbanas, constituído por unidades imobiliárias de área inferior à fração
mínima de parcelamento prevista na Lei nº 5.868224, de 12 de
dezembro de 1972, independentemente da propriedade do solo, ainda
que situado em área qualificada ou inscrita como rural;
II - núcleo urbano informal: aquele clandestino, irregular ou no qual
não foi possível realizar, por qualquer modo, a titulação de seus
ocupantes, ainda que atendida a legislação vigente à época de sua
implantação ou regularização;
III - núcleo urbano informal consolidado: aquele de difícil reversão,
considerados o tempo da ocupação, a natureza das edificações, a
localização das vias de circulação e a presença de equipamentos
públicos, entre outras circunstâncias a serem avaliadas pelo
Município;
[...]
VIII - ocupante: aquele que mantém poder de fato sobre lote ou fração
ideal de terras públicas ou privadas em núcleos urbanos informais.225

3.3 OBETIVOS DA REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA

A nova lei da REURB ao revogar expressamente os dispositivos contidos


na lei do Programa Minha Casa Minha Vida, na tentativa de simplificar e dinamizar as

222 NUNES, Cicília Araújo. Regularização fundiária e o direito à moradia adequada: construção
social da regularização fundiária urbana. Edição do Kindle, 2019. posição 1289 de 2230.
223 PEDROSO, Alberto Gentil de Almeida. Regularização Fundiária – Lei 13.465/2017. São Paulo:
Thomsin Reuters, 2018, p. 22.
224 Lei 5.868/72 trata sobre o sistema nacional de cadastro rural que, para esclarecer o sentido para
este trabalho, delimita a fração mínima de parcelamento – FMP.
225 BRASIL. Lei 13.465/17 - http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2017/Lei/L13465.htm,
acessado em 20/12/2019.
100

regularizações, deixou de reproduzir os princípios226 contidos no revogado artigo 48


da lei 11.977/09, mas no art. 10, além de contemplar tais princípios, trouxe um
ampliado rol de doze objetivos:

Art. 10. Constituem objetivos da Reurb, a serem observados pela


União, Estados, Distrito Federal e Municípios:
I - identificar os núcleos urbanos informais que devam ser
regularizados, organizá-los e assegurar a prestação de serviços
públicos aos seus ocupantes, de modo a melhorar as condições
urbanísticas e ambientais em relação à situação de ocupação informal
anterior;
II - criar unidades imobiliárias compatíveis com o ordenamento
territorial urbano e constituir sobre elas direitos reais em favor dos seus
ocupantes;
III - ampliar o acesso à terra urbanizada pela população de baixa
renda, de modo a priorizar a permanência dos ocupantes nos próprios
núcleos urbanos informais regularizados;
IV - promover a integração social e a geração de emprego e renda;
V - estimular a resolução extrajudicial de conflitos, em reforço à
consensualidade e à cooperação entre Estado e sociedade;
VI - garantir o direito social à moradia digna e às condições de vida
adequadas;
VII - garantir a efetivação da função social da propriedade;
VIII - ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade
e garantir o bem-estar de seus habitantes;
IX - concretizar o princípio constitucional da eficiência na ocupação e
no uso do solo;
X - prevenir e desestimular a formação de novos núcleos urbanos
informais;
XI - conceder direitos reais, preferencialmente em nome da mulher;
XII - franquear participação dos interessados nas etapas do processo
de regularização fundiária.

Essa lista contempla as diretrizes estipulado no texto constitucional e suas


derivações nas leis infraconstitucionais como a dignidade da pessoa humana com
uma moradia, emprego e renda, bem como o desenvolvimento sustentável da cidade,
entre outros. Em razão disso, sustenta-se que esse rol não fechado, podendo aceitar
outros resultantes de interpretações sistemáticas ou teleológicas

Vale destacar, também, um dos objetivos da lei, expresso no inciso “X” que
é “prevenir e desestimular a formação de novos núcleos urbanos informais”, para não
fomentar futuras leis com o mesmo objetivo.

226 BARROS, Felipe Maciel Pinheiro. Regularização Fundiária e Direito à Moradia: instrumentos
jurídicos e o papel dos Municípios. Curitiba: Juruá, 2014. p. 104-105.
101

Assim, os objetivos servem para nortear o trabalho de regularização


fundiária, que deve buscar alternativas para que a moradia social esteja associada às
soluções mais próximas ao desenvolvimento sustentável, onde o objetivo central de
toda proposta tem que buscar a inclusão social e promover a proteção ambiental.

3.4 MODALIDADES E REQUISITOS DA LEI 13.465/17

Segundo o autor Alberto Pedroso227, no art. 13 da Lei 13.465/17 são


previstas duas as modalidades de Regularização Fundiária:

A Reurb-S é modalidade de regularização fundiária destinada aos


núcleos urbanos ocupados predominantemente por população de
baixa renda (conceito aberto de economia que merece verificação no
caso concreto pelo Poder Público), assim declarados por ato do Poder
Executivo Municipal (por meio de procedimento administrativo – art.
28 e seguintes da Lei 13.465/17).

Nas duas modalidades de regularização, caso seja constado que o núcleo


urbano informal esteja, mesmo que parcialmente, localizado em área de preservação
permanente, em área de proteção de mananciais ou em área de unidade de
conservação de uso sustentável, a Reurb deverá observar as regras contidas nos
artigos 64 e 65 do Novo Código Florestal. Tal regra encontra-se no art. 11, § 2º da Lei
13.465/17:

Art. 11. [...]


§ 2º Constatada a existência de núcleo urbano informal situado, total
ou parcialmente, em área de preservação permanente ou em área de
unidade de conservação de uso sustentável ou de proteção de
mananciais definidas pela União, Estados ou Municípios, a Reurb
observará, também, o disposto nos art. 64 e 65 da Lei nº 12.651, de
25 de maio de 2012, hipótese na qual se torna obrigatória a elaboração
de estudos técnicos, no âmbito da Reurb, que justifiquem as melhorias
ambientais em relação à situação de ocupação informal anterior,
inclusive por meio de compensações ambientais, quando for o caso.

Hoje há a possibilidade de se fazer a regularização fundiária de invasões


em APP urbana, desde que obedecidos os requisitos legais. A princípio, o legislador
impõe limites e elenca algumas situações que não podem ser objeto de Regularização
Urbana:

227 PEDROSO, Alberto Gentil de Almeida. Regularização Fundiária – Lei 13.465/2017. São Paulo:
Thomsin Reuters, 2018, p. 24.
102

O primeiro limite é o temporal, estipulando que a Reurb só será aplicada


para os núcleos urbanos que comprovarem a sua existência começou até a data de
22 de dezembro de 2016 (art. 9º, § 2º da Lei da REURB).

Em seguida, o legislador exclui as áreas da segurança ou de interesse da


defesa nacional e resguarda as áreas estratégicas para o interesse de geração de
energia e abastecimento de água.

Art. 11. [...] § 4o Na Reurb cuja ocupação tenha ocorrido às margens


de reservatórios artificiais de água destinados à geração de energia
ou ao abastecimento público, a faixa da área de preservação
permanente consistirá na distância entre o nível máximo operativo
normal e a cota máxima maximorum.
§ 5º Esta Lei não se aplica aos núcleos urbanos informais situados em
áreas indispensáveis à segurança nacional ou de interesse da defesa,
assim reconhecidas em decreto do Poder Executivo federal.

Nessa linha de restrição, se a Reurb-S estiver localizada em áreas de risco,


o município ou o Distrito Federal deverá realocar tais famílias228, com exceção da
possibilidade de eliminação, correção ou administração do risco por meio de
intervenções durante a regularização, apontada em estudo técnico, tudo de acordo
com o art. 64, §2º inciso V da Lei 12.651/12.

Art. 64. A Reurb-E é a modalidade de regularização fundiária aplicável


aos núcleos urbanos informais ocupados por população que não se
enquadre na definição de população de baixa renda, de acordo com
análise da Municipalidade. [...]

V - comprovação da melhoria das condições de sustentabilidade


urbano-ambiental, considerados o uso adequado dos recursos
hídricos, a não ocupação das áreas de risco e a proteção das unidades
de conservação, quando for o caso;

O tratamento é mais rigoroso, sendo que tal situação é proibida no caso de


Reurb de Interesse Específico, uma vez que o art. 65 do Codex Florestal já coloca o
impedimento de que não pode ser identificada como área de risco no caput e sem
mencionar nenhuma exceção.

Art. 65. Na Reurb-E dos núcleos urbanos informais que ocupam Áreas
de Preservação Permanente não identificadas como áreas de risco, a
regularização fundiária será admitida por meio da aprovação do

228FERREIRA FILHO, Paulo Sérgio. Ministério Público e a Regularização Fundiária Urbana em


Áreas de Preservação Permanente – Análise econômica e comportamental. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2017, p. 24-25
103

projeto de regularização fundiária, na forma da lei específica de


regularização fundiária urbana.

Assim, nos termos dos §1º e §2º do já citado art. 64, para a regularização
de interesse social exige-se um projeto de regularização fundiária que contenha
estudo técnico que demonstre a melhoria das condições ambientais em relação à
situação anterior com a adoção das medidas nele preconizadas e deve conter, no
mínimo, os seguintes elementos:

I - caracterização da situação ambiental da área a ser regularizada;


II - especificação dos sistemas de saneamento básico;
III - proposição de intervenções para a prevenção e o controle de
riscos geotécnicos e de inundações;
IV - recuperação de áreas degradadas e daquelas não passíveis de
regularização;
V - comprovação da melhoria das condições de sustentabilidade
urbano-ambiental, considerados o uso adequado dos recursos
hídricos, a não ocupação das áreas de risco e a proteção das unidades
de conservação, quando for o caso;
VI - comprovação da melhoria da habitabilidade dos moradores
propiciada pela regularização proposta; e
VII - garantia de acesso público às praias e aos corpos d'água.

No tocante à regularização de interesse específico, agora tratado pelos §§


1º, 2º e 3º do art. 65 da Lei 12.651/12, também deve incluir um estudo técnico que
demonstre a melhoria das condições ambientais em relação à situação anterior e ser
instruído com os seguintes elementos:

I - a caracterização físico-ambiental, social, cultural e econômica da


área;
II - a identificação dos recursos ambientais, dos passivos e fragilidades
ambientais e das restrições e potencialidades da área;
III - a especificação e a avaliação dos sistemas de infraestrutura
urbana e de saneamento básico implantados, outros serviços e
equipamentos públicos;
IV - a identificação das unidades de conservação e das áreas de
proteção de mananciais na área de influência direta da ocupação,
sejam elas águas superficiais ou subterrâneas;
V - a especificação da ocupação consolidada existente na área;
VI - a identificação das áreas consideradas de risco de inundações e
de movimentos de massa rochosa, tais como deslizamento, queda e
rolamento de blocos, corrida de lama e outras definidas como de risco
geotécnico;
VII - a indicação das faixas ou áreas em que devem ser resguardadas
as características típicas da Área de Preservação Permanente com a
devida proposta de recuperação de áreas degradadas e daquelas não
passíveis de regularização;
VIII - a avaliação dos riscos ambientais;
104

IX - a comprovação da melhoria das condições de sustentabilidade


urbano-ambiental e de habitabilidade dos moradores a partir da
regularização; e
X - a demonstração de garantia de acesso livre e gratuito pela
população às praias e aos corpos d’água, quando couber;
XI - a preservação de uma faixa não edificável de no mínimo 15 metros
em cada margem ao longo dos rios e cursos d’água, exceto quando
se tratar de área tombada pelo patrimônio histórico e cultural;

Já em relação aos legitimados para requerer, estão todos elencados no


art. 14 da Lei Fundiária, quais sejam:

I - a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, diretamente


ou por meio de entidades da administração pública indireta;
II - os seus beneficiários, individual ou coletivamente, diretamente ou
por meio de cooperativas habitacionais, associações de moradores,
fundações, organizações sociais, organizações da sociedade civil de
interesse público ou outras associações civis que tenham por
finalidade atividades nas áreas de desenvolvimento urbano ou
regularização fundiária urbana;
III - os proprietários de imóveis ou de terrenos, loteadores ou
incorporadores;
IV - a Defensoria Pública, em nome dos beneficiários hipossuficientes;
e
V - o Ministério Público.

Comparando as duas figuras legais da regularização, pode-se destacar


duas diferenças significativas: a primeira é a exigência de uma faixa de preservação
de no mínimo 15 (quinze) metros de cada lado das margens de rios e cursos d’água,
salvo a exceção de imóvel tombado, para a Reurb-E. A segunda diferença consiste
no fato de que os custos para a implantação da regularização dos projetos que
beneficiem as famílias de baixa renda sejam impostos para sociedade como um
todo.229

3.5 INSTRUMENTOS DA REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA URBANA

No art. 15 da Lei da REURB há a previsão dos instrumentos pelos quais


pode ser realizada a regularização fundiária e que o referido rol é expressamente
caracterizado como exemplificativo, pois não prejudica “outros que se apresentem
adequado”.

229 FERREIRA FILHO, Paulo Sérgio. Ministério Público e a Regularização Fundiária Urbana em
Áreas de Preservação Permanente – Análise econômica e comportamental. p. 114-115;
105

Desta forma, para temos:

Art. 15. Poderão ser empregados, no âmbito da Reurb, sem prejuízo


de outros que se apresentem adequados, os seguintes institutos
jurídicos:
I - a legitimação fundiária e a legitimação de posse, nos termos desta
Lei;
II - a usucapião, nos termos dos arts. 1.238 a 1.244 da Lei nº 10.406,
de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), dos arts. 9º a 14 da Lei nº
10.257, de 10 de julho de 2001, e do art. 216-A da Lei nº 6.015, de 31
de dezembro de 1973;
III - a desapropriação em favor dos possuidores, nos termos dos §§ 4º
e 5º do art. 1.228 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código
Civil);
IV - a arrecadação de bem vago, nos termos do art. 1.276 da Lei nº
10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil);
V - o consórcio imobiliário, nos termos do art. 46 da Lei nº 10.257, de
10 de julho de 2001;
VI - a desapropriação por interesse social, nos termos do inciso IV do
art. 2º da Lei nº 4.132, de 10 de setembro de 1962;
VII - o direito de preempção, nos termos do inciso I do art. 26 da Lei nº
10.257, de 10 de julho de 2001;
VIII - a transferência do direito de construir, nos termos do inciso III do
art. 35 da Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001;
IX - a requisição, em caso de perigo público iminente, nos termos do
§ 3º do art. 1.228 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código
Civil);
X - a intervenção do poder público em parcelamento clandestino ou
irregular, nos termos do art. 40 da Lei nº 6.766, de 19 de dezembro de
1979;
XI - a alienação de imóvel pela administração pública diretamente para
seu detentor, nos termos da alínea f do inciso I do art. 17 da Lei nº
8.666, de 21 de junho de 1993;
XII - a concessão de uso especial para fins de moradia;
XIII - a concessão de direito real de uso;
XIV - a doação; e
XV - a compra e venda.

Todavia, alguns instrumentos, pela sua natureza, são incompatíveis com a


regularização fundiária de APP urbana, sendo apenas citados por pertencerem ao
quadro enumerado pela lei.

3.6 ANÁLISE ECONÔMICA DA REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA URBANA

Em uma análise sob o enfoque do desenvolvimento econômico, até um


certo ponto, os terrenos em áreas de preservação permanente invadidos não são
interessantes para os objetivos capitalista do mercado imobiliário ou impróprios para
os parcelamentos irregulares, pois estão protegidos por leis ambientais e podem
causar mais prejuízos do que lucro.
106

Partindo-se da premissa que o desenvolvimento sustentável engloba a


necessidade de crescimento econômico no escopo de atender o desenvolvimento
socioambiental, Paulo Bessa Antunes diz que:

[...] os principais problemas ambientais se encontram nas áreas mais


pobres e que as grandes vítimas do descontrole ambiental são os mais
desafortunados. De fato, há uma relação perversa entre condições
ambientais e pobreza. Assim, parece óbvio que a qualidade ambiental
somente poderá ser melhorada com a melhor distribuição de renda. 230

Seguindo esta lógica, a exposição de motivos da Lei da REURB231 traz toda


uma argumentação arquitetada em seis parágrafos232 feita pelo legislador ordinário,
que defendeu com tal afinco o lado econômico da regularização fundiária urbana como
um motivo relevante para a conversão da medida provisória em lei, conforme se
depreende a seguir:

87. Nos parágrafos seguintes, serão destacadas, por tópicos, as


principais mudanças sugeridas para o tema da regularização fundiária
urbana. Antes, porém, convém ressaltar importante aspecto
econômico que, também, serve à legitimação desta proposta de
Medida Provisória.

Em seguida, no mesmo texto que defende a conversão, destacas os


demais motivos econômicos que são:

i. As propriedades tornam aptas, a partir do momento em que são


reconhecidas jurídica e legalmente, a atrair os investimentos
públicos com o objetivo de promover a função social das cidades.
ii. A partir dos direitos reais regularmente titularizados, essas
propriedades poderão servir de garantia para operações financeiras,
servindo de base para o capital produtivo, reduzindo-se o custo de
crédito.
iii. Haverá um aumento do patrimônio imobiliário no Brasil e uma
consequente valorização dos imóveis, que regularizados, passam a

230 ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. p. 20.


231 BRASIL. Exposições de Motivos do projeto de Medida Provisória n.º 759/16 e foi convertida
na Lei 13.465, E.M. Interministerial n.º 00020/2016 MCidades/MP/CCPR, Brasília, 21/12/2016.
Disponível em <https://www2.camara.leg.br/legin/fed/medpro/2016/medidaprovisoria-759-22-
dezembro-2016-784124-exposicaodemotivos-151740-pe.html>. Acessado em 29/11/2019.
232 São os parágrafos 81, 87, 88, 89, 90 e 91 da Exposição de Motivos n.º 20/2016 MCidades/MP/CCPR.

Brasília 21/12/2016.
107

serem passíveis de tributação, ajudando desta forma a injetar capital


na economia.
iv. A identificação e regularização dos núcleos informais, insere-os nos
planos de investimentos públicos federais como as obras de
habitação popular, saneamento e mobilidade urbana, promovendo
desta maneira o desenvolvimento urbano sustentável da cidade;

Vale reproduzir o texto do parágrafo 91, posto que os autores233 do texto


foram felizes quando discorrem sobre a integração interação entre as vantagens
econômicas e sociais, nas seguintes palavras:

Como é sabido, a terra constitui a base para o desenvolvimento


econômico e social de um País. É nela que se desenvolvem a moradia,
a indústria e o comércio. Quando a terra – urbana ou rural – não está
registrada em Cartório de Registro de Imóveis, para além de situar fora
da economia, restam mitigados direitos que garantem cidadania aos
seus ocupantes. Viabilizar a regularização fundiária, assim, mais do
que assegurar a função social das cidades, a segurança e a dignidade
de moradia, dinamiza a economia brasileira.

Todavia, deve-se tomar o cuidado no momento seguinte à efetivação da


regularização fundiária, posto que, no entendimento de Maurício Mota et ali, ao invés
de resolver um problema da população de baixa renda em uma ocupação irregular ou
ilegal, “insere as ocupações regulamentadas à especulação imobiliária desvirtuando
os seus fins de ocupação tornando a propriedade e tais áreas mercadorias negociável”
234.

Por outro lado, não pode a natureza ser utilizada e apropriada como objeto
ou mercadoria com a finalidade exclusiva de valorização imobiliária. 235 A ideia de
“produção” da propriedade pelo homem, através da regulamentação jurídica, não
pode ser vista somente com o intuito a acumulação de capital.236

233 Ministro das Cidades na pessoa do senhor Bruno Cavalcanti de Araújo, Ministro do Planejamento,
Desenvolvimento e Gestão do Brasil na pessoa do senhor Dyogo Henrique de Oliveira e Ministro
Chefe da Casa Civil na pessoa do senhor Eliseu Padilha.
234 MOTA, Mauricio Jorge Pereira e MOURA, Emerson Affonso da Costa. O Direito à Moradia e a

Regularização Fundiária. p. 11.


235 Exemplo como a área de Jurerê no norte da Ilha de Florianópolis em Santa Catarina, dividida em

Jurerê Internacional e Jurerê Tradicional.


236 HENRIQUE, Wendel. O direito à natureza na cidade. Posição 176.
108

Portanto, com os objetivos e motivos mencionados, chega-se a afirmar que


a característica de valor econômico não pode ser vista como a finalidade de todo o
arcabouço jurídico montado na Lei da REURB, porém como um elemento de auxílio
na promoção de uma melhor qualidade de vida do homem, em um ambiente digno e
saudável. Isto porque, como transcrito acima, o dinamismo econômico é a última meta
a ser perseguida.

Logo, como se verá, o cuidado em se regularizar APP em áreas de risco


ou, simplesmente, utilizar a Regularização Fundiária como uma ferramenta para
combater a questão da moradia, consolidando os assentamentos nessas áreas
ambientais frágeis e sem ter o cuidado de avaliar os danos ambientais futuros que
podem advir dessa política, os resultados podem ser nefastos.

3.7 REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO


PERMANENTE E O DANO AMBIENTAL

De acordo com o novo tratamento dado pelo Código da Flora Nacional, não
há mais limites para as exceções para as intervenções ou supressões em APP’s,
principalmente nas cidades, uma vez que as peculiaridades da área urbana estimulam
as ocupações irregulares em margens de rios, córregos, encostas ou outras áreas
sensíveis para o meio ambiente ou para desastres.

Nos centros urbanos, em razão de serem uma alternativa barata e,


geralmente, próxima de adensamentos urbanos, as invasões de áreas de preservação
permanente acabam por ser transformar em favelas cortiços ou bairros irregulares. As
ocupações dessas áreas provocam impactos ambientais negativos de maneira
significativa, pois despejam efluentes sem tratamento nos rios e mananciais de
abastecimento de água, derrubam a vegetação de maneira indevida, que é a proteção
do solo, podendo provocar deslizamento de terras, dentre outras funções ecológicas
que ficam comprometidas.237

Nesse aspecto ambiental, o procedimento de regulamentação previsto na


Lei 13.465/17 vem para melhorar tais condições das ocupações nas áreas protegidas.

237 ALMEIDA, Paulo Santos de, e SILVA, Iohana Cristina Nogueira. Regularização fundiária em áreas
de conservação: análise da legislação ambiental e seus reflexos nas populações locais
vulneráveis e no meio ambiente entre 2000-2010 no reservatório Billings impacto na saúde
humana. p. 241 e 246.
109

No caso em debate, é disciplinado no novo Código Florestal e determina que vários


elementos devem ser contemplados no estudo para fundamentar o projeto de
regularização fundiária em APP, dentre eles a melhoria das condições ambientais 238.
Seguindo essa linha de pensamento da tutela do bem ambiental e da população
presentes nas referidas ocupações, a norma não permite a regularização de moradias
em áreas de risco.

A fragilidade ambiental do meio físico dessas áreas é notória, visto a


frequência das ocorrências dos perigos iminentes de deslizamentos ou
desmoronamentos em encostas e morros descobertos, enchentes e inundações em
margens de rios e córregos urbanos canalizados. A população localizada nessas
áreas é considerada em situação de risco e por isso é necessária a sua remoção e
realocação.

Sobre as áreas de riscos em APP, leciona Tatiana Chaer:

Desta forma, surge como bastante recorrente o emprego do termo


ocupação de áreas de risco, para designar o perigo que corre a
população pela apropriação ilegal das áreas de proteção, vulneráveis
e sujeitas a desabamentos de construções irregulares, enchentes,
instabilidade de solos, erosões, dentre outros. [...] aquelas que, em
função de sua localização, de particularidades físico ambientais e do
seu padrão construtivo, expõem seus habitantes a precárias
condições de moradia, geram insalubridade e, principalmente,
apresentam riscos reais de grandes acidentes que podem ocasionar
problemas sérios de saúde pública, perdas de vidas e perdas de bens
materiais. [...] quais são os casos de risco individual - riscos de
acidentes com a população ocupante e de perdas materiais - e quais
são os casos de risco ambiental - deterioração de recursos naturais,
cujos danos transcendem a ocupação específica. [...] As modalidades
de ocupação em áreas de inundações e desabamentos contabilizam
os casos em que o risco está representado em sua forma mais crítica
para a população ocupante. Há a ocorrência real, e de fato, de perdas
materiais e danos causados aos indivíduos ocupantes, em primeira
instância.239

Destarte, sob uma análise de dano ambiental presente e futuro, na Reurb-


S é imperativo o estudo técnico que demonstre de forma cabal que as condições para

238 Art. 64, parágrafos 1º e 2º, inciso V da Lei 12.651/12 – Código Florestal e Art. 11, § 2º da Lei
13.465/17 – Lei da Regularização Fundiária.
239 CHAER, Tatiana Mamede Salum. Regularização Fundiária em Área de Preservação
Permanente: Uma contribuição à gestão urbana sustentável. p. 89 e p. 103-104.
110

as funções ecológicas da APP sejam melhoradas e a inexistência de risco para as


moradias edificadas naquelas áreas.

Assim, cabe à ciência que, por meio dos avanços tecnológicos da


sociedade contemporânea, consiga responder “o que é área de risco?” e estabelecer
sua definição com um conceito objetivo.

Sobre o conceito de “risco”, é clássica a citação do sociólogo Ulrich Beck,


que redige as seguintes palavras: “Risco significa antecipação da catástrofe. Os riscos
dizem respeito à possibilidade de acontecimentos e desenvolvimentos futuros, tornam
presente um estado do mundo que (ainda) não existe”240.

Pelo ângulo da engenharia, uma visão de ciências exatas, o “risco” é


tratado como a probabilidade de ocorrência de um evento perigoso e sua expectativa
das perdas causadas, a qual é analisada em razão da exposição do sistema ao
perigo241.

Ainda fora do contexto jurídico, sob um prisma mais técnico, o Glossário da


Defesa Civil242 define o “risco” como a relação “[...] existente entre a probabilidade de
que uma ameaça de evento adverso ou acidente determinado se concretize e o grau
de vulnerabilidade do sistema receptor a seus efeitos”.

Assim, em uma breve síntese, o risco é a possibilidade ou probabilidade de


se concretizar um evento adverso (desastre) conhecido e futuro, em razão do grau de
exposição ao perigo.

Entretanto, as mudanças da sociedade pós-moderna vêm alterando os


riscos que se tornaram-se abstratos, imprevisíveis e incontroláveis, causando vários
desastres. Nesse cenário de crise ambiental, o risco deve ser analisado sob a lente
de uma nova visão transdisciplinar. O pensamento jurídico clássico toma como base
de seu estudo a segurança de conceitos estáticos e engessados, que não são mais o

240 BECK, Ulrich. Sociedade de Risco Mundial - Em Busca da Segurança Perdida. Edições 70.
Edição do Kindle, 2015. Posição 310 de 1339.
241 MIGUEZ, Marcelo Gomes; et al. Riscos e Desastres Hidrológicos. 1ª Ed. Rio de Janeiro: Elsevier,

2018. p. 7.
242 BRASIL. Ministério do Planejamento e Orçamento. Glossário de Defesa Civil, Estudos de Riscos

e Medicina de Desastres. 2. ed, Brasília, DF: MPO, 1998.


111

suficiente para lidar com a complexidade que permeiam a atual realidade do direito
ambiental243.

Sem a intenção de aprofundar na problemática da crise de mudança de


paradigmas da sociedade industrial para a sociedade de pós-moderna, por se um
tema fértil de grandes estudos, se faz necessário uma breve análise sobre o conceito
de sociedade de risco e seus desdobramentos.

A doutrina define a sociedade pós-moderna como uma sociedade que “[...]


demarca a produção e a distribuição de novas espécies de riscos em diferenciação
àqueles característicos do emergir da sociedade industrial”, segundo Délton Winter de
Carvalho244. Já para José Leite e Germana Belchior, estes autores definem a
sociedade de risco como a sociedade caracterizada pelo incremento das incertezas
resultantes das atividades tecnológicas utilizadas no processo econômico, a qual
também “[...] produz riscos que podem ser controlados e outros que escapam ou
neutralizam os mecanismos de controle típicos da sociedade industrial”245.

E, para finalizar, imprescindível transcrever o entendimento de Ulrich Beck,


que “[...] resume uma época da sociedade moderna que não só se livra das formas de
vida tradicionais, como também questiona os efeitos secundários de uma
modernização bem-sucedida”246.

Portanto, esse novo modelo de sociedade produz esse tipo de riscos que
se materializam em perigos incertos e fora do controle, com consequências
desconhecidas e que atingirão a todos, sem a certeza de qual é a proteção adequada,
uma vez que a ciência, por mais avançada que esteja, não consegue ter essas
respostas. No atual cenário da evolução científica, segundo Fernando de Marchi 247,
“não temos nenhuma certeza do que pode ocorrer no futuro, não sabemos das

243 LEITE, José Rubens Morato; BLECHIOR, Germana Parente Neiva. Dano Ambiental na Sociedade
de Risco: uma visão introdutória. In: LEITE, José Rubens Morato. Dano ambiental na sociedade
de risco. São Paulo: Saraiva, 2012. Edição do Kindle. posição 282.
244 CARVALHO, Délton Winter de. Dano ambiental futuro: a responsabilização civil pelo risco

ambiental. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013, p. 72.


245 LEITE, José Rubens Morato; BLECHIOR, Germana Parente Neiva. Dano Ambiental na Sociedade

de Risco: uma visão introdutória. posição 313.


246 BECK, Ulrich. Sociedade de Risco Mundial - Em Busca da Segurança Perdida. posição 277.
247 MARCHI, Fernando H. de. Teoria do antitudo. Simplíssimo Livros. Edição do Kindle, posição 525-

531 de 1984.
112

consequências futuras, uma vez que as atitudes são avaliadas e, muitas vezes,
avalizadas pelo conhecimento científico de hoje”. Conhecimento este que não
consegue explicar o porquê da cebola, um vegetal, possuir um código genético, seu
DNA, mais complexo do que um ser humano248.

A aflição sobre os resultados que, até então, são obscuros desta geração
de riscos, “não podem ser pura e simplesmente ignoradas”249 tanto a curto, quanto a
longo prazo.

Assim, com a incerteza dos perigos futuros, a intervenção antrópica nas


APP’s é uma hipótese de atividade pós-moderna de risco, uma vez que pode colocar
um determinado número de pessoas em perigo indeterminado, incontrolável e, muitas
vezes imensurável, pois o risco é utilizar as APP’s de forma que inutilize sua função
ecológica, função esta que pode ser a causa de danos ambientais irreparáveis.

Nessa lógica, Zedequias Júnior citando as palavras de Bezerril, sobre as


vantagens de se preservar a vegetação de APP quando da ocorrência das chuvas,
elenca a seguinte lição:

A cobertura vegetal tem um papel importante, tanto no deflúvio


superficial – parte da chuva que escola pela superfície do solo – como
no deflúvio de base – resultado da percolação da água no solo – onde
ela se desloca em baixas velocidades, alimentando os rios e lagos. A
remoção da cobertura vegetal reduz o intervalo de tempo observado
entre a queda da chuva e os efeitos nos cursos de água, diminui a
capacidade de retenção de água nas bacias hidrográficas e aumenta
o pico das cheias. Além disso, a cobertura vegetal limita a
possibilidade de erosão do solo, minimizando a poluição dos cursos
de água por sedimentos. 250

Vale citar, também sobre o papel da APP, a oportuna contribuição de Paulo


Almeida e Iohana Silva251:

248 O DNA humano possui em torno de três bilhões de bases nitrogenadas, que são as tais letras do
livro da vida, enquanto o da cebola gira em torno de quinze bilhões. Fonte: De Marchi, Fernando H..
Teoria do antitudo. Edição do Kindle, posição 525-531 de 1984.
249 BECK, Ulrich. Sociedade de Risco Mundial - Em Busca da Segurança Perdida. Posição 121 de

1339.
250 JÚNIOR, Zedequias de Oliveira. Áreas de Preservação Permanente Urbana dos cursos d’água:

responsabilidade do poder público e ocupação antrópica à luz do novo código Florestal e


seus reflexos jurídicos. p. 35;
251 ALMEIDA, Paulo Santos de, e SILVA, Iohana Cristina Nogueira. Regularização fundiária em áreas

de conservação: análise da legislação ambiental e seus reflexos nas populações locais


113

Além disso, tais áreas promovem a manutenção da permeabilidade do


solo e do regime hídrico, a fim de evitar inundações e enxurradas,
possibilitando a recarga de aquíferos, incluindo reservatórios artificiais
de abastecimento público, evitando o comprometimento do
abastecimento público de água em qualidade e em quantidade.

Nesse toar, a chuva é considerada um evento natural e um fenômeno que


há tempos ocupa a imprensa nacional em uma periodicidade cíclica anual, mas não é
um perigo em si mesma. O problema está no processo de transformação de chuva
em vazão e esta interação com a bacia hidrográfica sem as funções de retenção e
absorção da água da APP, que gera as inundações e enchentes. Esta interação com
a bacia sofreu e sofre mudanças em virtude da presença e atuação humana, que
ocupa esses espaços construindo as cidades, com significativo processo de
urbanização alterando as características naturais destas bacias, expondo mais
pessoas e bens aos efeitos das inundações.252

Apesar das inundações e enchentes serem os desastres mais frequentes


e, por conseguinte, os que geram maiores prejuízos econômicos e impactos
significativos na saúde pública, são os deslizamentos de terras e desmoronamento de
encostas que produzem o maior número de vítimas fatais.253

De posse de tais argumentos, é possível afirmar que o “dano ambiental


futuro” deve ser considerado no estudo da REURB. A gestão municipal e estadual
deve internalizar essa análise, se transformando em um desafio para estabelecer os
requisitos e parâmetros dos procedimentos para uma regularização eficaz, também,
no sentido de tutela ambiental

De acordo com o corolário legal, infere-se que o ato de regularizar APP


urbana, de risco ou não, impões a necessidade de flexibilização dos critérios de
proteção ambiental e padrões urbanísticos para viabilizar o objetivo do arcabouço

vulneráveis e no meio ambiente entre 2000-2010 no reservatório Billings impacto na saúde


humana. p. 253.
252 MIGUEZ, Marcelo Gomes et ali. Gestão de Riscos e Desastres Hidrológicos. 1ª ed. Rio de

Janeiro: Elsevier, 2018. p. XVII.


253 CARVALHO, Celso Santos e GALVÃO, Thiago (org.). Prevenção de Riscos de Deslizamentos em

Encostas: Guia para Elaboração de Políticas Municipais. Brasília: Ministério das Cidades, 2006,
p. 12.
114

normativo em vigor. O que não se pode omitir é o balanço das consequências positivas
e negativas que essa intervenção pode gerar.

Contudo, atualmente a sociedade está cheia de radicalismo. O pensamento


de que toda que qualquer APP deve ser restaurada, independentemente de sua
ocupação, em detrimento do direito à moradia deve ser amenizada ou até mesmo
sobreposta em algumas situações, devendo prosperar o entendimento de que o mais
correto é a ponderação entre se prestigiar um ou outro direito fundamental: moradia
ou meio ambiente.

3.8 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS: UM CONFLITO APARENTE

O processo de Regularização Fundiária em APP urbana apresenta uma


falaciosa questão de incompatibilidade entre a celebração do direito à moradia e a
preservação de um meio ambiente ecologicamente equilibrado, muito em razão dos
princípios ambientais.

A doutrina ambiental assinala importantes princípios, mas que, ante à


importância da problemática apresentada, além do já mencionado princípio do
desenvolvimento sustentável, serão destacados quatro para o presente estudo, quais
sejam: o princípio da prevenção, princípio da precaução, princípio da proibição do
retrocesso em material ambiental e, por fim, o princípio da equidade geracional.

Assim, para entender que o conflito aparente, serão apresentadas as


definições dos conceitos, porém sem aprofundar demais no estudo, pois não é essa
a proposta deste trabalho.

O “princípio da prevenção”254 busca-se evitar a superveniência de danos


ambientais por meio de ações preventivas e apropriadas antes da atividade, com
arrimo em um parecer técnico científico dos impactos ambientais, como por exemplo

254 RAMOS, Ana Luisa Schimdt e ZANINI, Jeferson. Princípios do Direito Ambiental. In DANTAS,
Marcelo Buzaglo (org.). E-Book – Estudos de Direito Ambiental e Urbanístico. Itajaí: Univali, 2018,
p. 185.
115

o estudo de impacto ambiental, onde estará descrito todos os efeitos da atividade.


Nas palavras de Gilberto Anjos e Rodrigo Mourão255:

[...] o princípio da prevenção se aplica a impactos ambientais já


conhecidos, sabendo-se das consequências decorrentes da atividade,
ao passo que o princípio da precaução e aplicado a situações em que
ainda paira certa margem de dúvida acerca dos efeitos danosos, tendo
em vista a ausência de certeza cientifica do resultado.

Passando para o “princípio precaução” 256, por sua vez, não se confunde
com o princípio da prevenção, pois não há uma certeza científica do dano que poderá
ser causado. Por força deste princípio, o Poder Público está autorizado a adotar
providências para proteger o ambiente quando a periculosidade de uma intervenção
apresentar somente indicar que há a possibilidade de risco.

Também conhecido como “princípio da prudência”, o princípio da


precaução deriva do conceito alemão de Vӧrsorgeprinzip.

No tocante ao “princípio proibição do retrocesso em material ambiental”257,


este consiste na proibição de novas normas ou atos venham a diminuir as proteções
ambientais a patamares anteriores ao já conquistados. O conceito é amplo e considera
como regressão qualquer modificação que, de maneira velada e insidiosa, possa
colocar ineficazes as regras em vigor. O surgimento deste princípio se deve muito em
razão do Direito Ambiental ter um caráter finalista, qual seja, implica na obrigação de
resultado que é a melhoria constante do estado do meio ambiente.

Assim, essa proibição se aplica à liberdade do legislador de alterar ou


revogar normas de cunho ambiental, ou que tenha reflexos nesta esfera jurídica, de
tal sorte que piore o quadro de proteção do meio ambiente. Nessa linha, Klauss Correa
de Souza discorre sobre a proibição do retrocesso, nos seguintes termos:

O princípio da proibição de retrocesso visa inibir que leis ou atos


retrocedam em matéria ambiental, haja vista que a sadia qualidade de
vida depende do meio ambiente ecologicamente equilibrado. Por essa
razão e que a proteção ambiental deve estar sempre em ascensão.

255 ANJOS, Gilberto Kilian dos e MOURÃO, Rodrigo Fagundes. Princípios Jurídicos de Direito
Ambiental. In DANTAS, Marcelo Buzaglo (org.). E-Book – Estudos de Direito Ambiental e
Urbanístico. Itajaí: Univali, 2018, p. 213.
256 RAMOS, Ana Luisa Schimdt e ZANINI, Jeferson. Princípios do Direito Ambiental. p. 188-189.
257 RAMOS, Ana Luisa Schimdt e ZANINI, Jeferson. Princípios do Direito Ambiental. p. 191-192.
116

O “princípio da equidade geracional”, segundo Luiz Brandão e Carmo de


Souza258, tem por base a teoria desenvolvida por Edith Brown Weiss, professora de
Direito da Internacional do Georgetown University Law Center, que desenvolveu a
teoria da equidade intergeracional, a qual preconiza que todas as gerações humanas
têm os mesmos direitos relativos ao meio ambiente, sendo um dever da presente
geração conservá-lo, recuperá-lo se possível e repassá-lo para as gerações futuras
nas mesmas, ou em melhores, condições em que foi recebido.

Isto posto, a intervenção ou supressão de APP urbana, conforme prevista


na legislação que cuida da Regularização Fundiária, tem como o objetivo social de
promover parte da solução do déficit habitacional, mas for vista através de um prisma
da tutela incondicional do meio ambiente, então há o conflito concreto de direitos e
princípios.

A despeito da nova legislação permitir uma maior intervenção ou supressão


das APP’s, principalmente em regiões urbanas, deve ser feita uma ponderação dos
benefícios que convivência dos direitos à moradia e meio ambiente podem
proporcionar, uma vez que possuem em comum o princípio do desenvolvimento
sustentável.

Ademais, de acordo como o princípio da proibição do retrocesso,


mencionado alhures, o caráter finalista do direito ambiental qualifica qualquer ação
que melhore a condição ambiental.

Portanto, diante de dois direitos tratado neste trabalho e previstos no texto


constitucional, com a possibilidade de se adotar um em detrimento do outro, provoca
a reflexão sobre a seguinte questão, elaborada por Tatiana Chaer259: “Nos casos das
ocupações de baixa renda em áreas de sensibilidade ambiental, o que deve
prevalecer, o direito das pessoas que moram nessas áreas há anos ou o direito de
todos ao meio ambiente equilibrado?”

258 BRANDÃO, Luiz Carlos Kopes e SOUZA, Carmo Antônio de. O princípio da equidade
intergeracional. Disponível em <https://periodicos.unifap.br/index.php/planeta/article/viewFile/
348/328>. Acessado em 01/03/2020.
259 CHAER, Tatiana Mamede Salum. Regularização Fundiária em Área de Preservação
Permanente: Uma contribuição à gestão urbana sustentável. p. 31.
117

3.9 PONDERAÇÃO ENTRE O DIREITO À MORADIA E AO MEIO


AMBIENTE ECOLOGICAMENTE EQUILIBRADO

O conflito entre direitos não é uma questão nova, ainda mais nesta hipótese
de direitos fundamentais, sendo esta colisão objeto de estudos pela doutrina. Na
questão apresentada no final do tópico anterior, para alguns autores se configura em
um falso dilema, pois é possível realizar a compatibilização entres os valores dos
direitos, supostamente, em conflito.

No tocante aos termos “conflito” e “colisão” 260, apesar de haver uma divisão
conceitual entre as duas expressões, o presente trabalho não observará essa divisão
e serão adotadas como sinônimas, uma vez que a definição individual não obedece a
qualquer critério lógico ou científico.

Sobre a colisão de direitos fundamentais, Canotilho, citado por Marcelo


Buzaglo Dantas261, apresenta interessante conceito:

De um modo geral, considera-se existir uma colisão autêntica de


direitos fundamentais quando o exercício de um direito fundamental
por parte do seu titular colide com o exercício do direito fundamental
por parte de outro titular. Aqui não estamos perante um cruzamento
ou acumulação de direitos (como na concorrência de direitos), mas
perante um <<choque>>, um autêntico conflito de direitos. A colisão
de direitos em sentido impróprio tem lugar quando o exercício de
um direito fundamental colide com outros bens constitucionalmente
protegidos. (destaques constam no original)

Os direitos fundamentais em questão estão previstos, como já transcritos,


no texto da Constituição Federal de 1988, que são o direito à moradia, previsto no art.
6º, e o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, expresso no art. 225, e
foram consubstanciados nos princípios da dignidade da pessoa humana e no princípio
homônimo que se refere à natureza.

A partir do quadro acima, mas sem buscar um aprofundamento no estudo


sobre os princípios ou mesmo exaurir toda a teoria desenvolvida por Robert Alexy,

260 DANTAS, Marcelo Buzaglo. Direito Ambiental de Conflitos: o Direito ao Meio Ambiente
Ecologicamente Equilibrado e os Casos de Colisão com Outros Direitos Fundamentais. Teste
Doutorado. São Paulo: PUC/SP, 2012, p. 159.
261 DANTAS, Marcelo Buzaglo. Direito Ambiental de Conflitos: o Direito ao Meio Ambiente
Ecologicamente Equilibrado e os Casos de Colisão com Outros Direitos Fundamentais. p.
157.
118

Ronald Dworkin ou Humberto Ávila, dentre outros renomados estudiosos, pelo


contrário, somente trazer uma breve, mas salutar, síntese sobre a diferença entre
regras perante os princípios e as possíveis soluções aplicáveis nos conflitos entres
regras, bem como nas colisões entre princípios.

No entender de Robert Alexy, a separação conceitual entre regras e


princípios é uma das bases da teoria da fundamentação no âmbito dos direitos
fundamentais e o segredo na solução de conflito que possam surgir. Reforçando a
importância da distinção, o autor enfatiza:

Sem ela não pode haver nem uma teoria adequada sobre as restrições
a direitos fundamentais, nem uma doutrina satisfatória sobre colisões,
nem uma teoria suficiente sobre o papel dos direitos fundamentais no
sistema jurídico. Essa distinção constitui um elemento fundamental
não somente da dogmática dos direitos de liberdade e de igualdade,
mas também dos direitos a proteção, a organização e procedimento e
a prestações em sentido estrito. [...] A distinção entre regras e
princípios constitui, além disso, a estrutura de uma teoria normativo
material dos direitos fundamentais e, com isso, um ponto de partida
para a resposta à pergunta acerca da possibilidade e dos limites da
racionalidade no âmbito dos direitos fundamentais. Nesse sentido, a
distinção entre regras e princípios é uma das colunas-mestras do
edifício da teoria dos direitos fundamentais.262

O clássico autor Ronald Dworkin citado por Marcelo Dantas, em uma breve
resenha, entende que “regras” são aplicadas às situações fáticas, ou seja, as
circunstâncias do caso em concreto estão presentes e a regra é válida ou em nada
contribui para a decisão no caso de ausentes tais circunstâncias. Enquanto os
princípios possuem a dimensão do peso ou importância, podendo uma situação fática
se enquadrar no conflito de dois ou mais princípios, mas sendo escolhido a aplicação
daquele que possuir maior importância em desvantagem do outro, mas o princípio
preterido não perde sua validade com isso. 263

Desta forma, o pensamento de Dworkin é conhecido pela da forma os


conflitos como tudo ou nada (all-or-nothing).

262ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Tradução Virgílio Afonso da Silva. 2ª Ed. São
Paulo: Malheiros, 2015, p. 86.
263 DANTAS, Marcelo Buzaglo. Direito Ambiental de Conflitos: o Direito ao Meio Ambiente

Ecologicamente Equilibrado e os Casos de Colisão com Outros Direitos Fundamentais. p.


163.
119

Partindo das premissas apresentadas por Dworkin, Robert Alexy cita três
teses e conclui que a correte é aquela que entende que os princípios são
“mandamentos de otimização”, normas “que ordenam que algo seja realizado na
maior medida possível dentro das possibilidades jurídicas e fáticas existentes”264, mas,
por outro lado, as regras são normas que contêm determinações, sendo totalmente
cumpridas ou não. No seu trabalho de diferenciação discorre:

O ponto decisivo na distinção entre regras e princípios é que princípios


são normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida
possível dentro das possibilidades jurídicas e fáticas existentes.
Princípios são, por conseguinte, mandamentos de otimização, que são
caracterizados por poderem ser satisfeitos em graus variados e pelo
fato de que a medida devida de sua satisfação não depende somente
das possibilidades fáticas, mas também das possibilidades jurídicas.
O âmbito das possibilidades jurídicas é determinado pelos princípios
e regras colidentes. Já as regras são normas que são sempre ou
satisfeitas ou não satisfeitas. Se uma regra vale, então, deve se fazer
exatamente aquilo que ela exige; nem mais, nem menos. Regras
contêm, portanto, determinações no âmbito daquilo que é fática e
juridicamente possível. Isso significa que a distinção entre regras e
princípios é urna distinção qualitativa, e não urna distinção de grau.
Toda norma é ou urna regra ou um princípio.265

Portanto, de acordo com as proposições levantadas, a resposta de Ronald


Dworkin para colisão de princípios não se mostra como uma teoria correta a ser
adotada, pelo contrário, a teoria se mostra mais acertada é aquela defendida pelo
professor alemão Robert Alexy, que consiste em sopesar os princípios e aplicar em
determinado grau aquele que melhor se amolda à situação fática.

Vale aqui ressalvar que a conceituação sobre o conflito de regras foi feita
com o objetivo de realçar o conceito de colisão de princípios, visto que não faz parte
do objetivo desta pesquisa.

Não obstante essa diferenciação de regra e princípio, a doutrina pós-


moderna chegou ao consenso de que as regras e princípios formam as normas266, ou
seja, as regras e princípios “serão reunidos sob o conceito de norma”267.

264 ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. p. 90.


265 ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. p. 90-91.
266 DANTAS, Marcelo Buzaglo. Direito Ambiental de Conflitos: o Direito ao Meio Ambiente

Ecologicamente Equilibrado e os Casos de Colisão com Outros Direitos Fundamentais. p.


157.
267 ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. p. 86.
120

A premissa dos princípios possuírem a mesma eficácia que a regras teve


como um dos principais fundamentos o fato da ascensão nazista alemã, em nome
pela qual foram cometidas as maiores atrocidades contra a humanidade da história
moderna, mas tudo estava amparado no ordenamento jurídico-legal à época, como
tal, esse argumento foi trazido como defesa no famigerado julgamento dos oficiais
nazistas em Nuremberg.268

Por conseguinte, infere-se que os princípios têm normatividade


equiparadas às regras, de tal sorte que deve ser analisado no presente caso a colisão
entre o princípio do meio ambiente ecologicamente equilibrado e o princípio da
dignidade humana, por meio do direito à moradia.

Neste sentido, com a finalidade de ficar mais dinâmico o desenvolvimento


do trabalho, assume-se direitos e normas como sinônimas, tendo a norma o sentido
valorativo de princípios.

Diante da regularização fundiária em APP urbana, em um primeiro


momento, temos uma colisão de princípios, porque para regulamentar a moradia, há
a necessidade de se reconhecer como válida a supressão da APP total ou parcial.
Então, surge uma colisão de dois direitos fundamentais, de um lado temos o interesse
social da moradia digna, em contrapartida, de outro lado temos o interesse ao meio
ambiente preservado.

Apesar de haver tal pensamento de que a prioridade dada ao direito da


moradia269 ou do meio ambiente, pode levar a uma visão reducionista da importância
do outro direito, este posicionamento não pode ser estimulado, nem estimulado a ser
implementado, mas sim a ponderação entre essas duas garantidas fundamentais.

Assim, na presença de um evidente conflito de direitos fundamentais,


Marcelo Dantas defende que “o ideal é que se busque harmonizá-los, de modo a que

268 DANTAS, Marcelo Buzaglo. Direito Ambiental de Conflitos: o Direito ao Meio Ambiente
Ecologicamente Equilibrado e os Casos de Colisão com Outros Direitos Fundamentais. p.
160.
269 ALMEIDA, Paulo Santos de, e SILVA, Iohana Cristina Nogueira. Regularização fundiária em áreas

de conservação: análise da legislação ambiental e seus reflexos nas populações locais


vulneráveis e no meio ambiente entre 2000-2010 no reservatório Billings impacto na saúde
humana. p. 249.
121

ambos possam prevalecer, não sendo necessário afastar a incidência de qualquer


deles no caso concreto”, e continua:

É bem verdade que, em alguma medida, o teste da necessidade, que


integra a proporcionalidade em sentido estrito, [...] pode ser encarada
como sendo uma forma de harmonização, na medida em que impede
o sacrifício do direito colidente, através da adoção de uma medida
alternativa.270

Seguindo este raciocínio, Edésio Fernandes271 trata sobre este conflito de


direitos nas seguintes palavras:

Mas, haveria mesmo um conflito entre preservação ambiental e


moradia? Trata-se de uma falsa questão: os dois são valores e direitos
sociais constitucionalmente protegidos, tendo a mesma raiz
conceitual, qual seja, o princípio da função sócio-ambiental [sic] da
propriedade. O desafio, então, é compatibilizar esses dois valores e
direitos, o que somente pode ser feito por meio da construção não de
cenários ideais, certamente não de cenários inadmissíveis, mas de
cenários possíveis.

O direito ao meio ambiente preservado, por sua natureza de direito


fundamentais e suas características inerentes, possui uma capacidade de muito
grande de gerar conflitos com outros direitos, mas pelo fato de pertencer às presentes
e futuras gerações, torna-se imperioso buscar a harmonização a todo custo.
Entretanto, por mais que a índole do Direito Ambiental seja conflituosa, ele também é
flexível e admite concessões com o objetivo de prevalecer o interesse para um bem
jurídico maior. 272

Neste toar, fica claro que apresentada uma colisão, a primeira tentativa é
de se harmonizar a aplicação dos princípios em conflito, porém, não sendo isto
possível, somente nesta hipótese, é que se adota a prevalência de um sobre o outro,
através da aplicação da ponderação.

270 DANTAS, Marcelo Buzaglo. Direito Ambiental de Conflitos: o Direito ao Meio Ambiente
Ecologicamente Equilibrado e os Casos de Colisão com Outros Direitos Fundamentais. p.
185.
271 FERNANDES, Edésio. PRESERVAÇÃO AMBIENTAL OU MORADIA? UM FALSO CONFLITO.
Disponível em <https://www.irib.org.br/obras/preservacao-ambiental-ou-moradia-um-falso-conflito>.
Acessado em 06/03/2020.
272 DANTAS, Marcelo Buzaglo. Direito Ambiental de Conflitos: o Direito ao Meio Ambiente
Ecologicamente Equilibrado e os Casos de Colisão com Outros Direitos Fundamentais. p.
188-189.
122

Desta forma, quando impossível a harmonização de direitos em conflito, se


torna necessária a compatibilização entre eles pela técnica de ponderação de valores
ou de interesses, conforme nos ensina Luiz R. Barroso:

A denominada ponderação de valores ou ponderação de interesses é


a técnica pela qual se procura estabelecer o peso relativo de cada um
dos princípios contrapostos. Como não existe um critério abstrato que
imponha a supremacia de um sobre o outro, deve-se, à vista do caso
concreto, fazer concessões recíprocas, de modo a produzir um
resultado socialmente desejável, sacrificando o mínimo de cada um
dos princípios ou direitos fundamentais em oposição. O legislador não
pode, arbitrariamente, escolher um dos interesses em jogo e anular o
outro, sob pena de violar o texto constitucional. Seus balizamentos
devem ser o princípio da razoabilidade e a preservação, tanto quando
possível, do núcleo mínimo do valor que esteja cedendo passo. Não
há, aqui, superioridade formal de nenhum dos princípios em tensão,
mas a simples determinação da solução que melhor atende o ideário
constitucional na situação apreciada.273

No mesmo sentido, Edson Neves, Flávio Santos e Fernanda Sepulveda


afirmam:

Nesse ínterim, exsurge um raciocínio que se convencionou denominar


de ponderação e que vem sendo cada vez mais utilizado diante de
situações em que as hermenêuticas tradicionais são insuficientes, [...]
Em função do princípio da unidade (todas as normas constitucionais
tem a mesma hierarquia e devem ser interpretada de forma
harmônica, foi imprescindível criar a técnica de ponderação, pela qual
se atribuem pesos aos elementos em conflitos para, ao fim, decidir por
um deles ou ao menos decidir pela aplicação preponderante de um
deles. 274

Ademais, Tatiane Chaer entende que configurada uma hipótese de conflito


de valores constitucionais e eles forem incompatíveis, além da compatibilização por
meio da ponderação, deve-se tomar medidas concretas para compensar aquele que
foi afetado, na seguinte lição:

[...] O desafio consiste em compatibilizar os dois valores e direitos, o


que deve ser buscado através da construção não de cenários ideais,
não de cenários inadmissíveis, mas de cenários possíveis. [...] Se a
ordem é legítima, quando reportada para os casos de ocupações
ilegais, na impossibilidade da regularização fundiária perante grandes

273 BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição. 5 ed. SãoPaulo: Saraiva,
2003, p. 330.
274 NEVES, Edson Alvisi, SANTOS, Fábio Roberto Oliveira e SEPULVEDA, Fernanda de Mattos.
DIREITO À MORADIA: O papel da jurisdição na redistribuição do solo urbano. p. 22.
123

prejuízos ambientais, o direito à moradia é indiscutível e deve ser


mantido e promovido em outro lugar. 275

É patente a colisão do direito à moradia com o direito ao meio ambiente


ecologicamente equilibrado, em virtude da atuação antrópica em se garantir uma vida
digna das pessoas.

A ocupação humana em APP com a finalidade de moradia digna,


geralmente, acontece em prejuízo do ambiente natural. Sobre este assunto, Marcelo
Dantas faz uma importante constatação:

Ocorre que a ocupação humana, com vistas a garantir uma vida digna,
muitas vezes se dá com sacrifício ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado. É o que historicamente aconteceu no Brasil com a
ocupação de áreas de preservação permanente como encostas, topos
de morro, entorno de reservatórios de água naturais e artificiais, entre
outros. 276

No entanto, em um primeiro momento não é possível afirmar qual direito


deve prevalecer para melhor atenda qualidade de vida do homem, sem ter se
analisado todas as características do caso concreto. 277

Portanto, se a melhoria depender de um pequeno prejuízo pontual, no caso


em tela, em uma APP urbana, mas que os resultados socioeconômicos e ambientas
sejam positivos e proporcionalmente muito maior do que a intervenção na área
ambiental protegida, então deve-se fazer uma ponderação entres os direitos humanos
fundamentais da moradia e meio ambiente.

275 CHAER, Tatiana Mamede Salum. Regularização Fundiária em Área de Preservação


Permanente: Uma contribuição à gestão urbana sustentável. p. 31-34.
276 DANTAS, Marcelo Buzaglo. Direito Ambiental de Conflitos: o Direito ao Meio Ambiente

Ecologicamente Equilibrado e os Casos de Colisão com Outros Direitos Fundamentais. p.


398.
277 SCHERER, Marcos D’Avila. Regularização Fundiária: Propriedade, Moradia e Desenvolvimento

Sustentável. p 82-83.
124

CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente trabalho teve como objetivo, sem a pretensão de esgotar seu
vasto campo teórico, de demonstrar a importância dos direitos fundamentais, a sua
evolução histórica e a posição de destaque que os direitos à moradia, ao meio
ambiente e propriedade ocupam no ordenamento jurídico contemporâneo.

No prisma dos direitos humanos fundamentais, destacou-se a importância


do direito à moradia e sua efetivação como direito humano fundamental positivado no
texto constitucional.

A caracterização do direito à moradia sempre foi conjugada em conjunto


com a dignidade da pessoa humana, que se viu muito mais requisitada em decorrência
da realidade caótica produzida pelo aumento populacional dos grandes centros
urbanos.

O movimento de inchamento das cidades, que ficou evidente a partir do


final da Segunda Grande Guerra e da revolução industrial, provocou as ocupações do
solo de maneira desordenadas e, em na maioria dos casos, ditadas pelas regras da
especulação imobiliária, empurrando a população de baixa renda para invasões de
áreas fora desse mercado imobiliário, as áreas de preservação permanente.

Em resposta a esse problema, surge um movimento para aliar o


desenvolvimento econômico, a dignidade humana e ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado, resultando no conceito de desenvolvimento sustentável.

A colisão gerada entre os direitos fundamentais foi tratada na hipótese de


intervenção nas áreas de preservação permanentes urbanas, as quais foram
invadidas por uma população de baixa renda, em sua maioria.

A regularização fundiária em área de preservação permanente urbana,


neste caso específico, surgem como uma ferramenta vista, a priori, como uma solução
para a regularização do solo urbano e atender o objetivo social de promover a moradia
digna para essa questão de moradia, mas também é uma importante ferramenta para
se ajustar as áreas urbanas necessárias para reestabelecer as funções ecológicas e,
se não resolver, pelo menos amenizar os graves problemas dos desastres naturais
125

em um primeiro momento, mas, como pano de fundo, ajudar na sadia qualidade de


vida nas cidades sustentáveis.

A visão do “tudo ou nada” defendida por Dworkin aplicada na colisão destes


dois direitos não se mostra a melhor opção, como visto, devendo sempre ser
perseguida a harmonização entre a utilização da área protegida e o direito da moradia
pela população marginalizada.

Desta forma, buscando o exercício da função socioambiental da


propriedade, na impossibilidade de se harmonizar os direitos colidentes, pondera-se
qual e em que grau deve ser aplicado o direito, tomando-se medidas para compensar
o direito preterido.

O desenvolvimento humano deve estar em harmonia com a preservação


do meio ambiente, pois como visto, a pobreza também é uma condição que ajuda na
degradação da natureza, apesar de não ter o maior potencial ofensivo como outros
fatores. A ressalva se faz necessária, visto que uma boa condição financeira, por outro
lado, pode ser uma variável que aumentará o dano ambiental em vários outros
sentidos.

Portanto, se a regularização fundiária puder fomentar o crescimento


econômico e social, mesmo que de certo modo comprometa uma parcela de área de
preservação permanente urbana, pode catalisar uma preservação do meio ambiente
ecologicamente equilibrado mais consistente e duradouro, cujo objetivo principal é
entregar esta natureza para as gerações futuras, senão igual, mais preservado do que
esta geração recebeu.

O que deve ficar claro é que a Regularização Fundiária, prevista na Lei da


REURB, veio para resolver uma situação de ilegalidade que se perpetrou desde a
colonização do Brasil até os dias atuais, causada principalmente pelo modelo de
exploração do direito à propriedade, da falta de fiscalização e políticas corretas das
autoridades competentes, atualmente as municipais, em uma correta ocupação do
solo urbano.

No entanto, o procedimento de Regularização Fundiária não pode ser visto


como um incentivo ao descumprimento de regras legais. Como demonstrado no
126

estudo e evolução legislativa, as regras ambientais foram constantemente infringidas


sem as devidas consequências jurídicas.

Assim, conforme consignado na exposição de motivos da Lei da REURB,


não deverá o legislador promover outra anistia de irregularidades ou ilegalidades
provenientes de ocupações. Devendo o Poder Público, em especial o municipal,
exercer o competente poder de polícia nas áreas de proteção ambiental e implantar
as devidas políticas públicas para a ocupação correta do solo.

Outrossim, na comoção mundial que está sendo causada pela pandemia


da doença batizada de “COVID-19”, a realidade das grandes cidades se mostra
preocupante nas localidades onde a densidade é alta, como nas favelas ou cortiços.
Além da regularização fundiária poder reduzir o adensamento de pessoas em
pequenos imóveis com a introdução de mais moradias que sejam dignas, o Poder
Público tem o poder de colocar os imóveis regularizados em uma base de dados
formal, podendo desta forma planejar ações mais eficientes com fundamento nestas
informações para o combate ao “corona vírus”, além de outras possibilidades de cunho
social.

Por fim, um tema que será pródigo em pesquisas multidisciplinares é a


questão do crescimento populacional no planeta e que afetará de várias maneiras a
questão de moradia e meio ambiente aqui tratados. Assim, o desenvolvimento
sustentável deve impor os limites, mas resta saber quais serão esses limites e de que
forma serão impostos.
127

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