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CARTA DE FLORIANÓPOLIS, PUBLICADA PELO IBDA, COM AS PRINCIPAIS REFLEXÕES

PROPROSTAS NO CONGRESSO

Com o Brasil imerso em crise política, social, administrativa, ética, econômica e


institucional, em que a própria Democracia pode ser colocada sob risco, temos assistido
a uma forte defesa da expansão do controle da atividade administrativa, em resposta ao
volume de denúncias de corrupção que atingiram e continuam atingindo as várias
esferas de poder.
O controle da atuação estatal passou a ocupar um lugar de destaque nos debates
políticos, sociais e econômicos, ao lado de ações e posturas perpetradas por órgãos de
controle, desconsiderando premissas fundamentais do Estado Democrático e
Republicano de Direito, em um discurso inadmissível de que os fins justificam os
meios.
Ainda que o horizonte próximo se apresente desalentador, o reforço aos debates sobre
temas ético-jurídicos e a definição de parâmetros constitucionais para o controle da
Administração Pública merece atenção e defesa.
O respeito à pessoa humana e às Instituições, o dever de transparência, probidade e
eficiência são premissas fundamentais, defendidas firmemente pelo Instituto Brasileiro
de Direito Administrativo e todos os Institutos Estaduais parceiros.
E assim sendo, o XXXII Congresso Brasileiro de Direito Administrativo, realizado na
Cidade de Florianópolis nos dias 17, 18 e 19 de setembro de 2018 cumpriu o propósito
de instigar significativos debates voltados aos limites do controle da Administração
Pública.
Durante três dias, moralidade, probidade, direitos e garantias fundamentais, eficiência,
dever de planejamento, dignidade da pessoa humana, economicidade,
proporcionalidade, razoabilidade, isonomia e transparência foram os vetores jurídicos
que nortearam debates aprofundados sobre diversos temas de interesse público.
As reflexões que constituíram o núcleo e a essência do XXXII Congresso Brasileiro de
Direito Administrativo podem ser sintetizadas nas seguintes premissas que ora são
apresentadas como proposições para a sociedade brasileira em geral e para a
Administração Pública, em especial:

1. É necessário identificar e gerenciar as relações e tensões imanentes entre os


diversos órgãos de controle. A atividade de controle da Administração não
possui qualquer supremacia sobre as demais e deve ser exercida nos estritos
quadros delineados pela Constituição, sem qualquer omissão ou abuso que possa
comprometer os direitos fundamentais e mesmo a legitimidade das ações de
controle;

2. Deve ser buscada a plena efetividade da defesa dos usuários dos serviços
públicos para que o Estado cumpra o seu papel social determinado pela
Constituição;

3. As instituições construídas sob a lógica do direito administrativo do século XIX


devem se adaptar para darem respostas aos desafios postos ao Estado nos
campos da tecnologia e das complexidades sociais do século XXI, privilegiando
o planejamento público urbanístico e ambiental;
4. O controle deve necessariamente considerar – e dialogar com – as opiniões e
interpretações do gestor público. O MODELO constitucional de controle
IMPÕE o diálogo, a busca pela consensualidade, justamente por entender que
uma série de atores interferem no processo;

5. As garantias conferidas às carreiras de Estado para o enfrentamento dos


problemas em face das pressões econômicas, sociais e políticas devem ser
interpretadas em sua devida natureza instrumental, para que não caracterizem
meros privilégios;

6. O cenário de degeneração institucionalizada não deve instigar a descrença e


desvalorização das atividades políticas e administrativas, pois são necessárias à
construção do bem comum e sua supressão implicaria retrocesso na luta pela
plena efetividade dos princípios do Estado Democrático de Direito;

7. Ainda, é merecedora de devida importância a tensão entre a força centrífuga da


União na formação da federação e o equilíbrio federativo, especialmente no que
se refere as capacidades do entes municipais para evitar o extremo que se
caracterizou a intervenção federal em andamento no país.

PRINCIPAIS TEMAS ABORDADAS NO XXXII CONGRESSO DE DIREITO ADMINISTRATIVO

1 - Relação entre a Administração Pública, o Poder Judiciário e os Tribunais de


Contas (Romeu Felipe Bacelar Filho, professor na UFPR e Weida Zancaner,
mestre em Direito Público pela PUCSP e Procuradora aposentada do TCE/SP)
Destacou-se a necessidade de criação de uma justiça administrativa especializada no
Brasil, citando-se como exemplo o Conselho de Estado da França. A importância de se
estabelecer uma instituição com características semelhantes ao órgão francês seria uma
forma de impedir que um Poder interfira excessivamente nas competências do outro,
para evitar descaracterização da tripartição de poderes. Além disso, as decisões
emanadas pelos Tribunais de Contas poderiam ser revistas pelo órgão, de forma a evitar
alguns abusos cometidos.
Apesar de os Tribunais de Contas serem autônomos, são auxiliares ao Poder
Legislativo.
Quanto ao Poder Judiciário, foi ressaltado que usa excessivamente das competências
atípicas de administrar e legislar, e que a imparcialidade foi abandonada, razão pela qual
é impositiva a criação da jurisdição administrativa.
Ainda nessa ótica, o uso abusivo do exercício de funções atípicas de poderes foi objeto
de discussão. Como exemplo, citou-se: Medidas Provisória editadas em excesso pelo
Poder Executivo; no âmbito do Poder Judiciário, a emissão de diversas resoluções pelo
CNJ e súmulas emitidas pelo tribunais, com conteúdo que extrapolam a hermenêutica e
contrariam previsões constitucionais (Veja-se a Resolução do CNJ nº 07/2005, que foi
reproduzida pelo STF com a Súmula nº 13, cujo tema é o nepotismo. Além disso, foi
citada a Súmula Vinculante nº 05, do STF, que dispensa a defesa técnica em PAD,
contrariando o art. 5º da CR/1988).
Também foram feitas críticas aos arts. 20 e 21 do novo texto da Lei de Introdução às
Normas do Direito Brasileiro, introduzidos pela Lei Federal nº 13.655/2018.

“Art. 20. Nas esferas administrativa, controladora e judicial, não se decidirá


com base em valores jurídicos abstratos sem que sejam consideradas as
consequências práticas da decisão.

Parágrafo único. A motivação demonstrará a necessidade e a adequação da


medida imposta ou da invalidação de ato, contrato, ajuste, processo ou norma
administrativa, inclusive em face das possíveis alternativas.”

“Art. 21. A decisão que, nas esferas administrativa, controladora ou judicial,


decretar a invalidação de ato, contrato, ajuste, processo ou norma
administrativa deverá indicar de modo expresso suas consequências jurídicas
e administrativas.

Parágrafo único. A decisão a que se refere o caput deste artigo deverá,


quando for o caso, indicar as condições para que a regularização ocorra de
modo proporcional e equânime e sem prejuízo aos interesses gerais, não se
podendo impor aos sujeitos atingidos ônus ou perdas que, em função das
peculiaridades do caso, sejam anormais ou excessivos.”

De acordo com a professora, as decisões citadas nos artigos são inexequíveis nos limites
expostos, considerando a falta de conceitos objetivos. Além disso, ela entende que o
texto dos artigos tenta banir a discricionariedade nas decisões.

2 – Tutela Jurídica da moralidade administrativa


A sanção ao Administrador Público não pode se estender para além das normas
positivadas, sendo as normas morais irrelevantes para o direito sancionatório.
Improbidade culposa é inconstitucional, sendo o enquadramento do comportamento do
agente público como improbidade administrativa restrito às normas legalmente
previstas.
Atualmente, vem ocorrendo um fenômeno denominado como criminalização da
hermenêutica. Pareceristas respondem ações de improbidade por absoluta falta de
concordância do Ministério Público com os entendimentos expostos nas análises
jurídicas. Situação absurda, que merece ser discutida e inibida.

3 – Contratos Administrativos: como deve ser o controle de preços e quais os


direitos do contratado?
A temática das cláusulas exorbitantes dominou a discussão. Destacou-se que não há
problemas na existência delas, mas em sua aplicabilidade. Deve ser levado em conta
que as empresas, ao sopesar a existência das cláusulas exorbitantes e a grande
possibilidade de inadimplência por parte da Administração, considerando o cenário de
crise financeira nos Estados, podem elevar excessivamente o seu preço. A regra que
prevê um prazo de 90 (noventa) dias (art. 78, XV, Lei nº 8.666/93) para que o
contratado possa rescindir o contrato sem ser penalizado deveria ser reavaliada.
Também deve ser reavaliado o real interesse público na defesa das cláusulas
exorbitantes.
A grande possibilidade de inadimplência pela Administração atrelada à sua posição
muito superior na contratação, sem muitas garantias para o contratado, aumenta a
participação de aventureiros, que nada tem a perder, nas licitações, sendo que muitas
vezes os licitantes se limitam a empresas sem credibilidade no mercado.

Art. 26 da LINDB aplicado às licitações:

Art. 26. Para eliminar irregularidade, incerteza jurídica ou situação


contenciosa na aplicação do direito público, inclusive no caso de expedição
de licença, a autoridade administrativa poderá, após oitiva do órgão jurídico
e, quando for o caso, após realização de consulta pública, e presentes razões
de relevante interesse geral, celebrar compromisso com os interessados,
observada a legislação aplicável, o qual só produzirá efeitos a partir de sua
publicação oficial. (Incluído pela Lei nº 13.655, de 2018)

§ 1º O compromisso referido no caput deste artigo: (Incluído


pela Lei nº 13.655, de 2018)

I - buscará solução jurídica proporcional, equânime, eficiente e compatível


com os interesses gerais; (Incluído pela Lei nº 13.655, de 2018)

II – (VETADO); (Incluído pela Lei nº 13.655, de 2018)

III - não poderá conferir desoneração permanente de dever ou


condicionamento de direito reconhecidos por orientação geral; (Incluído
pela Lei nº 13.655, de 2018)

IV - deverá prever com clareza as obrigações das partes, o prazo para seu
cumprimento e as sanções aplicáveis em caso de descumprimento. (Incluído
pela Lei nº 13.655, de 2018)

Objetivo não é deixar de punir, e sim dar celeridade à atividade administrativa.


Interpretação deve ser finalística. Se a Administração consegue atingir o interesse
público sem se utilizar do poder sancionatório, esse seria o melhor caminho.

Na formação de preços referenciais, a Administração deve se utilizar do máximo de


referências disponíveis, podendo o gestor ser responsabilizado diretamente pela
precificação mal elaborada e pela pesquisa efetuada de forma negligente.

4 – Controle da Administração e Segurança Jurídica

Arts. 22 e 28 da LINDB:
Art. 22. Na interpretação de normas sobre gestão pública, serão considerados
os obstáculos e as dificuldades reais do gestor e as exigências das políticas
públicas a seu cargo, sem prejuízo dos direitos dos administrados.

§ 1º Em decisão sobre regularidade de conduta ou validade de ato, contrato,


ajuste, processo ou norma administrativa, serão consideradas as
circunstâncias práticas que houverem imposto, limitado ou condicionado a
ação do agente. (Incluído pela Lei nº 13.655, de 2018)

§ 2º Na aplicação de sanções, serão consideradas a natureza e a gravidade da


infração cometida, os danos que dela provierem para a administração pública,
as circunstâncias agravantes ou atenuantes e os antecedentes do
agente. (Incluído pela Lei nº 13.655, de 2018)

§ 3º As sanções aplicadas ao agente serão levadas em conta na dosimetria


das demais sanções de mesma natureza e relativas ao mesmo
fato. (Incluído pela Lei nº 13.655, de 2018)

Art. 28. O agente público responderá pessoalmente por suas decisões ou


opiniões técnicas em caso de dolo ou erro grosseiro.

O novo texto da LINDB trará mudanças nas práticas administrativas, sobretudo nas
atividades de auditoria. A segurança jurídica será maior com o novo texto, considerando
que a oscilação da jurisprudência gera grande insegurança.
As decisões dos órgãos de controle deverá ser melhor fundamentadas com o advento do
novo texto da LINDB.
Quanto à responsabilização do agente público em ação de improbidade administrativa, a
culpabilidade do agente é que deve ser objeto do julgamento, e não a dimensão do
prejuízo ao erário.

5 – Licitações: contratações eficientes e prevenção da corrupção


Exigência de programas de integridade (compliance): os programas de integridade
poderão ser exigidos, desde que não impeçam a competitividade.
Como critério habilitatório, não seria plausível a exigência, mas como requisito de
execução contratual poderia ser exigido. De toda forma, ainda que na fase contratual, é
muito discutível.
Deve ser levado em conta que a maioria dos órgãos públicos não possuem código de
ética e muito menos análise de risco. Assim, como um ente público poderia exigir de
seus contratados algo que não possui, sobretudo em um cenário de crise e
inadimplência?

6 – Lei nº 13.655/2018, inovações, polêmicas e perspectivas de aplicação


Art. 22, § 2º:
Art. 22. Na interpretação de normas sobre gestão pública, serão considerados
os obstáculos e as dificuldades reais do gestor e as exigências das políticas
públicas a seu cargo, sem prejuízo dos direitos dos administrados.

§ 2º Na aplicação de sanções, serão consideradas a natureza e a gravidade da


infração cometida, os danos que dela provierem para a administração pública,
as circunstâncias agravantes ou atenuantes e os antecedentes do agente.

Norma reproduziu critério já utilizado pelo Judiciário.


A discricionariedade para dosimetria da punição continua existindo, não havendo
novidades no texto em relação ao que já vem ocorrendo.

Art. 26, já transcrito acima:

Em sede de licitação, o consenso deve ser a primeira opção, sendo a sanção a última.
Hipóteses de acordo devem sempre ser interpretadas de forma ampliativa.
O acordo não seria viável quando já existente a ação de improbidade. Em inquérito civil
instaurado pelo MP o acordo é perfeitamente possível.

Art. 20, já transcrito acima:


A inclusão de considerações pragmáticas na motivação da decisão não soluciona o
problema da insegurança jurídica. O art. contém muitos conceitos jurídicos
indeterminados.

Alguns dos palestrantes entendem que a lei não trouxe nenhuma novidade, sendo
realmente inútil. Outros já a consideram muito importante, tendo em vista que mesmo
aquilo que se considera óbvio deve estar previsto expressamente em alguma norma,
sobretudo para alguns entes pequenos, sem nenhum amparo jurídico.

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