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FORMAS DE TUTELA JURISDICIONAL NO CHAMADO PROCESSO DE

CONHECIMENTO

Carlos Alberto Alvaro De Oliveira


Professor Titular de Direito Processual Civil da Faculdade de Direito da UFRGS
Doutor em Direito pela USP

1. O problema da tutela jurisdicional sempre foi tratado pela doutrina tradicional
como eficácia da sentença. Eficácia essa que seria vinculada à ação, seja de
direito material, seja processual.

Para Pontes de Miranda e seus seguidores, a eficácia da sentença decorreria


somente da ação de direito material. Nessa perspectiva, tanto a ação de direito
de material quanto a pretensão invocada em juízo pertencem ao corpo mesmo
do direito material. Com o não atendimento voluntário, o direito subjetivo
material ficaria inflamado e essa inflamação constituiria exatamente a ação de
direito material. Assim, a ação de direito material seria o mesmo agir para a
realização inerente a todo direito material, com a única diferença que, proibida
a autotutela privada, a sua efetivação se daria por meio da ação dos órgãos
estatais.

O acolhimento do conceito de ação de direito material determina a duplicação


das ações: por um lado, a ação (sem aspas) de direito material, nesse
amparada, dirigida contra o obrigado; por outro, a ação (com aspas)
processual, de direito público, endereçada contra o Estado, para que este, uma
vez certificada a existência do direito, proceda a sua realização coativa,
praticando a mesma atividade de que havia sido impedido seu titular 1. Para
essa corrente, as ações de direito material e por conseqüência as sentenças de
procedência da demanda ostentariam força (eficácia principal)
preponderantemente declaratória, condenatória, constitutiva, mandamental ou
executiva (classificação quinária).

Já a maioria da doutrina brasileira relega o problema da ação de direito


material ao plano exclusivamente material, considerando-a sem relevância para
o processo. A ação processual é que poderia ser condenatória, declaratória ou
constitutiva (classificação ternária), conforme as espécies, determinando igual
eficácia da sentença, se acolhida a demanda 2. É certo que, por força de
recentes reformas legislativas, especialmente a partir da edição do Código de
Defesa do Consumidor e ainda em face da nova redação do art. 461 do CPC,
passou-se também a admitir com maior ou menor ênfase a ação mandamental.
A eficácia da sentença, porém, continua tendo assento na ação, embora vista
sob a perspectiva puramente processual.

O principal objetivo deste ensaio é verificar a validade e aplicabilidade das duas


concepções, submetê-las enfim a uma revisão crítica.

2. A atribuição da eficácia da sentença exclusivamente ao direito material adota


uma visão essencialmente privatística do problema, ignorando o que ocorre no
plano do direito processual e a força imperativa da sentença, haurida no direito
público e na soberania do Estado-juiz. Ademais, todas as críticas

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desenvolvidas em torno da teoria de Adolfo Wach, da ação como direito
concreto, podem ser endereçadas à teoria da ação de direito material. Se não é
possível reconhecer a existência do direito antes do contraditório (o direito
litigioso é consubstancialmente incerto), revela-se inaceitável a admissão de
uma ação de direito material já no início do processo. Entender o contrário
importaria admitir que a sentença haveria de ser sempre favorável ao autor,
porquanto a demanda pressuporia por hipótese a existência do direito.

Tampouco salva a ação de direito material um recuo posterior de seus


defensores, para afastar essa óbvia ilação. Ela já não seria ínsita ao próprio
direito subjetivo nem faria parte da sua essência, mas se reduziria a uma
simples afirmação 3.

Em primeiro lugar, ação não se afirma, ação se exerce, pois pressupõe sempre
um agir em determinada direção, exercício do poder (ou do direito) de agir. Se
ajo não afirmo, se afirmo fico no simples plano do verbo, do dizer, e não
ajo. Tertium non datur.

Mais grave ainda, tal inflexão de rumo termina por reduzir a ação de direito
material a um mero slogan, uma simples idéia platônica, que não chega sequer
a adquirir existência. Por um lado, a ação de direito material, com sua
asserção, ficaria por assim dizer em estado letárgico, visto que o agir seria
desenvolvido exclusivamente pela ação processual. Por outro, depois de
decidido o litígio, ela também não recobraria vida, pois a eficácia da sentença
decorre do comando emitido pelo órgão judicial, a recair na esfera substancial
das partes, em virtude do império decorrente do exercício da jurisdição e da
soberania do Estado. Nem se pode afirmar que o juiz poderia agir a partir daí,
porque o juiz apenas exerce atos de seu ofício, mediante o exercício dos
poderes que lhe são conferidos por regras de direito público, totalmente
distintas das regras de direito material, com alterações ou não no mundo
sensível. De tal sorte, a afirmada ação de direito material, uma vez julgada a
demanda, passa a se confundir com o resultado do processo, ou em outras
palavras com a tutela jurisdicional dispensada pelo Estado.

Ressalta com força, em face dessas considerações, que a introdução do


conceito da ação de direito material não passa de um desnecessário
desdobramento da ação processual, como desde muito está assentado na
ciência processual.

Por outro lado, a defesa de uma ação processual colorida com o direito
material (ação processual declaratória, condenatória etc.) conflita abertamente
com o entendimento, hoje pacífico, da abstratividade da ação processual,
necessariamente não concreta, que pode ser exercida tanto por quem razão
como por quem não tem razão. Além do mais, a ação processual consiste
apenas no agir da parte em juízo, por meio do exercício dos poderes e
faculdades que lhe correspondem abstratamente, concretizados em atos
processuais, conforme a seqüência procedimental estabelecida em lei (v.g.,
demanda, réplica, pedido de prova, arrazoados, recursos etc.). Nada tem a ver,
assim, com a eficácia da sentença, que decorre não do meio, mas do resultado
do processo.

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3. A solução do intricado problema passa, a meu ver, pelas seguintes
constatações e reconhecimentos: a) da existência de dois planos perfeitamente
definidos e distintos, o plano do direito material e o plano do direito processual;
b) do desenvolvimento pelo órgão judicial de uma atividade reconstrutiva do
direito material, a qual embora neste busque substrato com ele não se
confunde, consubstanciada na tutela jurisdicional, fenômeno totalmente diverso
da ação, regido pelos princípios próprios do plano processual; c) dos nexos de
interdependência entre os dois planos e da investigação da forma como se dá
esse relacionamento.

4. Para colocar a questão em seus devidos termos, é preciso ressaltar, antes


de nada, que a tese monista do ordenamento, salvo honrosas exceções, caiu
em total descrédito.

Assentar o fenômeno jurídico só no processo é esquecer o que normalmente


ocorre. Em regra, o direito subjetivo é satisfeito no próprio plano do direito
material, sem necessidade de intervenção do juiz, mediante o exercício pelos
sujeitos de direito dos poderes e faculdades que dele decorrem. Ademais, o
monismo entrevê a lei como um plano, um projeto de ordem jurídica, atribuindo
ao juiz o papel de verdadeiro legislador, o que não corresponde à realidade das
coisas. A esse ângulo visual, o direito material nasceria do resultado do
processo e não existiria antes da sentença.

Em contrapartida, todo exercício de direitos ou cumprimento de deveres antes


da sentença ou fora do processo não poderia ser considerado como tal e
ocorreria num espaço vazio. Semelhante concepção não só deixa de explicar
como a lei tem força para obrigar pelo menos o juiz como também determina,
necessariamente, deva ser atribuída força retroativa a todas normas ditadas
pelo órgão jurisdicional, pois recolheriam tipos realizados sempre antes da sua
vigência. Por último a sentença, suposta sua força legal, haveria de ter eficácia
normativa perante todos 4. A verdade é que o monismo não se configura nos
ordenamentos jurídicos estabelecidos por via de codificação, entre os quais se
inclui o brasileiro, circunstância a distinguir de forma translúcida o direito
material do processual, o momento da incidência do momento da aplicação 5.

Negadas as concepções monistas do direito, ponto atualmente pacífico,


forçoso reconhecer a autonomia do processo e do fenômeno jurisdicional em
relação ao direito material, nada obstante a intima conexidade existente entre
os dois planos. Ademais, com o monopólio estatal da administração da justiça,
a ação só pode ser pensada como um poder dirigido contra o Estado, pois só
esse pode outorgar a tutela jurisdicional e determinar os seus pressupostos. De
modo nenhum se cuida de um direito privado, mas de um direito revestido de
natureza pública, que por seu caráter, sua direção, seu conteúdo e seus
requisitos se distingue em essência da pretensão privada. Um dos erros de
August Thon, além de negar ao direito subjetivo sua realização fora do
processo, foi colocar no direito subjetivo privado a coercibilidade estatal.
Equívoco esse também cometido por Pontes de Miranda e seus seguidores. O
direito subjetivo exibe realmente essa potencialidade, todavia, depois do
reconhecimento dos direitos subjetivos públicos, ocorrido em meados do século

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XX, e da constitucionalização dos direitos fundamentais, entre os quais se
inclui o acesso à jurisdição, impensável vincular tal elemento ao plano do
direito material. A crise do direito material há de ser resolvida no plano
processual, mediante a tutela jurisdicional adequada, regida por normas e
princípios de direito público, salvo se excepcionalmente autorizada a autotutela
(reminiscência rara da ação de direito material) 6.

5. A constatação da existência de dois planos perfeitamente distintos, conduz à


inafastável conclusão de que a tutela jurisdicional não pode ser idêntica à
realização do direito no plano do direito material, fora do processo.

Em razão do monopólio estatal da jurisdição, os pronunciamentos judiciais e as


sentenças, seja qual for o seu conteúdo (declaratório, constitutivo,
condenatório, mandamental, executivo) e os efeitos que deles decorrem, uns e
outros inextricavelmente ligados, não passam de formas próprias e exclusivas
de tutela jurisdicional, de que se serve o Estado, para prestar justiça e realizar
o direito material da maneira mais adequada e efetiva. Esse aspecto foi
grandemente reforçado pela constitucionalização do direito ao processo e à
jurisdição (a exemplo do art. 5º, inciso XXXV, da Constituição brasileira), de
envoltas com a garantia da efetividade e de um processo justo (art. 5º, incisos
XXXVII, LIII, LIV, LV e LVI), a determinar também uma garantia de "resultado",
ressaltando o nexo teleológico fundamental entre "o agir em juízo" e a "tutela"
do direito afirmado. Essa mudança de perspectiva não permite mais referência
à ação como tal — nem à demanda ou à exceção em si "instrumentos"
tecnicamente neutros — mas, sim aos tipos de pronunciamento e de tutela, que
com o exercício de seus poderes as partes podem obter do processo. O que
importa, em suma, não é o meio (a ação) mas o resultado (a tutela
jurisdicional). Não há sentido, portanto, em falar ex ante de tipicidade ou
atipicidade da ação, ou em recorrer à tradicional tipologia das ações, porquanto
a tipicidade e a classificação tipológica constituem atributos ou prerrogativas
sistemáticas do "resultado" de mérito (e não do meio processual) 7.

A tutela jurisdicional serve ao fim último do processo, vale dizer, tanto à


realização da justiça no caso concreto quanto à satisfação do direito material, e
não deve, pois, ser confundida com o direito material ou com uma faceta deste.
Tampouco pode ser considerada como uma mera técnica. E isso porque o
direito, enquanto sistema de atribuição de bens e organização social, não
constitui uma técnica, mas a positivação do poder, ou seja o conjunto de
normas em que transparecem as decisões do Estado (centro de Poder) 8. Além
disso, as normas são destinadas a orientar a conduta das pessoas e suas
relações em sociedade (direito material) ou a estabelecer os meios necessários
para tornar efetivo o direito material, compreendendo tanto o processo quanto o
resultado obtido com o seu emprego (direito processual).

Mais do que isso, em virtude das diferenças fundamentais entre os dois planos,
nem o indivíduo pode declarar, condenar, constituir, mandar ou executar —
praticar em suma atos de império —, nem o juiz pode transigir, reparar,
rescindir, dar posse a funcionário público ou satisfazer a dívida — praticar em
suma atos típicos das partes. As duas atividades são inconfundíveis. Quando
se fala, por exemplo, em tutela inibitória, reparatória ou ressarcitória, está-se a

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examinar o fenômeno com vistas do direito material 9. A inibição, no plano
processual, dá-se com o mandamento, assim como a reparação desemboca na
condenação.

A título de exemplo, salienta-se inexistir qualquer sinonímia entre os verbos


condenar e reparar. Aquele pertence ao plano processual, este, ao material. A
condenação promana e só pode promanar do Poder estatal, de órgão
imparcial, revestido de autoridade e soberania, e visa a reconstruir a situação
material em face da lesão afirmada pelo autor. Mostra-se impensável a
possibilidade de vir a condenação ser imitida por qualquer indivíduo despido de
autoridade estatal. Nesse sentido reconstrutivo, o verbo condenar é
compreensivo do reconhecimento do direito e da lesão, do juízo de reprovação,
da exortação à reparação e de constituição de título executivo. A exortação,
note-se, é ato típico do juiz, a reparação, típico da parte.

É claro que o direito substancial é a matéria prima com que trabalha o juiz,
ingressando no processo como mera afirmação, passando depois a ser objeto
da prova e terminando como realidade acertada, afirmada ou declarada.
Todavia, a eficácia da tutela jurisdicional não se equipara à do direito material.
Trata-se de fenômeno exclusivo do plano do direito processual, que só pode
ser classificado e compreendido a partir de elementos específicos e próprios
desse plano.

Não levar em conta devidamente tal aspecto parece ter sido o limite e a
insuficiência maior das teorias correntes a respeito do assunto.

O exame do plano processual evidencia que, nessa matéria, reinam os


seguintes princípios: dispositivo, da demanda, da adequação entre o direito
material afirmado e a tutela jurisdicional, da segurança e da efetividade. Trata-
se de elementos típicos da tutela jurisdicional, inexistentes no plano do direito
material, preocupado apenas em regrar a conduta dos sujeitos de direito e suas
relações em sociedade. Servem para organizar o processo e melhor
instrumentalizar a realização do direito, ao efeito de se alcançar a justiça do
caso. Quem não atentar a esse aspecto primacial corre o risco de obscurecer
ou mesmo negar a existência de dois planos bem definidos e distintos, o plano
do direito material e o plano do direito processual, cada um com suas próprias
características.

O princípio dispositivo — expressão da liberdade concedida ao indivíduo de


dispor do próprio direito — deixa ao alvedrio do autor o acesso ao tribunal e lhe
permite a opção pela espécie de tutela jurisdicional que poderá ser dispensada
pelo órgão judicial. Por exemplo, no sistema jurídico brasileiro, mesmo após a
lesão do direito, é lícito ao autor deixar de pedir a condenação do demandado e
se limitar a postular a declaração da relação jurídica, ex vi do parágrafo único
do art. 4º do CPC.

O princípio da demanda, em complementação ao princípio dispositivo, impõe


adstrição ao pedido do autor, vedando ao órgão judicial a prolação de
sentença, a favor do autor, de natureza diversa, assim como a condenação do
demandado em quantidade superior ou em objeto diverso do que foi postulado

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(arts. 128 e 460 do CPC), salvo exceções expressamente estabelecidas em lei,
a exemplo do disposto no art. 461, caput, do CPC (tutela específica ou
resultado prático equivalente). De tal sorte, se o demandante optar pela tutela
condenatória, não poderá o juiz conceder tutela mandamental.

O princípio da adequação exige a conformidade da tutela ao direito material


posto em causa. Interessa, aqui, o exame da obrigação ou do dever, porque
em regra o objeto do processo é constituído do lado passivo, em razão do
descumprimento do direito. Esse aspecto mostra-se particularmente importante
no estudo da tutela condenatória, mandamental e executiva lato sensu, como
se verá adiante, no exame de cada uma das espécies.

Semelhante análise, contudo, não pode ser realizada sem se levar em conta as
conexões com os princípios da segurança e da efetividade.

Realmente, no panorama em que se está desenvolvendo a presente


investigação, os princípios da segurança e da efetividade se revestem de
grande importância, pois representam valores essenciais para a conformação
do processo em tal ou qual direção, com vistas a satisfazer determinadas
finalidades, servindo também para orientar o juiz na aplicação das regras e dos
demais princípios. Nessa perspectiva, poder-se-ia afirmar até se tratar de
sobreprincípios, embora sejam, a sua vez, também instrumentais em relação
ao fim último do processo, que é a realização da Justiça do caso. Interessante
é que ambos se encontram em permanente conflito, numa relação
proporcional, pois quanto maior a efetividade menor a segurança, e vice-versa.
Assim, o exercício do direito de defesa, garantia ligada à segurança, não pode
ser excessiva nem desarrazoada. O mesmo se podendo afirmar da efetividade,
que não pode afetar a essência da segurança. Nos casos não resolvidos pela
norma, caberá ao órgão judicial, com emprego das técnicas hermenêuticas
adequadas, ponderar qual dos valores deverá prevalecer.

O princípio da efetividade está consagrado no art. 5º, XXXV, da Constituição da


República, pois não é suficiente tão somente abrir a porta de entrada do Poder
Judiciário, mas prestar jurisdição tanto quanto possível eficiente, efetiva e justa,
mediante um processo sem dilações temporais ou formalismos excessivos, que
conceda ao vencedor no plano jurídico e social tudo a que tem direito  10. Tal
implica o emprego cada vez maior de tutelas in natura e a criação de novos
meios e técnicas, mais eficientes, eficazes e congruentes com a pretensão
aforada, o seu resultado, e a realização prática efetiva e em tempo adequado
da tutela jurisdicional concedida. Advirta-se, além disso, que a efetividade
vigora seja em relação ao direito já lesionado seja quanto aquele simplesmente
ameaçado (CF, art. 5º, XXXV), abrangendo assim a tutela preventiva
substancial e definitiva, além da meramente provisória ou temporária.

Além disso, com a mudança qualitativa no perfil dos litígios, em decorrência da


massificação das relações sociais, atingindo amplo espectro de pessoas de
classe média e pobre, o fator tempo passou a representar elemento essencial
do processo, mormente porque uma decisão ou providência de caráter
satisfativo tardio pode equivaler à denegação de justiça. Trata-se de requisito
que interessa não apenas à parte ativa mas também ao demandado.

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O princípio da segurança liga-se à própria noção de Estado Democrático de
Direito, erigida como princípio fundamental da Constituição da República (art.
1º, caput), de modo a garantir o cidadão contra o arbítrio estatal, tendo
presente a salvaguarda de elementos fundantes da sociedade realmente
democrática, como o princípio democrático, o da justiça, o da igualdade, da
divisão de poderes e da legalidade. Seu maior corolário, no domínio do
processo, é o devido processo legal (CF, art. 5º, LIV), com toda sua corte de
garantias.

Advirta-se, ainda, que nos dias atuais vários fatores vêm determinando uma
maior prevalência do valor da efetividade sobre o da segurança. Em primeiro
lugar, em razão da já mencionada mudança qualitativa dos litígios trazidos ao
Judiciário, numa sociedade de massas, com interesse de amplas camadas da
população, torna-se imperativa uma solução mais rápida do processo e a
efetividade das decisões judiciais. Outro fator relevante é a própria adoção dos
princípios e sua constitucionalização, fenômeno que se iniciou após o término
da segunda guerra mundial. A anterior tramitação fechada e a minúcia
regulamentadora das atuações processuais (excesso de formalismo) dos
códigos processuais, formados em período autoritário ou informados por
ideologia dessa espécie, servia ao fim de controle da jurisdição e dos agentes
forenses pelo centro do poder político, diminuindo a participação democrática
dos sujeitos de direito. Tudo veio a mudar com a emergência dos princípios,
considerados nessa nova perspectiva como direitos fundamentais, que podem
e devem ter lugar de destaque na aplicação prática do direito, sobrepondo-se
às simples regras infraconstitucionais  11. Como lapidarmente acentua M.
Cappelletti 12, a proteção judicial não é necessariamente em si mesma uma
conquista positiva, a menos que possa ser adaptada às necessidades
prementes da sociedade. Em suma, a segurança já não é vista com os olhos
do estado liberal, em que tendia a prevalecer como valor, porque não serve
mais aos fins sociais a que o Estado se destina ou deve se destinar.

Sob o foco da tutela jurisdicional, o princípio da segurança diz respeito,


especialmente, às garantias de defesa. Por sua vez, o princípio da
efetividade impõe a superação de modelos ultrapassados de tutela jurisdicional
para certas situações especiais, ditas lesivas do direito material, em prol de
mais eficaz e rápida realização deste (daí, o surgimento das tutelas executiva e
mandamental).

Com base nesses cinco princípios, levando-se em conta ainda o


comportamento exigido da parte demandada em caso de acolhimento da
demanda e a maneira como se dá o cumprimento da sentença, revela-se
possível observar de forma mais detalhada cada uma das formas de tutela,
tarefa que será efetivada a seguir, com base na eficácia sentencial
preponderante.

6. a) A tutela declaratória, cabível quando haja uma crise de certeza sobre a
existência da relação jurídica, é adequada a qualquer espécie de direito. Pode-
se declarar, v.g., a existência ou inexistência de relação jurídica obrigacional,

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de direito real (exemplo: demanda de usucapião), de direito parental (exemplo:
declaração de existência de relação jurídica de paternidade).

Todavia, o sistema não admite a declaração da existência ou inexistência de


um simples fato (com exceção da declaratória de falsidade documental) ou da
exegese de uma norma considerada em abstrato (cujo suporte fático não tenha
ocorrido). Assim ocorre em virtude de que dita permissão comprometeria as
garantias de defesa do demandado, seja porque um mero fato pode conformar
diversos efeitos jurídicos, seja diante da possibilidade de aplicação da norma
geral e abstrata a uma série indefinida de situações concretas. O princípio da
segurança exige, portanto, se circunscreva a declaração a uma relação
jurídica, vale dizer ao direito que já incidiu e que, em conseqüência, pode ser
concretamente aferível 13.

Na hipótese de acolhimento do pedido declaratório, reclama-se apenas um


comportamento passivo da parte demandada: respeitar o preceito declaratório.
Por isso, não se mostram necessárias quaisquer medidas posteriores para o
cumprimento da sentença.

b) A tutela constitutiva vincula-se aos direitos que determinam uma


modificação jurídica em sentido lato (criar, extinguir, alterar a situação jurídica)
a exemplo dos tipos materiais que permitem a anulação ou a nulidade do
negócio jurídico, a dissolução da sociedade conjugal etc. Também aqui impera
o princípio da segurança, convindo o sistema por essa razão em que a
modificação só possa ser realizada de forma judicial.

O cumprimento emana da própria prolação da sentença, a determinar em si


mesma a modificação jurídica. O comportamento esperado da contraparte é
passivo: unicamente que aja em conformidade com a nova situação jurídica
estabelecida no ato sentencial.

c) A tutela condenatória é própria e exclusiva das assim denominadas


obrigações pecuniárias, antigamente chamadas de obrigações de dar dinheiro,
visto que a futura execução sub-rogatória nela compreendida é normalmente a
que melhor atende ao princípio da efetividade, pois é a mais adequada para
extrair dinheiro do patrimônio do demandado e assim satisfazer ao autor.

Não se afasta, com isso, possa o juiz, agregar algum efeito mandamental,
como a aplicação de astreinte, para emprestar maior efetividade à decisão 14.
Mas se cuidará, apenas, de elemento eventual, a depender das circunstâncias
do caso concreto, sem caráter de generalidade.

Por outro lado, a adoção de meios executórios especiais em relação à tutela


condenatória de alimentos (desconto em folha ou ameaça de prisão) não lhe
retira essa condição. Tanto é assim que, não havendo possibilidade de
desconto em folha ou depois de cumprida a prisão civil, a única forma de o
credor extrair o valor a que tem direito é a execução forçada, por sub-rogação
nos bens do devedor.

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Aqui se está no plano estrito do inadimplemento da obrigação pecuniária, em
que se verificou uma crise de cooperação por parte do devedor. Revela-se
inadmissível, a meu juízo, a possibilidade de abranger a tutela condenatória
também osdeveres decorrentes dos direitos absolutos, que se realizam ou
podem ser exigidos independentemente da colaboração das partes 15. Como
se verá adiante, em relação a esses, o princípio da efetividade só poderá ser
atendido com a adoção de tutelas de caráter mandamental ou executiva lato
sensu, conforme as características do caso trazido ao conhecimento do órgão
judicial. Basta pensar, aliás, nas tutelas preventivas, que buscam evitar o dano
ou impedir seu prosseguimento ou agravamento. De que serviria, nessas
hipóteses, o simples juízo de reprovação contido na sentença condenatória e a
conseqüente exortação ao cumprimento?

O princípio da segurança impede, além disso, o emprego da tutela


executiva lato sensu em se tratando de obrigação pecuniária, pois, por
hipótese, a execução atingirá bens não pertencentes ao exeqüente, passando
o processo em conseqüência a exigir maiores formalidades, em prol do direito
de defesa do executado (v.g., manifestação sobre o bem penhorado, sobre a
avaliação deste, sobre a própria legalidade da execução etc.) 16.

Pouco importa, outrossim, venha a se realizar em outro processo a realização


prática do comando condenatório, ex intervallo, como ocorre atualmente no
sistema brasileiro, ou no mesmo processo, como está previsto no Projeto que
trata do cumprimento da sentença, ora em tramitação no Senado Federal (PLC
52/2004). Em um e outro caso, a exigência de maiores formalidades e de maior
amplitude do direito de defesa não podem ser afastadas pelo legislador, que
não é nem pode ser onipotente. Daí ter sido mantida no Projeto, como não
poderia deixar de ser, a ouvida do executado sobre os bens penhorados, a
avaliação destes e até a possibilidade de impugnação incidental à execução,
nova denominação dos embargos do executado. Procurou-se, é certo, de
forma elogiável, deformalizar a realização prática do julgado condenatório, com
vistas ao princípio da efetividade, mas o princípio da segurança não poderia
ser inteiramente desprezado, pelas razões anteriormente mencionadas. Diante
dessas ponderações, não tenho dúvida em afirmar que, mesmo depois de
transformado em lei o Projeto 52/2004, a tutela continuará a ser condenatória,
nada obstante as simplificações formais introduzidas.

Note-se que, ao contrário das tutelas declaratória e constitutiva, o


comportamento esperado do demandado é ativo: pagar a dívida.

d) A tutela mandamental encontra seu específico campo de aplicação quando


se trata de agir sobre a vontade da parte demandada e não sobre seu
patrimônio, distingue-se, assim, por esse aspecto essencial, tanto da tutela
condenatória quanto da tutela executiva lato sensu. Os deveres de abstenção
decorrentes dos direitos de personalidade, em que rege o princípio tradicional
do alterum non ladere, evidenciam com clareza essa constatação, pois de nada
serviria a simples concessão de tutela condenatória para impedir a lesão, o seu
prosseguimento ou agravamento. Esta se mostraria inadequada para tornar
efetiva a tutela jurisdicional esperada do ente estatal, impondo-se

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conseqüentemente a ameaça de multa ou outras medidas coercitivas, mais
pertinentes ao direito posto em causa.

Inexiste, porém, qualquer razão, para se estabelecer uma relação necessária


entre direitos absolutos e sentença mandamental 17. Também as obrigações
de fazer e não fazer podem ser objeto de tutela mandamental, visto que a
atividade jurisdicional dirige-se no fundamental a agir sobre a vontade do
obrigado.

Essa constatação ganha força especial com o tratamento dispensado no art.


461 do CPC às obrigações de fazer ou não fazer. De modo particular, porque o
§ 1º do art. 461 (introduzido pela Lei 8.952, de 13.12.1994) inverteu o princípio
tradicionalNemo praecise poteste cogi ad factum (ninguém pode precisamente
ser coagido a fazer alguma coisa), nestes termos: "A obrigação somente se
converterá em perdas e danos se o autor o requerer ou se impossível a tutela
específica ou a obtenção do resultado prático correspondente." Afastou-se,
assim, a leitura dos glosadores, privilegiando-se, do ponto de vista do direito
material, o respeito à força do negócio jurídico ou do contrato, banidos é claro
os meios que violentem a pessoa ou a dignidade do devedor, permitindo-se o
constrangimento indireto.

Se a obrigação de fazer é personalíssima, só realizável pelo obrigado (e.g.,


prestação de obra de arte ou científica), ou se foi convencionado no negócio
jurídico que o cumprimento não se daria de forma específica, mostra-se
adequada a tutela condenatória.

Na obrigação de fazer fungível, por hipótese realizável por terceiro às custas do


obrigado, o autor pode escolher entre a sentença condenatória e a
mandamental. Esse o sentido da multa estabelecida pelo art. 287 do CPC
(redação de acordo com a Lei 10.444, de 7.5.2002) 18.

e) A tutela executiva lato sensu 19 age sobre o patrimônio e não sobre a


vontade do obrigado. Hipóteses freqüentes desse tipo de tutela jurisdicional, na
prática judiciária, estão estampadas nas tradicionais demandas de despejo e
possessórias.

Sua adoção explícita no direito brasileiro ocorreu com a introdução do art. 461-
A do CPC, acrescido pela Lei nº 10.444, de 7.5.2002, abrangendo tanto
as obrigações de entregar (a prestação não envolve transferência do domínio,
seja porque situada exclusivamente no plano obrigacional, v.g., obrigação do
locador, seja porque a coisa já é do autor, mas está no poder do demandado,
v.g., demanda de imissão de posse; de petição de herança) quanto
de restituir (ou seja, de dar coisa alheia determinada e que, por qualquer título,
pesa no possuidor ou detentor, v.g., restituição da posse pelo comodatário,
depositário ou mutuário). Também pode ser empregada quando haja dever de
restituir coisa certa, como sucede com o desrespeito ao direito de posse
decorrente da propriedade, que possibilita a demanda reivindicatória da posse
por parte do titular do domínio.

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Excluem-se as obrigações de dar vinculadas à constituição de direito real, pois
esse não se alcança, no direito brasileiro, sem a tradição (coisa móvel) ou sem
a formalidade do registro (coisa imóvel): CC, arts. 1.245 (a transferência entre
vivos da coisa imóvel depende do registro do título traslativo no Registro de
Imóveis) e 1.267 (a propriedade da coisa móvel não se transfere pelo negócio
jurídico antes da tradição).

A tutela executiva lato sensu também compreende a obrigação de dar coisa


determinável apenas pelo gênero e quantidade (obrigação de dar coisa incerta
ou obrigação de gênero, CC, art. 243). Gênero, aí, significa na verdade o
chamado gênero próximo (espécie) e não o gênero remoto (v.g., touro, e não
animal; feijão, e não gênero alimentício).

Um caso à parte de tutela executiva lato sensu é regulado pelos arts. 639 e 640
do CPC (obrigação de prestar declaração de vontade), em que a atividade do
devedor é totalmente substituída pela sentença, que produz o mesmo efeito do
contrato a ser firmado 20.

A petição inicial mencionada no § 2º do art. 461-A é a do processo que


inaugura a demanda executiva lato sensu, cuja realização prática se dará nos
mesmos autos, após a prolação da sentença: não há dois processos, nem
portanto duas petições iniciais, e além disso o direito de defesa do demandado
deverá ser exercido desde o início, razão suficiente para que constem já da
única petição inicial as indicações necessárias para a determinação da coisa
objeto da tutela executiva lato sensu. Não se afasta, no entanto, em face das
circunstâncias do caso, eventual pedido posterior de aplicação das
providências previstas no art. 461 21.

O comportamento esperado do obrigado é ativo (cumprir a obrigação ou


atender ao dever de restituir), mas nelas se dispensa a execução ex intervallo,
prevalecendo o princípio da efetividade no confronto com o princípio da
segurança. Distingue-se, assim, da tutela condenatória — consoante a linha
discriminatória já mencionada — porque aqui é atingido apenas o próprio
patrimônio do autor.

7. Como se vê, tanto a tutela executiva lato sensu quanto a mandamental


atendem ao princípio da maior efetividade possível. Basta pensar em relação a
esta última que o resultado específico não poderia ser obtido mediante a
simples condenação, porquanto conduziria apenas à obtenção do equivalente
em dinheiro, com o emprego dos meios subrogatórios de execução.

De outro lado, não parece adequado confundi-las com a tutela condenatória


sob o argumento de que esta também contém ordem de prestação, variando
apenas a forma de realização 22. Na verdade, a sentença condenatória não
contém ordem mas sim apenas exortação ao cumprimento da prestação, e por
isso mesmo o seu descumprimento não sujeita o devedor a qualquer sanção
penal ou civil.

Pretende-se, ainda, constitua a sentença mandamental título para a execução


forçada, tanto quanto a condenação ordinária — consistindo assim em

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mera condenação, só se diferenciando no conteúdo da sanção imposta em seu
segundo momento, na qual se exacerba o fator comando, ou mandamento 23.
Todavia, a diferença está no próprio conteúdo da sentença, porque os dois
verbos mandar e condenar são totalmente distintos, com conseqüências
jurídicas bastante diferenciadas: o mandamento atua sobre a vontade do
demandado, por meios de coerção, a condenação tende a atuar sobre o
patrimônio, em outro processo futuro (efeito executivo da condenação),
mediante meios sub-rogatórios.

Cumpre ainda sublinhar que as cinco espécies de tutela (declaratória,


condenatória, constitutiva, mandamental e executiva lato sensu) constituem
sem exceção fenômenos jurídicos. É preciso considerar, porém, que as
sentenças declaratórias e constitutivas satisfazem por si mesmas a pretensão
processual, sem necessidade de qualquer ato material futuro; a condenatória
fica a meio caminho, criando apenas as condições jurídicas, com a constituição
do título executivo, para que tal possa ocorrer posteriormente em processo
autônomo e independente, dito de execução; as duas últimas satisfazem no
mesmo processo, por meio de atos materiais, realizados depois da sentença,
aptos a produzir alterações no mundo fático. Por essa razão, em se tratando de
tutela mandamental e de tutela executiva lato sensu, está-se na presença de
processos mistos ou sincréticos, que envolvem tanto o conhecimento quanto a
realização prática do julgado. Daí que, nessas duas últimas espécies, só é lícito
considerar cumprido e acabado o ofício jurisdicional com a realização do direito
reconhecido na sentença. Em relação a elas, o art. 463 do CPC implica apenas
veto a que o juiz possa alterar a sentença depois de publicada

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