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Gustavo da Rocha Schmidt
Professor da FGV Direito Rio. Visiting Scholar na University of Miami Law School. Doutorando em
Direito da Regulação pela FGV Direito Rio. Master of Laws pela New York University of Law. Mestre
em Direito da Regulação pela FGV Direito Rio. Presidente do Centro Brasileiro de Mediação e
Arbitragem – CBMA. Presidente da Revista Brasileira de Alternative Dispute Resolution – RBADR.
Membro efetivo do Instituto dos Advogados do Brasil – IAB. Advogado. Árbitro. Sócio fundador
de Schmidt – Lourenço – Kingston. Procurador do Município do Rio de Janeiro. E-mail: gustavo.
schmidt@slk.adv.br.
1 Introdução
É fenômeno relativamente recente, no campo do Direito Administrativo, o
estudo do erro do gestor público. Até porque, ao menos até a entrada em vigor
da Constituição de 1988, a penalização do administrador estatal, por eventuais
ilícitos, era algo raro e excepcional. Equívocos administrativos, na prática, não
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geravam maiores consequências para aqueles que nele incidiam. Já dizia Hely
Lopes Meirelles, em seu clássico “Direito Municipal Brasileiro”:
1 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito municipal brasileiro. 9. ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 572-574.
2 Vale conferir, a propósito, os arts. 70 a 75 e 127 a 130, todos da Constituição Federal.
3 Veja-se, a respeito do papel do Ministério Público, das prerrogativas e dos princípios institucionais que norteiam a
atuação dos integrantes da carreira: MAZZILLI, Hugo Nigro. Manual do promotor de justiça. 2. ed. ampl. e atual. São
Paulo: Saraiva, 1991, p. 41-57 e 71-87.
4 Sobre as competências e prerrogativas do TCU, vide: CAMPELO, Valmir. O tribunal de contas no ordenamento jurídico
brasileiro. Revista do Tribunal de Contas do Distrito Federal, Brasília-DF, vol. 29, 2003, p. 83-94.
5 FRANCE, Guilherme de Jesus. A evolução da legislação brasileira contra a corrupção. In: MOHALLEM, Michael Freitas;
RAGAZZO, Carlos Emmanuel Joppert (Coord.). Diagnóstico institucional: primeiros passos para um plano nacional
anticorrupção. Rio de Janeiro: Escola de Direito do Rio de Janeiro da Fundação Getulio Vargas, 2017.
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6 Sobre o tema: SANTOS, Rodrigo Valgas dos. Direito administrativo do medo: risco e fuga da responsabilização dos
agentes públicos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2020; MOTTA, Fabrício; NOHARA, Irene. LINDB no direito público:
Lei 13.655/2018. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2019.
7 JURUENA, Marcos apud BINENBOJM, Gustavo; CYRINO, André. O art. 28 da LINDB: A cláusula geral do erro
administrativo. In: Revista de Direito Administrativo, Edição Especial: Direito público na lei de introdução às normas
do direito brasileiro – LINDB (Lei nº 13.655/2018), nov. 2018, p. 206.
8 Vide, a título ilustrativo, nota publicada por mais de 30 (trinta) catedráticos, advogados e magistrados aposentados
do STJ, em defesa da aprovação do PL 2.505/2021, ao argumento de que seriam “inúmeros os prefeitos, governadores,
secretários, procuradores e servidores públicos processados por supostos atosde improbidade administrativa em
tese, sem terem cometido qualquer ato irregular e muitas vezes sem haver nem mesmo acusação formal de desvio
de valores”. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/arquivos/2021/9/99CAB3718E8FDC_nota-improbidade-
administrativ.pdf. Acesso em: 05 ago. 2022.
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9 BEVILÁCQUA, Clóvis. Teoria geral do direito civil. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves, 1955, p. 201; PONTES DE
MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado. Tomo I. Rio de Janeiro: Borsoi, 1970, p. 144; GOMES,
Orlando. Introdução ao direito civil. 20. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 325; AMARAL, Francisco. Direito civil –
Introdução. 7. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 508; BATALHA, Wilson de Souza Campos. Defeitos dos negócios
jurídicos. Rio de Janeiro: Forense, 1988, p. 90; LOPES, Miguel Maria de Serpa. Curso de direito civil. Vol. 1. 7. ed. Rio de
Janeiro: Freitas Bastos, 1989, p. 389.
10 GOMES, Luiz Flávio. Erro de tipo e erro de proibição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994; BITENCOURT, Cezar
Roberto. Manual de direito penal: parte geral. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 48.
11 Por todos, veja-se: CARVALHO, Paulo de Barros. Erro de fato e erro de direito na teoria do lançamento tributário.
Revista de Direito Tributário, n. 73, 1998, p. 5-15.
12 “Quanto ao erro, o consentimento, que pré-elidiria a contrariedade a direito, o pré-exclui: o consentimento fundado
em erro não é, no mundo fáctico, consentimento, mas simples aparência; de anulabilidade somente se poderia
cogitar se o suporte fáctico, embora deficiente, houvesse entrado no mundo jurídico, e isso não se deu. O mesmo
raciocínio há de ser feito quanto aos outros vícios de vontade” (PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado
de direito privado. Tomo II. Rio de Janeiro: Borsoi, 1970, p. 349).
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Art. 88. Tem-se igualmente por erro substancial o que disser respeito a
qualidades essenciais da pessoa, a quem se refira a declaração de vontade.
Art. 90. Só vicia o ato a falsa, causa, quando expressa como razão determinante
ou sob forma de condição.
O Código Penal, por sua vez, preconiza que o erro é causa de exclusão da
tipicidade (erro de tipo14) ou da culpabilidade (erro de proibição15), conforme
arts. 20 e 21:
13 O Código Civil de 2002 manteve, em linhas gerais, o tratamento que a legislação pretéria deu ao tema. Nesse sentido,
estabelecem os arts. 138 a 144 do diploma civil em vigor: “Art. 138. São anuláveis os negócios jurídicos, quando as
declarações de vontade emanarem de erro substancial que poderia ser percebido por pessoa de diligência normal,
em face das circunstâncias do negócio”; “Art. 139. O erro é substancial quando: I – interessa à natureza do negócio, ao
objeto principal da declaração, ou a alguma das qualidades a ele essenciais; II – concerne à identidade ou à qualidade
essencial da pessoa a quem se refira a declaração de vontade, desde que tenha influído nesta de modo relevante;
III – sendo de direito e não implicando recusa à aplicação da lei, for o motivo único ou principal do negócio jurídico”;
“Art. 140. O falso motivo só vicia a declaração de vontade quando expresso como razão determinante”; “Art. 141. A
transmissão errônea da vontade por meios interpostos é anulável nos mesmos casos em que o é a declaração direta”;
“Art. 142. O erro de indicação da pessoa ou da coisa, a que se referir a declaração de vontade, não viciará o negócio
quando, por seu contexto e pelas circunstâncias, se puder identificar a coisa ou pessoa cogitada”; “Art. 143. O erro de
cálculo apenas autoriza a retificação da declaração de vontade”; “Art. 144. O erro não prejudica a validade do negócio
jurídico quando a pessoa, a quem a manifestação de vontade se dirige, se oferecer para executá-la na conformidade
da vontade real do manifestante”.
14 Sobre o assunto, veja-se: GARCIA, Basileu. Instituições de direito penal. V. 1, Tomo I. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 388-389.
15 Vide, a propósito: NORONHA, Edgard Magalhães. Direito penal. São Paulo: Saraiva, 1989, p. 150.
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16 BEVILÁQUA, Clóvis. Teoria geral do direito civil. Campinas: Servanda, 2007, p. 298-299.
17 GOMES, Orlando. Op. cit., p. 325.
18 No direito tributário: “O firme entendimento desta Corte Superior é no sentido de que erro de direito ou a alteração de
critério jurídico não autoriza a revisão do lançamento, mantendo-se o vigor do enunciado sumular n. 227, do extinto
TFR, que assim dispõe: ‘A mudança de critério jurídico adotado pelo Fisco não autoriza a revisão de lançamento’.
Ocorre, contudo, que a Corte de origem firmou o cabimento da revisão do lançamento, por configurado erro de fato”
(STJ, AgInt no REsp n. 1.919.181/GO, relator Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, julgado em 16/8/2021, DJe de
18/8/2021).
19 No direito processual civil: “A suscitada inaplicabilidade ao caso dos precedentes utilizados pelo acórdão rescindendo
não caracteriza erro de fato, mas apenas hipotético erro de direito, o que não é suficiente para fundamentar o
cabimento da rescisória com base no art. 485, IX, do CPC/1973” (STJ, AR n. 5.609/DF, relator Ministro Og Fernandes,
Primeira Seção, julgado em 27/11/2019, DJe de 10/12/2019). Em sentido semelhante, no campo doutrinário, leciona
Sérgio Rizzi: “Dessas exigências (para a configuração do erro de fato) a primeira circunscreve o objeto do erro ao (s)
fato (s). A contrario sensu, o erro de direito não autoriza a ação rescisória sob este fundamento. O erro no art. 485, IX,
não é error iuris, mas só error facti” (RIZZI, Sérgio. Ação rescisória. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1979, p. 119).
20 No processo penal: “HABEAS CORPUS. PEDIDO DE REVISÃO CRIMINAL IMPROCEDENTE. 1 – A finalidade precípua
da revisão criminal é a correção de erros de fato ou de direito acaso verificados em processos já findos. Assim, em
princípio afasta-se a estreita via do habeas corpus para exame de pedido revisional julgado improcedente, dado
que a prova da ilegalidade deve ser feita de forma cabal e pré-constituída, circunstância não ocorrente porque não
articulada qualquer afronta a uma das hipóteses do art. 621 do CPP. 2 – Ordem denegada” (STJ, HC n. 6.393/PB, relator
Ministro Fernando Gonçalves, Sexta Turma, julgado em 17/8/1999, DJ de 6/9/1999).
21 É verdade que, na seara do direito penal, há quem sustente, como Cezar Roberto Bitencourt, que “o erro jurídico-
penal, independentemente de recair sobre situações fáticas ou jurídicas, quando inevitável, será relevante. Não há, na
verdade, coincidência entre os velhos e os novos conceitos. Mudou toda a sistemática. A ultrapassada classificação
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O erro de proibição pode ser traduzido como aquele no qual incide o agente
que, por falso conhecimento ou desconhecimento, não tem possibilidade de
verificar que o comportamento é ilícito, sendo inevitável tal situação. Portanto
exige dois elementos: a inevitabilidade e a impossibilidade do conhecimento
sobre a ilicitude do fato. Trata-se, portanto, de um erro sobre a ilicitude do fato,
através do qual o agente supõe lícita a ação cometida.22
de erro de direito e erro de fato baseava-se na situação jurídica e na situação fática. A problemática, hoje, é diferente;
enfoca-se outra questão: a tipicidade e a antijuridicidade (ilicitude). Ou seja, o erro pode recair sobre a tipicidade ou
sobre a injuricidade” (BITENCOURT, Cezar Roberto. Op. cit., p. 48). Complementa Luiz Flavio Gomes que, “[c]omo
ambas essas formas de erro são igualmente relevantes para o Direito Penal, a antiga antinomia que se criara entre
elas cede lugar a uma distinção puramente conceitual, da qual não se podem extrair efeitos jurídicos opostos – a
escusabilidade de uma e a inescusabilidade de outra. O certo será dizer-se que ambas podem, ou não, ser escusáveis,
dentro de certos critérios” (GOMES, Luiz Flávio. Op. cit., p. 19).
22 NORONHA, Edgard Magalhães. Op. cit., p. 150.
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3 O erro administrativo
O erro, na perspectiva do administrador público, pode ser encarado como
uma incompleta ou imperfeita percepção da realidade (fática ou jurídica) que
induz o agente público à tomada de uma decisão distinta daquela que teria
adotado, se tivesse perfeita ciência dos fatos ou do direito aplicável. Pode ser
exemplificado com a realização de uma obra emergencial para a contenção de
encosta, sem a realização de prévia licitação (art. 75, VIII, da Lei de Licitações27),
sob a premissa fática (pois, erro de fato) de que havia o risco iminente de
desmoronamento, premissa essa que se revelou posteriormente incorreta, tendo
estudos subsequentes demonstrado que a encosta era mais sólida do que se
supunha.
Já um exemplo de erro administrativo de direito estaria na contratação,
pelo ente estatal, para a prestação de serviços de limpeza predial, de entidade
23 DIONISIO, Pedro de Hollanda. O direito ao erro do administrador público no Brasil: contexto, fundamento e
parâmetros. Rio de Janeiro: GZ, 2019.
24 BINENBOJM, Gustavo; CYRINO, André. Op. cit., p. 203–224.
25 BINENBOJM, Gustavo; CYRINO, André. Op. cit., p. 203–224.
26 LEAL, Fernando. A cláusula geral do erro administrativo e o dever de precaução. A&C – Revista de Direito Administrativo
& Constitucional, Belo Horizonte, ano 21, n. 84, p. 109-146, abr. /jun. 2021. DOI: 10.21056/aec.v21i84.1535.
27 “Art. 75. É dispensável a licitação: (...) VIII – nos casos de emergência ou de calamidade pública, quando caracterizada
urgência de atendimento de situação que possa ocasionar prejuízo ou comprometer a continuidade dos serviços
públicos ou a segurança de pessoas, obras, serviços, equipamentos e outros bens, públicos ou particulares, e somente
para aquisição dos bens necessários ao atendimento da situação emergencial ou calamitosa e para as parcelas
de obras e serviços que possam ser concluídas no prazo máximo de 1 (um) ano, contado da data de ocorrência da
emergência ou da calamidade, vedadas a prorrogação dos respectivos contratos e a recontratação de empresa já
contratada com base no disposto neste inciso”.
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Só erra quem se propõe a acertar. Do bom gestor espera-se que tente, inove,
tome decisões e cometa erros, até que consiga acertar (...) Não se pode ignorar,
como bem leciona Fernando Leal, que ‘o administrador público... nem sempre
decide sob condições de certeza a respeito dos efeitos que as suas escolhas
produzirão na realidade ou é capaz de reunir as informações necessárias para
privilegiar uma decisão ótima sem incorrer em custos muito altos ou mesmo
proibitivos’.
Mais do que isso, o gestor toma dezenas de decisões diariamente. Obviamente,
vai errar em algum momento. É o que dele se espera. Inovar pressupõe a
assunção de riscos. Exige tentativas e experimentalismo.29
28 TCU, Processo nº TC 000.728/98-5, Decisão nº 30/00, relator Ministro Guilherme Palmeira, Plenário, julgado em 26/1/00,
DOU de 4/2/00. No mesmo sentido, dentre tantos outros: TCU, Decisão nº346/99, relator Ministro Lincoln Magalhães
da Rocha, DOU de 22.06.99.
29 SCHMIDT, Gustavo da Rocha. Estímulos persecutórios excessivos: uma reflexão sobre a lei de improbidade administra
tiva. In: Migalhas, 23 de julho de 2021. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/arquivos/2021/6/7840FDF4E3BBA3_
Estimulospersecutoriosexcessiv.pdf. Acesso em: 05 ago. 2022.
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30 Como bem anota Fernado Leal, a “definição de erro de fato proposta por Dionísio parte de um descompasso entre
as crenças do administrador sobre a realidade e essa tal qual se apresenta ou se apresentava efetivamente. O erro,
portanto, decorreria da ignorância ou do conhecimento imperfeito de fatos presentes ou pretéritos que informam ou
informaram uma decisão administrativa. Essas referências temporais, no entanto, não devem excluir a possibilidade
de erro quando a tomada de decisão erguer a pretensão de se justificar sobre os efeitos que pode vir a produzir.
Equívocos sobre projeções imperfeitas do futuro também não devem ser desprezados. Nesse âmbito, o que está em
aberto é a possível caracterização de erros decorrentes de prognósticos como erros decisórios capazes de produzir
efeitos jurídicos sobre o administrador” (LEAL, Fernando. Op. cit., p. 119).
31 DIONISIO, Pedro de Hollanda. Op. cit.
32 BINENBOJM, Gustavo; CYRINO, André. Op. cit., p. 206.
33 BINENBOJM, Gustavo; CYRINO, André. Op. cit., p. 206.
34 BINENBOJM, Gustavo; CYRINO, André. Op. cit., p. 206.
35 DIONISIO, Pedro de Hollanda. Op. cit., p. 115-153.
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36 Não se ignora que o Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Medida Cautelar na Ação Direta de Incons
titucionalidade nº 6.427, conferiu “interpretação conforme a Constituição ao art. 1º da MP 966/2020, para explicitar
que, para os fins de tal dispositivo, a autoridade a quem compete decidir deve exigir que a opinião técnica trate
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Mais do que isso, ocupou-se o referido ato normativo, em seu art. 3º, de
tentar oferecer alguns parâmetros para a aferição casuística da existência de erro
grosseiro:
(...)
6. O agente público, hoje, para salvaguardar vidas e combater os efeitos
econômicos e fiscais da população brasileira se vê diante de medidas que
terão impactos fiscais extraordinários para as futuras gerações, de compra de
equipamentos por preços que, em situação normal, não se julgaria ideal, de
flexibilizações na interpretação de regras orçamentárias que antes pareciam
expressamente: (i) das normas e critérios científicos e técnicos aplicáveis à matéria, tal como estabelecidos
por organizações e entidades internacional e nacionalmente reconhecidas; e (ii) da observância dos princípios
constitucionais da precaução e da prevenção”. Na ocasião, no entanto, também consignou o Min. Luís Roberto
Barroso, no voto condutor, que o julgamento em questão ficaria restrito à MP nº 966/2020, sem que fosse examinada
a constitucionalidade do art. 28 da LINDB. Antecipou o Ministro, a propósito, apenas o seguinte: “deixo de me
manifestar, por ora, sobre a complexa questão, que também decorre da LINDB (e de seu decreto regulamentador
por arrastamento), de saber se é possível limitar a responsabilidade dos agentes públicos em geral aos casos de erro
grosseiro ou de dolo e, portanto, excluir sua responsabilidade na situação de culpa simples ou de erro escusável, que
é o objeto da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro. A questão envolve, de um lado, uma leitura do alcance
do princípio republicano e do art. 37, § 6º, CF; e, de outro lado, uma compreensão aprofundada sobre as circunstâncias
e particularidades do processo decisório dos agentes públicos em situações de incerteza, urgência e assimetria de
informações, bem como dos problemas relacionados ao exercício do poder de controle sobre tais autoridades. Já
adianto que há duas coisas muito ruins para a administração pública e o bem comum: de um lado, administradores
incorretos e, de outro, administradores corretos que têm medo de decidir o que precisa ser decidido, por temor de
retaliações futuras” (STF, ADI 6421 MC, relator Ministro Roberto Barroso, Tribunal Pleno, julgado em 21/5/2020, DJe de
12/11/2020).
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É verdade que a aludida Medida Provisória não foi convertida em lei, tendo
o seu prazo constitucional de vigência expirado em 10 de setembro de 2020.38
Ainda assim, ali surgiram (ou ao menos receberam reforço) alguns importantes
parâmetros para a aferição da prática de erro grosseiro, quer com relação à sua
conceituação, quer com relação às circunstâncias que ajudam a identificá-lo no
caso concreto.
Erro grosseiro é aquele equívoco, fruto de uma imperfeita ou inexata
percepção da realidade, que qualquer um identificaria, nas circunstâncias
vivenciadas pelo agente público. Deriva de culpa grave, fruto da ausência de
adoção de cautelas mínimas na prática de determinado ato, traduzindo-se em
um elevado grau de negligência, imprudência ou imperícia. Há que ser aferido
casuisticamente, com um olhar pragmático,39 considerando a complexidade da
matéria, a urgência da decisão, as informações disponíveis, as circunstâncias
práticas e concretas envolvidas no caso e o nível de incerteza existente. Tem
perfeita aplicação aqui o art. 20 da LINDB, que assim estatui:
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40 SUNDFELD, Carlos Ari. Direito administrativo para céticos. 2. ed. São Paulo: Direito GV/ Malheiros, 2014, p. 79.
41 STF, ADI 6421 MC, relator Ministro Roberto Barroso, Tribunal Pleno, julgado em 21/5/2020, DJe de 12/11/2020.
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A decisão pode ter tido a melhor das intenções: de assegurar que, no bojo
de uma emergência sanitária global, o Governo Federal respeitasse os protocolos
sanitários fixados pelos organismos internacionais e o conhecimento técnico
já produzido sobre o assunto. Reconhece-se, ainda, que os efeitos dela podem
eventualmente ter sido amplamente benéficos no combate à pandemia da
Covid-19. Ainda assim, considerar, de antemão, num típico cenário de incerteza
radical (que era o caso), que é erro grosseiro a inobservância dos princípios da
precaução e da prevenção, no âmbito do direito à saúde pública, conforme a
tese fixada pelo STF, poderia ter servido de argumento, em sentido oposto ao
pretendido, para inviabilizar a distribuição de vacinas, já que, em um momento
inicial, havia dúvidas genuínas quanto à eficácia delas e mesmo quanto aos riscos
que representavam para quem recebeu a sua aplicação.
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III – revelar fato ou circunstância de que tem ciência em razão das atribuições
e que deva permanecer em segredo;
IV – negar publicidade aos atos oficiais;
V – frustrar a licitude de concurso público;
VI – deixar de prestar contas quando esteja obrigado a fazê-lo; VII - revelar
ou permitir que chegue ao conhecimento de terceiro, antes da respectiva
divulgação oficial, teor de medida política ou econômica capaz de afetar o
preço de mercadoria, bem ou serviço;
VIII – descumprir as normas relativas à celebração, fiscalização e aprovação
de contas de parcerias firmadas pela administração pública com entidades
privadas;
IX – deixar de cumprir a exigência de requisitos de acessibilidade previstos na
legislação;
X – transferir recurso a entidade privada, em razão da prestação de serviços na
área de saúde sem a prévia celebração de contrato, convênio ou instrumento
congênere, nos termos do parágrafo único do art. 24 da Lei nº 8.080, de 19 de
setembro de 1990.
45 “Observe-se que, apesar da LIA, em sua redação original, somente permitir, excepcionalmente, responsabilidade a
título culposo nas condutas definidas em seu artigo 10, o legislador pretendeu reafirmar a necessidade do elemento
subjetivo – DOLO – também nos artigos 9º e 11 – que sempre foram tipos eminentemente dolosos –, incluindo as
expressões ‘mediante a prática de ato doloso’ e ‘ação ou omissão dolosa’, respectivamente. A ratio desse reforço
legislativo foi reafirmar a total impossibilidade de responsabilização objetiva por ato de improbidade administrativa
em qualquer de suas condutas, bem como a inexistência de atos de improbidade administrativa culposos nos artigos
9º e 11. A necessidade de apontar os fatos e imputações de cada um dos réus, mesmo que não se exija a mesma
rigidez de tipicidade do campo do Direito Penal, sempre foi exigência legal, pois não há responsabilidade objetiva que
possibilite as sanções da Lei de Improbidade Administrativa, devendo ser demonstrado o elemento subjetivo do tipo,
ou seja, o dolo, e, anteriormente à nova lei, excepcionalmente, em condutas do art. 10, o elemento normativo culpa”
(STF, Rext n. 843.989, relator Ministro Alexandre de Moraes, Tribunal Pleno, julgamento iniciado em 3/8/2022).
46 STJ, REsp n. 951.389/SC, relator Ministro Herman Benjamin, Primeira Seção, julgado em 9/6/2010, DJe de 4/5/2011.
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A verdade é que, fruto da orientação firmada pelo STJ, todo e qualquer erro
administrativo, por mais irrelevante que fosse, poderia ser enquadrado, em tese,
como violação a algum dos princípios que regem a atividade administrativa
do Estado, tal e qual insculpidos no caput do art. 37 da Constituição Federal,
porquanto nele (no erro) não deixa de existir a voluntariedade do agente (o dolo
genérico), mesmo que fruto de alguma falha de percepção sobre a realidade,
levando-o à tomada de uma decisão que não teria sido adotada, se perfeita fosse
a ciência dos fatos ou do direito aplicável. O erro rompe com o dolo específico,
mas não com o genérico. Afasta a intenção ilícita, mas não a voluntariedade.
47 Veja-se, dentre tantos outros, o seguinte precedente do STJ: “ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL
PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ART. 10, VIII, DA LEI 8.429/1992. DISPENSA INDEVIDA DE LICITAÇÃO. DANO
IN RE IPSA À ADMINISTRAÇÃO. 1. A jurisprudência do STJ entende que o prejuízo decorrente da dispensa indevida
de licitação é presumido (dano in re ipsa), consubstanciado na impossibilidade da contratação pela Administração
da melhor proposta. 2. O próprio art. 10, VIII, da Lei 8.492/1992 ‘conclui pela existência de dano quando há frustração
do processo de licitação, inclusive abarcando a conduta meramente culposa. Assim, não há perquirir-se sobre a
existência de dano ou má-fé nos casos tipificados pelo art. 10 da Lei de Improbidade Administrativa.’ (Resp 769.741/
MG, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, DJe 20.10.2009). 3. Recurso Especial não provido” (STJ, REsp n. 1.685.214/
MG, relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 21/11/2017, DJe de 19/12/2017).
48 STJ, REsp n. 951.389/SC, relator Ministro Herman Benjamin, Primeira Seção, julgado em 9/6/2010, DJe de 4/5/2011.
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SEPARANDO O JOIO DO TRIGO: ERRO NÃO É (MAIS) IMPROBIDADE
49 Na redação original: “Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação
ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação
dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei, e notadamente: I – facilitar ou concorrer por qualquer
forma para a incorporação ao patrimônio particular, de pessoa física ou jurídica, de bens, rendas, verbas ou valores
integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1º desta lei; II – permitir ou concorrer para
que pessoa física ou jurídica privada utilize bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das
entidades mencionadas no art. 1º desta lei, sem a observância das formalidades legais ou regulamentares aplicáveis
à espécie; III – doar à pessoa física ou jurídica bem como ao ente despersonalizado, ainda que de fins educativos
ou assistências, bens, rendas, verbas ou valores do patrimônio de qualquer das entidades mencionadas no art. 1º
desta lei, sem observância das formalidades legais e regulamentares aplicáveis à espécie; IV – permitir ou facilitar
a alienação, permuta ou locação de bem integrante do patrimônio de qualquer das entidades referidas no art. 1º
desta lei, ou ainda a prestação de serviço por parte delas, por preço inferior ao de mercado; V – permitir ou facilitar a
aquisição, permuta ou locação de bem ou serviço por preço superior ao de mercado; VI – realizar operação financeira
sem observância das normas legais e regulamentares ou aceitar garantia insuficiente ou inidônea; VII – conceder
benefício administrativo ou fiscal sem a observância das formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie;
VIII – frustrar a licitude de processo licitatório ou dispensá–lo indevidamente VIII – frustrar a licitude de processo
licitatório ou de processo seletivo para celebração de parcerias com entidades sem fins lucrativos, ou dispensá-los
indevidamente; IX – ordenar ou permitir a realização de despesas não autorizadas em lei ou regulamento; X – agir
negligentemente na arrecadação de tributo ou renda, bem como no que diz respeito à conservação do patrimônio
público; XI – liberar verba pública sem a estrita observância das normas pertinentes ou influir de qualquer forma
para a sua aplicação irregular; XII – permitir, facilitar ou concorrer para que terceiro se enriqueça ilicitamente; XIII
– permitir que se utilize, em obra ou serviço particular, veículos, máquinas, equipamentos ou material de qualquer
natureza, de propriedade ou à disposição de qualquer das entidades mencionadas no art. 1º desta lei, bem como o
trabalho de servidor público, empregados ou terceiros contratados por essas entidades; XIV – celebrar contrato ou
outro instrumento que tenha por objeto a prestação de serviços públicos por meio da gestão associada sem observar
as formalidades previstas na lei; XV – celebrar contrato de rateio de consórcio público sem suficiente e prévia dotação
orçamentária, ou sem observar as formalidades previstas na lei; XVI – facilitar ou concorrer, por qualquer forma, para
a incorporação, ao patrimônio particular de pessoa física ou jurídica, de bens, rendas, verbas ou valores públicos
transferidos pela administração pública a entidades privadas mediante celebração de parcerias, sem a observância
das formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie; XVII – permitir ou concorrer para que pessoa
física ou jurídica privada utilize bens, rendas, verbas ou valores públicos transferidos pela administração pública a
entidade privada mediante celebração de parcerias, sem a observância das formalidades legais ou regulamentares
aplicáveis à espécie; XVIII – celebrar parcerias da administração pública com entidades privadas sem a observância
das formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie; XIX – frustrar a licitude de processo seletivo para
celebração de parcerias da administração pública com entidades privadas ou dispensá-lo indevidamente; XIX
– agir negligentemente na celebração, fiscalização e análise das prestações de contas de parcerias firmadas pela
administração pública com entidades privadas; XX – agir negligentemente na celebração, fiscalização e análise das
prestações de contas de parcerias firmadas pela administração pública com entidades privadas; XX – liberar recursos
de parcerias firmadas pela administração pública com entidades privadas sem a estrita observância das normas
pertinentes ou influir de qualquer forma para a sua aplicação irregular; XXI – liberar recursos de parcerias firmadas
pela administração pública com entidades privadas sem a estrita observância das normas pertinentes ou influir de
qualquer forma para a sua aplicação irregular”.
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SEPARANDO O JOIO DO TRIGO: ERRO NÃO É (MAIS) IMPROBIDADE
Art. 1º (...)
§1º Consideram-se atos de improbidade administrativa as condutas dolosas
tipificadas nos arts. 9º, 10 e 11 desta Lei, ressalvados tipos previstos em leis
especiais.
§2º Considera-se dolo a vontade livre e consciente de alcançar o resultado
ilícito tipificado nos arts. 9º, 10 e 11 desta Lei, não bastando a voluntariedade do
agente.
§3º O mero exercício da função ou desempenho de competências públicas,
sem comprovação de ato doloso com fim ilícito, afasta a responsabilidade por
ato de improbidade administrativa.
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6 Conclusões
Até bem recentemente, parcos eram os estudos sobre o erro administra
tivo no Brasil. Isso muda, sobretudo, a partir da edição da Lei nº 13.655/2018 e a
inserção da chamada cláusula geral do erro administrativo no art. 28 da LINDB.
O erro, na perspectiva do administrador público, pode ser encarado como uma
incompleta ou imperfeita percepção da realidade (fática ou jurídica) que induz o
agente à tomada de uma decisão distinta daquela que teria adotado, se tivesse
perfeita ciência dos fatos ou do direito aplicável. Por sua vez, erro grosseiro é
aquele que qualquer um identificaria, nas circunstâncias vivenciadas pelo agente
público. Deriva de culpa grave, revestindo-se de um elevado grau de negligência,
imprudência ou imperícia. Há que ser aferido casuisticamente, tendo em conta
a complexidade da matéria, a urgência da decisão, as informações disponíveis
à época dos fatos, as circunstâncias práticas e concretas e o nível de incerteza
existente. Não há uma fórmula aprioristicamente correta para identificá-lo, não
podendo os órgãos de controle aferi-lo “com base em valores jurídicos abstratos”
(art. 20 da LINDB).
54 Projeto de Lei nº 10.887/2018, de autoria do Deputado Roberto Lucena. Disponível em: https://www.camara.leg.br/
proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=node01d4hphenlcg6v8cguhhz43fv421993707.node0?codteor=1687
121&filename=PL+2505/2021+%28N%C2%BA+Anterior:+pl+10887/2018%29. Acesso em: 04 ago. 2022.
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GUSTAVO DA ROCHA SCHMIDT
Abstract: A side effect of the expansion, in Brazil, of instruments to control state administrative
activity, with the consequent and more intense accountability of public agents, is the emergence
of a culture of fear in public management, in what has been called “blackout of pens” or
“Administrative Law of Fear”. Decision-making paralysis is, in large part, a direct and immediate
effect of the fear that falls on public officials, because of the excesses committed (voluntarily
or not) by some members of external control bodies. This essay argues, from a theoretical and
dogmatic perspective, that, apart from a possible gross error, mistakes made by public officials
should never be understood as acts of corruption (or administrative misconduct). More than that,
with the reform promoted by Law 14.230/2021, even the gross error should no longer be seen as
such, which does not mean that it cannot be penalized in other spheres of state control.
Keywords: Administrative Misconduct. Administrative Error. Gross Error. Deceit. Responsibility.
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