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Perguntas – 2º frequência

1. Relacione ação particular, ação publica e ação popular com legitimidade.

O artigo 55º do CPTA, que tem um alcance claramente objetivista, continua a conferir
legitimidade para impugnar atos administrativos a titulares de meros interesses de facto,
alarga a ação de grupo e a ação popular, e amplia a legitimidade do ministério público e a ação
pública nas relações inter-administrativas.

A legitimidade ativa para a impugnação de atos administrativos é, assim, atualmente


reconhecida:

a) No âmbito da ação particular:


 A quem seja titular de um interesse direto e pessoal na impugnação,
designadamente (mas não necessariamente) quando alegue uma lesão de direitos
ou interesses legalmente protegidos- isto é, a quem retire imediatamente
(diretamente) da anulação ou declaração de nulidade um beneficio especifico para
a sua esfera jurídica (pessoal), mesmo que não invoque a titularidade de uma
posição jurídica subjetiva lesada (nº1, alínea a));
 Às entidades privadas, quanto aos interesses que lhe cumpra defender (nº1, alínea
c)), designadamente às associações (sem caracter politico) que têm por fim a
defesa de direitos ou interesses legalmente protegidos dos seus membros (“ação
de grupo” ou “ação coletiva”)- abrange a defesa de direitos e interesses coletivos
ou a defesa coletiva de direitos e interesses individuais legalmente protegidos dos
respetivos associados.
 Às entidades públicas, atuando em defesa de interesses próprios, no âmbito das
relações inter-administrativas, quando estejam numa posição de sujeição, ou,
excecionalmente, no exercício de poderes de tutela (nº1, alínea c)). ´
 Aos órgãos administrativos, relativamente a atos praticados por órgãos da mesma
pessoa coletiva, quando esteja em causa a prossecução de interesses pelos quais
esses órgãos sejam diretamente responsáveis (nº1, alínea d).

b) No âmbito da ação popular:


 Aos cidadãos eleitores das comunidades locais, para impugnação dos atos dos
respetivos órgãos autárquicos ou de entidades instituídas pelas autarquias
locais ou que delas dependam, independentemente de terem um interesse
direto e pessoal na anulação- através da “ação popular local” (nº2);
 A qualquer pessoa, bem como ao MP, às autarquias locais e às associações e
fundações de defesa de certos interesses “difusos”, relativos a valores e bens
comunitários constitucionalmente protegidos- como a saúde pública, o
ambiente, o urbanismo, o ordenamento do território, a qualidade de vida, o
património cultural e os bens do Estado, das regiões autónomas e das
autarquias locais-, relativamente a atos administrativos lesivos desse
interesse, nos termos do artigo 9º, nº2 do CPTA- na “ação popular
administrativa” (“ação popular social”) (nº1, alínea f));
c) No âmbito da ação pública:
 Ao MP, para defesa da legalidade (nº1, alínea b));
 Aos presidentes dos órgãos colegiais (contra os atos do respetivo colégio), ou a
outras autoridades, nos casos previstos na lei, quando esta lhes atribua a
defesa da legalidade (nº1, alínea e)).

Relativamente à legitimidade passiva:

Uma das grandes novidades do CPTA de 2002 foi justamente a de que mesmo relativamente
aos meios impugnatórios, a parte no processo passa a ser a pessoa coletiva pública ou, no caso
do Estado e das Regiões Autónomas, o Ministério ou a secretaria regional, se o ato for da
autoria de um órgão integrado numa estrutura ministerial ou do governo ou do governo
regional respetivamente (artigo 10º, nº2).

Só assim não acontecerá, naturalmente, no caso de impugnação do ato administrativo por


outro órgão da mesma pessoa coletiva (artigo 10º, nº8).

Importante é também a imposição legal de demanda dos contra-interessados a quem o


provimento do processo impugnatório possa diretamente prejudicar ou que tenham legitimo
interesse na manutenção do ato impugnado (artigo 57º).

2. Indique algumas carateristicas especificas das ações relativas a normas jurídicas.

Desde logo, estas ações têm, por determinação legal, um valor indeterminável, considerando-
se, por isso, de valor superior ao da alçada dos TCA. Por isso, as sentenças proferidas em
primeira instancia não suscetíveis, se for caso disso, de recurso per saltum ou de recurso
excecional de revista para o STA. Acresce que é obrigatório, para o MP, o recurso das decisões
de primeira instância que declarem a ilegalidade de qualquer regulamento com força
obrigatória geral (art.73º, nº4 e 5 CPTA).

De salientar é ainda a possibilidade de suspensão cautelar da eficácia das normas


imediatamente operativas. Nos termos da lei, a suspensão tem efeitos gerais nos casos em que
seja pedida pelo MP ou pelos autores populares, mas quando seja requerida pelos particulares
lesados, os efeitos suspensivos circunscrevem-se ao seu caso, ainda que o pedido principal seja
– como agora é, em regra – de declaração de ilegalidade com força obrigatória geral (art.130º
CPTA).

3. Acha que o juiz administrativo pode condenar o conselho de ministros à emissão de


normas administrativas omitidas?

Sim, o juiz administrativo pode condenar o conselho de ministros à emissão de normas


administrativas omitidas.

Esta possibilidade de considerar o remedio jurisdicional em caso de omissão no cumprimento


do dever administrativo de emissão de normas não existe em todos os ordenamentos jurídicos
e revela, em primeira linha, uma dimensão fundamentalmente objetivista ou comunitarista do
modelo de justiça administrativa, embora possa também servir a proteção de direitos dos
particulares.
Por outro lado, é também um sinal da intensidade do controlo judicial da atividade (em rigor,
da inatividade) normativa da Administração.

Pressupõe-se, no art.77º, a verificação de uma omissão daquelas normas, cuja adoção, ao


abrigo de disposições de direito administrativo, seja necessária para dar exequibilidade a atos
legislativos carentes de regulamentação.

Parece-nos, porem, que a condenação à emissão de normas também deveria ter lugar em
outras hipóteses de estrita vinculação administrativa à elaboração de regulamentos, quer o
respetivo dever seja imposto por princípios jurídicos em determinadas situações, quer resulte
de uma auto-vinculação administrativa, quer mesmo resulte do vazio normativo resultante de
uma sentença de declaração de ilegalidade de uma norma com força obrigatória geral –
embora sempre sem prejuízo do núcleo essencial da discricionariedade normativa legalmente
reconhecida, designadamente no quadro das administrações autónomas.

A figura e a formula foram evidentemente inspiradas na fiscalização da inconstitucionalidade


por omissão, sendo de esperar que, na concretização das condições legais se recorre
igualmente à jurisprudência constitucional – terá de tratar-se da omissão deregulamentos que
se prove serem necessários à execução de preceitos concretos das leis em vigor (ou do direito
da UE), nos termos referidos no nº1 do art.137º do CPA.

Obviamente que a omissão pode resultar de uma ordem legal concreta de regulamentação,
dirigida à administração, quer a lei fixe, ou não, um prazo para o efeito – na hipótese de a lei
não fixar prazo, como tal não significa que a administração goze de total liberdade para
escolher o momento da regulamentação, justifica-se o pedido de declaração de ilegalidade por
omissão para que o tribunal determine, através de critérios de razoabilidade, se já (ou ainda)
se verifica a ilegalidade por falta das normas necessárias para dar exequibilidade ao ato
legislativo.

Saliente-se, por fim, que tendo em conta a razão de ser do preceito, a omissão se refere a
“normas” e não a diplomas, de modo que se o regulamento existir, mas for deficiente em
termos de, manifestamente, não conter as normas que sejam necessárias à execução dos
preceitos legais, está verificado o pressuposto da utilização da açao de condenação na emissão
de normas.

4. Acha que na execução contratual pela administração interessa saber se está perante uma
declaração negocial?

O CPTA não prevê que a ação sobre contratos possa ser utilizada quando se pretenda
impugnar um ato administrativo praticado em execução de um contrato: nessas hipóteses,
terá de lançar-se mão da impugnação do ato.

Põe-se, assim, necessariamente, o problema de saber, quanto à execução contratual pela


administração, quando se está perante a emissão de uma declaração negocial
(designadamente, o exercício de um direito potestativo) ou perante a prática de um
verdadeiro ato administrativo impugnável- questão que é atualmente resolvida, ao menos
tendencialmente por via legislativa.
Esta distinção é importante no caso do Estado, pois determina se é o Estado ou o Ministério
que vai figurar em juízo, o que, por vezes, pode ser menos claro.

Outra questão é a de saber qual o processo a utilizar quando se pretenda obter a condenação
da administração à prática de um ato administrativo em cumprimento de um contrato que
envolva o exercício de poderes públicos. Poderia entender-se que, nessa situação, se deveria
utilizar a ação relativa a contratos, por se tratar de um ato contratualmente devido, mas, como
já vimos, parece que deve pedir-se a condenação à prática de ato administrativo devido, pois
que a circunstância de a obrigação da prática decorrer de um contrato não altera o carácter e
as dimensões substanciais de autoridade e de subordinação legal próprias de tal forma de
atuação administrativa.

5. Acha que a culpa do lesado tem influência no direito à indemnização contra a


administração?

No caso de se tratar da responsabilidade por danos resultantes de atos administrativos ilegais,


o direito à indemnização não depende da tempestiva impugnação (art.38º, nº1 do CPTA), mas
a autonomia da açao de responsabilidade não obsta a que o particular possa ver diminuída ou
eliminada a indemnização a que teria direito, por concorrência de culpas, na medida em que a
produção ou o agravamento dos danos seja imputável a negligencia processual do particular,
por não ter utilizado a via processual adequada à eliminação do ato jurídico lesivo” – é este o
regime que resulta agora inequivocamente do art.4º do Regime da Responsabilidade Civil
Extracontratual do Estado, que incumbe o tribunal de ponderar no caso concreto a gravidade
das culpas de ambas as partes e as respetivas consequências.

6. Acha que o tribunal administrativo pode condenar uma junta de freguesia a realizar
obras?

Está em causa, na alínea h) do nº1 do art.37º o pedido de condenação – e não de simples


apreciação e declaração de um direito do autor - à adoção ou abstenção de comportamentos,
que é e dirigida, em princípio, contra a Administração, mas que também pode ser utilizada,
como agora se prevê expressamente, contra particulares (ou, simultaneamente, contra a
Administração e os particulares, quando estes sejam prejudicados pela atuação ou abstenção).
Este pedido, relativamente à Administração, pressupõe a existência de atuações concretas no
âmbito do direito público que não constituam atos impugnáveis – devendo entender-se o
conceito de comportamento num sentido amplo, de modo a englobar, além dos
comportamentos propriamente ditos, as operações materiais e também os “meros atos
jurídicos”, por exemplo, neste âmbito o caso de pedido de condenação na realização de obras,
julgado pelo Acórdão do TCA-N de 22/05/2015, P.559/12. 0BEVIS.
É de salientar que também aqui (e não apenas na condenação à prática de atos
administrativos) se pode por o problema da limitação dos poderes condenatórios do juiz nos
casos em que a adoção de atos jurídicos ou comportamentos envolva a formulação de
valoração próprias do exercício da função administrativa, sem que a apreciação do caso
concreto permita identificar apenas uma atuação como legalmente possível. A revisão de 2015
alargou às sentenças de condenação na prática de (meros) atos jurídicos ou comportamentos
o disposto no art.95º, que antes se referia apenas a pedidos de condenação à reconstituição,
cumulados com pedidos impugnatórios:
a) Por um lado, estabelecendo que o tribunal não pode, também nesses casos,
determinar o conteúdo do ato jurídico ou do comportamento a adotar, mas deve
explicar as vinculações a observar pela Administração (nº5);
b) Por outro lado, determinando que o tribunal, quando o quadro normativo lhe permita
especificar o conteúdo dos atos e operações a adotar, mas da instrução realizada não
resultem elementos de facto suficientes para concretizar essa especificação, abra uma
fase complementar – notificando a Administração para apresentar (no prazo de 20
dias) propostas fundamentada sobre a matéria, ouvindo os demais intervenientes no
processo e ordenando as diligencias complementares necessárias – que o habilite a
proferir uma sentença de conteúdo determinado (nº6).
Deste modo, o legislador pretende antecipar o processo de execução, no âmbito do qual
teriam lugar as diligencias ordenadas e a especificação da condenação, caso o juiz se limitasse
a uma condenação genérica.

7. Achas que um vizinho pode demandar um particular que está a fazer numa nova
construção urbana por não cumprir as regras legais de saúde publica?

A lei refere expressamente, no art.37º, nº3, a possibilidade de utilização da ação


administrativa por qualquer pessoa ou entidade diretamente lesada nos seus direitos e
interesses legalmente protegidos, para pedir a condenação à adoção ou abstenção de
comportamento por particulares (“nomeadamente concessionários”), com fundamento na
violação ou fundado receio de violação de “vínculos juridicos administrativos” – quando e
desde que a Administração, solicitada a fazê-lo, não tenha tomado as medidas adequadas.
Este pedido de imposição ou de inibição de comportamentos tem sentido enquanto caso
especial de processo administrativo (principal) entre meros particulares, o qual, na medida em
que está envolvida numa relação jurídico-administrativa, pressupõe o requerimento prévio
dirigido à Administração e, naturalmente, o decurso de um prazo razoável ou prova clara da
omissão administrativa. Na verdade, a referencia expressa aos concessionários pode ser ou
acaba por ser enganadora, dado que muitas vezes atuam no exercício de poderes públicos e
são, por isso, equiparados, também para efeitos processuais, a entidades administrativas.
Os “vínculos jurídico-administrativos” violados constituem deveres jurídicos, que ligam o
particular à Administração e derivam de normas, atos administrativos ou de contratos – por
exemplo, em matéria de urbanismo, ambiente, património cultural, ordenamento do
território, ou de prestação de serviços de interesse geral -, cujo incumprimento pode ter
efeitos negativos para terceiros, no quadro de relações jurídicas poligonais, por exemplo, o
incumprimento de limites construtivos ou de emissões, ou de regras de saúde publica ou de
prestação de serviços essenciais.

8. Acha que podem existir ações administrativas entre órgãos da mesma pessoa coletiva?

Está legalmente prevista no art.37º, alínea n) a existência de ações administrativas no âmbito


de relações jurídicas entre entidades administrativas, isto é, em princípio, entre pessoas
coletivas públicas. Esta possibilidade corresponde a necessidades óbvias em face da
pulverização organizacional da administração pública, seja pela constituição de entes jurídicos
públicos no âmbito das administrações indiretas, seja pelo desenvolvimento das
administrações autónomas e independentes e até de algumas das formas de privatização
funcional. Como é natural, as ações são aqui definidas em função das partes e podem reportar-
se a quaisquer dos pedidos referidos: de reconhecimento, de intimação ou inibição, de
condenação no restabelecimento de situações ou em prestações, tal como podem ser ações
sobre contratos ou responsabilidade, mas também, de pedidos impugnatórios ou de
condenação à prática de atos administrativos ou normas administrativas. Tendo em conta o
carater excecional das relações jurídicas intra-pessoais, a propósito da delimitação do conceito
substancial de relação jurídica administrativa, nãos nos parece que, face ao princípio geral da
legitimidade fixado no art.9º, nº1, possam existir entre órgãos da mesma pessoa coletiva, que
têm atribuições comuns, ações administrativas para além dos casos, já referidos, em que a lei
expressamente confere aos órgãos administrativos legitimidade para apresentar pedidos de
impugnação ou condenação relativos a normas ou atos administrativos.

9. O que entende por jurisdicidade material como critério da providencia cautelar?

Um dos aspetos mais inovadores da reforma de 2002 foi o da consagração da juridicidade


material como padrão da decisão cautelar. O juiz tem agora o poder e o dever de, ainda que
em termos sumários, avaliar a probabilidade da procedência da ação principal, isto é, em
regra, de avaliar a existência do direito invocado pelo particular ou da ilegalidade que ele diz
existir, ainda que esteja em causa um “verdadeiro” ato administrativo.

O papel que foi dado ao fumus boni iuris (ou “aparência do direito”) revelou-se excessivo
contribuindo para sobrecarregar os processos cautelares com a invocação na petição, pelos
requerentes, de praticamente todos os argumentos, de facto e de direito, que deviam
consubstanciar o processo principal. Desse modo, para além de se descaraterizar os
procedimentos cautelares, prejudicou-se a celeridade própria e desejada para este tipo de
processos urgentes, contribuindo ainda para o atraso dos processo principais não urgentes.

A revisão de 2015 modificou a relevância do fumus boni iuris na tutela cautelar em dois
aspetos significativos. Por um lado eliminou a possibilidade, antes prevista, de ele ser o único
fator relevante para a decisão de adoção da providência cautelar em caso de procedência
evidente da pretensão principal, designadamente por manifesta ilegalidade do ato. Nesta
hipótese, a lei permitia que o juiz pudesse decretar a providência adequada, mesmo sem a
prova do receio do facto consumado ou da difícil reparação do dano e sem ponderar a
gravidade dos prejuízos que a concessão pudesse eventualmente causas ao interesse público
ou aos contra-interessados. Essa solução normativa foi objeto de fortes críticas doutrinais e a
jurisprudência interpretou-a em sentido muito restritivo, tendo recusado na prática quase
todas as solicitações para a respetiva aplicação. Embora a solução pudesse ser defensável em
situações excecionais a lei optou em 2015 por eliminar esta modalidade de concessão de
providencias cautelares. Já na situação oposta, isto é, em caso de manifesta falta de
fundamentação da pretensão principal, será sempre recusada qualquer providencia, mesmo
que não tenha havido lugar à rejeição liminar do pedido. Assim, nos casos de evidencia da
ilegalidade da pretensão, o fumus malus continua a funcionar como o fundamento
determinante da recusa da providencia.
Por outro lado, a lei, em 2015, suprimiu a diferença de regime entre a concessão de
providencias conservatórias e de providencias antecipatórias, exigindo, para ambos os tipos de
providencias, a comprovação da probabilidade de procedência da ação principal. A eliminação
desta diferenciação, em 2015, pode justificar-se pela dificuldade e eventual inadequação, em
alguns casos, da distinção conceitual entre as providencias, bem como por afastamento da
ideia de presunção da legalidade do ato administrativo. Mas significa, na prática, uma maior
exigência de prova feita ao requerente para a obtenção de medidas cautelares conservatórias,
que são as mais frequentes, e portanto, um maior relevo negativo da juridicidade material,
que não só leva a uma diminuição significativa da tutela cautelar favorecendo a Administração
nos processos impugnatórios, como também sugere um indesejado empolamento do processo
cautelar com a argumentação e prova do mérito da ação principal.

O fumus boni iuris não é, só por si, decisivo, tendo de verificar-se os outros requisitos
necessários para a concessão, designadamente, o receio da constituição de uma situação de
facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para o requerente, bem
como a proporcionalidade dos efeitos.
Há aqui um tributo à justiça material (à legalidade e aos direitos dos particulares). A relevância
da juridicidade material, sobretudo nos casos de incerteza à primeira vista, não pode ser
pretexto para alongar e desvirtuar o processo cautelar sobrecarregando-o com uma
argumentação e uma instrução aprofundadas sobre o mérito da causa, como se fosse um
processo principal.
A referência ao “fumus”, ou seja, a “aparência” do direito visa justamente exprimir que a
convicção prima facie do fundamento substancial da pretensão é bastante e é adequada à
decisão cautelar, ao contrário do que se exige na decisão dos processos principais. Não se
devia, por isso, exigir uma probabilidade séria ou clara, sobretudo quando estejam em causa
providencias conservatórias.

10. Acha que a proporcionalidade é importante na decisão da providência cautelar?

Um aspeto relevante e, nos termos legais, decisivo é o do peso do princípio da


proporcionalidade na decisão de condenação ou de recusa da providencia.
Trata-se de uma característica nuclear do sistema de proteção cautelar construído em 2022 –
oriunda do direito processual civil e com alguma originalidade face aos ordenamentos
processuais administrativos dos outros países – que implica a ponderação de todos os
interesses em jogo, de forma a fazer defender a própria decisão sobre a concessão ou recusa
da providencia cautelar dos interesses preponderantes no caso.

Concretamente, está em causa a possibilidade de, mesmo que se verifiquem os dois requisitos
fundamentais – quer o periculum in mora, quer o fumus boni iuris, enquanto probabilidade de
procedência da açao principal – o juiz deve recusar a concessão da providencia cautelar,
quando o prejuízo resultante para o requerido (que será sempre, pelo menos, um prejuízo
para o interesse publico) se mostre superior ao prejuízo que se pretende evitar com a
providencia. Isto significa que a Reforma de 2002 introduziu o princípio da proporcionalidade,
na sua dimensão estrita de equilíbrio, na decisão sobre a concessão ou a recusa da providencia
cautelar.
Avaliam-se, num juízo de prognose, os resultados de cada uma das alternativas, e não se
concede a providencia, mesmo que se verifiquem os requisitos, quando os prejuízos da
concessão sejam superiores aos prejuízos que resultariam da não concessão.

Normalmente, os interesses do requerido correspondem ao interesse publico. E, por isso,


podíamos ser tentados a ver aqui um resquício da ideia antiga da exclusão da providencia em
caso de prejuízo grave para o interesse publico e, portanto, de uma tendência para a
sistemática prevalência do interesse publico sobre o interesse particular. Esta ponderação, que
também está prevista no processo civil, justificar-se-ia especialmente no processo
administrativo, em vista da presença normal do interesse publico do lado do requerido, como
potencial vitima da concessão da providencia – e seria essa a explicação para bastar aqui, para
excluir a concessão, que esta cause um dano superior ao que se pretende evitar, e não um que
exceda consideravelmente outro, como se exige no processo civil.

Mas, em rigor, não é isso que deve retirar-se do regime geral: a lei não pode ser interpretada
como um reconhecimento implícito ou um pretexto para a prevalência sistemática do
interesse publico sobre o interesse do particular, num quadro de bipolaridade.

A lei admite – e bem, me vista de complexidade crescente da relações jurídicas administrativas


– a possibilidade de haver interesses públicos de ambos os lados, bem como a de haver, como
há, em regra, interesses privados de ambos os lados. A lei refere-se aos interesses do
requerido e dos contra-interessados, bem como aos interesses do requerente. Não se trata
aqui de ponderar exclusivamente o interesse publico com o interesse privado, mesmo que
muitas vezes o interesse do requerido seja o interesse publico e o interesse do requerente seja
o interesse privado; o que está aqui em conflito são os resultados ou os prejuízos que podem
resultar da concessão ou da recusa da concessão para todos os interesses envolvidos, sejam
públicos, sejam privados.

Na realidade, o que está em causa não é ponderar valores ou interesses entre si, mas danos ou
prejuízos e, portanto, os prejuízos reais, que numa prognose relativa ao tempo previsível de
duração da medida, e tendo em conta as circunstâncias do caso concreto, resultaria da recusa
ou da concessão (plena ou limitada) da providencia cautelar.

Por fim, é importante salientar que a concessão ou não concessão da providencia também
está associada à circunstância de a providencia poder ser substituída pelo juiz ou de este poder
decretar “contra-providências” ou “contra-cautelas”, como, por exemplo, a imposição de
garantias a prestar pelo requerente. De facto, o juiz nem sempre tem que dizer “sim” ou
“não”; pode dizer “sim, mas”, e isso favorece as hipóteses de concessão de providencia. Um
ultimo aspeto, este de garantia processual, e que também se revelam as ideias da
proporcionalidade e de ponderação é o da participação direta dos contra-interessados,
garantida pela indicação obrigatória da sua identidade e residência no requerimento inicial e
pela sua citação para eventual oposição, apesar do risco de demora inerente à diligência.

11. Existe um numerus clausus de processos urgentes?


O CPTA dedica um titulo especifico aos “processos urgentes”, integrando diversos processos,
atualmente agrupados nas categorias de “ações administrativas urgentes” e de “intimações”
(art.97º e segs.).

A figura legal típica configurada nesse titulo corresponde à ideia de “processos urgentes
principais”, que se distinguem quer dos processos principais não urgentes quer dos processos
urgentes não principais (processos cautelares).

A ideia de processos principais urgentes, caracterizados pela sua celeridade ou prioridade,


radica na convicção de que determinadas questões ou tipos de questões, em função de
determinadas circunstâncias próprias, devem ou têm de obter, quanto ao respetivo mérito,
uma resolução definitiva pela via judicial num tempo curto.

Estas questões não devem ou não podem demorar a decidir aquele tempo que possa ser
considerado normal para a generalidade dos processos, nem para elas se revela suficiente ou
adequada uma proteção cautelar que, através de medidas conservatórias ou mesmo
antecipatórias, regule provisoriamente a situação em termos de poder assegurar a utilidade da
sentença produzida em tempo normal (ou longo).

A lei configura, logo em abstrato, como processos urgentes determinados processos principais,
isto é, processos que visam a pronuncia de sentenças de mérito, onde a cognição seja
tendencialmente plena, mas com uma tramitação acelerada ou simplificada, tendo em
consideração a natureza dos direitos ou dos bens jurídicos protegidos ou outras circunstancias
próprias das situações ou até das pessoas envolvidas.

Nessa linha de entendimento, o CPTA resolveu autonomizar, em título próprio, como


processos principais urgentes, cinco espécies de processos que vamos analisar: as ações
relativas a eleições administrativas, a procedimentos massivos e à formação de determinados
contratos, bem como as intimações para prestação de informações e, em determinadas
condições, as intimações para proteção de direitos, liberdades e garantias.

Lembre-se, porém, que nos termos do próprio artigo 36º, a enumeração legal não implica o
estabelecimento de um numerus clausus que exclua a possibilidade de outros processos
revestirem carácter urgente- o que acontece, não só com os processos relativos a providências
cautelares, mas também com outros processos principais, especiais ou em especiais
circunstancias.

Deve, salientar-se que a possibilidade de “antecipação” da decisão de fundo através da


convolação do processo cautelar em processo principal, conferida pelos artigos 121º e 132º,
nº5, constitui, bem vistas as coisas, uma abertura do sistema para a criação ad hoc de novos
processos principais urgentes, sempre que tal seja necessário e possível- o que, talvez acabe
por corresponder a uma solução equilibrada, na medida em que, por um lado, limita as
situações de urgência processual, em razão da certeira afirmação de que “se tudo é urgente,
nada é urgente”, mas, por outro lado, admite válvulas de escape para situações concretas não
previstas em que se justifique efetivamente e seja praticável uma decisão urgente.

O CPTA também define um regime processual geral para os processos urgentes, que é
aplicável a todos eles, em acumulação com a regulação especifica de cada um.
Assim, além das fases processuais, comparadas com os processos normais, serem abreviadas e
os prazos mais curtos, consoante as espécies, todos os processos e respetivos incidentes
correm em férias judiciais, com dispensa de vistos prévios, mesmo em fase de recurso
jurisdicional, sendo os atos de secretaria praticados no próprio dia, com precedência sobre
quaisquer outros, são decididos prioritariamente, logo que prontos, e os recursos sobem
imediatamente, com os prazos respetivos reduzidos a metade.

12. Em que consiste o principio da aquisição progressiva no contencioso eleitoral?

Na versão de 2002, o CPTA limitava a sindicabilidade dos atos pré-eleitorais, admitindo apenas
a impugnação autónoma daqueles que implicassem exclusão ou omissão de eleitores nos
cadernos eleitorais ou de elegíveis nas listas eleitorais – esta opção legal pela “impugnação
unitária” justificar-se-ia pelo carater urgente do processo, mas contrariava a tendência da lei,
por exemplo, parecia não admitir, como permitia antes a LPTA, a impugnação autónoma de
ato de marcação da eleição. E da jurisprudência anteriores, que davam relevo decisivo ao
principio da aquisição progressiva dos atos, nos termos do qual o procedimento eleitoral se
desenvolvia em fases ou em cascata, não sendo possível passar à fase seguinte sem a
consolidação da anterior. Ora, há boas razões em favor do princípio da aquisição progressiva:
obstar a que impugnações extemporâneas impossibilitem a realização dos atos eleitorais nas
datas pré-fixadas ou tornem infindável o apuramento eleitoral; evitar a realização de atos
eleitorais que sejam à partida anuláveis por vícios de atos procedimentais já verificados –
sempre com o inevitável protelamento da instalação estável dos órgãos eleitos. Assim, para
conseguir tempestivamente uma estabilização do universo eleitoral e para prevenir contra o
resultado perverso de repetições sistemáticas de atos eleitorais, designadamente em
procedimentos complexos ou em eleições que envolvam muitos eleitores, a revisão de 2015
estabeleceu que, nestes processos, a ausência de reação contra a exclusão, a omissão, mas
também a inclusão de eleitores ou elegíveis nos cadernos eleitorais e demais atos com eficácia
externa anteriores ao ato eleitoral impedem o interessado de impugnar as decisões
subsequentes com fundamento nas ilegalidades de que padeçam esses atos. E o mesmo vale
para a ausência de impugnação de atos eleitorais, quando estes se inscrevam no âmbito de
procedimentos eleitorais encadeados (art.98º, nº3).

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