Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
CONHECIMENTO
1. O problema da tutela jurisdicional sempre foi tratado pela doutrina tradicional
como eficácia da sentença. Eficácia essa que seria vinculada à ação, seja de
direito material, seja processual.
{739710.DOCX v.1}
desenvolvidas em torno da teoria de Adolfo Wach, da ação como direito
concreto, podem ser endereçadas à teoria da ação de direito material. Se não é
possível reconhecer a existência do direito antes do contraditório (o direito
litigioso é consubstancialmente incerto), revela-se inaceitável a admissão de
uma ação de direito material já no início do processo. Entender o contrário
importaria admitir que a sentença haveria de ser sempre favorável ao autor,
porquanto a demanda pressuporia por hipótese a existência do direito.
Em primeiro lugar, ação não se afirma, ação se exerce, pois pressupõe sempre
um agir em determinada direção, exercício do poder (ou do direito) de agir. Se
ajo não afirmo, se afirmo fico no simples plano do verbo, do dizer, e não
ajo. Tertium non datur.
Mais grave ainda, tal inflexão de rumo termina por reduzir a ação de direito
material a um mero slogan, uma simples idéia platônica, que não chega sequer
a adquirir existência. Por um lado, a ação de direito material, com sua
asserção, ficaria por assim dizer em estado letárgico, visto que o agir seria
desenvolvido exclusivamente pela ação processual. Por outro, depois de
decidido o litígio, ela também não recobraria vida, pois a eficácia da sentença
decorre do comando emitido pelo órgão judicial, a recair na esfera substancial
das partes, em virtude do império decorrente do exercício da jurisdição e da
soberania do Estado. Nem se pode afirmar que o juiz poderia agir a partir daí,
porque o juiz apenas exerce atos de seu ofício, mediante o exercício dos
poderes que lhe são conferidos por regras de direito público, totalmente
distintas das regras de direito material, com alterações ou não no mundo
sensível. De tal sorte, a afirmada ação de direito material, uma vez julgada a
demanda, passa a se confundir com o resultado do processo, ou em outras
palavras com a tutela jurisdicional dispensada pelo Estado.
Por outro lado, a defesa de uma ação processual colorida com o direito
material (ação processual declaratória, condenatória etc.) conflita abertamente
com o entendimento, hoje pacífico, da abstratividade da ação processual,
necessariamente não concreta, que pode ser exercida tanto por quem razão
como por quem não tem razão. Além do mais, a ação processual consiste
apenas no agir da parte em juízo, por meio do exercício dos poderes e
faculdades que lhe correspondem abstratamente, concretizados em atos
processuais, conforme a seqüência procedimental estabelecida em lei (v.g.,
demanda, réplica, pedido de prova, arrazoados, recursos etc.). Nada tem a ver,
assim, com a eficácia da sentença, que decorre não do meio, mas do resultado
do processo.
{739710.DOCX v.1}
3. A solução do intricado problema passa, a meu ver, pelas seguintes
constatações e reconhecimentos: a) da existência de dois planos perfeitamente
definidos e distintos, o plano do direito material e o plano do direito processual;
b) do desenvolvimento pelo órgão judicial de uma atividade reconstrutiva do
direito material, a qual embora neste busque substrato com ele não se
confunde, consubstanciada na tutela jurisdicional, fenômeno totalmente diverso
da ação, regido pelos princípios próprios do plano processual; c) dos nexos de
interdependência entre os dois planos e da investigação da forma como se dá
esse relacionamento.
{739710.DOCX v.1}
XX, e da constitucionalização dos direitos fundamentais, entre os quais se
inclui o acesso à jurisdição, impensável vincular tal elemento ao plano do
direito material. A crise do direito material há de ser resolvida no plano
processual, mediante a tutela jurisdicional adequada, regida por normas e
princípios de direito público, salvo se excepcionalmente autorizada a autotutela
(reminiscência rara da ação de direito material) 6.
Mais do que isso, em virtude das diferenças fundamentais entre os dois planos,
nem o indivíduo pode declarar, condenar, constituir, mandar ou executar —
praticar em suma atos de império —, nem o juiz pode transigir, reparar,
rescindir, dar posse a funcionário público ou satisfazer a dívida — praticar em
suma atos típicos das partes. As duas atividades são inconfundíveis. Quando
se fala, por exemplo, em tutela inibitória, reparatória ou ressarcitória, está-se a
{739710.DOCX v.1}
examinar o fenômeno com vistas do direito material 9. A inibição, no plano
processual, dá-se com o mandamento, assim como a reparação desemboca na
condenação.
É claro que o direito substancial é a matéria prima com que trabalha o juiz,
ingressando no processo como mera afirmação, passando depois a ser objeto
da prova e terminando como realidade acertada, afirmada ou declarada.
Todavia, a eficácia da tutela jurisdicional não se equipara à do direito material.
Trata-se de fenômeno exclusivo do plano do direito processual, que só pode
ser classificado e compreendido a partir de elementos específicos e próprios
desse plano.
Não levar em conta devidamente tal aspecto parece ter sido o limite e a
insuficiência maior das teorias correntes a respeito do assunto.
{739710.DOCX v.1}
(arts. 128 e 460 do CPC), salvo exceções expressamente estabelecidas em lei,
a exemplo do disposto no art. 461, caput, do CPC (tutela específica ou
resultado prático equivalente). De tal sorte, se o demandante optar pela tutela
condenatória, não poderá o juiz conceder tutela mandamental.
Semelhante análise, contudo, não pode ser realizada sem se levar em conta as
conexões com os princípios da segurança e da efetividade.
{739710.DOCX v.1}
O princípio da segurança liga-se à própria noção de Estado Democrático de
Direito, erigida como princípio fundamental da Constituição da República (art.
1º, caput), de modo a garantir o cidadão contra o arbítrio estatal, tendo
presente a salvaguarda de elementos fundantes da sociedade realmente
democrática, como o princípio democrático, o da justiça, o da igualdade, da
divisão de poderes e da legalidade. Seu maior corolário, no domínio do
processo, é o devido processo legal (CF, art. 5º, LIV), com toda sua corte de
garantias.
Advirta-se, ainda, que nos dias atuais vários fatores vêm determinando uma
maior prevalência do valor da efetividade sobre o da segurança. Em primeiro
lugar, em razão da já mencionada mudança qualitativa dos litígios trazidos ao
Judiciário, numa sociedade de massas, com interesse de amplas camadas da
população, torna-se imperativa uma solução mais rápida do processo e a
efetividade das decisões judiciais. Outro fator relevante é a própria adoção dos
princípios e sua constitucionalização, fenômeno que se iniciou após o término
da segunda guerra mundial. A anterior tramitação fechada e a minúcia
regulamentadora das atuações processuais (excesso de formalismo) dos
códigos processuais, formados em período autoritário ou informados por
ideologia dessa espécie, servia ao fim de controle da jurisdição e dos agentes
forenses pelo centro do poder político, diminuindo a participação democrática
dos sujeitos de direito. Tudo veio a mudar com a emergência dos princípios,
considerados nessa nova perspectiva como direitos fundamentais, que podem
e devem ter lugar de destaque na aplicação prática do direito, sobrepondo-se
às simples regras infraconstitucionais 11. Como lapidarmente acentua M.
Cappelletti 12, a proteção judicial não é necessariamente em si mesma uma
conquista positiva, a menos que possa ser adaptada às necessidades
prementes da sociedade. Em suma, a segurança já não é vista com os olhos
do estado liberal, em que tendia a prevalecer como valor, porque não serve
mais aos fins sociais a que o Estado se destina ou deve se destinar.
6. a) A tutela declaratória, cabível quando haja uma crise de certeza sobre a
existência da relação jurídica, é adequada a qualquer espécie de direito. Pode-
se declarar, v.g., a existência ou inexistência de relação jurídica obrigacional,
{739710.DOCX v.1}
de direito real (exemplo: demanda de usucapião), de direito parental (exemplo:
declaração de existência de relação jurídica de paternidade).
Não se afasta, com isso, possa o juiz, agregar algum efeito mandamental,
como a aplicação de astreinte, para emprestar maior efetividade à decisão 14.
Mas se cuidará, apenas, de elemento eventual, a depender das circunstâncias
do caso concreto, sem caráter de generalidade.
{739710.DOCX v.1}
Aqui se está no plano estrito do inadimplemento da obrigação pecuniária, em
que se verificou uma crise de cooperação por parte do devedor. Revela-se
inadmissível, a meu juízo, a possibilidade de abranger a tutela condenatória
também osdeveres decorrentes dos direitos absolutos, que se realizam ou
podem ser exigidos independentemente da colaboração das partes 15. Como
se verá adiante, em relação a esses, o princípio da efetividade só poderá ser
atendido com a adoção de tutelas de caráter mandamental ou executiva lato
sensu, conforme as características do caso trazido ao conhecimento do órgão
judicial. Basta pensar, aliás, nas tutelas preventivas, que buscam evitar o dano
ou impedir seu prosseguimento ou agravamento. De que serviria, nessas
hipóteses, o simples juízo de reprovação contido na sentença condenatória e a
conseqüente exortação ao cumprimento?
{739710.DOCX v.1}
conseqüentemente a ameaça de multa ou outras medidas coercitivas, mais
pertinentes ao direito posto em causa.
Sua adoção explícita no direito brasileiro ocorreu com a introdução do art. 461-
A do CPC, acrescido pela Lei nº 10.444, de 7.5.2002, abrangendo tanto
as obrigações de entregar (a prestação não envolve transferência do domínio,
seja porque situada exclusivamente no plano obrigacional, v.g., obrigação do
locador, seja porque a coisa já é do autor, mas está no poder do demandado,
v.g., demanda de imissão de posse; de petição de herança) quanto
de restituir (ou seja, de dar coisa alheia determinada e que, por qualquer título,
pesa no possuidor ou detentor, v.g., restituição da posse pelo comodatário,
depositário ou mutuário). Também pode ser empregada quando haja dever de
restituir coisa certa, como sucede com o desrespeito ao direito de posse
decorrente da propriedade, que possibilita a demanda reivindicatória da posse
por parte do titular do domínio.
{739710.DOCX v.1}
Excluem-se as obrigações de dar vinculadas à constituição de direito real, pois
esse não se alcança, no direito brasileiro, sem a tradição (coisa móvel) ou sem
a formalidade do registro (coisa imóvel): CC, arts. 1.245 (a transferência entre
vivos da coisa imóvel depende do registro do título traslativo no Registro de
Imóveis) e 1.267 (a propriedade da coisa móvel não se transfere pelo negócio
jurídico antes da tradição).
Um caso à parte de tutela executiva lato sensu é regulado pelos arts. 639 e 640
do CPC (obrigação de prestar declaração de vontade), em que a atividade do
devedor é totalmente substituída pela sentença, que produz o mesmo efeito do
contrato a ser firmado 20.
{739710.DOCX v.1}
mera condenação, só se diferenciando no conteúdo da sanção imposta em seu
segundo momento, na qual se exacerba o fator comando, ou mandamento 23.
Todavia, a diferença está no próprio conteúdo da sentença, porque os dois
verbos mandar e condenar são totalmente distintos, com conseqüências
jurídicas bastante diferenciadas: o mandamento atua sobre a vontade do
demandado, por meios de coerção, a condenação tende a atuar sobre o
patrimônio, em outro processo futuro (efeito executivo da condenação),
mediante meios sub-rogatórios.
{739710.DOCX v.1}