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ESBOÇO DE UMA TEORIA DA EXECUÇÃO CIVIL

ESBOÇO DE UMA TEORIA DA EXECUÇÃO CIVIL


Revista de Processo | vol. 118/2004 | p. 9 - 28 | Nov - Dez / 2004
DTR\2004\783

Fredie Didier Júnior

Área do Direito: Civil; Processual


Sumário:

1. A função jurisdicional e as diversas modalidades de tutela dos direitos - 2. Direitos a uma


prestação e direitos potestativos - 3. Direito fundamental à tutela executiva - 4. Execução e processo
de execução: os módulos processuais executivos - 5. Cognição e atividade executiva - 6. Mérito e
coisa julgada - 7. Espécies de execução - 8. Princípios

1. A função jurisdicional e as diversas modalidades de tutela dos direitos

A função jurisdicional é aquela pela qual os órgãos investidos de jurisdição aplicam o direito objetivo
ao caso concreto. Trata-se da função pela qual se tutelam os direitos subjetivos, resolvendo-se as
crises jurídicas que porventura existam ao derredor de tais direitos.

A partir do tipo de proteção (tutela) que se pretenda, podem ser identificados três tipos de tutela
jurisdicional: a) de certeza, ou de conhecimento, ou declaratória: busca-se do Poder Judiciário a
certificação, com a coisa julgada, de determinada relação jurídica; b) de efetivação ou executiva:
pretende-se a efetivação de direitos subjetivos; c) de segurança ou cautelar: busca-se do Estado-juiz
uma providência que assegure/garanta a efetivação da prestação jurisdicional de certificação ou de
execução, tendo em vista a circunstância inexorável de que todo processo jurisdicional necessita de
tempo - e o tempo pode fazer que direitos sejam lesados ou perdidos.

Nesse rápido painel, pode-se vislumbrar o papel da tutela executiva: promover a efetivação dos
direitos subjetivos, garantindo que o resultado prático, que o titular desse direito pretende almejar,
seja, efetivamente, concretizado.

2. Direitos a uma prestação e direitos potestativos

Há uma clássica divisão dos direitos, muito utilizada pelos processualistas no estudo da tutela
jurisdicional. Trata-se da distinção que se faz entre direitos a uma prestação e direitos potestativos.

Direito a uma prestação é o poder jurídico, conferido a alguém, de exigir de outrem o cumprimento
de uma prestação - conduta -, que pode ser um fazer, um não-fazer, ou um dar coisa - prestação
essa que se divide em dar dinheiro e dar coisa distinta de dinheiro. O direito a uma prestação precisa
ser concretizado no mundo físico; a sua efetivação é a realização da prestação devida. Quando o
sujeito passivo não cumpre a prestação, fala-se em inadimplemento ou lesão. Como a autotutela é,
em regra, proibida, o titular desse direito, embora tenha a pretensão, não tem como, por si, agir para
efetivar o seu direito. Tem, assim, de recorrer ao Poder Judiciário, buscando essa efetivação, que,
como visto, ocorrerá com a concretização da prestação devida. São direitos a uma prestação. Por
exemplo: a) direitos absolutos (reais e personalíssimos), que têm sujeito passivo universal e cujo
conteúdo é uma prestação negativa; b) obrigações, que podem ter por conteúdo qualquer prestação.

Direito potestativo é o poder jurídico conferido a alguém de alterar, criar ou extinguir situações
jurídicas. O sujeito passivo de tais direitos nada deve; não há conduta que precise ser prestada para
que o direito potestativo seja concretizado. O direito potestativo efetiva-se no mundo jurídico das
normas, não no mundo dos fatos, como ocorre, de modo diverso, com os direitos a uma prestação. A
efetivação de tais direitos consiste na alteração/criação/extinção de uma situação jurídica,
fenômenos que só se operam juridicamente, sem a necessidade de qualquer ato material (mundo
dos fatos). Exemplifique-se. O direito de anular um negócio jurídico é um direito potestativo; esta
anulação dar-se-á com a simples decisão judicial trânsita em julgado, não será necessária nenhuma
outra providência material, como destruir o contrato. Como já disse um autor, a efetivação, nesses
casos, dá-se pelo verbo, não pelo ato concreto, material.

Os direitos a uma prestação relacionam-se aos prazos prescricionais que, como prevê o art. 189 do
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CC/2002 (LGL\2002\400), começam a correr da lesão/inadimplemento - não-cumprimento pelo


sujeito passivo do seu dever.

Como nos direitos potestativos não há dever, prestação, conduta, a ser cumprida pelo sujeito passivo
- a doutrina denomina de "estado de sujeição" a situação jurídica do sujeito passivo -, não se pode
falar de lesão/inadimplemento; assim, a prescrição não está relacionada a tais direitos. Na verdade,
os direitos formativos submetem-se, se houver previsão legal, a prazos decadenciais.

Pois bem.

O que essa distinção tem a ver com tutela jurisdicional executiva?

Quando se pensa em tutela executiva, pensa-se na efetivação de direitos a uma prestação; fala-se
de um conjunto de meios para efetivar a prestação devida; fala-se em execução de
fazer/não-fazer/dar, exatamente os três tipos de prestação existentes. Não é por acaso, nem
coincidência, que a tutela executiva pressupõe inadimplemento - fenômeno exclusivo dos direitos a
uma prestação. Executar é forçar o cumprimento de uma prestação. Reputamos essa relação entre
direito material e processo fundamental para a compreensão do fenômeno executivo.

A efetivação de um direito potestativo carece de execução, no sentido da expressão aqui utilizada. A


sentença que reconheça um direito potestativo já o efetiva com o simples reconhecimento e a
implementação da nova situação jurídica almejada. A sentença que acolhe uma demanda que
veicule um direito potestativo é uma sentença constitutiva, que, portanto, exatamente por isso não
gera atividade executiva posterior, em razão da absoluta desnecessidade.

3. Direito fundamental à tutela executiva

A teoria dos direitos fundamentais é considerada por muitos constitucionalistas a principal


contribuição do constitucionalismo do pós-Segunda Guerra Mundial.

A processualística, desde muito cedo, apercebeu-se da importância de estudar o processo à luz da


Constituição - veja, por exemplo, o trabalho de José Frederico Marques ainda na década de 50 do
século XX.

Mais recentemente, os processualistas avançaram no estudo do tema, agora para encarar os


institutos processuais não só a luz da Constituição, mas, sim, pela perspectiva de um determinado
tipo de norma constitucional, que são aquelas que prescrevem os direitos fundamentais.

Fala-se, então, do estudo do processo à luz dos direitos fundamentais.

A Constituição Federal de 1988 deu um grande impulso a essa tendência, pois, no rol dos direitos e
garantias fundamentais, inclui uma série de dispositivos de natureza processual, em número sem
precedente na nossa história constitucional.

São tantos e tão diversos dispositivos que hoje não se pode negar a autonomia didática da disciplina
"Tutela Constitucional do Processo".

Vários autores têm se destacado no exame do processo à luz dos direitos fundamentais. Podemos
citar aqueles cujas contribuições são as mais relevantes: Nelson Nery Jr., Marcelo Guerra, Willis
Santiago Guerra Filho, Leonardo Greco, José Rogério Cruz e Tucci, Rogério Lauria Tucci, Luiz
Guilherme Marinoni, Carlos Alberto Alvaro de Oliveira e Delosmar Mendonça Jr.

Dois dos dispositivos constitucionais mencionados merecem, neste momento, uma atenção especial:
a) direito fundamental a um processo devido ( due process of law); b) direito fundamental a
apreciação pelo Poder Judiciário de qualquer alegação de lesão ou ameaça de lesão a direito.

A cláusula do "devido processo legal" é considerada a norma-mãe, aquela que "gera" os demais
dispositivos, as demais regras constitucionais do processo. Dela derivam, por exemplo, a garantia do
contraditório, da proibição de provas ilícitas, da motivação da sentença etc. Embora sem previsão
expressa na Constituição, fala-se que o "devido processo legal" é um processo efetivo, processo que
realize o direito material vindicado.

O Pacto de San José da Costa Rica, ratificado pelo Brasil, prescreve o direito a um processo com
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duração razoável, do qual se retira o princípio constitucional da efetividade.

Como a cláusula do devido processo legal é aberta e, além disso, o legislador constituinte deixou
claro que o rol dos direitos e garantias fundamentais não é exaustivo (art. 5.º, §§ 1.º e 2.º, da
CF/1988 (LGL\1988\3)), incluindo outros previstos em tratados internacionais, a doutrina mais
moderna fala, portanto, no direito fundamental à tutela executiva.

Esse posicionamento é reforçado pela moderna compreensão do chamado "princípio da


inafastabilidade", que, conforme célebre lição de Kazuo Watanabe, deve ser entendido não como
uma garantia formal, uma garantia de pura e simplesmente "bater às portas do Poder Judiciário",
mas, sim, como garantia de acesso à ordem jurídica justa, consubstanciada em uma prestação
jurisdicional célere, adequada e eficaz. Também se pode retirar o direito fundamental à tutela
executiva desse princípio constitucional, do qual seria corolário.

Firmada a existência de um direito fundamental à tutela executiva, cumpre verificar de que modo isso
repercute na atuação judicial. Em primeiro lugar, o magistrado deve interpretar esse direito como se
interpretam os direitos fundamentais, ou seja, de modo a dar-lhe o máximo de eficácia. Em segundo
lugar, o magistrado poderá afastar, aplicado o princípio da proporcionalidade, qualquer regra que se
coloque como obstáculo irrazoável/desproporcional à efetivação de todo direito fundamental.

Mais adiante, na análise da tipicidade dos meios executivos, voltaremos ao tema.

4. Execução e processo de execução: os módulos processuais executivos

A tutela jurisdicional executiva pode operar-se de duas formas: a) ou no bojo de uma relação jurídica
processual especialmente formada com esse objetivo; b) ou como fase de um processo já instaurado
- fase complementar, por certo. Fala-se de dois "módulos processuais executivos".

No primeiro caso, temos o processo de execução, relação jurídica processual com predominante
função executiva; no segundo caso, a execução (atividade executiva) realiza-se no mesmo processo
em que a certificação judicial ocorreu, sendo desta etapa posterior.

É incorreto, portanto, falar que só existe execução no processo de execução.

A propósito, a autonomia do processo de execução, ao menos quando fundada em título judicial,


vem sendo há muito questionada e as últimas mudanças legislativas parece que seguem esse
caminho.

Antes de explicar o ponto, cabe uma advertência: o que se questiona é autonomia do processo de
execução, não da função executiva, essa plenamente diferençada das outras funções jurisdicionais.

Tradicionalmente, até mesmo como forma de diminuir os poderes do magistrado, as atividades de


certificação e efetivação eram reservadas a "processos autônomos", relações jurídicas processuais
que teriam por objetivo, somente, o cumprimento de uma ou de outra das funções jurisdicionais.
Nesse contexto, surgiu a noção de sentença condenatória, que seria aquela sentença que,
reconhecendo a existência de um direito a uma prestação e o respectivo dever de pagar, autorizava
o credor, agora munido de um título, a, se quiser, promover a execução do obrigado. Havia a
necessidade de dois processos para a obtenção da certificação/efetivação do direito.

O tempo foi mostrando o equívoco dessa concepção.

Havia, à época, vários procedimentos que autorizavam ou que inseriam, no bojo do processo de
conhecimento, atos executivos, fato que já compromete a pureza da distinção e da divisão que se
fazia. Citam-se os exemplos da proteção processual da posse e do mandado de segurança.

A partir da generalização da tutela antecipada, arts. 273 e 461, § 3.º, do CPC (LGL\1973\5), agora
permitida no procedimento ordinário, o legislador deu um grande salto evolutivo, facultando, no
procedimento padrão, no bojo de um processo de conhecimento, a prática de atos executivos. O
dogma da necessidade de um processo autônomo para a execução da decisão judicial mostrava-se
obsoleto e injustificável. A doutrina já pugnava, então, pela idéia de que a divisão dos processos
deveria dar-se pela predominância da função, não pela exclusividade.

Mas outro passo havia de ser dado.


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A mudança na tutela jurisdicional das obrigações de fazer e não-fazer, iniciada pelo Código de
Defesa do Consumidor (art. 84) e depois generalizada no art. 461 do CPC (LGL\1973\5), opera
profunda alteração no sistema da tutela executiva. É que, agora, as sentenças que reconhecem a
existência de tais obrigações não precisam, para serem efetivadas, ser submetidas a um processo
autônomo de execução. Possuem essas sentenças aquilo que a doutrina mais antiga chamava de
"força executiva própria"; podem ser efetivadas no mesmo processo em que foram proferidas,
independentemente de instauração de um novo processo e da provocação do interessado: o
magistrado, no corpo da sentença, já determinará quais as providências devem ser tomadas para
garantir a efetivação da decisão.

Depois dessa alteração, pode-se dizer que a execução das sentenças, nessas hipóteses, não
ocorrerá em processo autônomo, mas, sim, como fase complementar ao processo de conhecimento.
Por causa dessa característica, a doutrina passou a designar tais processos de "sincréticos", "mistos"
ou "multifuncionais", pois servem a mais de um propósito: certificar e efetivar.

Esse mesmo regime jurídico foi estendido, recentemente, às obrigações de dar coisa distinta de
dinheiro - arts. 461-A e 621 do CPC (LGL\1973\5).

Atualmente, a única sentença judicial de certificação de um direito a uma prestação que necessita de
um novo processo para ser executada é aquela que condena o réu ao pagamento de quantia.

Essa situação, no entanto, parece que não vai demorar a ser modificada. É que tramita no
Congresso Nacional projeto de lei, elaborado pelo Instituto Brasileiro de Direito Processual, que
acaba o processo de execução de sentença, ou seja, elimina a última hipótese em que isso seria
possível: a sentença condenatória ao pagamento de quantia. De acordo com o projeto, essa
sentença, à semelhança do que já ocorre com aquelas dos arts. 461 e 461-A do CPC (LGL\1973\5),
seria executada em uma fase do mesmo processo em que prolatada, denominada fase do
"cumprimento da sentença".

Podemos, portanto, estabelecer o seguinte painel dos módulos processuais executivos:

a) execução autônoma: fundada em título extrajudicial, fundada em sentença arbitral ou sentença


penal condenatória, e fundada em título judicial que imponha pagamento de quantia;

b) execução como fase do processo: fundada em título judicial que imponha o cumprimento de
obrigação de fazer, de não-fazer ou de dar coisa que não é dinheiro.

Esse sistema pode ser visualizado pela leitura dos arts. 287, 461, 461-A, 621, 644 e 744 do CPC
(LGL\1973\5).

5. Cognição e atividade executiva

É lição velha a de que, no cumprimento da tarefa executiva, a cognição judicial, se existir, é mínima,
"rarefeita", em famosa adjetivação de Kazuo Watanabe. Caberia ao magistrado tão-somente cumprir,
mecanicamente, aquilo que estiver determinado no título. Talvez seja esse um dos motivos pelos
quais, em determinados países, a tarefa executiva não é dada ao Poder Judiciário, mas, sim, a um
órgão da administração como o xerife.

Sucede que a análise não é tão simples, como se pretende.

Há cognição, sim, na tarefa executiva - quer ocorra em processo autônomo, quer como fase de um
mesmo processo.

Inicialmente, cumpre ao magistrado verificar o preenchimento das condições da ação e dos


pressupostos processuais. Além disso, o magistrado também deverá conhecer questões de mérito,
como o pagamento e a prescrição, por provocação do interessado ou, em certas hipóteses, até
mesmo de ofício (art. 194 do CC/2002 (LGL\2002\400)).

É indiscutível, ainda, que, no bojo do processo de execução, há inúmeros incidentes cognitivos, nos
quais haverá atividade intelectual do magistrado, chamado que é a resolver questões - e a resolução
das questões pressupõe cognição. Vejamos exemplos do incidente de nomeação de bem à penhora
ou de alienação antecipada do bem penhorado, momentos em que o magistrado deverá decidir
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determinadas questões (Qual o bem penhorado? Justifica-se a alienação antecipada?), tarefa para a
qual a atividade cognitiva é indispensável.

Mas não é só.

Frustrada a execução para a entrega da coisa ou para o cumprimento de prestação de fazer ou


não-fazer, pode o exeqüente optar pela conversão da obrigação em perdas e danos, que precisarão
ser apuradas, investigadas, conhecidas.

Não se pode querer construir uma teoria da tutela executiva expurgando conceitos, noções e
institutos que pertencem, na verdade, à teoria geral do processo; não são institutos exclusivos de
determinado tipo de tutela jurisdicional.

Ousamos dizer que não há atividade judicial que prescinda da cognição. O que se tem de fazer é
adequar o grau de cognição à tarefa que se espera ver cumprida pelo Poder Judiciário. Se se busca
a certeza, a cognição tem de ser exauriente, exaustiva; se se busca segurança, uma medida que
atenue os riscos da demora do processo, a cognição não pode ser tão exaustiva, sob pena de
comprometer a própria utilidade da medida; se se pretende a execução, a cognição judicial não deve
abarcar, ao menos inicialmente, questões que disserem respeito à formação do título, mas,
necessariamente, envolverá as questões que se referem à efetivação da obrigação, ou seja, os
pressupostos de admissibilidade e a sobrevivência da obrigação executada.

Essa conclusão é fundamental para o desenvolvimento do item seguinte.

6. Mérito e coisa julgada

Juízo de admissibilidade e juízo de mérito são noções que pertencem à teoria geral do processo.
Referem-se aos atos postulatórios. Todo ato postulatório submete-se a um duplo juízo.

Em primeiro lugar, verifica-se se estão presentes os requisitos para que aquilo que foi postulado
possa ser examinado. Empós, e sendo positivo o resultado do primeiro juízo, examina-se a
postulação com o fito de averiguar se pode ou não ser acolhida. No primeiro caso, estamos diante do
juízo de admissibilidade, no segundo, do juízo de mérito.

Por força de uma tendência doutrinária de desprestigiar o processo de execução e a tutela executiva
- o que é no mínimo curioso -, de modo a tirar-lhe o status de tutela jurisdicional, parte da doutrina
não identificava, na tutela executiva, esses dois juízos mencionados. Cogitavam, até, do juízo de
admissibilidade, mas não admitiam falar de mérito no processo de execução.

Alguns doutrinadores passaram a expor o equívoco desta concepção. Partindo da premissa exposta
no primeiro parágrafo - de que as noções de admissibilidade e mérito pertencem à teoria geral do
processo, mais especificamente ao estudo dos atos postulatórios -, demonstraram esses autores a
existência do mérito na execução.

Mérito é o pedido, a postulação, o objeto sobre o qual incidirá a prestação jurisdicional. Na execução,
o mérito divide-se em dois aspectos: a) pedido imediato, que é a tomada das providências
executivas; b) pedido mediato, que é o resultado que se espera a alcançar, o bem da vida que se
pretende conseguir por meio do processo. Eis o mérito. O que acontece é que não haverá
"julgamento" na execução, pois essa tarefa não lhe cabe, não lhe é pertinente - embora, como se viu,
há inúmeras situações em que o magistrado é chamado a decidir/julgar questões no bojo da
execução.

Todas as vezes que o magistrado decidir sobre algum aspecto da postulação, pode-se dizer que
haverá uma decisão de mérito.

O objeto do processo (em sentido amplo) envolve a relação jurídica de direito material contida no
processo. Oskar Büllow, já em 1870, dizia que a relação jurídica processual contém a relação jurídica
material.

Assim, sempre que o magistrado, na execução, resolver/examinar algum aspecto da relação jurídica
material - que não é mais incerta, mas se encontra insatisfeita -, estará ele proferindo uma decisão
de mérito.
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Concluímos: a) há mérito no processo de execução; b) o objeto do processo de execução é, no


entanto, diferente do "mérito" cautelar e do mérito do processo de conhecimento.

Pois bem.

O que isso tem a ver com a análise da coisa julgada no processo de execução?

A coisa julgada material é fenômeno jurídico (situação jurídica) que surge a partir da conjugação dos
seguintes elementos: a) decisão judicial; b) trânsito em julgado (coisa julgada formal); decisão de
mérito; d) cognição exauriente. A presença destes quatro elementos faz surgir, no direito processual
civil brasileiro, ao menos como regra, a coisa julgada material.

Quer por que se entende que na execução não há cognição, quer por que não se admite a existência
de mérito nesses casos, a maior parte dos doutrinadores entende não haver possibilidade de
ocorrência de coisa julgada material no processo de execução.

Tentamos demonstrar o equívoco das premissas para, agora, criticarmos essa conclusão.

É possível que do processo de execução surja a coisa julgada material.

Vejamos:

a) obviamente, ao asseverarmos isso, não queremos dizer que a obtenção da coisa julgada material
seja o fim, o objetivo, a razão de ser da tarefa executiva, como é da tarefa de certificação;

b) é possível que a execução se extinga em razão de fatos que dizem respeito à própria extinção da
relação jurídica material subjacente ao processo executivo, como ocorre em todas as hipóteses do
art. 794 do CPC (LGL\1973\5);

c) não conseguimos distinguir a decisão do magistrado que homologa uma transação em um


processo de conhecimento (art. 269, III, do CPC (LGL\1973\5)), e que está apta a fazer coisa julgada
material, da decisão judicial que homologar uma transação no bojo do processo de execução (art.
794, II, do CPC (LGL\1973\5)). Por acaso a topografia da decisão influenciaria a resposta ao
problema? Poderia o exeqüente, uma vez homologada a transação, executar, de novo, o crédito que
possuía antes do acordo?

d) e se a execução se tivesse extinguido por pagamento? Poderia o exeqüente demandar de novo?


E se fosse reconhecida a prescrição?

A resposta a essas perguntas é a mesma: não. Nas situações mencionadas houve decisão de mérito
fundada em cognição exauriente, apta, portanto, a, após o trânsito em julgado, ficar imune com a
coisa julgada material.

Posicionamo-nos, assim, ao lado da parcela da doutrina que entende possível o surgimento de coisa
julgada material no processo de execução, de que servem de exemplo Barbosa Moreira, Donaldo
Armelin, Alberto Camiña Moreira, entre outros.

7. Espécies de execução

7.1 Execução por sub-rogação e execução por coerção indireta

A execução pode ocorrer com ou sem participação do executado.

Chama-se de execução por sub-rogação aquela em que o Poder Judiciário prescinde da colaboração
do executado para a efetivação da prestação devida. O magistrado toma as providências que
deveriam ter sido tomadas pelo devedor, sub-rogando-se na sua posição. Há substituição da conduta
do devedor por outra do Estado-juiz, que gere a efetivação do direito do executado. Alguns autores
usam a designação "execução direta" ou "execução por meio de coerção direta" para definir o
fenômeno.

Para Liebman, por exemplo, só se pode falar de execução direta. Esse posicionamento do mestre
italiano revelava o preconceito que se tinha em relação às formas de coerção indireta, vista, à época,
com muita má vontade.
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Vejamos o que se entende por execução indireta.

Por vezes, notadamente nos casos de obrigações infungíveis, mas não somente neles, a
sub-rogação ou se mostra impossível, em razão da infungibilidade, ou se mostra demais
onerosa/demorada, como nos casos de prestação de fazer fungível.

Nestes casos, o Estado-Juiz pode promover a execução com a "colaboração" do executado,


forçando a que ele próprio cumpra a prestação devida. Em vez de o Estado-Juiz tomar as
providências que deveriam ser tomadas pelo executado, o Estado força, por meio de coerção
psicológica, a que o próprio executado cumpra a prestação. Chama-se essa execução de "execução
indireta" ou "execução por coerção indireta".

Os meios executivos de coerção indireta atuam na vontade do executado, servindo com uma espécie
de contramotivo, "estímulo" ao cumprimento da prestação. Esta coerção pode se dar por medo
(temor), como é o caso da prisão civil e da multa coercitiva, como também pelo incentivo, as
chamadas sanções premiais, de que serve de exemplo a isenção de custas e honorários para o réu
que cumpra o mandado monitório.

A execução indireta não era muito bem vista antigamente: a) quer porque não se poderia falar de
execução forçada com participação do executado; b) quer porque à época valia a máxima da
intangibilidade da vontade humana, segundo a qual o devedor não poderia ser obrigado/forçado a
colaborar, pois estaria livre para não cumprir o seu dever.

Esse posicionamento está superado, a ponto de o Prof. Michelle Taruffo, em artigo publicado na
RePro 59, ter dito que a tendência moderna é a de prestígio aos meios coercitivos indiretos, mais
eficazes e menos onerosos.

Cumpre, ainda, esclarecer um ponto. Não se pode restringir a execução indireta às obrigações
infungíveis. O raciocínio não pode se pautar neste tipo de divisão. A forma de execução será aquela
que for mais adequada para a efetivação do direito, seja fungível ou infungível a obrigação, pois não
há entre elas qualquer hierarquia.

Há, no entanto, uma tendência legislativa de conferir à tutela das obrigações de fazer e não-fazer a
técnica de execução indireta, pela qual seriam efetivadas por meio de provimentos jurisdicionais que
impusessem o cumprimento da prestação, sob pena de multa ou outra medida coercitiva.

À tutela das obrigações de dar coisa distinta de dinheiro, inicialmente, reservava-se a execução por
sub-rogação, que se dava pelo desapossamento. Após a última reforma processual, entretanto,
estendeu-se a estas obrigações a possibilidade de serem efetivadas por coerção indireta, conforme
faz ver o art. 461-A do CPC (LGL\1973\5). O caso concreto revelará qual a forma mais adequada de
execução.

Normalmente se atribuía às obrigações de pagar quantia a técnica da execução por sub-rogação,


que se daria pela expropriação de bem do executado e a entrega do produto ao exeqüente. Há, no
entanto, hipóteses de execução indireta para pagamento de quantia: a) a primeira, de lege lata, que
é a execução por dívida alimentar, que se pode realizar sob pena de prisão civil; b) a segunda, de
lege ferenda, prevista no Projeto de Reforma da Execução, já mencionado, em que se pretende que
o magistrado comine uma multa fixa para o caso de descumprimento da sentença que impuser o
pagamento de quantia. A praxe forense revela, ainda, uma manifestação de execução indireta na
execução por quantia certa: muitas vezes o magistrado, ao fixar o valor dos honorários advocatícios
devidos no processo de execução, estabelece um valor menor, para a hipótese de pagamento pelo
executado, e um valor maior, para o caso de ele embargar. Ora, nesses casos, incentiva-se o
adimplemento, valendo-se o magistrado de técnica de coerção indireta pelo incentivo.

Por fim, uma observação.

A distinção que se pretende fazer entre "ação executiva lato sensu" e "ação mandamental" parte da
diferença entre coerção direta e indireta. Ambas as demandas teriam por característica comum a
circunstância de poderem gerar uma decisão que certifique a existência do direito e já tome
providências para efetivá-lo, independentemente de futuro processo de execução. São, pois, ações
sincréticas. Distinguem-se na medida em que a primeira visa à efetivação por sub-rogação/execução
direta, e a segunda por coerção pessoa/execução indireta.
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A terminologia consagrada já revela o preconceito que existia em relação à execução indireta.


"Executiva" somente poderia ser a ação que levasse à "sub-rogação". Embora já esteja consagrada,
a terminologia merece reparos; o melhor seria: a) ação executiva lato sensu por coerção direta; b)
ação executiva lato sensu por coerção indireta.

7.2 Execução de título judicial e execução de título extrajudicial

A execução pode ser classificada de acordo com o título executivo que a autoriza/legitima. Fala-se
em execução por título executivo judicial e execução por título extrajudicial.

A distinção tem utilidade na medida em que a defesa do executado será mais ou menos ampla,
conforme se trate de execução por título extrajudicial (art. 745 do CPC (LGL\1973\5)) ou judicial (art.
741 do CPC (LGL\1973\5)), respectivamente.

Conforme já foi visto, há uma tendência legislativa de acabar a execução por título judicial em
processo autônomo - continuaria apenas a execução autônoma de sentença arbitral ou sentença
penal condenatória.

Destaquemos os pontos mais importantes de cada um desses títulos executivos.

Títulos judiciais

a) Costumava-se dizer que o rol dos títulos executivos judiciais seria exaustivo: fora das hipóteses do
art. 584 do CPC (LGL\1973\5), não se poderia falar de título executivo.

Essa premissa mostrou-se equivocada. Vários são os títulos executivos que estão fora do rol
daquele artigo. Apenas para exemplificar, vejamos:

- decisões interlocutórias que antecipam a tutela ou resolvam parte do litígio, como aquela que gera
exclusão do litisconsorte com condenação ao pagamento das verbas de sucumbência;

- decisões judiciais em ações dúplices, normalmente declaratórias, mas que podem ser executadas
pelo réu: oferta de alimentos, desapropriação e consignação em pagamento, por exemplo;

- as sentenças previstas nos arts. 588 e 811 do CPC (LGL\1973\5), que tornam certa a obrigação de
indenizar; são sentenças ilíquidas, como o são tantas sentenças condenatórias, mas
indiscutivelmente servem como título executivo para a execução da obrigação de reparar o dano,
embora não sejam sentenças condenatórias;

- o STJ, recentemente, admitiu a executividade de sentença declaratória, acolhendo a tese do hoje


Min. Teori Zavascki.

b) O rol do art. 584 do CPC (LGL\1973\5) prevê como título judicial a sentença arbitral que,
obviamente, foi produzida fora do Poder Judiciário. Visa-se, com isso, prestigiar a decisão arbitral,
não mais submetida à homologação do Poder Judiciário. Frisa-se, com isso, que o árbitro não dispõe
de competência para executar as suas decisões.

c) O art. 584, III, do CPC (LGL\1973\5) foi recentemente alterado para corrigir uma desarmonia
legislativa. Agora, deixa-se clara a possibilidade de o magistrado homologar conciliação judicial que
verse sobre questão não posta em juízo. Esta possibilidade já havia sido alvitrada na Reforma de
1994, mas a Lei de Arbitragem, desconsiderando a alteração, revogou o dispositivo que acabara de
ser aprimorado, esquecendo-se da inovação.

Correta e bem-vinda a alteração legislativa que deveria, a nosso ver, buscar uma forma de prestigiar
o disposto no art. 57 da Lei 9.099/1995 (Lei de Juizados Especiais), que permite a formulação de
requerimento, ao juízo competente, de homologação de qualquer acordo extrajudicial. Trata-se de
dispositivo cuja eficácia transcende o âmbito dos Juizados Especiais Cíveis. O Projeto de Reforma
do Código de Processo Civil (LGL\1973\5) corrige este esquecimento e propõe a inserção, no rol do
art. 584 do CPC (LGL\1973\5), do mesmo enunciado normativo do art. 57 da Lei 9.099/1995, fato
que certamente fará com que a atuação dos estudiosos e aplicadores se dirija a esta benfazeja
regra, que, empregada corretamente no âmbito, por exemplo, da Justiça do Trabalho, poderia evitar
demandas inúteis e a utilização do artifício das "lides simuladas". Veja, a propósito, a doutrina de
Valton Pessoa sobre o tema.
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ESBOÇO DE UMA TEORIA DA EXECUÇÃO CIVIL

Cumpre lembrar, ainda, que a atividade do magistrado, ao homologar conciliação sobre questão não
posta em juízo, é de jurisdição voluntária.

Títulos extrajudiciais

Sobre os títulos extrajudiciais, destacamos os seguintes pontos.

a) Há uma tendência inexorável e irreversível de ampliação do número de títulos executivos


extrajudiciais conferindo, ao titular de direito inadimplido, imediatamente as vias executivas. A
alteração do art. 585, II, do CPC (LGL\1973\5) indica claramente esta opção legislativa.

b) Os títulos executivos extrajudiciais se justificam na medida em que foram produzidos com a


participação do próprio executado. É por isso que o STJ entendeu que o contrato de abertura de
conta corrente não é título executivo, pois a sua liquidação era feita com o extrato bancário,
documento unilateralmente produzido pelo exeqüente.

Fogem à regra as certidões de dívida ativa, que aparelham a execução fiscal, pois, embora
produzidas unilateralmente, pressupõem a legitimidade da atuação do Poder Público e o respeito ao
devido processo legal administrativo.

c) Após intensa divergência, o STJ recentemente sumulou o entendimento quanto à possibilidade de


execução por título extrajudicial contra a Fazenda Pública (Enunciado 279 da Súmula da
jurisprudência predominante).

d) O art. 585, V, do CPC (LGL\1973\5) prevê hipóteses de títulos executivos extrajudiciais produzidos
pelo juiz: decisão que fixou honorários de perito, por exemplo. A nosso ver, com razão Teori
Zavascki, para quem a inclusão destas decisões no rol do art. 585 do CPC (LGL\1973\5) não se
legitimaria, pois não se justifica ampliar a cognição judicial em eventuais embargos à execução. Tudo
o que o devedor poderá discutir em relação à dívida ele poderia fazê-lo no bojo do processo de
conhecimento que gerou o título.

e) Dispõe o art. 585, § 1.º, do CPC (LGL\1973\5) que a propositura de qualquer ação envolvendo o
título executivo extrajudicial não inibe a sua execução. Apesar da simplicidade do texto, na prática
inúmeras questões surgem a partir deste enunciado.

Estas ações autônomas de discussão da dívida certificada em título executivo extrajudicial são
chamadas pela doutrina de "defesa heterotópica" do executado, porque feita fora do âmbito do
processo de execução - embargos de executado ou "exceção de pré-executividade".

A propositura de tais ações - consignação em pagamento, declaratória de inexistência da dívida,


revisão contratual etc. - traz as seguintes dúvidas: a) Seria possível a antecipação da tutela para
impedir a instauração ou suspender o processo de execução já instaurado? b) Haveria conexão
entre a ação de conhecimento e a ação executiva? c) Poderia esta ação autônoma ser recebida
como embargos à execução, acaso ajuizada após o prazo de embargos e mediante caução? d)
Poderia esta ação ser convertida em embargos à execução, mediante garantia, se fosse ajuizada
anteriormente ao processo de execução?

São várias questões; nem a jurisprudência nem a doutrina chegaram a um denominador comum.
Recentemente, belíssima obra abordou o tema: Rosalina Pereira, Ações prejudiciais à execução,
São Paulo: Saraiva.

Esses, pois, os principais aspectos das execuções fundadas em título judicial e extrajudicial.

7.3 Execução provisória e execução definitiva

Divide-se a execução de acordo com a estabilidade da eficácia do título executivo judicial: se se


tratar de título judicial já definitivamente julgado, haveria execução definitiva; se se tratar de título
judicial que ainda pende de exame, a execução seria provisória.

Toda execução de título extrajudicial é definitiva.

Execução definitiva é a execução completa, que vai até a fase final (entrega do bem da vida), sem
peias ou outras exigências para o credor-exeqüente. Execução provisória ou execução incompleta é
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ESBOÇO DE UMA TEORIA DA EXECUÇÃO CIVIL

aquela que, embora, no atual regramento, possa ir até o final (art. 588, II, do CPC (LGL\1973\5)),
exige alguns condicionamentos extras para o exeqüente.

O art. 589 do CPC (LGL\1973\5) diz que a execução definitiva far-se-á nos autos principais. Nem
sempre. É possível execução definitiva da parte da sentença não apelada; como os autos subiram
com o recurso parcial, a execução haverá de ser feita por carta de sentença ou autos
complementares.

O mesmo art. 589 do CPC (LGL\1973\5) diz que a execução provisória dar-se-á por carta de
sentença ou autos suplementares. Nem sempre, também. A execução de tutela antecipada,
conforme maior parte da doutrina assevera, que é provisória, dá-se nos próprios autos principais. O
mesmo ocorre com a execução da sentença cuja apelação não foi recebida, mas ainda pende
agravo de instrumento interposto contra a decisão que não admitiu a apelação.

A execução provisória foi bastante alterada pela Lei Federal 10.444/2002, e essas alterações
induvidosamente aprimoraram-na.

Vejamos as principais características da execução provisória:

a) Corre por conta e risco do credor, que responderá, objetivamente, pelos prejuízos causados ao
executado, se porventura o seu título for cassado ou alterado.

b) Independe de caução. Nada impede, porém, que, no caso concreto, diante das particularidades,
possa o juiz, com base no poder geral de cautela, impor caução. O que se quis deixar claro, com a
nova redação do art. 588, I, do CPC (LGL\1973\5), é que não se trata de caução exigida por lei para
sua simples instauração.

c) Exige-se, no entanto, a caução para as hipóteses de levantamento de dinheiro, alienação de


domínio ou outros que possam resultar grave dano (art. 588, III, do CPC (LGL\1973\5)). Esse inciso
traz a principal novidade da reforma da execução provisória: a possibilidade de ir até a fase final da
execução.

Esta caução pode ser dispensada nos casos de crédito alimentar, até 60 salários mínimos, quando o
exeqüente se mostrar em estado de necessidade (art. 588, § 2.º, do CPC (LGL\1973\5)).

d) O regime da execução provisória aplica-se totalmente à execução da tutela antecipada (art. 273, §
3.º, do CPC (LGL\1973\5)).

e) Cumpre esclarecer a seguinte situação: iniciada uma execução definitiva, que se suspende pelo
ajuizamento dos embargos do executado, como ela volta a correr, se os embargos forem julgados
improcedentes e a apelação, eventualmente interposta contra esta sentença, for recebida apenas no
efeito devolutivo (art. 520, V, do CPC (LGL\1973\5))? A resposta é a seguinte: volta correr como
parou, ou seja, definitivamente. Caberia execução provisória da sentença dos embargos. Eventual
modificação de sentença não impede o prosseguimento definitivo da execução embargada. Se o
exeqüente afinal se mostrar sem razão, por força do art. 574 do CPC (LGL\1973\5) deverá indenizar,
em responsabilidade objetiva, os prejuízos sofridos pelo executado.

Cumpre lembrar que, na hipótese do art. 2-B da Lei 9.494/1997, alterada pela MedProv
2.180-35/2001, não cabe execução provisória contra Fazenda Pública.

8. Princípios

8.1 Princípio de que não há execução sem título

Nulla executio sine titulo, trata-se de adágio famoso. Não se pode instaurar a execução sem que se
tenha um documento a que a lei confira a aptidão para gerar a atividade executiva do Estado.

As considerações sobre o título executivo já foram feitas.

8.2 Responsabilidade ou toda execução é real

Segundo este princípio, somente o patrimônio do devedor, ou de terceiro responsável, pode ser
objeto da atividade executiva do Estado.
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ESBOÇO DE UMA TEORIA DA EXECUÇÃO CIVIL

Houve época em que se permitia que a execução incidisse sobre a própria pessoa do executado,
que poderia, por exemplo, virar escravo do credor como forma de pagamento da sua dívida. Episódio
que bem demonstra o espírito desta época é o célebre julgamento de Pórcia na obra O mercador de
Veneza de Shakespeare.

A humanização do direito trouxe consigo este princípio.

A proliferação das técnicas de execução indireta, todavia, parece relativizar um pouco o princípio.

Alguns autores (Marinoni, Pontes de Miranda, Marcelo Lima Guerra) chegam a defender a
possibilidade de prisão civil como medida coercitiva para a efetivação de direitos não-patrimoniais,
sob o fundamento de que a vedação constitucional seria apenas a da prisão civil por dívida, o que,
segundo entendem, se restringe às obrigações pecuniárias.

8.3 Contraditório

A doutrina italiana, que não prestigiava o processo de execução, como já se disse, chegou a
defender a idéia de que no processo de execução não haveria contraditório.

Esse posicionamento impressionou Alfredo Buzaid, que no seu projeto previu um contraditório
apenas eventual, e por provocação do executado, no processo de execução.

Este posicionamento hoje em dia está superado:

a) quer porque a redação do texto constitucional é clara ao garantir o contraditório em qualquer


processo jurisdicional;

b) a atividade executiva é, induvidosamente, jurisdicional;

c) a garantia do contraditório nada mais é do que a repercussão, no processo, do regime


democrático, pois é a garantia de participação na formação/produção do direito;

d) a consagração doutrinária e jurisprudencial da exceção de pré-executividade revela a existência


inequívoca da possibilidade da discussão/defesa interna ao processo de execução;

e) existem inúmeros dispositivos legais que instrumentalizam este princípio no procedimento


executivo. Vejam-se, por exemplo, as regras sobre a nomeação de bens à penhora e a da punição
por atos atentatórios à dignidade da Justiça (art. 599, II, do CPC (LGL\1973\5)).

8.4 Princípio da proporcionalidade

O princípio da proporcionalidade, visto por muitos como a grande ferramenta hermenêutica para a
superação, com racionalidade dogmática, dos males do positivismo, e, por outros, como o fator
principal a ser levado em consideração na averiguação do chamado devido processo legal
substancial, tem bastante aplicação no âmbito do processo de execução.

Como mecanismo de solução de conflito entre direitos fundamentais, ajuda o magistrado a


solucionar a admissibilidade ou não da quebra do sigilo bancário.

Auxilia o magistrado, ainda, na tarefa de identificação de bens impenhoráveis, como os adornos


suntuosos no bem de família (Lei Federal 8.009/1990).

Serve, ainda, para que o magistrado aplique a regra do art. 620 do CPC (LGL\1973\5) - menor
onerosidade -, logo abaixo examinada.

Recentemente, foram publicados importantes trabalhos que destacam as repercussões, no processo


de execução, do princípio da proporcionalidade: Marcelo Lima Guerra, opúsculo publicado pela
Editora Revista dos Tribunais, e João Batista Lopes, ensaio publicado na Revista Dialética de Direito
Processual.

8.5 Princípio da menor onerosidade possível ao executado

De acordo com esse princípio, se a execução puder ser efetiva por mais de uma maneira, deve-se
escolher aquela que seja a menos onerosa ao devedor. Este princípio está consagrado no art. 620
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ESBOÇO DE UMA TEORIA DA EXECUÇÃO CIVIL

do CPC (LGL\1973\5). Isso não quer dizer que a execução não possa ser gravosa ao executado - ela
sempre o será, e deverá sê-lo, pois é da sua essência. Se só houver um meio efetivo e adequado
para se promover a execução, e este meio for muito gravoso, ele terá de ser posto em prática.
Nota-se um certo desvirtuamento na aplicação prática do dispositivo, que tem sido aplicado como se
a execução se desse da forma que melhor aproveitasse ao executado.

A aplicação do princípio da proporcionalidade, na exegese deste dispositivo, é absolutamente


fundamental.

8.6 Princípio da disponibilidade da execução

A execução fica à disposição do credor. Não há, no processo de execução, a simetria que existe, no
particular, no processo de conhecimento. A execução é feita para atender aos interesses do
exeqüente, e esse é o norte que deve ser observado pelo magistrado, respeitados, obviamente, os
demais princípios.

Esse princípio pode ser exemplificado pelo regime da desistência na execução.

O credor pode desistir de toda execução ou de algum ato executivo independentemente do


consentimento do executado, ressalvada a hipótese de existência de embargos de executado que
versem sobre questões relacionadas à relação jurídica material (mérito da execução), quando a
concordância do executado/embargante se impõe.

8.7 Princípio da tipicidade dos meios executivos

Durante muito tempo vingou a idéia de que o magistrado só poderia proceder à execução valendo-se
de meios executivos tipicamente previstos na legislação.

A situação atual, no entanto, revela uma tendência de ampliação dos poderes executivos do
magistrado, criando-se uma espécie de poder geral de efetivação, que permitiria ao magistrado
valer-se dos meios executivos que reputar mais adequados ao caso concreto, aplicado, sempre, o
princípio da proporcionalidade.

Michelle Taruffo, no estudo mencionado, já apontava que o direito americano, diante da inefetividade
dos meios executivos at law, começou a autorizar o magistrado a tomar medidas executivas
adequadas ao caso concreto. Trata-se, afirma o jurista italiano, de aplicação do princípio da
adequação, segundo o qual as regras processuais devem ser adaptadas às necessidades do direito
material.

No Brasil, há previsão expressa que garante a atipicidade dos meios executivos na efetivação das
obrigações de fazer, não fazer e dar coisa que não é dinheiro. Trata-se do art. 461, § 5.º, do CPC
(LGL\1973\5), que consagra o mencionado poder geral de efetivação.

Considerando a existência de um direito fundamental à tutela executiva, e a circunstância de que não


há por que prestigiar apenas as mencionadas obrigações, Marcelo Lima Guerra, em estudo recente,
pugna pela extensão do art. 461, § 5.º, do CPC (LGL\1973\5) também à efetivação das obrigações
de pagar quantia. Cita, como exemplo, a possibilidade de usufruto judicial do imóvel mesmo sem a
concordância do devedor (a despeito da letra do art. 722 do CPC (LGL\1973\5)) e a possibilidade de
fixação de multa diária na decisão que ordenar ao executado a indicação de bens penhoráveis, dever
processual previsto no art. 600, IV, do CPC (LGL\1973\5).

No âmbito dos Juizados Especiais Cíveis, consagrou-se prática de execução indireta para
pagamento de quantia não-tipificada: a inscrição do devedor/executado nos cadastros de proteção
ao crédito (Serasa, SPC etc.), como forma de coagir o devedor ao pagamento da obrigação. Este
entendimento, inclusive, encontra-se sumulado nos enunciados dos Coordenadores de Juizados
Especiais, compilada nos encontros que promovem anualmente.

8.8 Princípio da utilidade

A jurisdição somente pode ser acionada se houver alguma espécie de benefício/proveito/utilidade


que se possa alcançar pelo Poder Judiciário. Não é por outro motivo que se impõe o interesse de
agir como condição de admissibilidade da demanda.
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ESBOÇO DE UMA TEORIA DA EXECUÇÃO CIVIL

Não poderia ser diferente com a execução, que somente deve prosseguir se puder resultar algum
benefício para o credor/exeqüente. A execução não pode ser instrumento de capricho do credor, que
deseja apenas ver o executado passar por tal constrangimento.

É por isso que existe a regra do art. 659, § 2.º, do CPC (LGL\1973\5), que afirma peremptoriamente
que não se fará penhora quando evidente que o produto da execução será totalmente absorvido pelo
pagamento das custas da execução.

Essa também a justificativa do art. 1.º da Lei 9.469/1997, que autoriza os advogados dos entes
federais a desistir de execuções de valor igual ou inferior a mil reais, pois o entendimento é de que a
União gastará mais executando do que o bem que, eventualmente, possa vir a ganhar.

8.9 Autonomia

Costumava-se elencar, no rol dos princípios da execução, a autonomia para significar que a
execução deveria ocorrer em processo autônomo. Já vimos o estádio de obsolescência em que se
encontra este princípio, ao menos visto sob esta perspectiva.

Deve-se compreender este princípio, pensamos, como a consagração de que a função executiva é
autônoma, com peculiaridades próprias, não se trata de uma "anomalia", "de um corpo estranho", no
qual o "vestuário" da teoria geral do processo não poderia ser utilizado.

8.10 Responsabilidade do exeqüente

A execução, seja provisória ou definitiva, corre sob a responsabilidade objetiva do exeqüente, que
deverá indenizar o executado se, eventualmente, ficar demonstrada a injustiça da execução. Para a
execução provisória, vale o disposto no art. 588, I, do CPC (LGL\1973\5); para a definitiva, vale a
regra do art. 574 do CPC (LGL\1973\5).

8.11 Maior coincidência possível

Trata-se de velha máxima chiovendiana, segundo a qual o processo deve dar a quem tenha razão o
exato bem da vida a que ele teria direito, se não precisasse se valer do processo jurisdicional.

O processo de execução deve primar, na medida do possível, pela obtenção deste resultado (tutela
jurisdicional) coincidente com o direito material.

Chama-se esse princípio, atualmente, de primazia da tutela específica.

As últimas reformas processuais deram muita importância a esse princípio, não satisfatoriamente
observado no antigo regramento da efetivação das obrigações de fazer, não fazer e dar coisa, cujo
descumprimento implicava, quase sempre, a conversão da obrigação em perdas e danos.

8.12 Dignidade da pessoa humana

O princípio da proteção da dignidade da pessoa humana é considerado, atualmente, o princípio


basilar de toda ordem jurídica, que deve ser construída a partir da observância deste vetor (conferir,
por todos, o trabalho de Ingo Sarlet).

Obviamente, não poderia o processo de execução fugir a esta exigência.

É com base neste princípio que os tribunais têm estendido à impenhorabilidade de bem de família ao
único imóvel de um solteiro - no último informativo do STJ, os Ministros chegaram a dizer que não se
poderia tornar ainda mais insuportável a vida de quem tinha "escolhido o pior dos caminhos: a
solidão".

Também é por força deste princípio que se têm considerado como irrenunciáveis as regras do
beneficium competentiae, previstas no inc. II e seguintes do art. 649 do CPC (LGL\1973\5). O STJ,
por exemplo, invalidou a penhora de uma televisão, oferecida pelo executado à penhora - que foi em
seguida discutida no bojo dos embargos à execução -, sob fundamento de que era bem de família e,
portanto, a sua impenhorabilidade não poderia ser renunciada pelo executado.

Em situações como essas, invocamos, mais uma vez, a necessidade de aplicação do princípio da
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ESBOÇO DE UMA TEORIA DA EXECUÇÃO CIVIL

proporcionalidade.

Ei-las, assim, as principais características, os principais aspectos de uma teoria da tutela executiva.

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