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I – Aproximação ao conceito de direito

II – Fontes do direito
III – Relação jurídica
IV – Ramos do direito
V – Interpretação e aplicação das leis

I – Aproximação ao conceito de direito


Capitulo 1- Conceito e problemas fundamentais do Direito

Conceito de Direito: Castro Mendes define-o como: “o sistema de normas de conduta social,
assistido de proteção coativa”.

O Direito decorre de duas premissas

Ubi homo, ibi societas: Ubi societas, ibi ius:

o Homem tem uma natureza o Homem vive em sociedade, em


eminentemente social convivência com os seus pares, pelo que é
o Direito que vai “promover a
solidariedade de interesses e resolver o
conflito de interesses”, surgindo como
uma ordem normativa

A necessidade de o Homem viver em sociedade funda-se em diversas causas:

Necessidade vital e psicológica; necessidade de segurança; necessidade económica; necessidade


de defesa militar e necessidade política.

Jean-Jacques Rousseau

1712-1778

Du Contrat Social (1762)

• Para este autor, todos os Homens nasciam livres e iguais, vivendo em contacto com a natureza e segundo os ditames desta.
• O progresso material trouxe a civilização e com ela a corrupção. O desenvolvimento das atividades económicas gera
sentimentos de conflitualidade e comportamentos agressivos como resposta aos problemas de uma sociedade marcada pela
desigualdade no que respeita à posse da terra e à propriedade de outros bens.
• No status naturalis, os Homens tornam-se egoístas e a insegurança insuportável.
• Para restabelecer a felicidade perdida, havia que imaginar um contrato social que oferecia um mínimo de segurança e bem-
estar. Para este autor, no contrato social, “os Homens obrigaram-se a submeterem-se à volonté générale que, traduzindo as
suas vontades, implica a sujeição de cada indivíduo à sua própria vontade”.
Thomas Hobbes

1588-1679

Leviathan (1651)

• Para este autor, o Homem, profundamente egoísta, procura obter vantagens só para si à custa dos outros, lançando
todos em guerra contra todos, sedento do poder individual.
• No status naturalis, os Homens viviam em guerra contínua, portando-se como lobos de si próprios.
• Para por fim a este status, “os Homens constituíram, através de um pactum de sujeição, o Estado, ao qual cederam
os seus direitos para obterem a segurança e o fim da luta”. Com a celebração do contrato social, cada Homem
renuncia à sua liberdade e submete-se à autoridade absoluta do Estado em troca de proteção. A vontade do Estado
é o único critério de justiça.

John Locke

1636-1704

Two Treatises of Government (1689)

• Para este autor, em cada indivíduo há aspetos bons e maus, tendências para a prática do bem e do mal, o que pode
ser determinado pelo temperamento, pela educação ou pelas circunstâncias da vida.
• No status naturalis, a maioria respeita as leis da natureza, mas há sempre uma minoria de indivíduos que são
delinquentes. No estado de natureza, todo o indivíduo tem dois direitos fundamentais: o direito de preservar tudo o
que lhe pertence e o direito de julgar os outros e de puni-los.
• Por isso, os homens compreendem que não lhes é útil continuar a viver em estado de natureza, apesar das suas
vantagens, e decidem passar ao estado de sociedade, mediante a celebração de um contrato social e a consequente
criação de uma autoridade social com poder de governar a comunidade. No entanto, este contrato limita a
intervenção da sociedade política à garantia da liberdade individual e da propriedade privada e impõe-lhe o respeito
pela vida privada, económica ou familiar.

Direito objetivo e Direito subjetivo

Conjunto de normas jurídicas de conduta Vantagens, faculdades, poderes que, por


social com proteção coativa; conjunto de aplicação das regras de direito objetivo, são
regras de conduta que se impõem a todos os atribuídos a pessoas determinadas, uma vez
homens, estabelecidas objetivamente e a verificados certos eventos previstos
que todos devem obediência. naquelas mesmas regras.

V.g., Direito Civil V.g., direito de propriedade

Norma de agir Faculdade de agir


Direito objetivo ≠ Direito subjetivo (em sentido amplo)
Direito subjetivo em sentido estrito/ ≠ Direito potestativo:
propriamente dito
• constitutivo (ex.: art. 1543º CC)
• modificativo (ex.: art. 1767º CC)
• extintivo (ex.: art. 1781º CC)

Figuras afins: Classificação dos direitos subjetivos:


• poderes-deveres (ex.: art. 1874º e ss. CC) • inatos e não inatos
• meros interesses jurídicos • essenciais e não essenciais
• faculdades em sentido estrito • pessoais e patrimoniais
• direitos reflexos • absolutos e relativos
• expectativas jurídicas • disponíveis e indisponíveis
• simples e complexos

Estado (Estado-sociedade)
Povo (conjunto de pessoas submetidas à ordem jurídica estatal)
Território (elemento material, espacial ou físico do Estado, marcado por fronteiras, que
Elementos podem ser naturais ou artificiais, e que compreende a superfície do solo que o Estado
ocupa, o espaço fluvial, marítimo, lacustre e aéreo)
Poder político (organização necessária ao exercício do poder político)

Função política – definição e prossecução pelos órgãos do poder político dos interesses
essenciais da coletividade
Função legislativa – prática de atos legislativos pelos órgãos constitucionalmente competentes
Funções Função jurisdicional – julgamento de litígios suscitados por conflitos entre interesses privados
e públicos e privados
Função administrativa – satisfação das necessidades coletivas que, por virtude de prévia opção
política ou legislativa, se entende que incumbe ao Estado prosseguir

Norma jurídica Norma da natureza ou lei física


Dirigem-se com caráter imperativo à vontade Referem-se explicativamente aos fenómenos
do Homem, podendo ser violadas. naturais, não tendo sentido falar-se em obediência.

Norma jurídica Normas morais


Intersubjetividade (regula as relações entre os Intrasubjetividade (respeita à conduta isolada do
Homens) / “eu social”. O Direito é bilateral. homem) / “eu pessoal”. A Moral é unilateral.
Tem relevância exterior, ou seja, pressupõe Tem relevância interior (basta o simples pensar).
sempre uma exteriorização Finalidades: aperfeiçoamento individual; realização
Finalidades: estabelecimento de regras do bem
essenciais de uma sociedade, visando a Essência: consciência ética / pessoa consigo mesma
convivência harmoniosa. Coercibilidade psíquica (remorso).
Essência: compatibilizar interesses conflituantes
Coercibilidade material.
Norma jurídica Norma religiosa
Criada pelos Homens Criadas por Ser transcendente
Regula relações entre os Homens, para assegurar Regula as relações entre os crentes e Deus, bem
o respeito pela justiça, pela segurança e pelos como as relações entre os crentes.
direitos humanos. Não é coercível materialmente: obrigam apenas
Coercibilidade material: obrigam todos os os crentes e são dotadas de sanções espirituais ou
cidadãos, sob a ameaça de sanções temporais ou intraindividuais (castigo supraterreno)
terrenas

Norma jurídica Norma de trato social


Estabelece regras essenciais para o convívio Aperfeiçoa o convívio social, tornando-o mais
social. ameno e cordial
Coercibilidade material. Não é coercível materialmente (reprovação social).

Direito Natural e Direito Positivo

O Direito Positivo é o ius civitate positum, isto é, o direito "posto na sociedade", nela inserido com
algo tangível. Assim, o conjunto de normas jurídicas reguladoras da convivência humana que neste
momento estão em vigor em Portugal ou que alguma vez vigoraram numa comunidade, expressas
nos códigos e em leis avulsas, formam o Direito Positivo. O Direito Positivo é obra humana e é
contingente, é tangível e varia de época para época e de país para país.

O Direito Natural é definido como o direito que devia vigorar, porque assenta na dignidade da pessoa
humana e representa o reflexo imediato da Justiça. Trata-se, portanto, de regras fundadas na
essência humana e, por conseguinte, não localizadas nem no tempo, nem no espaço; não estão
vertidas em nenhum código, nem foram gizadas pela mão humana.

O Direito Natural deve nortear o Direito Positivo.

Jusnaturalismo e Positivismo Jurídico


Direito Natural não é direito porque:
▪ Direito Natural existe, e é superior ao Direito ▪ não pode ter origem divina, já que Deus não existe;
Positivo, condicionando-o. ▪ não é promulgado por nenhuma autoridade social
▪ Doutrina jurídica dominante desde o séc. V legitimada e reconhecida para o fazer;
a.C. até ao séc. XVI d.C. ▪ o seu conteúdo é desconhecido e não há qualquer
▪ Séc. XVII várias correntes de pensamento consenso;
contestaram a existência do Direito Natural, ▪ não é uma lei eterna e universal, válida e imutável
chamando a atenção para o ponto fraco de em todas as épocas e em todos os lugares, uma vez
um Direito Natural eterno e universal. que a experiência mostra que as leis e os costumes
▪ Contestação nos séculos XIX e XX, com o variam de época para época e de lugar para lugar;
movimento filosófico do positivismo jurídico. ▪ a violação das suas regras não acarreta a imposição
de quaisquer sanções.

➢ Debate permanece, mas os defensores de ambas as correntes não aceitam,


passivamente, como cidadãos, qualquer direito positivo.
➢ A divergência encontra-se no ponto de saber se as leis, porque contrárias ao Direito
Natural, são inválidas (lex injusta non est lex), pelo que não se lhes deve obediência.
➢ Ver art. 8.º, n.º 2, CC (dura lex sed lex)
➢ Lei injusta? Violação da Constituição da República Portuguesa
Características genéricas do positivismo jurídico:
• Conceito de direito: = lei
• Fonte do direito: = lei
• Método: silogismo judiciário
• Epistemologia: ciência pura do direito

Fins do Direito

Justiça
• Primeiro e principal fim do Direito
• Deve ser, “para o Direito, uma bússola e um farol”
• Iustitia est constans et perpetua voluntas ius suum cuique tribuere
• Noção: a justiça é um conjunto de valores que se impõem quer ao Estado, quer aos cidadãos, no
sentido de dar a cada um o que lhe é devido, e o critério geral acerca do que, em nome da justiça, é
ou não devido a cada um, deve ser definido em função da dignidade da pessoa humana
▪ Comutativa – visa corrigir os desequilíbrios que se verifiquem nas relações
contratuais e nos atos involuntários ilícitos interpessoais
▪ Distributiva – rege a repartição dos bens comuns pelos membros da sociedade,
• Modalidades: segundo o critério de igualdade proporcional que atende à finalidade da
distribuição.
▪ Geral ou legal – rege a participação dos membros da sociedade nos encargos
comuns, segundo critérios de igualdade proporcional

Estado Justiça Comutativa


(ou corretiva)

A B Estado Justiça Distributiva

A B Estado

Justiça Geral
(ou legal) A B
Segurança
▪ A segurança internacional, sem a qual não haverá paz entre os povos;
▪ A segurança pública interna, sem a qual ficam perturbadas a ordem e tranquilidade públicas;
▪ A segurança individual, que as autoridades e a polícia devem garantir para prevenir a prática de
crimes contra a vida, a liberdade ou a propriedade das pessoas;
▪ A segurança sócio-económica, que se consegue através do estímulo à poupança individual e do
recurso às companhias de seguros, etc.;
▪ A segurança jurídica, que impõe a criação de mecanismos capazes de contribuir para a certeza do
Direito.
Exemplos de segurança jurídica:
• Princípio ignorantia iuris non excusat (art. 6º CC);
• Efeito de caso julgado (art. 628º Código Processo Civil);
• Princípio da irretroatividade da lei (art. 12º, n.º 1 CC; art. 29º, n.º 1 CRP);
• Usucapião (art. 1287º CC);
• Prescrição (art. 309º CC; art. 115º Código Penal);
• Caducidade (art. 329º CC).

Declarações dos Direitos Humanos


Ideia jusnaturalista que se vem afirmando desde o séc. XVIII: declaração dos direitos subjetivos que
devem ser reconhecidos em toda a parte a todos os indivíduos, por derivarem da sua natureza
humana.

Capitulo 2- Elementos do conceito de Direito

Considerando a definição de Direito (Castro Mendes) como sistema de normas de conduta social,
assistido de proteção coativa, podemos concluir que tal noção assenta em três ideias fundamentais:

1. Sistema;

2. Norma;

3. Proteção coativa.

1- O Direito como sistema


O Direito é um sistema normativo, ou seja, é um conjunto articulado e coerente de normas
jurídicas ditadas por princípios e orientadas para certos fins.

Porque:
1. o conjunto de regras ou normas se encontra articulado em termos de coerência, em torno de uma
ideia central – a ideia de Direito;
2. as suas regras objetivas têm de ser interpretadas de acordo com certos critérios lógicos e técnicos,
em harmonia com a sua função num dado conjunto;
3. os casos omissos têm de ser resolvidos de harmonia com determinados métodos integradores,
que em última análise se reconduzam à descoberta e aplicação do “espírito do sistema” (art. 10.º,
n.º 3, do CC);
4. o conjunto das normas que o compõem está organizado, enquadrado e enformado por princípios
gerais;
5. preocupa-se em assegurar, tanto quanto possível, “uma interpretação e aplicação uniformes do
direito” (art. 8.º, n.º3, do CC), estando previstos diversos modos de garantir a uniformização da
jurisprudência; 6. nele vigora o princípio da plenitude da ordem jurídica (arts. 10.º e 8.º, n.º 1, do CC
e 20.º da CRP).

2- Noção e estrutura da norma jurídica em sentido estrito

Noção: em sentido estrito, a norma é um elemento do conceito de Direito e traduz-se na “ligação


de uma estatuição à previsão de um evento ou situação”.

Estrutura:

a) Previsão – tal como refere Eduardo Norte Santos Silva, a previsão é "o desenho abstrato de uma
situação futura e incerta, à qual, se, e quando, vier a concretizar-se (a passar do campo da hipótese
possível, para o campo do realmente acontecido) há de ser aplicado um comando determinando
uma conduta, um comportamento, ou um resultado jurídico“, ou seja, é a representação da vida
social que se pretende regular;
b) Estatuição – segundo o mesmo autor, corresponde "quer à conduta que há-de obrigatoriamente
ser prosseguida quando, e se, a hipótese apresentada na previsão se concretizar, quer aos efeitos
jurídicos que são imputados a um evento, efeitos que se vão traduzir na atribuição de poderes ou
faculdades ou na imposição de deveres";
c) Sanção – nas palavras do mesmo autor, "é o resultado onerativo para o agente destinatário da
norma que lhe advém de ter tido um comportamento diverso daquele que se contém na estatuição,
daquele que é imposto pelo comando normativo“, ou seja, é a consequência da violação da
estatuição (no sentido mais corrente).

Carateres da norma jurídica em sentido estrito


1. Hipoteticidade: os efeitos jurídicos que estatui só se produzem se se verificarem os factos
previstos.
2. Generalidade: a norma jurídica aplica-se a uma categoria abstrata de pessoas.
as normas, enquanto definem as competências de um cargo ou
Generalidade vertical officium, dirigem-se a uma categoria de pessoas
as normas aplicam-se simultaneamente a todos os que estão
Generalidade horizontal
em certa situação.
3. Abstração: a norma jurídica aplica-se não a um caso concreto, mas a um número indeterminado
de situações subsumíveis à categoria prevista.
4. Outros apontados pela doutrina: imperatividade, violabilidade, bilateralidade/alteridade,
coercibilidade.

Norma jurídica em sentido lato


Norma em sentido estrito ou stricto sensu: é o elemento da ordem jurídica referido na definição
de direito apresentada: sistema de normas de conduta social assistido de proteção coativa. O
conteúdo do sistema jurídico é formado por normas em sentido estrito.

Norma em sentido lato ou lato sensu: corresponde ao elemento autónomo da forma por que
nos aparece a ordem jurídica, designadamente os textos legais.
Classificações da norma jurídica lato sensu:

Normas éticas Normas técnicas


• Em face de determinada situação deve seguir- • Dada uma determinada previsão, a conduta é um
se uma certa conduta. meio de realizar certo fim.
• Existe um dever. • Não se trata de um dever, mas de um ónus.
• O ato contrário é ilícito e implica uma sanção. • O ato contrário não é ilícito, mas acarreta apenas
• Ex.: art. 483º CC. uma sanção em sentido impróprio do termo (uma
desvantagem)
• Ex.: art. 413º CC.
Normas de estatuição material
• Projetam o seu comando sobre a vida social, Normas de estatuição jurídica
ou seja, a sua estatuição reporta-se a atos • Normas cujo conteúdo se esgota no plano jurídico.
dessa vida. • Estatui-se algo, mas sob a forma de consequência
• Ex.: art. 1323º CC. jurídica.
• Ex.: art. 130º CC.

Normas permissivas
Normas imperativas
Permitem ou autorizam certos comportamentos.
Impõem um dever, uma conduta. Subclassificam-se em:
Subclassificam-se em:
• Normas facultativas – permitem ou facultam certos
Normas precetivas Normas proibitivas
comportamentos, reconhecendo determinados poderes ou
Quando a conduta que Quando a conduta que
faculdades e deixando ao arbítrio do indivíduo praticar ou
impõem é uma ação, um impõem é uma omissão,
não esses atos.
facere. um non facere.
– Permissão pura (ex. art.: 1036º CC)
Ex.: art. 1347º CC. – Concessão de autonomia da vontade (ex.: art. 223º CC)
Ex.: art. 1320º, n.º 2 CC.
• Normas supletivas – só se aplicam aos negócios jurídicos
se as partes não tiverem excluído a sua aplicação ou não
Normas diretas Normas indiretas tiverem previsto o regime a aplicar (ex.: art. 772º CC)
• Normas interpretativas – esclarecem o sentido do trecho
São aquelas cujos destinatários São aquelas cujos destinatários
com valor jurídico
são intervenientes na vida são aqueles que pretendem
– Normas interp. da lei (ex.: art. 349º CC)
social. (Ex.: art. 406º CC) aplicar normas jurídicas e
– Normas interp. de negócios jurídicos (ex.: art. 2227º)
resolver problemas de direito.
(Ex.: art. 939º CC)

Normas autónomas Normas não autónomas Normas gerais Normas especiais


Podem produzir efeitos só Para produzir efeitos São aquelas que constituem São as que, em termos de
por si e contêm em si jurídicos, têm que se ligar o regime regra aplicável à concordância com as normas
valoração jurídica, a outras normas. Ex.: generalidade das situações gerais, regulam, de forma
imperativa ou permissiva. normas interpretativas, ou relações jurídicas de um particular, uma espécie de
Ex.: art. 1323º CC. normas remissivas. determinado tipo. situações ou relações jurídicas,
Ex.: art. 219º CC. tendo exatamente em conta
Normas excecionais particularidades que tipifiquem
tais relações. Ex.: normas de
São as que, em
Direito Comercial.
contradição com as
Normas universais Normas regionais
normas gerais,
disciplinam, um São aquelas que se São as que se aplicam apenas a Normas locais
setor restrito de aplicam a todo o uma certa fração do território São as que se aplicam
relações jurídicas território de um Estado. do Estado, em certa região. apenas a uma certa fração
Ex.: art. 875º CC. do território do Estado,
Obs.: v. art. 11º CC! em certa localidade.
Normas mais que Normas menos que
Normas imperfeitas perfeitas perfeitas
Normas perfeitas
A norma tem como A norma prevê uma
A sanção da norma é a A norma jurídica não
sanção a nulidade do ato sanção, mas esta não
nulidade do ato ou negócio implica qualquer
sanção. ou negócio jurídicos, consiste na nulidade do
jurídicos, sem atribuição de
sendo ainda atribuída ato ou negócio jurídicos.
pena ao sujeito.
uma pena ao sujeito.

3- Proteção coativa
• A coercibilidade consiste na possibilidade ou suscetibilidade de aplicar sanções, pela força se
necessário for, assegurada pelo aparelho estadual

• A proteção coativa, isto é, os meios adotados em defesa da ordem jurídica podem ser,
fundamentalmente, de duas espécies:

– Tais meios podem atuar antes de ocorrer a conduta que viola a estatuição da norma jurídica,
com o escopo de evitar essa violação Proteção preventiva

– Como podem igualmente esses meios atuar após a violação da norma, tendo então por principal
fim repor a situação como existia antes da violação e reprimir o agente violador (que, porque é
livre, é responsável) Proteção repressiva

– mas visando também, genericamente, os comportamentos contrários aos comandos


normativos Sanção coativa

Proteção repressiva: a sanção


A sanção (no seu sentido mais comum) é, tal como define Oliveira Ascensão, uma
consequência desfavorável normativamente prevista para o caso de violação de uma regra,
e pela qual se reforça a imperatividade desta.

Espécies:
a) sanções materiais – o aspeto mais relevante é a alteração da situação da vida social
b) sanções jurídicas – o aspeto mais relevante é a consequência imposta pela ordem jurídica;
projeta-se sempre primariamente no plano jurídico.

Sanções materiais
a) Sanções compulsórias
– Sanção pecuniária compulsória (art. 829.º-A)
– Direito de retenção (arts. 754.º e ss.)
– Cumprimento coativo (art. 828.º)
b) Reintegração ou sanções reconstitutivas
– Sanção material reintegradora por reconstituição natural
– Execução específica
– Sanção material reintegradora por equivalente ou sucedâneo pecuniário
c) Reparação ou sanções compensatórias
– Compensação por danos morais também designados por danos não patrimoniais (cfr. art.
496º do CC)
d) Sanções punitivas
– Criminais
– Civis
– Disciplinares
– Contraordenacionais

Sanções jurídicas
a) Inexistência jurídica: ocorre quando nem sequer aparentemente se verifica qualquer
materialidade de certo ato jurídico e neste caso nem sequer produz quaisquer efeitos, não havendo
sequer necessidade de um reconhecimento da sua invalidade.
b) Invalidade: o ato existe materialmente, mas sofre de um vício que conduz a que não produza os
efeitos jurídicos a que tende.
a) Nulidade
b) Anulabilidade
c) Ineficácia em sentido estrito: supõe que o ato não possui, segundo a lei, qualquer vício intrínseco,
mas não obedece a um requisito extrínseco, a algo exterior ao ato em si, tal como a lei o configura,
mas de que depende a sua eficácia. Nesse caso, o ato pode não produzir quaisquer efeitos ou apenas
parte dos seus efeitos jurídicos.

Nulidade (art. 286.º) Anulabilidade (art. 287.º)


• Opera ipso iure • Tutela o interesse particular
• Tutela o interesse público • O negócio anulável produz efeitos, embora
• O negócio nulo não produz efeitos ab initio precariamente, pois podem ser
• É arguível por qualquer interessado retroativamente destruídos se for invocada a
• A todo o tempo anulabilidade
• Pode ser oficiosamente declarada pelo • Para declarar a anulabilidade é necessário
tribunal recorrer a uma ação
• Não é confirmável • Por quem tenha legitimidade
• Art. 289.º • No prazo de um ano
• É consequência dos seguintes vícios: • É confirmável (art. 288.º)
– Vícios de forma • Art. 289.º
– Vícios do objeto • Decorre dos seguintes fatores:
– Falta de vontade – Incapacidade do agente
– Contrariedade à lei – Vícios da vontade

Proteção preventiva:
a) Medidas de segurança (arts. 91.º e ss. e 104.º e ss. do Código Penal)
b) Procedimentos cautelares (arts. 362.º e ss. do Código de Processo Civil)
c) Medidas de coação (arts. 196.º e ss. do Código de Processo Penal)
d) Inabilitação de autor de um determinado delito para o exercício de certa atividade ou profissão

Meios de tutela jurídica: justiça pública e justiça privada


Consoante a qualidade do seu agente protetor, a proteção coativa ou a tutela dos direitos pode ser:
Justiça Pública, "heterotutela" ou tutela pública do direito: a garantia direta opera pela força pública
do Estado, através dos tribunais, a isso solicitados por ato de um interessado (demanda), que dá
origem a um processo, no exercício do direito de ação (justiça pública)
Regra (art.1.º, 1.ª parte, Código de Processo Civil)
Justiça Privada, "autotutela" ou tutela privada do direito também designada por autodefesa e
“justiça pelas próprias mãos”: a garantia opera por ação do próprio titular do direito ameaçado,
ofendido ou violado que reage por sua força e autoridade contra tal ameaça, ofensa ou violação
(autodefesa, vindicta privata)
Exceção (art.1.º, 2.ª parte, do Código de Processo Civil)

Justiça Privada, Autotutela ou Tutela Privada do Direito (cfr. art. 1º, 2ª parte, do CPC)
a) Ação direta (art. 336.º do CC)
b) Legítima defesa (art. 337.º do CC)
c) Erro acerca dos respetivos pressupostos (art. 338.º do CC)
d) Estado de necessidade (art. 339.º do CC)

II - Fontes de Direito
Capitulo 1- Enunciação

Sentidos da expressão “fonte do direito”


• Sentido filosófico – emprega-se como significando o fundamento da obrigatoriedade das normas
jurídicas.

• Sentido sociológico – atende ao fator que determinou o aparecimento da norma e condicionou o


seu conteúdo.

• Sentido político ou orgânico – traduz os órgãos encarregados de emanar ou produzir as normas


jurídicas.

• Sentido instrumental – significa a sede material, o texto ou diploma legislativo que contem normas
jurídicas.

• Sentido técnico-jurídico ou formal – fontes do direito são os modos de formação e de revelação


das normas jurídicas.

Em sentido técnico-jurídico, as fontes do direito podem ser:

Fontes iuris essendi ou Fontes iuris cognoscendi ou


criadoras de normas reveladoras de normas
jurídicas jurídicas

Geram dinamicamente Dão a conhecer estaticamente


normas jurídicas normas jurídicas

– Lei – Jurisprudência
– Costume – Doutrina

Enumeração das fontes do Direito


Lei: É a norma jurídica decidida e imposta por uma autoridade com poder para o fazer na sociedade
política, constituindo, desse modo, uma norma jurídica de criação deliberada.
Costume: Traduz-se na norma jurídica criada através da prática repetida e habitual de uma conduta,
quando chega a ser encarada como obrigatória pela generalidade dos seus membros.

Jurisprudência (judicial): É o conjunto das orientações que, em matéria de determinação e


aplicação da lei, decorrem da atividade prática de aplicação do direito pelos órgãos da sociedade
com competência para o efeito (tribunais).

Doutrina: É a atividade de estudo teórico ou dogmático do direito reveladora de normas jurídicas.

Capitulo 2 – Lei

Lei: aspeto estático


Vide art. 1.º, n.º 1, do CC

A expressão lei pode entendida com vários sentidos, nomeadamente:

▪ Por vezes, a expressão lei é entendida como o conjunto dos princípios que regem todos os seres
humanos;
▪ Em sentido latíssimo, a expressão lei identifica-se com o Direito, ou seja, é toda e qualquer regra
jurídica;
▪ Em sentido lato, a expressão lei é entendida como norma jurídica criada de certa forma,
nomeadamente por decisão e imposição de uma autoridade com poder para o efeito, por oposição
ao costume;
▪ Em sentido intermédio, a expressão lei é entendida enquanto oposta a regulamentos;
▪ Em sentido estrito, reconduz-se apenas às leis emanadas da Assembleia da República por
oposição aos decretos-leis emanados do Governo.

O que caracteriza a lei como fonte de Direito Positivo?

1. Origem: a lei deriva direta e unilateralmente – é um ato jurídico unilateral – do Estado, é a sua
criação, emanação dos órgãos estatais / poder legislativo
2. Fim: destina-se a produzir Direito; é uma fonte voluntária, consciente, refletida; é um ato
intencionalmente dirigido a esse objetivo
3. Forma escrita
4. Forma solene

Lei material e lei formal

Lei material é aquela que possui um conteúdo normativo (isto é, que contém uma ou mais
normas gerais e abstratas), seja qual for a sua forma externa.
Lei formal é a que se reveste das formas destinadas por excelência ao exercício da função
legislativa do Estado, ou seja, a atividade exercida pelos órgãos aos quais a Constituição atribui
o poder legislativo, que são três:
1. Assembleia da República Leis
2. Governo Decretos-Leis
3. Assembleias Legislativas Regionais Decretos Legislativos Regionais

V. art. 112.º CRP


Hierarquia das Leis

Hierarquia das Leis: regras de resolução de conflitos


1. Regra da superioridade: as leis hierarquicamente inferiores não podem contrariar as leis
hierarquicamente superiores e a lei superior derroga a lei inferior;
2. Regra da posterioridade: a lei mais recente prevalece sobre a lei mais antiga;
3. Regra da especialidade: a lei especial prevalece sobre a lei geral, exceto se outra for a intenção
inequívoca do legislador.

Regulamentos – são normas jurídicas emanadas de uma autoridade administrativa sobre matéria
própria da sua competência, estatuindo dentro dos limites determinados pela lei ou para execução
desta (art. 112.º, n.º 7, CPR). Correspondem ao exercício do poder regulamentar que é legislativo só
em sentido amplo.

Lei: aspeto dinâmico


O processo legislativo, ou seja, o processo de elaboração de lei, comporta diversas fases ou
momentos fundamentais:
1. Elaboração (art. 167.º CRP)
2. Aprovação (art. 168.º CRP)
3. Promulgação (art. 134.º, al. b)) ou veto (art. 136.º CRP) / Referenda (art. 140.º, n.º 1 CRP)
4. Publicação (art. 119.º CRP; art. 5.º, n.º 1, CC; e art. 1.º Lei n.º 74/98, de 11 de novembro)
5. Entrada em vigor (art. 5.º, n.º 2, CC e Lei n.º 74/98, de 11 de novembro) Vacatio legis

Período de tempo que medeia entre publicação


e entrada em vigor da lei e que se destina a
permitir que os destinatários e aplicadores da
lei a conheçam e, consequentemente, adaptem
as suas condutas ao seu conteúdo

Cessação da vigência das leis


Leis temporárias
No conteúdo da lei consta a indicação do período de
a) Caducidade: há um limite temporal ínsito na tempo durante o qual estará em vigor ou a
própria norma: de maneira direta ou indireta, determinação de uma data limite para a sua vigência.
ela mesma marca o período da sua vigência,
de modo que, decorrido esse período, perde
valor, morre, sem que o legislador nada diga Leis transitórias
(art. 7.º, n.º 1, 1.ª parte, do CC) Impossibilidade factual da situação abstrata
desenhada na previsão.
Revogação expressa
Um preceito da nova lei designa uma lei anterior
e declara-a revogada (art. 7.º, n.º 2, 1.ª p., CC)

Revogação tácita
b) Revogação: traduz-se no afastamento da lei Não há revogação expressa, mas as normas da lei
por outra lei posterior, de valor hierárquico posterior são incompatíveis com as da anterior
igual ou superior (art. 7.º, n.º 1, 2.ª p., CC) (art. 7.º, n.º 2, 2.ª p., CC)

A ordem de prioridade
Revogação de sistema
não se define pela Tem lugar quando o legislador pretende que um
entrada em vigor, mas determinado diploma legal seja o único diploma
sim pela publicação. V. legal incidente sobre determinada matéria (art.
art. 7.º, n. os 3 e 4, CC 7.º, n.º 2, 3.ª p., CC)

Capitulo 3 - Outras fontes: costume, jurisprudência e doutrina

Noção de costume: é a observância geral, constante e uniforme de uma regra de conduta social,
acompanhada da convicção da sua obrigatoriedade por parte da opinião comum.

Requisitos do costume: ✓ Ação externa


✓ Geral
➢ Elemento material ou uso (corpus) ✓ Racional
✓ Duração
Opinio iuris vel
➢ Elemento psicológico ou convicção de obrigatoriedade (animus) necessitatis

Classificações do costume:

▪ Costume secundum legem – costume conforme com a lei (utilidade interpretativa)


▪ Costume praeter legem – costume que se acha para além da lei (utilidade para integração de
lacunas, embora não referido por art. 10.º)
▪ Costume contra legem – costume contrário à lei (não permitido, art. 7.º/1)

Noção de jurisprudência (judicial):


“conjunto das orientações que resultam da aplicação do direito a um caso concreto pelos órgãos
com competência para o efeito”

Freitas do Amaral considera que, em certos casos, jurisprudência pode ser considerada fonte iuris
essendi:
a) Nas decisões judiciais com força obrigatória geral que declarem a inconstitucionalidade ou a
ilegalidade de uma norma em vigor - fonte iuris essendi. V. art. 282.º, n.º1, da CRP.
b) Nas decisões judiciais com força obrigatória geral que uniformizem o modo de interpretação de
uma norma vigente, optando entre duas ou mais interpretações possíveis - fonte iuris cognoscendi.
c) Nas decisões judiciais com força obrigatória geral que uniformizem o modo de integração de
uma lacuna do ordenamento - fonte iuris essendi.
d) O mesmo se deve dizer das correntes jurisprudenciais uniformes: se forem meramente
interpretativas, serão fontes iuris cognoscendi; se forem integradoras, serão fontes iuris essendi.
Noção de doutrina:
“Conjunto das noções, teorias e opiniões, formuladas por escrito pelos teóricos da Ciência do
Direito (“jusperitos”, que são os professores de Direito, que ensinam, os escritores de Direito, que
investigam e publicam os resultados do seu estudo, e os jurisconsultos, que em pareceres técnicos
se pronunciam sobre a aplicação do Direito aos casos concretos da vida real), que dão a conhecer
aos juristas práticos (designadamente, os técnicos jurídicos da Administração Pública, os
profissionais do foro, os notários, conservadores, juristas de empresas, solicitadores, etc.), aos
estudantes e aos cidadãos comuns o conteúdo e significado de um certo ordenamento jurídico
(neste caso, a doutrina “transmite e informa” sobre o Direito vigente), e influenciam os Poderes
legislativo (a doutrina é ouvida na maior parte das reformas legislativas) e judicial (a doutrina
pronuncia-se sobre a melhor forma de aplicar o Direito aos casos concretos) no exercício das
respectivas funções.”
- Freitas do Amaral

No nosso ordenamento jurídico atual, a doutrina é tendencialmente considerada uma fonte iuris
cognoscendi. No entanto, Freitas do Amaral aponta três situações em que a doutrina funciona
como fonte iuris essendi:
a) A elaboração de “princípios gerais de Direito”;
b) A decisão legislativa ou judicial-normativa tomada por uma mera remissão para um texto
doutrinal;
c) A doutrina, ou Ciência do Direito, como fonte integradora de conceitos utilizados pela lei, mas
não definidos por ela (integração de conceitos jurídicos puros).

III - Relação Jurídica


É toda a relação da vida social disciplinada pelo direito e que consiste na atribuição a um sujeito
de um direito subjetivo e na adstrição de outro sujeito a uma vinculação jurídica.

Lado Ativo Lado Passivo

Direito subjetivo propriamente dito Dever jurídico (norma cria uma


necessidade de realizar certa conduta
ativa ou passiva)

Direitos relativos (direitos de Dever cívico


crédito)
Direitos absolutos (direitos reais
e direitos de personalidade) Obrigação passiva universal

Sujeição (submissão às alterações que a


Direito potestativo vontade do sujeito ativo haja produzido
na esfera jurídica o sujeito passivo)

IV – Ramos do Direito
Direito Internacional: é o direito que regula as relações interestaduais,
Direito objetivo isto é, entre Estados e/ou outras entidades equiparadas a Estados.
Direito interno: é o direito que regula as relações intraestaduais, isto é,
dentro de um Estado. Direito Constitucional
Direito Administrativo
Direito Financeiro
Público Direito das Obrigações Direito Fiscal
Direito interno Direito das Coisas Direito Penal
Comum - Direito Civil Direito da Família Direito Processual
Privado Direito das Sucessões
Direito Comercial
Especial
Direito do Trabalho
Direito Publico Direito Privado
Respeita às relações estabelecidas entre os Respeita às relações entre particulares,
particulares e o Estado ou outros entes fundadas na igualdade jurídica, na liberdade
públicos, sendo igualmente o direito interno ou autonomia.
do Estado, da sua orgânica, em que são
dominantes os interesses públicos, e que se
fundam em relações de autoridade, de
disparidade e de heteronomia.

1. Critério ou teoria dos interesses


Serão normas de Direito Público as normas Serão normas de Direito Privado aquelas que
que tutelam ou prosseguem um interesse visam tutelar ou satisfazer interesses
público. individuais.

2. Critério ou teoria da posição de supraordenação (supremacia) e infraordenação


(subordinação) ou da natureza do sujeito da relação jurídica
O Direito Público disciplinaria as relações entre O Direito Privado regularia as relações entre
entidades que estão numa posição de entidades numa posição relativa de igualdade
supremacia e subordinação, ou seja, tratar-se- ou equivalência, ou seja, as normas que
ia das normas dirigidas ao Estado ou a outras visassem os particulares.
pessoas a ele equiparadas.

3. Critério ou teoria dos sujeitos ou da qualidade dos sujeitos da relação jurídica


O Direito Público é constituído pelas normas Direito Privado é o que regula as relações
que estruturam o Estado ou outros entes estabelecidas entre particulares, ou entre
públicos dotadas de prerrogativas de particulares e o Estado, ou outros entes
autoridade ou disciplinam as relações desses públicos, mas intervindo o Estado ou outros
entes munidos de ius imperii entre si ou com entes públicos em veste de particular, isto é,
os particulares. desprovidos de ius imperii, de poder
soberano ou poder de autoridade.

V – Interpretação e aplicação da lei


Capítulo 1 - Interpretação da lei

Noção: é a investigação intelectual para determinação ou fixação do exato sentido e alcance da lei,
com vista à sua aplicação (art. 9.º CC).
Esta atividade interpretativa deve obedecer a um conjunto de regras que se denomina técnica ou
método de interpretação ou ainda hermenêutica, por forma a evitar o casuísmo ou arbítrio do
julgador.
Esta atividade passa, em primeira linha, pela análise da construção literária das palavras que
compõem a norma; mas também pela procura da vontade e pensamento do seu órgão criador; e não
se pode olvidar que a norma se integra num conjunto de normas e perde a individualidade.
Classificações da interpretação
I - Classificação quanto ao agente ou quanto à sua fonte e valor

1. Interpretação legal: feita pelo legislador, mediante a chamada “lei interpretativa”. V. art. 13.º CC.
▪ Interpretação autêntica: realizada por uma lei interpretativa de valor hierárquico igual ou superior
à lei interpretada; tem força obrigatória geral.
▪ Interpretação oficial: realizada por lei interpretativa de inferior valor hierárquico; tem valor
vinculativo restrito à cadeia hierárquica subordinada ao órgão criador da lei interpretativa.
2. Interpretação judicial, prática ou jurisprudencial: realizada por entidade com funções judiciais, que
aplica a lei aos casos concretos para tal efeito submetidos à sua apreciação; a sua força vinculativa
circunscreve-se ao caso concreto a que a lei se aplicou.
3. Interpretação doutrinal, teórica ou particular: aquela cujo agente não é legislador nem atua no
decurso de função judicial; tem mero valor persuasivo, em função do prestígio do intérprete seu
autor, da sua lógica argumentativa, da exatidão dos princípios em que se baseie ou da razão que
demonstre ter.

II - Classificação quanto aos elementos da interpretação


1. Interpretação literal, gramatical ou filológica: debruça-se sobre a letra da lei para encontrar o
espírito da lei. Tem duas funções: i) negativa, que afasta a interpretação que não tenha uma base de
apoio na letra da lei; ii) positiva, que privilegia sucessivamente, de entre os vários significados
possíveis, o técnico-jurídico, o especial e o fixado pelo uso geral da linguagem.
2. Interpretação lógica, racional ou teleológica: procura conhecer a ratio legis, ou seja, a razão de ser
da lei, o fim da lei ou a finalidade que o legislador pretende atingir.
3. Interpretação histórica: reporta-se aos antecedentes da lei interpretanda (história do direito,
fontes da lei, trabalhos preparatórios, preâmbulo da lei, occasio legis).
4. Interpretação sistemática: interpreta a lei com conhecimento das grandes linhas que caracterizam
o Direito em que se insere, ou seja, enquadrando-a no sistema e tendo em consideração as
disposições que com a lei a interpretar se relacionam (normas contíguas ou não contíguas).

III - Classificação quanto aos resultados


1. Interpretação declarativa: conduz à constatação de coincidência entre a letra e o espírito da lei.
Pode ser lata ou restrita.
2. Interpretação extensiva: conduz à conclusão de que a letra se situa aquém do espírito da lei, pelo
que o intérprete estende a letra da lei até que ela se dimensione ajustadamente ao âmbito do
espírito da lei.
3. Interpretação restritiva: conclui que a letra da lei foi além do espírito da lei, pelo que o intérprete
restringirá o sentido da letra da lei acomodando-o ao espírito da lei.
4. Interpretação revogatória ou abrogante: conclui que a lei mais recente revogou a lei interpretanda.
5. Interpretação enunciativa: o intérprete extrai certas ilações, que não se encontram expressas na
lei mas que, ao abrigo de princípios lógicos fundamentais, hão-de nela estar implícitas.

IV - Outras classificações

1. Interpretação subjetivista: visa perceber o sentido e alcance da lei que se interpreta pela
reconstituição do pensamento concreto do legislador; busca descortinar a mens legislatoris. Logo, a
lei deve valer com o sentido que foi querido pelo legislador.
2. Interpretação objetivista: visa fixar o sentido e alcance da lei desligando-a do seu agente criador,
ou seja, procura a mens legis. Assim, abdica-se da vontade real do legislador, devendo a lei valer com
o sentido mais razoável que o seu texto inculque no espírito do intérprete.
3. lnterpretação histórica: procura reconstituir o sentido e o alcance que a lei coerentemente teria
no momento histórico da sua elaboração e entrada em vigor, face aos circunstancialismos então
existentes, valorizando a occasio legis.
4. Interpretação atualista: pretende captar o sentido e alcance que a lei tem no momento da sua
aplicação a cada caso concreto.

Capítulo II - Integração da lei

Integração de Lacunas da lei (art. 10.º do CC)

a) Analogia: “há analogia sempre que no caso omisso procedam as razões justificativas da
regulamentação do caso previsto na lei” (art. 10º, n.º3, CC), ou seja, sempre que a razão de decidir
no caso omisso e no caso previsto seja a mesma.

b) Criação de um preceito conforme ao sistema: se o método analógico não for possível, “a situação
é resolvida segundo a norma que o próprio intérprete criaria, se houvesse de legislar dentro do
espírito do sistema” (art. 10.º, n.º3).

Capítulo III Aplicação da lei

I. Aplicação da lei no tempo

É possível suceder que duas ou mais leis concorram na sua aplicabilidade a um caso concreto (por
exemplo, uma lei encontrava-se em vigor no momento em que o caso acontece, no tempo em que
o facto foi praticado, e foi entretanto revogada ou caducou; outra lei está em vigor no instante em
que o julgador decide), pelo que se coloca a questão de saber qual das leis deverá ser aplicada.

a) Por vezes, o legislador prescreve expressamente as regras que vão regular a aplicação temporal
da nova lei (direito ou disposições transitórias).

b) Podem igualmente aplicar-se regras gerais que constituem critérios próprios de certos ramos do
direito (v.g. Direito Processual, Direito Penal e Direito Fiscal)

c) Art. 12.º, n.º 1, CC – a “lei nova só dispõe para o futuro; ainda que lhe seja atribuída eficácia
retroactiva, presume-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se
destine regular” - Princípio da não retroatividade da lei

d) Art. 12.º, n.º 2, CC • A lei que se destina a regular as condições de validade substancial ou formal
de quaisquer factos ou sobre os seus efeitos só se aplica aos novos factos, ou seja, aos factos que
venham a ocorrer após a sua entrada em vigor. • A lei que se refere diretamente ao conteúdo de
certas relações jurídicas, isto é, reguladora de direitos e deveres de que são titulares os respetivos
sujeitos aplica-se não só às relações jurídicas que depois se constituam, mas também às relações já
constituídas.

e) Art. 13.º CC
II. Aplicação da lei no espaço
(Normas de conflitos – arts. 25.º ss. CC; Convenções Internacionais; Regulamentos UE)

1. Personalidade e capacidade: é aplicável a lei da nacionalidade dos indivíduos (arts. 25.º a 34.º)

2. Negócios jurídicos: em relação à forma, é aplicável a lei do lugar; em relação à substância, depende
da sua natureza (arts. 35.º a 40.º)

3. Obrigações: é aplicável a lei que os sujeitos tenham designado, se resultarem de negócios jurídicos
(arts. 41.º a 45.º)

4. Coisas: o regime da posse, da propriedade e dos outros direitos reais é definido pela lei do Estado
em cujo território as coisas se encontram situadas (arts. 46.º a 48.º)

5. Família: as relações conjugais são reguladas, sucessivamente, pelas leis da nacionalidade comum,
da residência habitual comum ou do país a que a vida familiar se ache mais estreitamente ligada,
respetivamente se os cônjuges tiverem a mesma nacionalidade, residência habitual comum ou nem
aquela nem esta. Às relações entre pais e filhos aplicar-se-ão, sucessivamente, a lei nacional comum
dos pais, a lei da sua residência a habitual comum ou residirem habitualmente em Estados diferentes
(arts. 52.º a 57.º)

6. Sucessões: aplica-se a lei pessoal do de cujus ao tempo do seu falecimento (arts. 62.º a 65.º)

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