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Direito Administrativo II – 1º Frequência

1. O que entende pelo principio da legalidade procedimental?

Na noção de procedimento administrativo são importantes dois elementos. Por um lado, o


elemento estrutural, isto é, trata-se de um conjunto de atos e formalidades sem autonomia
funcional e relacionados entre si. Por outro lado, um elemento funcional: os atos servem um
determinado fim, a saber, a formação e manifestação da vontade da administração publica ou
a sua execução. Nem sempre o procedimento chegará a uma decisão final, pois, a
Administração pode convencer-se que o interesse publico justifica que se adie uma decisão ou
que não se contrate, etc.
O desenvolvimento dos atos, em que uns se sucedem aos outros, obedece a um sistema
configurado por lei, e não pela própria Administração que não decide livremente sobre a
forma como se formam, manifestam ou executam as decisões administrativas, isto é, o
procedimento é definido pelas leis – principio da legalidade procedimental como clausula
geral.

2. Pode haver procedimento administrativo sem processo?

Um procedimento administrativo é acompanhado de um processo, que consiste no “conjunto


de documentos em que se traduzem os atos e formalidades que integram o procedimento
administrativo”. Pode ocorrer procedimento administrativo sem processo administrativo, no
caso do estado de necessidade. A prática de atos administrativos sem procedimento
administrativo apenas ocorrerá no caso de autorização por lei especial ou em estado de
necessidade (art. 3, nº2, CPA). A doutrina apontava como exemplos de atos administrativos
sem procedimento as ordens de polícia e os exames escolares. A tendência agora é de
aumentar as garantias e de dilatar o procedimento também a estes casos.

3. Indique os principais fins do procedimento administrativo.

Os principais fins do procedimento administrativo são:


a) A realização dos interesses públicos – a lei especial assegurara a racionalização dos
meios a utilizar pelos serviços e a participação dos cidadãos na formação das decisões
que lhes disserem respeito (art.267, nº5, CRP). O procedimento visa permitir a decisão
administrativa legal, correta e oportuna e a execução eficiente das tarefas
administrativas, em suma a racionalização dos meios, a eficácia e a unidade da
atividade administrativa (art. 199, alínea d), CRP).
b) O Estado de direito – a atividade administrativa deve respeitar os direitos e interesses
legítimos dos particulares. O procedimento administrativo complementa a garantia
jurisdicional, na medida em que se situa num momento anterior à tomada da decisão
eventualmente lesiva, e também permite controlar o mérito das decisões
administrativas, enquanto os meios contenciosos visam essencialmente a legalidade
dos atos. Pode-se falar na proteção dos direitos fundamentais através do
procedimento.
c) O Estado democrático – a administração tem-se democratizado e aceita-se a ideia de
participação alargada dos cidadãos. Artigos 267, nº1, 48 CRP, artigos 11 e 12 CPA. As
decisões administrativas ganham, assim, legitimidade, e são melhor aceites, porque
foram previamente divulgadas e discutidas, pelos seus destinatários. Em certos
procedimentos é importante assegurar não só a participação dos interessados (ex.: a
escolha de local para a construção de um novo aeroporto), mas também contraditório
(ex.: o procedimento disciplinar e o sancionador em geral), tudo dependendo da
espécie de procedimento.

4. Distinga processo judicial e procedimento administrativo referindo-se às respetivas


carateristicas.

Ambos os conceitos pertencem a uma raiz jurídica comum de feição garantistica dos direitos e
interesses legítimos, mas isso não significa que sejam duas noções sobreponíveis. Distinguem-
se quanto aos fins prosseguidos e quanto à espécie de órgãos públicos intervenientes. O
processo judicial pretende que se apure a verdade dos factos e a realização dos interesses das
partes, tudo sendo presidido por um juiz imparcial e independente das partes. O procedimento
administrativo visa outras finalidades, e pretende conciliar a necessidade de garantia dos
direitos dos administrados com o seu principal objetivo de permitir uma eficiente e conforme
às leis realização dos interesses públicos.
O processo judicial circunscreve a atuação de órgãos de soberania, os tribunais. O
procedimento administrativo atua no âmbito de órgãos administrativos, que não são
soberanos. O processo judicial supõe a existência de um conflito jurídico entre duas ou mais
partes e pretende-se do juiz a aplicação das normas jurídicas ao caso concreto. No
procedimento administrativo, pode-se tratar de outras utilidades, que não a resolução de
conflitos jurídicos, como a realização de interesses públicos, por exemplo, relacionados com o
urbanismo, o transito, os planos diretores, o ordenamento do território, etc. Convém que o
procedimento administrativo seja menos solene, menos formalizado, menos rígido, com
menos fases obrigatórias do que o processo judicial, pois, no Estado de direito não se
confundem as funções judicial e administrativa.
No procedimento administrativo, os órgãos administrativos têm predominância, pois podem
dar inicio oficioso ao procedimento, dirigem a instrução, e decidem a final. O principio do
inquisitório tem especial importância (art.58 CPA). Porém, não se pode negar o papel do
principio do contraditório no procedimento (arts. 121, 122, 123 CPA). Os particulares
(interessados) têm um direito subjetivo de intervenção pessoal no procedimento (art. 67 CPA),
ou de se fazer representar ou assistir através de mandatário, advogado ou solicitador. Não se
pode confundir o direito de participação (art.12 CPA), com um mero dever de colaboração no
procedimento (art.11 CPA).

5. Acha que o procedimento administrativo é um ato complexo?

O ato complexo é um ato único, com efeito jurídico unitário, mas na sua formação
participaram dois ou mais órgãos administrativos.
O procedimento é uma sucessão ordenada de distintos atos e formalidades. Não é um
conjunto de atos distintos, não relacionados entre si. Os atos do procedimento têm uma
estrutura de ligação interna, isto é, a prossecução de um interesse publico comum. Cada ato
do procedimento tem regras próprias de validade, vícios e regime de anulabilidade próprios,
independentemente da decisão final do procedimento. O procedimento não é um ato
complexo. Os sucessivos atos não perdem a sua individualidade jurídica dentro de um conceito
substancial e amplo de procedimento que retirasse individualidade jurídica aos atos singulares.
Assim, estes, no caso de vícios, podem ser invalidados, independentemente da decisão final,
não se tendo de esperar por esta ser proferida para haver recurso.

6. O que entende por vinculação, discricionalidade e conceito indeterminados. Dê


exemplos.

Existe a vinculação, se a lei determina os fins, a competência e o conteúdo dos atos


administrativos. Existe discricionalidade, se a lei continua a determinar os fins de interesse
publico, a competência para emanar os atos, mas deixa ao órgão administrativo a possibilidade
de optar pelos meios de alcançar aqueles interesses públicos, isto é, a Administração escolhe
aspetos do conteúdo dos atos. A discricionalidade manifesta-se pela ligação entre a hipótese e
a estatuição da norma jurídica através do elemento “pode”. Há opção de escolha do conteúdo,
porque a Administração pode optar por praticar ou não praticar a medida, ou optar por
medidas alternativas. Qualquer decisão administrativa tem um aspeto vinculado (ex.: a
competência de um órgão, o fim legal, os princípios da proporcionalidade, da igualdade, etc.),
mas pode ter aspetos discricionários previstos e definidos por lei (ex.: conteúdo, tempo,
condições da decisão, etc.). A situação doutrinal foi evoluindo, em primeiro lugar foi-se
esbatendo a diferença entre poder discricionário e conceitos indeterminados; em segundo
lugar, passou a aceitar-se a discricionariedade, tanto na hipótese como na estatuição; em
terceiro lugar, tentou-se juridicizar a discricionariedade através da sujeição completa ao
Estado de Direito. No caso concreto, a discricionariedade exerce-se no sentido da única e
melhor decisão para o interesse público, isto é, a decisão discricionária legitima só pode ser
uma. O CPTA reconhece a existência da discricionariedade administrativa como limite ao
controlo jurisdicional – arts 3 nº1 e 4, 71 nº2, 95 nº5, 167 nº6 e 179 nº1. Segundo a doutrina
portuguesa mais representativa, a interpretação de conceitos vagos ou indeterminados (ex.:
funcionário público) é uma atividade vinculada. No caso dos conceitos indeterminados, a lei
pode conferir ao órgão administrativo uma margem maior ou menor de apreciação, isto é,
após a interpretação do conceito indeterminado a lei deixou ao órgão administrativo alguma
margem para escolher ou decidir (ex.: circunstancias excionais e urgentes de interesse
público). Neste caso, poderemos ter discricionariedade. Há conceitos indeterminados (ex.:
noite, usos da terra) que podem ser preenchidos por interpretação, pelo que não há lugar para
discricionariedade. Outros conceitos utilizados pela lei são muito abstratos (ex.:ordem pública,
conveniência de serviço), pelo que a lei delegou na Administração o preenchimento com
autonomia desses conceitos. A discricionariedade surge se a lei utiliza conceitos referidos a
situações difusas, não suscetíveis de serem preenchidas por interpretação (ex.: interesse
público, beleza estética das construções, grave calamidade pública), cabendo à Administração
o preenchimento destes conceitos. Na discricionariedade, por força do Estado de direito, deve
escolher-se a única e melhor solução, no caso concreto, para o interesse público, no respeito
pelos princípios gerais de direito administrativo. Os princípios da proporcionalidade, igualdade,
imparcialidade, justiça, etc. são limites internos da discricionariedade.

7. Qual o alcance do controlo do juiz da atividade discricionária da administração?


O controlo jurisdicional da atividade discricionária incide nos aspetos vinculados do ato
(competência e fins), abrangendo-se também no controlo o desvio de poder, a ofensa
manifesta dos princípios gerais de direito administrativo, o erro manifesto sobre os
pressupostos de facto, o erro notório de avaliação ou apreciação de situação, e o erro notorio
de preenchimento de conceitos indeterminados. Os tribunais não controlam o próprio
conteúdo da decisão. Os tribunais só controlam as regras procedimentais, os pressupostos de
facto, os princípios gerais do direito administrativo, os critérios objetivos de valoração legais
ou técnico-cientificos genericamente reconhecidos, o desvio de poder, e a arbitrariedade. O
tribunal pode condenar a Administração a emanar um ato discricionário se, no caso concreto,
o exercício da discricionariedade só for legitimo num dado sentido, que o juiz pode
determinar.
O tribunal realiza a ponderação entre os interesses públicos e privados, analisa os princípios da
adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito, o fim de interesse publico
legal, a arbitrariedade, e as regras procedimentais. Em matéria de declaração de utilidade
publica das expropriações, o juiz não controla apenas a utilidade publica da atividade em
abstrato, mas deve efetuar a ponderação de interesses, o balanço entre o custo e as vantagens
do projeto globalmente considerado, à luz do principio da proporcionalidade. O critério da
ponderação é adotado pelo art. 120 nº2, do CPTA. O controlo realizado pelo juiz administrativo
deve aceder verticalmente aos ordenamentos europeu, internacional e global. Os princípios do
Estado de direito e da tutela judicial efetiva exigem o papel ativo do juiz no controlo amplo da
legalidade – arts. 2 e 268, nº4 CRP e 2 CPTA. O controlo judicial deve ser tão amplo quanto
permita a concreta situação jurídica. O tribunal realiza função jurisdicional e não função
administrativa na interpretação das normas que contêm conceitos jurídico indeterminados. a
margem de livre apreciação surge no momento de aplicação das normas, na atrefa de
interpretar nas situações concretas o conceito jurídico indeterminado, não existindo critério
gerais estáticos.
Os tribunais administrativos podem dilatar mais o controlo da aplicação do conceito jurídico
indeterminado do que do exercício de poder discricionário pode ser reduzido a zero no caso
concreto. Por exemplo: a competência discricionária da autoridade policial de intervir ou não é
reduzida a zero no caso de presenciar alguém a ser agredido com violência na via publica. A
existência de “conveniência de serviço” é um conceito completamente controlável pelo juiz.
Assim, apesar dos efeitos jurídicos se aproximarem, pode ser útil permanecer a diferença entre
aplicação de conceito jurídico indeterminado e atividade discricionária, tratando-se de
situações legais distintas. Na situação normal, o tribunal pode efetuar o controlo completo da
aplicação pelas administrações publicas do conceito jurídico indeterminado, exceto se, na
concreta situação, existirem especificidades materiais, técnicas ou jurídicas que viabilizam
apenas um controlo limitado. A aplicação do conceito jurídico indeterminado é controlada
pelo tribunal na situação concreta, e não através de uma interpretação abstrata.

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