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Justiça Administrativa – 1º Frequência

1. Acha que o modelo atual de justiça administrativa é de subjetivismo puro?

Não, pois apesar de a CRP pôr o acento tónico na garantia dos direitos e interesses legalmente
protegidos dos administrados, limitando a própria garantia do recurso de anulação aos
titulares dessas posições jurídicas subjetivas, tal não deve ser interpretado como imposição
constitucional de um modelo estritamente subjetivista de justiça administrativa. A CRP quis
estabelecer as garantias dos administrados, com a intenção de assegurar uma proteção pela
perante a Administração dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, mas pretendeu
impor um modelo processual determinado. A concretização desse modelo compete ao
legislador, que, no uso da sua liberdade constitutiva, desde que respeite o quadro
constitucionalmente estabelecido, concretamente, o modelo organizatório justicialista e a
proteção efetiva dos direitos dos administrados. Na realidade, e desde logo, o art.268º da CRP,
até pelo seu lugar sistemático, não pretende estabelecer uma regulamentação global da justiça
administrativa, mas apenas definir as garantias dos administrados as suas relações com a
Administração, em especial, o principio da justiciabilidade dos atos de Administração,
assegurado por um direito fundamental especifico de acesso aos tribunais administrativos, um
direito a um procedimento. Depois, e por isso mesmo, não é concebível que o art.268º
contenha uma proibição ao legislador de alargar os meios da justiça administrativa ao controlo
da juricidade das atuações da Administração, para defesa da legalidade e do interesses
publico, mesmo que não estejam em causa direitos dos administrados: por um lado, a
intenção é perfeitamente legítima, se não necessária, em face do art.266º, que erige o
interesse publico como finalidade primeira da Administração Publica; por outro lado, um tal
alargamento impõem-se sempre para as relações interadministrativas, tendo em conta que a
CRP atribui à ordem judicial administrativa a competência para julgar a universalidade das
questões de direito administrativo. Acresce que é a própria CRP que, ao consagrar o direito de
açao popular para defesa de interesses coletivos, difusos ou comunitários, incluindo a defesa
dos bens públicos, impõe uma relativa objetivizaçao do modelo. Por fim, é obvio que a CRP
não assume uma intenção densificadora e, ao consagrar o direito dos administrados a uma
proteção judicial efetiva, não pretende regular em pormenor o processo administrativo, pois
que deixa inequivocamente ao legislador um espaço importante para conformação de aspetos
fundamentais do regime do contencioso, como, por exemplo, o objeto e o prazo da açao de
impugnação de atos, bem como, em geral, os poderes e deveres do juiz, do MP, das partes e
demais intervenientes no processo, os pressupostos e a estruturação processual dos meios
principias e cautelares, os efeitos e o processo de execução das sentenças.

2. Em que consiste o conceito de relação jurídica administrativa como critério de


delimitação substancial da justiça administrativa?

A consideração da dimensão substancial revela-se na medida em que a justiça administrativa


tem, por determinação constitucional, uma matéria própria: integra os processos “ que
tenham por objeto dirimir os litígios emergentes de relações jurídicas administrativas”.
A utilização de um critério material de delimitação pressupõe, então, a existência de um
regime de administração executiva, em que se define um domínio de atividade, a função
administrativa, e, nesse contexto, um conjunto de relações onde a Administração é,
tipicamente ou nuclearmente, dotada de poderes de autoridade para cumprimento das suas
principais tarefas de realização do interesse publico – é por isso que se justifica um sistema de
regras e de princípios de diferentes das normas de direito privado, que formam uma ordem
jurídica administrativa, será aí que se justificará a existência de uma ordem judicial diferente
da ordem dos “tribunais judiciais”.

3. Distinga e dê exemplos entre direitos subjetivos públicos, direitos limitados e interesses


legalmente protegidos.
Dentro dos direitos subjetivos públicos podemos encontrar direitos transitivos ou de natureza
obrigacional, direitos intransitivos ou absolutos e direito potestativos. Direitos transitivos
oude natureza obrigacional são, por exemplo, direitos sociais, como os direitos às prestações
da segurança social ou aos subsídios para o exercício de atividades económicas ou de
interesses social ou cultural, mas são também os direitos a prestações decorrentes do dever
estadual de proteção efetiva dos direitos, liberdades e garantias dos particulares. Aos direitos
intransitivosou absolutos correspondem, do lado da Administração Publica, deveres gerais de
abstenção e de respeito, desde logo, as liberdades e determinados direitos fundamentais dos
cidadãos, relativamente aos quais a CRP impõe o respeito e a abstenção pública, que ganham
relevância ao nível administrativo através da conceção das normas constitucionais que os
consagram como direito imediatamente aplicável; depois, temos também, os direitos públicos
reais, como, por exemplo, os direitos de uso normal do domínio público estabelecido por lei.
Os direitos potestativos são poderes (unilaterais) de provocar inelutavelmente a constituição,
modificação ou extinção de relações jurídicas, aos quais corresponde uma sujeição do lado
passivo, como, por exemplo, o direito de voto, o direito de aceitar ou de renunciar a mandato
publico, o direito de rescisão pelo co-contratante de contrato administrativo, o direito a
renunciar à qualidade de membro de organização pública, bem como os direitos de iniciativa
de procedimento ou de açao administrativa.

Em relação aos direitos limitados, há graus de densidade normativa, que se repercutem em


graus de efetividade, dado que em todos os direitos são verdadeiros direitos subjetivos plenos.
Existem, de facto, direitos condicionados, que não gozam de uma tutela plena, como os
direitos condicionados em sentido estrito, os direitos enfraquecidos, os direitos comprimidos e
os direitos incompletos ou em formação. Os direitos condicionados em sentido estrito são
atribuídos por lei, regulamento ou ato administrativo na dependência do cumprimento de
requisitos substanciais, cujos podem caducar ou ser extintos caso não se verifiquem ou não se
mantenham tais requisitos, designadamente, os direitos atribuídos por atos administrativos,
mas sujeitos à condição suspensiva ou a uma atuação procedimental integrativa da eficácia,
atos que só produzem os seus efeitos principais se vier a verificar-se a condição ou a pratica do
ato integrativo. Os direitos enfraquecidos, que podem, por força da lei ou por força do ato
administrativo com base na lei, ser sacrificados através do exercício legitimo de poderes da
autoridade administrativo, por exemplo, o direito de propriedade face ao poder da
expropriação ou ao poder do planeamento. Os direitos comprimidos são direitos limitados por
lei em termos de necessitarem de uma intervenção administrativa, unilateral ou contratual,
que permita o seu exercício, como, por exemplo, direitos ou liberdades dos particulares que
dependam de autorização administrativa, como a liberdade de exercício da profissão que
dependa da inscrição numa ordem profissional, ou a liberdade de circulação automóvel,
dependente da obtenção da carta de condução, ou, de saída para o estrangeiro, sujeita a
emissão de passaporte. Os direitos incompletos ou em formação, que, sendo mais que
espectativas jurídicas, resultam da vinculação material efetiva de decisões interlocutórias em
procedimentos complexos, como, por exemplo, os direitos ao licenciamento, resultantes da
aprovação do projeto de arquitetura, no procedimento de licenciamento de obras particulares,
ou da verificação de condições de aquisição ao longo do tempo, como, por exemplo, no
quadro do sistema previdencial, o direito à pensão de aposentação. Por sua vez, há ainda
direitos prima facie, isto é, posiçõessubjetivas publicas em que estão em causa diretamente e
em primeira linha interesses próprios de particulares individualizados, mas cujo conteúdo não
está perfeitamente determinado na lei, dependendo, para se tornarem “definitivos” e
exercitáveis, de uma concretização ou densificação por parte da autoridade administrativa,
como, por exemplo, certos direitos genéricos a prestações e subsídios de tipo ou montante
variável.

Dentro dos interesses legalmente protegidos estão os interesses decorrentes da juridificação


do poder discricionário, os interesses relevantes no quadro das relações jurídicas poligonais,
multipolares ou multilaterais, os interesses semi-diferenciados, os interesses difusos e os
interesses de baixa normatividade. Interesses decorrentes de juridificação do poder
discricionário são interesses protegidos pela obrigação da Administração de atuar em
conformidade com princípios gerais de direitos administrativos, como os da imparcialidade, da
igualdade, da justiça, da proporcionalidade, da racionalidade, da boa fé e da proteção da
confiança legítima. Os interesses relevantes no quadro de relações jurídicas poligonais,
multipolares ou multilaterais, são interesses em que os particulares que não sejam
destinatários formais de decisões administrativas podem ter interesses legítimos próprios no
cumprimento, por parte da Administração, das normas legais aplicadas que, direta ou
indiretamente, os beneficiam, interesses que podem ser convergentes, paralelos ou
divergentes em relação os interesses dos destinatários dos atos. Os interesses semi-
diferenciados são, por exemplo, os interesses coletivos, enquanto interesses de associações de
defesa de interesses gerais dos associados, e os interesses locais gerais, enquanto interesses
da generalidade dos residentes numa determinada circunscrição, relativamente aos bens do
domicílio publico (arts.68º, nº1, in fine e nº2, alínea b), e 186º, nº1, alínea b) do CPA). Os
interesses difusos (arts.60º, 66º e 78º da CRP; arts.68º, nº2 e 186º do CPA), embora estes
interesses muitas vezes acabem por ter relevo autónomo como direitos individualizados ou de
entidades coletivas, não sendo exclusivamente direitos procedimentais ou procuratórios. Os
interesses de baixa normatividade, decorrentes de certas formas de regulação administrativa,
que têm uma relevância jurídica limitadas (soft law), em grande medida em função do
principio da proteção da confiançalegítima, conferindo em regra meros direitos a
indemnização; bem como expectativas jurídicas, associadas a direitos futuros expectados, e
interesses de facto que, quando sejam afetados de forma especial e anormal pela atividade
administrativa, podem dar lugar a uma compensação ou “indeminização” pelo sacrifico, em
função do princípio da igualdade prante encargos públicos.

4. Que limites conhece relativos ao conteúdo de fiscalização do tribunal administrativo?

Existe o limite à eficácia da proteção jurisdicional administrativa que resulta da própria


distinção funcional entre autoria e fiscalização. De facto, há sempre uma diferença entre
decidir e fiscalizar, entendida a fiscalização no sentido estrito do “controlo de uma
competência alheia”: o procedimento decisório difere do procedimento fiscalizador, é
metodicamente mais exigente e completo, determinando uma ineliminável margem de
responsabilidade de quem tem o poder-dever de decidir, tanto maior quanto mais a aplicação
da norma, pela sua indeterminação conceitual ou estrutural ou pela complexidade da situação
concreta que suscite duvidas. A função de decidir exige um conhecimento completo de todas
as circunstancias relevantes da situação de facto e de direito, uma ponderação real entre as
alternativas e os respetivos efeitos e a escolha da solução que melhor realize o interesse
público (os interesses públicos, bem como os interesses privados relevantes) que o órgão
administrativo, enquanto primeiro interprete e autor competente e responsável pela decisão,
tem a seu cargo. Diferentemente, para fiscalizar bem, a entidade de controlo, enquanto
segundo interprete, sobretudo quando seja, como é o tribunal, um órgão inoficioso e
imparcial, apenas precisa de elaborar o paradigma normativo, até onde este seja determinável
na situação concreta, e submeter a decisão sujeita a controlo a testes de juridicidade
considerados fundamentais, para detetar o eventual incumprimento das regras e dos
princípios que regulam a atividade decisória.

Um outro limite, intimamente associado ao primeiro, mas com alcance mais vasto, decorre da
autocontenção do juiz administrativo perante a reserva de discricionalidade da Administração
no quadro de uma divisão equilibrada dos poderes. Hoje, diferentemente do que acontecia
anteriormente, toda a atividade administrativa mesmo a que represente o exercício de
poderes discricionários, está subordinada ao Direito – é jurídica, quer do ponto de vista
funcional (visa encontrar a melhor solução para a realização do interesse publico legalmente
definido), quer do ponto de vista substancial (está sujeita a princípios como os da
proporcionalidade, da boa fé, da igualdade, da imparcialidade, da justiça, da razoabilidade) – e,
nessa medida está sujeita a uma fiscalização jurisdicional. No entanto, continua a valer a ideia
de que “no respeito pelo principio da separação e interdependência dos poderes, os tribunais
administrativos julgam do cumprimento pela Administração das normas e princípios jurídicos
que a vinculam e não da conveniência ou oportunidade da sua atuação”. Esta afirmação
resulta do nº1 do art.3º do CPTA e exprime nuclearmente o reconhecimento de que o nosso
sistema de administração se integra na família dos “sistemas de administração executiva”.
Neste tipo de sistemas, os tribunais administrativos julgam, em princípio questões de
legalidade ou de juridicidade relativas à atuação administrativa. Não lhes compete administrar,
pelo que da sua jurisdição se excluem os poderes de decisão que englobem questões de
“mérito”, isto é, que impliquem a avaliação da oportunidade e da conveniência da atividade
administrativa segundo padrões ou regras de “boa administração”. Hoje, importa saber por
interpretação da lei, a quem cabe ou deve caber a responsabilidade própria pela decisão de
aplicação da norma ao caso concreto, se à Administração, se aos tribunais: serão relevantes,
no sentido da responsabilidade administrativa, a capacidade técnica e a legitimidade politica
ou social do órgão administrativo, a qualidade da matéria (se estão em causa interesses
complexos que não envolvam direitos fundamentais) e o tipo ou modo de decisão (se a lei
encarrega a Administração de juízos sobre aptidões pessoais, decisões de prognose, decisões
com consequências politicas) – sendo certo que os tribunais, no contexto de um Estado de
Direito equilibrado não devem efetuar um controlo total da atividade administrativa, sob pena
de se cair num “desequilibrado” e indesejável “Estado de juízes”. Assim, haverá, em princípio,
um espaço de autoria própria da Administração, de modo que, quando o litigio entre a
Administração e os particulares se refira exclusivamente à oportunidade ou à conveniência da
organização ou da atuação administrativa, ou na medida em que a elas se refira, não cabe ao
tribunal pronunciar-se, até por, em rigor, não haver uma questão de direito para resolver. Este
limite não vale apenas para os casos tradicionais de impugnação de atos administrativos já
praticados, mas também para as ações que visem a condenação da Administração na adoção
de comportamentos, na realização de prestações ou na emissão (e até, embora
excecionalmente na abstenção) de decisões de autoridade, bem como para os pedidos de
modificação de contratos administrativos que envolvam o exercício de poderes públicos.

5. Pode-se estabelecer limites à plena jurisdição do tribunal administrativo?

O entendimento atual da juridicidade e da justiciabilidade administrativas é incompatível com


uma proibição de condenação ou de injunção, nas relações entre juiz e Administração, quer a
prestação consista em uma ação material ou em uma atividade jurídica – e essa conclusão
tornou-se indiscutível e impõe-se ao próprio legislador, com a previsão constitucional no
art.268º da CRP dos poderes judiciais de condenação à prática de atos administrativos
legalmente devidos, ou de adoção de providências cautelares antecipatórias necessárias à
tutela judicial efetiva das posições jurídicas dos particulares. O CPTA tem mesmo o cuidado de,
a título de disposições fundamentais, enumerar, no art.2º, os pedidos que se podem dirigir aos
tribunais administrativos, incluindo expressamente os de condenação, intimação e injunção
dirigido às autoridades administrativas; tal como, no artigo 3º, se refere aos poderes dos
tribunais administrativos, como o de fixar prazos para cumprimentos dos deveres que
imponham à Administração e de lhe aplicar sanções pecuniárias compulsórias (art.95º, nº4,
arts.108º, 115º, nº4 e 127º, nº2, 168º, 169º e 179º, nº3), e o de assegurar a execução das
sentenças, inclusivamente através de sentenças substitutivas de atos administrativos (arts.3º,
nº4, 109º, nº3, 164º, nº4, alínea c), 167º, nº6 e 179º, nº5 todos do CPTA). O que o juiz não
pode é determinar aquilo que a Administração há-de fazer num caso concreto, e muito menos
substituir-se a ela quando esteja em causa o conteúdo “discricionário” de um ato de
autoridade – quer se trate de um ato administrativo, de um regulamento, de um ato jurídico
ou de um comportamento -, devendo limitar-se, então a uma condenação genérica ou diretiva
(art.71º, nº2, 95º, nº5, 168º, nº2 e 179º, nº1 do CPTA). Do mesmo modo, o juiz tem de
respeitar a força de caso decidido de um ato administrativo, quando este, ainda que inválido
(desde que não seja nulo), se tenha tornado impugnável pela queda do prazo de impugnação,
embora possa conhecer incidentalmente essa eventual ilegalidade do ato, quando a lei o
permita, em regra, para efetivação da responsabilidade civil da Administração (arts. 38º, nº2,
58º, nº1, 69º, nº2, 76º, nº4, 157º, nº2). Concluindo, o principio da divisão dos poderes não
implica hoje uma proibição absoluta ou sequer uma proibição-regra de o juiz condenar, dirigir
injunções ou orientações, intimar, sancionar, proibir ou impor comportamentos à
Administração. O principio implica tão só uma proibição funcional de o juiz afetar a essência do
sistema de administração executiva: não pode ofender a autonomia do poder administrativo,
isto é, o núcleo essencial da discricionalidade, na medida em que a lei confira aos órgãos de
Administração poderes próprios de apreciação ou de decisão; tal como tem de respeitar, em
principio, a autoridade e a força estabilizadora carateristicas do ato administrativo, em
especial, a sua força de caso decidido.
6. Acha que haverá uma reserva material absoluta da jurisdição administrativa?

Não de uma forma linear, apesar de que ainda que se optasse pela existência de uma reserva
material absoluta da jurisdição administrativa, o critério orgânico de delimitação da justiça
administrativa não perderia sentido, na medida em que a própria constituição atribui a outros
tribunais o julgamento de questões emergentes de relações administrativas.

a) Desde logo, são atribuídas pela Constituição à jurisdição constitucional, por exemplo,
determinadas competências relativas a matéria administrativa, seja no que respeita a questões
eleitorais, seja sobretudo no que concerne à fiscalização abstrata da constitucionalidade das
normas administrativas:
 Julgar certos processos em questões eleitorais comuns, incluindo as impugnações de
atos administrativos praticados pela Comissão Nacional de Eleições ou por outros
órgãos da administração eleitoral (art.223º, nº2, alínea c da CRP e o art.8º da Lei do
Tribunal Constitucional);
 Declarar com força obrigatória geral a inconstitucionalidade ou a ilegalidade de
normas administrativas com fundamento em violação direta da CRP ou de estatutos
regionais (art.281º, nº1, alíneas a), c) e d) da CRP e art.72º, nº2, do CPTA)

b) Também não cabe na justiça administrativa a resolução de questões da legalidade financeira


da atuação administrativa, tal como decorre das contas dos entes públicos: o julgamento das
contas das entidades públicas cabe, por determinação constitucional, ao Tribunal de Contas
ainda que nos termos da lei respetiva (art.214º da CRP);

c) Está também constitucionalmente atribuído, ainda que de forma global e indireta, pelo
art.8º, nº3, o conjunto de questões de direito administrativo que pertencem à jurisdição de
tribunais internacionais, em especial ao TJUE, quer se trate de questões prejudiciais relativas à
interpretação das normas comunitárias, quer se trate de questões julgadas a titulo principal,
designadamente no âmbito das relações diretas entre a administração comunitária e entidades
ou empresas nacionais;

d) Por fim, pode considerar-se que a previsão da existência de tribunais arbitrais também
constitui de algum modo uma compressão constitucional da reserva judicial dos tribunais
administrativos, cuja concretização é feita pelo legislador ordinário , no CPTA, ao definir as
matérias administrativas susceptíveis de ser cometidas, em primeira instancia, à jurisidição
arbitral (art.212º, nº3 da CRP).

7. Enumere casos que implicam quer a subtração, quer a atribuição aos tribunais
administrativos de questões relativas ao âmbito material da jurisdição administrativa.

O âmbito da justiça administrativa não se determina, portanto, simplesmente no plano


substancial e no plano funcional, com base na CRP, dependendo ainda do recorte orgânico que
seja dado à jurisdição administrativa. E essa definição realiza-se no plano legal, onde, a par de
normas que visam concretizar o conteúdo da clausula geral estabelecida pela Constituição, são
de destacar, por um lado, os preceitos que implicam a diminuição, por subtração, do âmbito
da jurisdição administrativa, e, em contrapartida, outros que produzem a sua ampliação, por
atribuição aos tribunais administrativos do julgamento de questões que, em principio, não lhes
caberia substancialmente conhecer.

Na linha do conceito substancial de justiça administrativa, entendemos que a enumeração


positiva, tendo de ser entendida, em principio, como concretizadora da clausula geral fundada
na Constituição, pode ser aditiva, devendo ser considerada como tal quando seja inequívoco
que visa atribuir competências que não caberiam no âmbito definido por essa clausula. Do
mesmo modo, a enumeração negativa, sendo, em principio concretizadora da clausula geral, e
portanto, delimitadora do âmbito substancial da jurisdição, pode conter igualmente
disposições que restringem manifestamente tal âmbito, devendo recolher-se-lhes então um
carater e efeito substrativos.

A enumeração contida no nº1 do art.4º do ETAF visa a concretização positiva do conceito de


“litígios emergentes de relações jurídicas administrativas”, referindo-se, nuclearmente, à
tutela dos direitos fundamentais e outros direitos e interesses legalmente protegidos, bem
como ao contencioso de toda a atividade materialmente administrativa, designadamente das
normas, atos jurídicos e contratos, mas também das ações materiais no exercício da função
administrativa, incluindo o exercício privado de poderes públicos (alíneas de a) a e)) do
referido artigo). O conteúdo de cada uma das alíneas deve ser interpretado, em princípio, em
função da cláusula geral da Constituição. A tutela de direitos fundamentais e das outras
posições jurídicas substantivas, referidas na alínea a), só cabe aos tribunais administrativos no
âmbito das relações jurídicas de direito administrativo – tal como as relações jurídicas inter-
administrativas apontadas na alínea j), abrangem tão só aquelas que se desenvolverem sob a
égide do direito administrativo. A preocupação legal de delimitação do âmbito da jurisidção
através da referencia aos “poderes administrativos” e ao regime de “direito público” naquelas
alíneas que possam abranger atos jurídicos praticados por sujeitos privados, por exemplo, a
alínea d) e a alínea h). É de presumir a assunção, pela lei, de um conceito substancial de
atividade administrativa, quando na alínea c), inclui os litígios decorrentes das atuações
materialmente administrativas de órgãos estaduais e regionais que não pertençam à
Administração pública em sentido organizatório.

Relativamente a estas matérias, é de salientar ainda que as várias alíneas, mesmo que se
limitem a concretizar o âmbito da jurisdição, cumprem um duplo propósito: o de enunciar as
hipóteses mais importantes de litígios decorrentes de relações jurídicas administrativas; e o de
clarificar a competência dos tribunais administrativos relativamente a casos que, por
determinações legais anteriores, lhes tenham sido ou parecia terem sido subtraídos. É o que
acontece com a alínea a) e a alínea k).

Importa destacar que a repetição da cláusula geral como cláusula residual, na alínea o) permite
incluir na jurisdição administrativa litígios que não lhe sejam expressamente atribuídos. Será o
caso dos litígios relativos à condenação ao pagamento de indemnizações decorrentes da
imposição de sacrifícios por razões de interesse públicos, que foram autonomizados
relativamente aos que versam sobre a responsabilidade civil. A referencia a estes litígios no
art.37º do CPTA foi abolida na revisão de 2015, aparentemente por arrastamento, ao
pretender-se abortar a transferência para os tribunais administrativos da competência para a
fixação de indemnizações por expropriação por utilidade pública. Provocou-se, assim, um
lacuna aparente quanto ao tribunal competente para julgar essas questões, as quais, contudo,
seguramente, hão-de comunicar a caber à jurisdição administrativa, agora pela aplicação da
cláusula residual, dado não haver norma de atribuição expressa delas aos tribunais judiciais,
como acontece com a fixação de indemnizações por expropriações e outras restrições de
utilidade pública.

8. Distinga materialmente a competência entre tribunais administrativos e tribunais fiscais.

Embora exista uma relativa unidade de jurisdição entre a justiça administrativa e fiscal, estas
são distinguíveis, de modo que o critério orgânico, associado a um critério material, tem
também relevo para excluir da justiça administrativa, em sentido estrito, a resolução de
questões administrativas que caibam aos tribunais tributários, isto é, das questões decorrentes
de relações jurídicas fiscais.

A jurisprudência tem adotado neste cotexto a chamada “tese ampliativa”, pela qual são
“questões fiscais” para o efeito “todas as questões cuja resolução exija a interpretação e
aplicação de quaisquer disposições de direito fiscal, desde que se situem no campo da
atividade tributaria”. Nos termos introduzidos pela Lei nº118/2019 no CPPT compete aos
tribunais tributários o julgamento das “ações administrativas para a impugnação de atos
administrativos de indeferimento total ou parcial ou da revogação de isenções ou outros
benefícios fiscais, quando dependentes de reconhecimento da administração tributaria, bem
como de outros atos administrativos relativos a questões tributarias que não comportem
apreciação da legalidade do ato de liquidação e para a impugnação de normas administrativas
em matéria fiscal. A competência da jurisdição estende-se ainda a quaisquer outras ações que
envolvam relações jurídicas tributárias, incluindo as relativas a contratos.

Já em matéria de responsabilidade patrimonial do Estado, a jurisprudência remete para os


tribunais administrativos o julgamento das indemnizações de danos que não resultam
diretamente de atos de liquidação.

Neste contexto, deve referir-se ainda que a lei – concretamente, o art.179º do CPA – comete
indiretamente aos tribunais tributários a competência para a execução de atos administrativos
que determinem o pagamento de uma quantia certa. Trata-se de um desvio interno às regras
de competência, que se compreende por razoes de tradição, embora os tribunais
administrativos passem a estar em condições de proceder a tal execução, sendo competentes
para a execução de sentenças administravas contra particulares (art.157º, nº5 do CPTA),
incluindo as de condenação em pagamento de quantias, e lhes caiba a execução judicial dos
atos administrativos contra particulares, quando não impliquem prestações pecuniárias.

9. Quais as razoes de se ter acabado com o modelo dualista das ações administrativas na
reforma de 2015.

Uma das significativas mudanças operadas em 2015 doi precisamente a abolição do regime
dualista das ações administrativas, passando todos os processo não-urgentes do contencioso
administrativo a tramitar sob uma única forma de ação, designada como “açao
administrativa”.

A justificação sintética da medida, que já era defendida por parte da doutrina, consta do
preâmbulo do Decreto-Lei nº214-G/2015, de 2 de Outubro, que vamos transcrever:
“Com efeito, o CPTA, no respeito pela tradição mais recente do contencioso administrativo
português, assente na contraposição entre o recurso contencioso e o processo declarativo
comum do CPC, tradicionalmente seguido no contencioso das ações, optou por estruturar os
processos declarativos não-urgentes sobre um modelo dualista, de acordo com o qual, para
alem dos tipos circunscritos de situações de urgência, objeto de regulamentação própria, as
causa deviam ser objeto da ação administrativa especial ou da açao administrativa comum,
consoante, no essencial, se reportassem ou não a atos administrativos ou normas
regulamentares.

A solução prestava-se a reparos, que se prendiam com a relativa incoerência e com a reduzida
praticabilidade do modelo adotado.

Desde logo, relativa incoerência, na medida em que, embora a tramitação que o CPTA
estabeleceu para a ação administrativa especial tenha sido, de algum modo, a sucessora
daquela que, no regime precedente, correspondia ao recurso contencioso, a verdade é que, os
seus aspetos fundamentais, ela foi configurada por referência ao regime do
processodeclarativocomum do CPC, ao qual, por sua vez, também se reconduzia a forma da
ação administrativa comum.

Esta circunstância tem várias explicações, mas a principal radica no princípio, que o Código
assume como fundamental, nos arts.4º e 5º, da livre cumulabilidade de pedidos. Com efeito, a
introdução da possibilidade da dedução e apreciação, em cumulação, de todos os pedidos que
correspondem à ação administrativa comum no âmbito da açao administrativa especial,
tornou inevitável a aproximação da tramitação desta última ao processo civil, indispensável
para que tal fosse possível. Por isso, mais do que a sucessora do anterior recurso contencioso,
a açao administrativa especial foi configurada como uma forma de processo primacialmente
direcionada a harmonizar o modelo do CPC às especificidadespróprias do processo
administrativo.

Ora, uma forma de processo com estas caraterísticas é suficiente, sem necessidade de um
modelo dualista, para dar resposta a todos os processos declarativos não-urgentes o
contencioso administrativos. Justifica-se, por isso, submeter todos os processos não-urgentes
do contencioso administrativo a um único modelo de tramitação, que corresponde ao da
anterior açao administrativa especial.

No sentido da consagração de um modelo único de tramitação dos processos não-urgentes


concorre, por outro lado, do ponto de vista da praticabilidade do sistema, a convivência em
dar resposta a dificuldades que a delimitação do âmbito de intervenção da açao administrativa
comum e da açaoadministrativa especial colocava. Basta pensar na dificuldade que, em muitas
situações concretas, se coloca de saber se a Administração está investida do poder de praticar
um ato administrativo impugnável, ou se o interessado pode propor uma açao de
reconhecimento dos seus direitos ou interesses sem dependência da emissão desse ato. E na
incoerência de se enquadrar o contencioso dos contratos no âmbito da açao administrativa
comum e o dos atos administrativos no da açao administrativaespecial, num contexto em que
é admitida uma relativa fungibilidade entre as figuras do ato administrativo e do contrato.

Estas razoes determinam a opção de se abandonar o modelo dualista que o CPTA consagrava,
extinguindo-se a forma da açao administrativa comum e reconduzindo-se todos os processos
não-urgentes do contencioso administrativo a uma única forma de processo, a que é dada
designação de “açao administrativa”.
10. Distinga a ação popular local e a ação local social.

A ação popular local é uma espécie qualificada das impugnações de atos administrativos,
admissível apenas relativamente a esse pedido. Corresponde a um puro e simples alargamento
da legitimidade impugnatória, visto que a dimensãocomunitária típica da açao popular não se
manifesta necessariamente nos valores ou interessesdefendidas, bastando-se com o vínculo
de pertença à autarquia local.

A ação popular social (que a lei designa por “ação popular administrativa”) já pode tomar
qualquer das formas e integrar qualquer dos pedidos principais previstos no CPTA. Assim,
poderão propor-se ações administrativas populares ou processos urgentes populares –
designadamente, impugnações de atos ou documentos pré-contratuais e intimações para
prestação de informações, consulta de documentos ou passagem de certidões.

Relativamente a cada uma delas, será aplicável o respetivo regime do CPTA, com as
adaptações decorrentes da legitimidade alargada, mas, no caso da ação popular administrativa
(social), também eventualmente com outras especialidades decorrentes da Lei nº83/95.

É preciso, porem, ter em consideração, por um lado, que a ação popular social tanto pode ser
proposta por quaisquer cidadãos como por associações ou fundações defensoras de
interesses, pelas autarquias locais ou pelo MP. E que, por outro lado, a ação popular social
tanto pode servir para defender interesses difusos propriamente ditos, enquanto interesses
comunitários, como para defender interesses coletivos e, aparentemente, até interesses
individuais homogéneos.

11. O que entende por ato administrativo impugnável para efeitos processuais?

O conceito de ato administrativo impugnável começa por pressupor um conceito material de


ato administrativo, que se refere, nos termos do CPA (art.148º), às decisões materialmente
administrativas de autoridade que visem a produção de efeitos externos numa situação
individual e concreta – independentemente da forma sob que são emitidas, sito é, mesmo que
apareçam em forma de regulamento ou estejam contidas em diplomas legislativos.

Ficam de fora, desde logo, os puros atos instrumentais (atos jurídicos como a generalidade das
propostas, pareceres, comunicações, etc.), bem como as ações ou operações materiais (de
exercício ou de execução) e comportamentos (informações, avisos) – porque, ao constituindo
decisões, não são sequer atos administrativos.

Depois das alterações ao CPA introduzidas pelo Decreto-Lei nº4/2015, o conceito processual
de ato administrativo impugnável tende a coincidir com o conceito de ato administrativo para
efeitos substanciais e procedimentais.

Aproximaram-se, por um lado, na dimensão orgânica, porque o conceito substantivo do CPA já


não exige do seu autor a tradicional qualidade de órgão administrativo: tal como o conceito de
ato impugnável, inclui decisões tomadas por entidades privadas que exerçam poderes públicos
e atos emitidos por autoridades não integradas na Administração Publica (arts.148º do CPA e
51º, nº1 do CPTA).

Aproximaram-se, por outro lado, na medida em que ambos abrangem, em primeira linha,
apenas as decisões administrativas que, ainda que inseridas num procedimento
administrativo, visem produzir efeitos externos (arts.148º do CPA e art.51º, nº1 do CPTA) –
devendo entender-se que atos com eficácia externa são os atos administrativos que visem
constituir (sejam capazes de constituir) efeitos nas relações jurídicas administrativas externas
(na esfera jurídica dos destinatários), independentemente da respetiva eficácia concreta.

Assim, excluem-se do conceito, pelo menos em princípio, os atos internos, isto é, aqueles que
visem produzir efeitos nas relações intrapessoais, atingindo apenas os aspetos orgânicos das
relações especiais de poder ou as relações entre órgãos (ao entre sujeitos) administrativos.

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