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I - As Acções no Contencioso
Administrativo

157. Conceito e Espécies


O “espaço jurisdicional” das acções
administrativas é preenchido pelas
relações jurídico-administrativas em
que a Administração Pública surge
despojada dos seus poderes de
autoridade – o poder de decisão
unilateral e o poder de auto-tutela
executiva.
A acção é o meio adequado para pedir
ao Tribunal Administrativo uma
primeira definição do direito aplicável
ao caso concreto, nos casos em que,
não podendo a Administração proceder
a tal definição unilateralmente, através
da prática de um acto administrativo,
não existe objecto para o recurso
contencioso.
Esta matéria vinha inicialmente
regulada no Código Administrativo.
Segundo este diploma (art. 851º), havia
duas espécies de acções
administrativas:
- A primeira é a das acções relativas aos
contractos administrativos, ou, das
acções sobre interpretação, validade ou
execução dos contractos
administrativos, incluindo as que
tenham por objecto efectivar a
responsabilidade contratual emergente
do não cumprimento de contractos
administrativos;
- A segunda espécie é a das acções de
indemnização, destinadas a efectivar a
responsabilidade civil extra-contratual
da Administração por actos de gestão
pública.
Contudo, de acordo com o ETAF
(1984), a estas duas espécies de acções,
que se mantêm, há que acrescentar
uma terceira espécie. A ela se refere o
art. 51º/1 ETAF, nos termos do qual
“compete aos Tribunais
Administrativos de Círculo conhecer:
f) As acções para obter o
reconhecimento de um direito ou
interesse legalmente protegido”.
Este preceito deve ser aproximado de
um outro, que é o art. 268º/3 CRP.
O aparecimento das acções para o
reconhecimento de um direito ou
interesse legítimo, na sequência da
revisão constitucional de 1982, e a
autonomização deste meio processual
relativamente ao recurso contencioso,
na revisão constitucional de 1989,
assinalaram uma importante
modificação no contencioso
administrativo português, retirando
interesse à velha contraposição entre
contencioso por natureza e contencioso
por atribuição.
A revisão constitucional de 1997
introduz no contencioso administrativo
português um nova espécie de acções,
destinadas a obter do Tribunal
Administrativo a determinação da
prática actos administrativos
legalmente devidos pela Administração
(art. 268º/4 CRP).

158. Acções sobre Contratos


Administrativos
Compreendem quatro modalidades:
a) Acções sobre interpretação de
contratos administrativos: visam obter
do Tribunal sentença declarativa que
esclareça o sentido ou o alcance de
quaisquer cláusulas contratuais;
b) Acções sobre a validade de contratos
administrativos: visam obter do
Tribunal uma sentença constitutiva que
anula um contracto administrativo
anulável, ou uma sentença declarativa
qua declare a nulidade ou a
inexistência de um contrato
administrativo inexistente;
c) Acções sobre execução de contratos
administrativos: visam obter do
Tribunal uma sentença condenatória,
que condene a Administração ou o
contraente particular a executar
integralmente o acordo celebrado, ou
que se pronuncie sobre quaisquer
outros aspectos atinentes à execução do
contrato;
d) Acções sobre responsabilidade
contratual: visam obter do Tribunal
uma sentença condenatória, que
condene a Administração ou o
contraente particular a pagar à outra
parte uma indemnização pelo não
cumprimento ou pelo cumprimento
defeituoso de um contrato
administrativo.
O art. 6º ETAF, alargou
consideravelmente o âmbito do
conceito de contrato administrativo:
concomitantemente ficou alargado, na
mesma proporção, o âmbito destas
acções sobre contratos administrativos.
Nem todas as questões litigiosas
referentes a contratos administrativos
tomam, no contencioso administrativo,
a forma de acção: por vezes tais
questões seguem a forma de recurso
(art. 9º/3 ETAF e 186º/1 CPA).
Em matéria de interpretação e validade
de contratos administrativos, a
Administração não pode praticar actos
definitivos e executórios impugnáveis
mediante recurso, pelo que qualquer
controvérsia entre as partes terá de
seguir sempre a forma de acção.
Em matéria de formação de contratos
administrativos, a Administração pode
praticar actos definitivos e executórios,
que são tidos como actos destacáveis
para o efeito de poderem ser objecto de
recurso contencioso.
Em matéria de execução de contratos
administrativos, tanto pode a
Administração praticar actos
definitivos e executórios, que serão
actos destacáveis susceptíveis de
recurso, como proferir meros actos
opinativos ou até nada dizer, caso em
que a via a seguir será a da acção.
Os Tribunais com competência para
estas questões são os Tribunal
Administrativo de Círculo (art. 51º/1-g
ETAF), e a competência territorial vem
referida no art. 55º/2 ETAF. Somente
os contraentes podem ser partes (art.
825º CA). Estas acções não são sujeitas
a prazo de caducidade (art. 71º/1
LPTA). Estas mesmas acções seguem
os termos do Processo Civil de
declaração da forma ordinária (art.
72º/1 LPTA).

159. Acções de Responsabilidade


Vêm referidas nos arts. 22º e 271º da
Constituição e Decreto-lei n.º 48051 de
21 de Novembro de 1967.
Como pressupostos processuais:
- Compete ao Tribunal Administrativo
de Círculo (art. 51º/1-h ETAF) analisar
estas questões; a competência
territorial vem referida no art. 55º/1
ETAF.
- Estas acções têm como autores as
alegadas vítimas do dano e como réus
os supostos causadores do mesmo (art.
824º CA); podem ser propostas contra
uma pessoa colectiva pública, contra os
órgãos e agentes desta, ou contra uma e
outros.
- Estas acções têm de ser propostas
dentro do prazo de prescrição de três
anos, fixado no art. 498º CC, por
remissão do art. 71º/2 LPTA. Este
prazo, porém tem de ser articulado
com o recurso contencioso de anulação,
quando a este tenha havido lugar (art.
71º/3 LPTA).
- Estas acções seguem os termos do
processo civil de declaração na forma
ordinária.

160. Acções sobre


Responsabilidade Extra-
contratual da Administração
No tocante às acções sobre
responsabilidade extra-contratual da
Administração, o art. 51º/1-b ETAF,
veio alargar o seu âmbito por forma a
incluir na competência dos Tribunais
Administrativos três tipos de acções:
a) Acções intentadas contra a própria
Administração: (Estado ou outras
pessoas colectivas públicas) no
contexto da responsabilidade por actos
de gestão pública;
b) Acções intentadas contra os órgãos e
agentes da Administração, a título
pessoal: por prejuízos decorrentes de
actos de gestão pública pelos quais eles
sejam individualmente responsáveis;
c) Acções de regresso: da pessoa
colectiva pública contra os seus órgãos
ou agentes, também no âmbito da
responsabilidade por actos de gestão
pública.
Todas estas espécies de acções são da
competência dos Tribunais
Administrativos. É o que resulta do art.
51º/1-h ETAF.
Importa ter sempre presente que, se se
trata de pedir a responsabilidade da
Administração (ou dos seus órgãos ou
agentes) por prejuízos decorrentes de
actos de gestão privada, a competência
não será dos Tribunais Administrativos
mas sim dos Tribunais Comuns.
Em Direito Civil, a obrigação de
indemnizar decorrente de
responsabilidade civil tanto pode
consistir no dever de pagar uma
quantia em dinheiro como no dever de
proceder à chamada “reconstituição
natural” art. 566º/1 CC). Será que o
mesmo se aplica em Direito
Administrativo?
A tradição nos países onde vigora um
sistema de administração executiva, ou
de tipo francês, é no sentido de
circunscrever a obrigação de
indemnizar ao dever de pagamento de
uma quantia em, dinheiro. O
fundamento desta solução consiste no
princípio da independência da
Administração activa perante os
Tribunais Administrativos, segundo o
qual os Tribunais não podem nunca
condenar a Administração à realização
de prestações de dare, de facere ou de
non facere, porque isso equivaleria a
consentir uma intromissão dos
Tribunais no exercício da função
administrativa.

161. Acções para Reconhecimento


de Direitos ou Interesses
Legítimos
Sendo o recurso contencioso de mera
anulação, ou de mera legalidade,
chegou-se à conclusão de que nem
sempre ele se comportava como meio
idóneo para assegurar aos particulares
uma tutela efectiva e completa dos seus
direitos subjectivos e interesses
legítimos. De modo que começou a
compreender-se que seria necessário
prever um novo meio processual que
pudesse garantir essa tutela completa e
efectiva, em todos os casos em que o
recurso contencioso de anulação não
assegurassem tal finalidade.
Que é este o objectivo das acções para o
reconhecimento de direitos ou
interesses legítimos, é o que
transparece claramente do art. 69º/2
LPTA.
Uma avaliação negativa quanto à
capacidade do recurso contencioso
para assegurar, nos dias de hoje, uma
tutela efectiva dos direitos e interesses
dos particulares lesados por acções ou
omissões da Administração Pública
conduziu à introdução na lei
fundamental, por ocasião da revisão
constitucional de 1982, de uma
previsão relativa ao alargamento do
âmbito do recurso à tutela daqueles
direitos e interesses.
O legislador ordinário, em 1985, ao dar
cumprimento à previsão constitucional,
partiu do princípio de que o reforço da
garantia contenciosa pressupunha uma
inadequação do meio processual
recurso contencioso à efectiva
protecção dos direitos subjectivos e dos
interesses legítimos dos particulares.
Criou então um novo meio processual
– as acções para reconhecimento de
um direito ou interesse legítimo – e
estabeleceu o seu carácter residual, isto
é, limitou a sua utilização aos casos em
que o recurso contencioso e os
restantes meios processuais se
revelassem insuficientes para assegurar
aquela protecção efectiva – art. 69º/2
LPTA. Parece ter pensado em casos
como a ofensa ainda não consumada de
um Direito Subjectivo, a violação por
omissão que não constitua “acto
tácito”, a pretensão do particular à
reparação em espécie de um prejuízo
material, etc.
Procedeu-se na revisão constitucional
de 1989, à autonomização do
tratamento constitucional da tutela dos
direitos e interesses legalmente
protegidos, então objectivo do art.
268º/5 CRP. Perdeu assim terreno a
ideia do carácter residual destas acções
– que decisões do Supremo Tribunal
Administrativo começaram a pôr em
causa, devendo mesmo sustentar-se a
caducidade, por inconstitucionalidade
superveniente, da disposição do art.
69º/2 LPTA.
O critério mais fácil para chegar a
conclusões seguras será: está o
particular perante um acto
administrativo definitivo e executório,
ou perante um contrato administrativo,
ou perante um caso de
responsabilidade extra-contratual da
Administração? Se está, não há que
utilizar nenhuma acção para o
reconhecimento de direitos ou
interesses legítimos – mas sim,
respectivamente, um recurso
contencioso de anulação, uma acção
sobre contratos administrativos, ou
uma acção de responsabilidade extra-
contratual da Administração.
Se o particular não está perante um
acto definitivo e executório, nem
perante um contrato administrativo,
nem perante a responsabilidade extra-
contratual da Administração – então,
em princípio, poderá lançar mão de
uma acção para o reconhecimento de
direitos ou interesses legítimos.
A lei é omissa a respeito de poderes de
decisão do juiz. A única indicação que
nos é dada, à primeira vista, é a de que
estas acções visam obter o
reconhecimento de um Direito
Subjectivo ou de um interesse legítimo.
Dois princípios opostos têm de ser
examinados a propósito desta questão:
o princípio da independência da
Administração activa perante os
Tribunais Administrativos, que se opõe
à emanação por estes de sentenças
condenatórias daquela, e o princípio da
efectiva tutela jurisdicional do direito
ou interesse em causa, que foi
introduzido na nossa ordem jurídica
para permitir suprir as insuficiências
do contencioso de mera anulação.
Compete aos Tribunal Administrativo
de Círculo (art. 51º/1-f ETAF) analisar
estas acções. Estas podem ser
interpostas por quem invocar a
titularidade do direito ou interesse
legítimo (art. 69º/1 LPTA); a
legitimidade passiva pertence o órgão
contra o qual o pedido é dirigido (art.
70º/1 LPTA). Estas podem ser
propostas a todo o tempo.
Nestas acções pode seguramente pedir-
se a simples apreciação de um direito
ou interesse legítimo ameaçado pela
Administração Pública; já não é seguro
que se possa também pedir a
condenação da Administração Pública
ao pagamento de quantia certa ou à
entrega de coisa certa.
Como regra estas acções seguem os
termos dos recursos dos actos
administrativos dos órgãos da
administração local (arts. 70º/1 e 24º-a
LPTA); contudo, o juiz pode decidir,
em face da complexidade da questão,
que sigam os termos das outras acções
administrativas, isto é, do processo
civil de declaração na forma ordinária
(arts. 70º/2 e 72º/1 LPTA).

162. Regime Processual das


Acções
As acções administrativas, que podem
ser de qualquer das espécies
apontadas, têm um regime processual
que reveste certas particularidade. Há
três pontos principais a sublinhar:
a) Em primeiro lugar, e quanto à
competência do Tribunal, no direito
actual são sempre competentes os
Tribunal Administrativo de Círculo
para quaisquer acções administrativas
(arts. 51º/1-f), g), h) ETAF). Só em
recurso da sentença do Tribunal
Administrativo de Círculo é que se
poderá, eventualmente atingir o
Supremo Tribunal Administrativo.
b) Há que assinalar que, enquanto o
processo do recurso contencioso de
anulação segue uma tramitação sui
generis, o processo das acções segue
em geral os termos do processo civil
comum, na sua forma ordinária, com
apenas dois ou três pequenos desvios
(art. 72º LPTA). Contudo, as acções
para o reconhecimento de direitos ou
interesse legítimos seguem os termos
dos recursos de actos administrativos
dos órgãos da administração local (art.
70º/1 LPTA), salvo se pela sua
complexidade o juiz decidir que passem
a seguir os termos das outras acções
(art. 90º/2 LPTA).
c) Nas acções há regras especiais sobre
legitimidade das partes, bem como
sobre os prazos.
Quanto à legitimidade: as acções sobre
contratos administrativos só podem ser
propostas pelas entidades contratantes,
isto é, pelas partes (art. 825º CA); as
acções de responsabilidade extra-
contratual da Administração podem ser
propostas por quem alegar ser vítimas
de lesão causada por facto da
Administração ou dos seus órgãos ou
agentes (art. 824º CA); enfim, as
acções para o reconhecimento de
direitos ou interesses legítimos podem
ser propostas por quem invocar a
titularidade do direito ou interesse a
reconhecer (art. 69º/1 LPTA).
Quanto aos prazos: arts. 69º/1; 71º/1/2
LPTA e 498º CC.

163. As Acções para a


Determinação de um Acto
Administrativo Legalmente
Devido
Estas acções foram tornadas possíveis
pela revisão constitucional de 1997, não
existindo ainda lei ordinária que as
regule. Não obstante, entendemos,
como outros, que a garantia conferida
aos particulares pelo art. 268º/4 CRP
tem natureza análoga aos Direitos,
Liberdades e Garantias. Ora, tratando-
se, como se trata, de norma exequível
por si mesma, a falta de lei ordinária
não pode impedir o exercício daquela
garantia.
O principal pressuposto específico
destas acções é a omissão de um acto
administrativo legalmente devido, esta
ideia liga-se intimamente à de
vinculação – o acto era devido porque
devia ter sido praticado.
Como quaisquer outras acções
administrativas, estas acções são da
competência dos Tribunal
Administrativo de Círculo. Entende-se
que estas acções devem poder ser
propostas por quem teria legitimidade
para a interposição de recurso
contencioso do acto administrativo
legalmente devido, se este tivesse sido
praticado – incluindo, pois, não só
titulares de interesse directo, pessoal e
legítimo, mas também o Ministério
Público e os titulares do direito de
acção popular; quanto à legitimidade
passiva, ela pertence ao órgão que deva
praticar o acto omitido.
Na falta de normas que regulem os
diversos aspectos relativos a esta
matéria, supõe-se que se deverão
aplicar, com as necessárias adaptações,
as regras da lei processual civil
relativas ao processo civil de
declaração, na forma ordinária, como
sucede com as acções administrativas
sobre contratos e com as acções de
responsabilidade (art. 72º/1 LPTA).
Na realidade, não se afigura adequado,
em face da natureza condenatória
destas acções, admitir a aplicação dos
actos administrativos da administração
local, como o legislador prevê no que
respeita às acções para o
reconhecimento de um direito ou
interesse legítimo (art. 70º/1 e 24º-a
LPTA).

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