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Não, pois apesar de a CRP pôr o acento tónico na garantia dos direitos e interesses legalmente
protegidos dos administrados, limitando a própria garantia do recurso de anulação aos
titulares dessas posições jurídicas subjetivas, tal não deve ser interpretado como imposição
constitucional de um modelo estritamente subjetivista de justiça administrativa. A CRP quis
estabelecer as garantias dos administrados, com a intenção de assegurar uma proteção pela
perante a Administração dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, mas pretendeu
impor um modelo processual determinado. A concretização desse modelo compete ao
legislador, que, no uso da sua liberdade constitutiva, desde que respeite o quadro
constitucionalmente estabelecido, concretamente, o modelo organizatório justicialista e a
proteção efetiva dos direitos dos administrados. Na realidade, e desde logo, o art.268º da CRP,
até pelo seu lugar sistemático, não pretende estabelecer uma regulamentação global da justiça
administrativa, mas apenas definir as garantias dos administrados as suas relações com a
Administração, em especial, o principio da justiciabilidade dos atos de Administração,
assegurado por um direito fundamental especifico de acesso aos tribunais administrativos, um
direito a um procedimento. Depois, e por isso mesmo, não é concebível que o art.268º
contenha uma proibição ao legislador de alargar os meios da justiça administrativa ao controlo
da juricidade das atuações da Administração, para defesa da legalidade e do interesses
publico, mesmo que não estejam em causa direitos dos administrados: por um lado, a
intenção é perfeitamente legítima, se não necessária, em face do art.266º, que erige o
interesse publico como finalidade primeira da Administração Publica; por outro lado, um tal
alargamento impõem-se sempre para as relações interadministrativas, tendo em conta que a
CRP atribui à ordem judicial administrativa a competência para julgar a universalidade das
questões de direito administrativo. Acresce que é a própria CRP que, ao consagrar o direito de
açao popular para defesa de interesses coletivos, difusos ou comunitários, incluindo a defesa
dos bens públicos, impõe uma relativa objetivizaçao do modelo. Por fim, é obvio que a CRP
não assume uma intenção densificadora e, ao consagrar o direito dos administrados a uma
proteção judicial efetiva, não pretende regular em pormenor o processo administrativo, pois
que deixa inequivocamente ao legislador um espaço importante para conformação de aspetos
fundamentais do regime do contencioso, como, por exemplo, o objeto e o prazo da açao de
impugnação de atos, bem como, em geral, os poderes e deveres do juiz, do MP, das partes e
demais intervenientes no processo, os pressupostos e a estruturação processual dos meios
principias e cautelares, os efeitos e o processo de execução das sentenças.
Um outro limite, intimamente associado ao primeiro, mas com alcance mais vasto, decorre da
autocontenção do juiz administrativo perante a reserva de discricionalidade da Administração
no quadro de uma divisão equilibrada dos poderes. Hoje, diferentemente do que acontecia
anteriormente, toda a atividade administrativa mesmo a que represente o exercício de
poderes discricionários, está subordinada ao Direito – é jurídica, quer do ponto de vista
funcional (visa encontrar a melhor solução para a realização do interesse publico legalmente
definido), quer do ponto de vista substancial (está sujeita a princípios como os da
proporcionalidade, da boa fé, da igualdade, da imparcialidade, da justiça, da razoabilidade) – e,
nessa medida está sujeita a uma fiscalização jurisdicional. No entanto, continua a valer a ideia
de que “no respeito pelo principio da separação e interdependência dos poderes, os tribunais
administrativos julgam do cumprimento pela Administração das normas e princípios jurídicos
que a vinculam e não da conveniência ou oportunidade da sua atuação”. Esta afirmação
resulta do nº1 do art.3º do CPTA e exprime nuclearmente o reconhecimento de que o nosso
sistema de administração se integra na família dos “sistemas de administração executiva”.
Neste tipo de sistemas, os tribunais administrativos julgam, em princípio questões de
legalidade ou de juridicidade relativas à atuação administrativa. Não lhes compete administrar,
pelo que da sua jurisdição se excluem os poderes de decisão que englobem questões de
“mérito”, isto é, que impliquem a avaliação da oportunidade e da conveniência da atividade
administrativa segundo padrões ou regras de “boa administração”. Hoje, importa saber por
interpretação da lei, a quem cabe ou deve caber a responsabilidade própria pela decisão de
aplicação da norma ao caso concreto, se à Administração, se aos tribunais: serão relevantes,
no sentido da responsabilidade administrativa, a capacidade técnica e a legitimidade politica
ou social do órgão administrativo, a qualidade da matéria (se estão em causa interesses
complexos que não envolvam direitos fundamentais) e o tipo ou modo de decisão (se a lei
encarrega a Administração de juízos sobre aptidões pessoais, decisões de prognose, decisões
com consequências politicas) – sendo certo que os tribunais, no contexto de um Estado de
Direito equilibrado não devem efetuar um controlo total da atividade administrativa, sob pena
de se cair num “desequilibrado” e indesejável “Estado de juízes”. Assim, haverá, em princípio,
um espaço de autoria própria da Administração, de modo que, quando o litigio entre a
Administração e os particulares se refira exclusivamente à oportunidade ou à conveniência da
organização ou da atuação administrativa, ou na medida em que a elas se refira, não cabe ao
tribunal pronunciar-se, até por, em rigor, não haver uma questão de direito para resolver. Este
limite não vale apenas para os casos tradicionais de impugnação de atos administrativos já
praticados, mas também para as ações que visem a condenação da Administração na adoção
de comportamentos, na realização de prestações ou na emissão (e até, embora
excecionalmente na abstenção) de decisões de autoridade, bem como para os pedidos de
modificação de contratos administrativos que envolvam o exercício de poderes públicos.
Não de uma forma linear, apesar de que ainda que se optasse pela existência de uma reserva
material absoluta da jurisdição administrativa, o critério orgânico de delimitação da justiça
administrativa não perderia sentido, na medida em que a própria constituição atribui a outros
tribunais o julgamento de questões emergentes de relações administrativas.
a) Desde logo, são atribuídas pela Constituição à jurisdição constitucional, por exemplo,
determinadas competências relativas a matéria administrativa, seja no que respeita a questões
eleitorais, seja sobretudo no que concerne à fiscalização abstrata da constitucionalidade das
normas administrativas:
Julgar certos processos em questões eleitorais comuns, incluindo as impugnações de
atos administrativos praticados pela Comissão Nacional de Eleições ou por outros
órgãos da administração eleitoral (art.223º, nº2, alínea c da CRP e o art.8º da Lei do
Tribunal Constitucional);
Declarar com força obrigatória geral a inconstitucionalidade ou a ilegalidade de
normas administrativas com fundamento em violação direta da CRP ou de estatutos
regionais (art.281º, nº1, alíneas a), c) e d) da CRP e art.72º, nº2, do CPTA)
c) Está também constitucionalmente atribuído, ainda que de forma global e indireta, pelo
art.8º, nº3, o conjunto de questões de direito administrativo que pertencem à jurisdição de
tribunais internacionais, em especial ao TJUE, quer se trate de questões prejudiciais relativas à
interpretação das normas comunitárias, quer se trate de questões julgadas a titulo principal,
designadamente no âmbito das relações diretas entre a administração comunitária e entidades
ou empresas nacionais;
d) Por fim, pode considerar-se que a previsão da existência de tribunais arbitrais também
constitui de algum modo uma compressão constitucional da reserva judicial dos tribunais
administrativos, cuja concretização é feita pelo legislador ordinário , no CPTA, ao definir as
matérias administrativas susceptíveis de ser cometidas, em primeira instancia, à jurisidição
arbitral (art.212º, nº3 da CRP).
7. Enumere casos que implicam quer a subtração, quer a atribuição aos tribunais
administrativos de questões relativas ao âmbito material da jurisdição administrativa.
Relativamente a estas matérias, é de salientar ainda que as várias alíneas, mesmo que se
limitem a concretizar o âmbito da jurisdição, cumprem um duplo propósito: o de enunciar as
hipóteses mais importantes de litígios decorrentes de relações jurídicas administrativas; e o de
clarificar a competência dos tribunais administrativos relativamente a casos que, por
determinações legais anteriores, lhes tenham sido ou parecia terem sido subtraídos. É o que
acontece com a alínea a) e a alínea k).
Importa destacar que a repetição da cláusula geral como cláusula residual, na alínea o) permite
incluir na jurisdição administrativa litígios que não lhe sejam expressamente atribuídos. Será o
caso dos litígios relativos à condenação ao pagamento de indemnizações decorrentes da
imposição de sacrifícios por razões de interesse públicos, que foram autonomizados
relativamente aos que versam sobre a responsabilidade civil. A referencia a estes litígios no
art.37º do CPTA foi abolida na revisão de 2015, aparentemente por arrastamento, ao
pretender-se abortar a transferência para os tribunais administrativos da competência para a
fixação de indemnizações por expropriação por utilidade pública. Provocou-se, assim, um
lacuna aparente quanto ao tribunal competente para julgar essas questões, as quais, contudo,
seguramente, hão-de comunicar a caber à jurisdição administrativa, agora pela aplicação da
cláusula residual, dado não haver norma de atribuição expressa delas aos tribunais judiciais,
como acontece com a fixação de indemnizações por expropriações e outras restrições de
utilidade pública.
Embora exista uma relativa unidade de jurisdição entre a justiça administrativa e fiscal, estas
são distinguíveis, de modo que o critério orgânico, associado a um critério material, tem
também relevo para excluir da justiça administrativa, em sentido estrito, a resolução de
questões administrativas que caibam aos tribunais tributários, isto é, das questões decorrentes
de relações jurídicas fiscais.
A jurisprudência tem adotado neste cotexto a chamada “tese ampliativa”, pela qual são
“questões fiscais” para o efeito “todas as questões cuja resolução exija a interpretação e
aplicação de quaisquer disposições de direito fiscal, desde que se situem no campo da
atividade tributaria”. Nos termos introduzidos pela Lei nº118/2019 no CPPT compete aos
tribunais tributários o julgamento das “ações administrativas para a impugnação de atos
administrativos de indeferimento total ou parcial ou da revogação de isenções ou outros
benefícios fiscais, quando dependentes de reconhecimento da administração tributaria, bem
como de outros atos administrativos relativos a questões tributarias que não comportem
apreciação da legalidade do ato de liquidação e para a impugnação de normas administrativas
em matéria fiscal. A competência da jurisdição estende-se ainda a quaisquer outras ações que
envolvam relações jurídicas tributárias, incluindo as relativas a contratos.
Neste contexto, deve referir-se ainda que a lei – concretamente, o art.179º do CPA – comete
indiretamente aos tribunais tributários a competência para a execução de atos administrativos
que determinem o pagamento de uma quantia certa. Trata-se de um desvio interno às regras
de competência, que se compreende por razoes de tradição, embora os tribunais
administrativos passem a estar em condições de proceder a tal execução, sendo competentes
para a execução de sentenças administravas contra particulares (art.157º, nº5 do CPTA),
incluindo as de condenação em pagamento de quantias, e lhes caiba a execução judicial dos
atos administrativos contra particulares, quando não impliquem prestações pecuniárias.
9. Quais as razoes de se ter acabado com o modelo dualista das ações administrativas na
reforma de 2015.
Uma das significativas mudanças operadas em 2015 doi precisamente a abolição do regime
dualista das ações administrativas, passando todos os processo não-urgentes do contencioso
administrativo a tramitar sob uma única forma de ação, designada como “açao
administrativa”.
A justificação sintética da medida, que já era defendida por parte da doutrina, consta do
preâmbulo do Decreto-Lei nº214-G/2015, de 2 de Outubro, que vamos transcrever:
“Com efeito, o CPTA, no respeito pela tradição mais recente do contencioso administrativo
português, assente na contraposição entre o recurso contencioso e o processo declarativo
comum do CPC, tradicionalmente seguido no contencioso das ações, optou por estruturar os
processos declarativos não-urgentes sobre um modelo dualista, de acordo com o qual, para
alem dos tipos circunscritos de situações de urgência, objeto de regulamentação própria, as
causa deviam ser objeto da ação administrativa especial ou da açao administrativa comum,
consoante, no essencial, se reportassem ou não a atos administrativos ou normas
regulamentares.
A solução prestava-se a reparos, que se prendiam com a relativa incoerência e com a reduzida
praticabilidade do modelo adotado.
Desde logo, relativa incoerência, na medida em que, embora a tramitação que o CPTA
estabeleceu para a ação administrativa especial tenha sido, de algum modo, a sucessora
daquela que, no regime precedente, correspondia ao recurso contencioso, a verdade é que, os
seus aspetos fundamentais, ela foi configurada por referência ao regime do
processodeclarativocomum do CPC, ao qual, por sua vez, também se reconduzia a forma da
ação administrativa comum.
Esta circunstância tem várias explicações, mas a principal radica no princípio, que o Código
assume como fundamental, nos arts.4º e 5º, da livre cumulabilidade de pedidos. Com efeito, a
introdução da possibilidade da dedução e apreciação, em cumulação, de todos os pedidos que
correspondem à ação administrativa comum no âmbito da açao administrativa especial,
tornou inevitável a aproximação da tramitação desta última ao processo civil, indispensável
para que tal fosse possível. Por isso, mais do que a sucessora do anterior recurso contencioso,
a açao administrativa especial foi configurada como uma forma de processo primacialmente
direcionada a harmonizar o modelo do CPC às especificidadespróprias do processo
administrativo.
Ora, uma forma de processo com estas caraterísticas é suficiente, sem necessidade de um
modelo dualista, para dar resposta a todos os processos declarativos não-urgentes o
contencioso administrativos. Justifica-se, por isso, submeter todos os processos não-urgentes
do contencioso administrativo a um único modelo de tramitação, que corresponde ao da
anterior açao administrativa especial.
Estas razoes determinam a opção de se abandonar o modelo dualista que o CPTA consagrava,
extinguindo-se a forma da açao administrativa comum e reconduzindo-se todos os processos
não-urgentes do contencioso administrativo a uma única forma de processo, a que é dada
designação de “açao administrativa”.
10. Distinga a ação popular local e a ação local social.
A ação popular local é uma espécie qualificada das impugnações de atos administrativos,
admissível apenas relativamente a esse pedido. Corresponde a um puro e simples alargamento
da legitimidade impugnatória, visto que a dimensãocomunitária típica da açao popular não se
manifesta necessariamente nos valores ou interessesdefendidas, bastando-se com o vínculo
de pertença à autarquia local.
A ação popular social (que a lei designa por “ação popular administrativa”) já pode tomar
qualquer das formas e integrar qualquer dos pedidos principais previstos no CPTA. Assim,
poderão propor-se ações administrativas populares ou processos urgentes populares –
designadamente, impugnações de atos ou documentos pré-contratuais e intimações para
prestação de informações, consulta de documentos ou passagem de certidões.
Relativamente a cada uma delas, será aplicável o respetivo regime do CPTA, com as
adaptações decorrentes da legitimidade alargada, mas, no caso da ação popular administrativa
(social), também eventualmente com outras especialidades decorrentes da Lei nº83/95.
É preciso, porem, ter em consideração, por um lado, que a ação popular social tanto pode ser
proposta por quaisquer cidadãos como por associações ou fundações defensoras de
interesses, pelas autarquias locais ou pelo MP. E que, por outro lado, a ação popular social
tanto pode servir para defender interesses difusos propriamente ditos, enquanto interesses
comunitários, como para defender interesses coletivos e, aparentemente, até interesses
individuais homogéneos.
11. O que entende por ato administrativo impugnável para efeitos processuais?
Ficam de fora, desde logo, os puros atos instrumentais (atos jurídicos como a generalidade das
propostas, pareceres, comunicações, etc.), bem como as ações ou operações materiais (de
exercício ou de execução) e comportamentos (informações, avisos) – porque, ao constituindo
decisões, não são sequer atos administrativos.
Depois das alterações ao CPA introduzidas pelo Decreto-Lei nº4/2015, o conceito processual
de ato administrativo impugnável tende a coincidir com o conceito de ato administrativo para
efeitos substanciais e procedimentais.
Aproximaram-se, por outro lado, na medida em que ambos abrangem, em primeira linha,
apenas as decisões administrativas que, ainda que inseridas num procedimento
administrativo, visem produzir efeitos externos (arts.148º do CPA e art.51º, nº1 do CPTA) –
devendo entender-se que atos com eficácia externa são os atos administrativos que visem
constituir (sejam capazes de constituir) efeitos nas relações jurídicas administrativas externas
(na esfera jurídica dos destinatários), independentemente da respetiva eficácia concreta.
Assim, excluem-se do conceito, pelo menos em princípio, os atos internos, isto é, aqueles que
visem produzir efeitos nas relações intrapessoais, atingindo apenas os aspetos orgânicos das
relações especiais de poder ou as relações entre órgãos (ao entre sujeitos) administrativos.