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Perguntas de CAT

1. «Contrariamente à concepção clássica do contencioso administrativo, que confundia o


pedido com o objeto do processo, a consideração da causa de pedir é de grande importância
(…) Com efeito, o pedido de anulação ou de declaração de nulidade ou de inexistência de
um ato administrativo, não basta, por si só, para a determinação do objeto do processo, uma
vez que este não é a ilegalidade do ato considerada em abstrato, mas uma sua ilegalidade
relacional, dependente das alegações das partes» (VASCO PEREIRA DA SILVA).

Como sabemos, o objeto do processo é um elemento essencial, visto que assegura a ligação entre
a relação jurídica material e a relação jurídica processual, determinante quais os aspetos da relação
jurídica substantivas, existente entre as partes, que foram trazidas a juízo.
Quanto ao pedido, este compreende o efeito pretendido pelo seu autor e o direito que esse efeito
visa defender (enunciação da forma de tutela jurisdicional pretendida pelo autor e do conteúdo e
objeto do direito a tutelar).
Quanto à causa de pedir, tendo em conta os traumas de infância, tem sido discutida a propósito
da impugnação de atos administrativos.
Por um lado, a teoria objetivista e do processo a oto, a função do contencioso deveria ser a mera
tutela da legalidade e do interesse público, não estando em causa posições subjetivistas dos
particulares de modo a haver uma consideração objetiva da legalidade ou ilegalidade do ato face
às normas aplicáveis. E, neste sentido, o que relevava para a determinação da causa de pedir
seriam as alegações do autor referentes ao ato administrativo.
Por outro lado, um contencioso virado primordialmente para a proteção jurídica subjetivista
configura a causa de pedir na sua ligação com os direitos dos particulares (ilegalidade relativa),
sendo que o objeto do processo seria o ato lesivo de direitos dos particulares e que foi trazido a
processo pelas pretensões.
Com a reforma de 2004, passámos para uma teoria que já não era objetivista e sim subjetivista,
com destino à proteção pela dos direitos dos particulares 268º/4 CRP e 2º CPA e através de meios
como os mecanismos de ação pública e ação popular (artigo 9º/2 CPA). O artigo 78º do CPTA,
quando estabelece requisitos da petição inicial diz que a única coisa que o particular tem de fazer
é identificar corretamente pedido e causa de pedir, cabendo no quadro da identificação da causa
de pedir a indicação dos factos e das normas jurídicas que foram violadas no quadro daquela
relação. A lógica é integralmente subjetivista. O objeto do processo no seu conjunto, porque a
Constituição, no artigo 112º/3, estabelece que o objeto são os litígios emergentes das relações
jurídicas administrativas e fiscais. Ou seja, o objeto do processo são as relações jurídicas.
Uma noção adequada do objeto do processo deve proceder a uma ligação do pedido e da causa de
pedir, considerando-os como dois aspetos do direito substantivo invocado. Pedido e Causa de
Pedir apresentam-se como verso e reverso da mesma medalha (Mandriolli), sendo que a medalha
de que estas duas perspetivas são duas faces, é o direito substancial, sendo que o modo correto de
olhar para o Objeto do Processo é de forma a aglomerar também a realidade jurídica processual
dos factos. É a relação material entre as partes que entra no processo, através da alegação de um
direito subjetivo que é “filtrado” por intermédio do pedido e da causa de pedir.
Um artigo relevante na determinação dos limites do conhecimento do juiz relativamente ao pedido
pelas partes é o artigo 95º CPTA. Cabe perguntar se o princípio geral do contraditório é posto em
causa pelo nº2 como norma especial. Por um lado, o juiz deve pronunciar-se sobre todas as causas
de invalidade que tenham sido suscitadas para evitar que conheça somente da primeira
ilegalidade. Por outro, este dever de conhecimento do juiz deve ter como limite os factos trazidos
a juízo pelas partes e o modo como o foram, identificando e individualizando.
Visto que a sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do que se
pedir (portanto a ideia, de novo, do acusatório), mas, se não houver elementos para fixar o objeto
ou a quantidade, o tribunal condena no que vier a ser liquidado, sem prejuízo da condenação
imediata na parte que já seja líquida. Portanto, a ideia de que embora o que está a ser decidido é
aquilo que foi arguido pelas partes, se a situação não for inteiramente líquida e só em momento
posterior é que se torna completo e determinado o objeto do processo, o juiz pode no final voltar
a decidir para determinar exatamente o objeto do processo.

2. Para começar, há que salientar que a conceção tradicional aponta para a diferença entre os
Contratos Administrativos e os Contratos de Direito Privado. Já a conceção nova demonstra que
não faz sentido a dicotomia entre Contrato de Direito Público e Direito Privado e que se deveria
criar um regime comum a toda a contratação. A própria noção de contrato administrativo assenta
numa dualidade esquizofrénica sendo visto como um acordo de vontades celebrado entre a ADM
e os particulares e com o exercício de poderes unilaterais exorbitantes ou autoritários pelas
autoridades públicas.

Contudo, a nova tendência, enquanto unidade de tratamento da atividade contratual


administrativa, tem ação tanto por parte da doutrina como por parte do Direito Comunitário
(através das inúmeras diretivas europeias que também foram transpostas).
Assim, através da consagração da unidade jurisdicional relativamente ao controlo de toda a
atividade contratual da Administração pública (e consagração constitucional através do 212º/3
CRP) trouxe um novo começo para a contratação pública.
O ETAF, que concretiza este preceito constitucional e aplica o critério da existência de um litígio
sobre uma relação jurídica administrativa através de um universo residual de situações, estabelece
logo no artigo 1º/1 uma cláusula de delimitação em razão da relação jurídica em litígio e uma
delimitação positiva feita através do 4º/1 do ETAF. Se atentarmos à segunda parte da alínea b) -
tem por objeto a fiscalização dos atos administrativos e regulamentos - e alíneas e) - Adota vários
critérios e o ETAF complementa o critério da natureza administrativa do contrato do qual emerge
o litígio com o critério da submissão a regras de contratação pública, sendo o critério o do Contrato
Administrativo caso apresentem notas de administratividade (art. 6º/1 CPP), seja por natureza,
por determinação da lei ou por qualificação das partes – e f) – que tem em atenção o disposto no
Regime Jurídico da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado pelo disposto na Lei
67/2007 - teremos então uma enumeração mais ou menos avulsa de litígios contratuais que
passam a estar sujeitos à jurisdição administrativa, como refere a professora Maria João
Estorninho, ainda que estas concretizem a cláusula geral mais ampla que é a da relação jurídica.
Quanto aos meios processuais que permitem assegurar as pretensões contratuais enumero:
- Ação Administrativa relativa a litígios emergentes da interpretação dos contratos, nos termos
do art. 37º, nº1, al l), CPTA;
- Ação Administrativa relativa à apreciação da validade dos contratos segue a forma processual
disposta no art. 37º, n 1, al l), CPTA. Nos termos do art. 77-Aº, CPTA; as partes da relação
contratual, e , em termos gerais quem tenha sido lesado ou possa vir a sê-lo em decorrência de
um procedimento pré-contratual, bem como o ator popular ou publico têm legitimidade neste
âmbito.
- Ação Administrativa relativa à execução dos contratos, sendo que quanto à forma, segue a
forma processual disposta no artigo 37º, n 1, al l), CPTA. Assim, nos termos do art. 77-Aº,
CPTA; as partes da relação contratual, e , em termos gerais quem tenha sido lesado ou possa
vir a sê-lo em decorrência de um procedimento pré-contratual, bem como o ator popular ou
público têm legitimidade neste âmbito. Aplicam-se as mesmas regras que se aplicam à ação
de apreciação de validade do contrato. Porém, cumpre referir, em especial, o art. 77-A, nº 1.
al g), CPTA; que confere legitimidade em termos amplos, a qualquer tipo de pessoa jurídica,
que possa vir a ser lesada, ou já tendo sido lesada devido à execução do contrato.
3.“I – Só é possível a convolação do requerimento de interposição de um recurso em
reclamação para a conferência se o requerimento tiver dado entrada dentro do prazo da
reclamação.

II – A circunstância de ter havido alguma prática jurisprudencial dos TCAs admitindo


recurso em vez de reclamação, nos casos a que se referem os artigos 40.º, 3, do ETAF e 27.º,
2, do CPTA, não justifica modificar o entendimento referido em I, dado que

(i) tal prática não era exata (como veio a decidir-se em acórdão uniformizador de
jurisprudência n.º 3/2012, DR, 1.ª série, 182, de 19-9-2012)

(ii) não era uniforme pois contrariava a jurisprudência do STA (acórdão de 19-10-
2010, proc. 0542/10) e

(iii) não tratava de modo igual os interesses da parte ao trânsito em julgado de decisão
favorável e o interesse da parte contrária a ver admitida a reclamação para além
desse prazo” (Acórdão n.º 3/2014, do Pleno da Secção de Contencioso
Administrativo do STA, proferido no Proc. n.º 1831/13, de 26 de junho de 2014)”.

No âmbito do ETAF/revisto em 2015, “os tribunais administrativos de círculo funcionam apenas


com juiz singular, a cada juiz competindo a decisão, de facto e de direito, dos processos que lhe
sejam distribuídos” (artigo 40º/1 do ETAF/revisto em 2015). Ou seja, a lei deixou de prever o
funcionamento coletivo dos tribunais administrativos de 1.ª instância, pelo que deixou de ocorrer
nestes tribunais a reclamação para a conferência. Assim sendo, o recurso é, atualmente, o único
meio de que os interessados dispõem para impugnar as decisões proferidas por juiz singular no
tribunal administrativo de 1.ª instância.
A questão ora colocada resulta do princípio constitucional do acesso ao direito e à justiça, que
tem como corolário o facto de a interpretação e aplicação das normas processuais deverem
favorecer o acesso dos particulares à justiça, pretendendo-se, assim, evitar situações de denegação
da mesma. Estamos no denominado princípio pro actione, consagrado no artigo 7º do CPTA ao
referir: “para efectivação do direito de acesso à justiça, as normas processuais devem ser
interpretadas no sentido de promover a emissão de pronúncias sobre o mérito das pretensões
formuladas”.
A jurisprudência administrativa afirmava que desde que o recorrente tivesse cumprido, aquando
da interposição do recurso, o prazo de 10 dias previsto para a reclamação para a conferência,
poderia este mecanismo proceder o que na prática dificilmente sucedida, uma vez que o prazo do
recurso de apelação era três ou quatro vezes superior àquele.
A título de exemplo, refiram-se os acórdãos do STA de 26.06.2014 (Processo nº 1831/13) e de
07.01.2016 (Processo nº 1886/13). Esta posição da jurisprudência administrativa deu origem a
uma inadmissível situação de denegação de justiça num número muito significativo de casos em
que a parte vencida viu coartado o seu direito à reapreciação da decisão judicial de primeira
instância.
Contra aquele entendimento jurisprudencial, Marco Caldeira e Tiago Serrão pugnam no sentido
de que “nestes processos, o recurso interposto deve ser automaticamente convolado em
reclamação” – ou seja, o meio processual incorretamente mobilizado deve ser transmutado no
mecanismo legalmente adequado -, sendo que, em matéria de tempestividade, deve valer o prazo
legalmente previsto para o recurso”. Servindo-se do artigo 193º do CPC/2013, do princípio pro
accionem e do princípio da cooperação processual, os Autores entendem que a desculpabilidade
do erro é inerente ao instituto da convolação e que a referida desculpabilidade tem que abranger
não só o meio usado, mas também a utilização do prazo associado ao meio incorretamente
empregue pela parte.
4. “A avaliação das propostas apresentadas em concurso [no âmbito da contratação
pública] tem-se por fundamentada através da valoração por elas obtida nos vários itens de
uma grelha classificativa suficientemente densa” (Acórdão n.º 2/2014, do Pleno da Secção
de Contencioso Administrativo do STA, proferido no Proc. n.º 1790/13, de 21 de janeiro de
2014)
O art.152º do CPA, e artigo 268.º, n.º 4, CRP, expõem a figura do dever de fundamentação, sendo
que o seu objetivo principal se exterioriza no concreto esclarecimento da motivação do ato
(art.153/2 do CPA). Rui Machete entende que este dever acarreta quatro funções: a defesa do
particular, o autocontrolo da Administração, a pacificação das relações entre a Administração e
os particulares e a clarificação e prova dos factos sobre os quais assenta a decisão. A dispensa de
fundamentação aparece, inversamente, no art.152º/2 do CPA, não necessitando de fundamentação
“os atos de homologação de deliberações tomadas por júris” (na medida em que a justificação da
dispensa de fundamentação reside na natureza especifica do ato de homologação que incorpora e
absorve o ato homologado. Deste modo, como o ato tem de ser fundamentado, a homologação
apropria-se dessa fundamentação e torna-se automaticamente fundamentada) e “as ordens dadas
pelos superiores hierárquicos aos seus subalternos em matéria de serviço e com a forma legal”
(visto que a fundamentação, a existir, não seria dirigida a terceiros, mas apenas ao subalterno,
devendo a autoridade hierárquica do superior poder ser exercida sem a necessidade de
justificações).
A fundamentação encontra-se, por sua vez, sujeita a certos requisitos, enunciados no art.153º do
CPA. Esta tem, por conseguinte, à luz do art.153º/1 do CPA, de ser expressa (enunciada no
contexto do próprio ato pela entidade decisória), consistir na exposição, ainda que sucinta, dos
fundamentos de facto e de direito da decisão (art.153º/1 do CPA), assim como coerente e
completa, não devendo ser contraditória, obscura ou insuficiente (art.153º/2 do CPA). A este
respeito, o STA tem entendido que para a fundamentação ser completa basta que seja suficiente.
Existem, todavia, dois casos com regime jurídico especial: quando o ato administrativo consiste
numa declaração de concordância com os fundamentos de anterior parecer, informação ou
proposta, o dever de fundamentação considera-se cumprido com essa mera declaração de
concordância (art.153º/1 do CPA); quando o ato reveste a forma oral, em regra, não contém
fundamentação, pelo que, ou é reduzido a escrito em ata (na qual se deve encontrar
fundamentação, sob pena de ilegalidade) ou, não existindo ata, a lei concede aos interessados o
direito de requerer a redução a escrito da fundamentação dos atos orais – sendo que a omissão de
tal faculdade não prejudica os efeitos da eventual falta de fundamentação do ato -, cabendo ao
órgão competente o dever de satisfazer tal pedido no prazo de 10 dias – art.154º/1 do CPA).
Fora dos casos mencionados, caso não exista fundamentação, o ato será ilegal por vício de forma
e será, consequentemente, anulável (art.163º/1º do CPA), podendo o particular recorrer ao
processo judicial de intimação ou pedir recurso de anulação, tendo como base a respetiva falta de
fundamentação.
Quanto ao dever de fundamentação, e à sua substância, podemos ter duas análises: uma mais
exigente que impõe que as diversas operações de subsunção de cada proposta na grelha se devam
fazer com base num discurso que as explicasse e justificasse; outra mais flexível que considera
satisfeito o dever de fundamentação da classificação operada desde que se mostrem vertidas na
grelha classificativa as valorações atribuídas a cada item. O dever de fundamentar os atos
administrativos cumpre funções múltiplas, em que sobressaem, para além do acréscimo da
imparcialidade e da transparência, o esclarecimento do processo decisório e do seu resultado. Ora,
a ponderação das propostas apresentadas num concurso mediante a referência delas aos itens de
uma grelha classificativa suficientemente densa, a que se sigam as operações aritméticas que
quantifiquem as propostas e permitam a sua graduação recíproca, exprime e comunica logo a valia
de cada uma delas – seja sob os vários aspetos parcelares por que foram apreciadas, seja
globalmente – bem como os motivos da classificação que obtiveram.
Por isso, a jurisprudência habitual do STA – onde se filia o acórdão fundamento – vem dizendo
que essas operações de subsunção das propostas aos vários critérios, fatores ou itens da referida
grelha explicam, «per se», a ponderação que lhes foi atribuída no concurso, sem necessidade de
um discurso complementar que, no fundo, redundaria numa fundamentação do já
fundamentado. Ou seja, encontra-se devidamente fundamentada a decisão de avaliação de
propostas quando a classificação atribuída pelo júri do procedimento resulte da pontuação obtida
por cada proposta nos vários itens duma grelha classificativa cuja pormenorização ou detalhe
permitam a cabal compreensão dessa classificação.

5. «Este fenómeno de europeização é particularmente evidente no domínio do Processo


Administrativo, que se tem vindo a configurar, cada vez mais, como “Direito Europeu
concretizado”.» (VASCO PEREIRA DA SILVA)

A par da constitucionalização, a mudança do paradigma do Contencioso Administrativo é também


o resultado da sua europeização e que se tem vindo a intensificar-se nos últimos tempos pelo
surgimento de fontes europeia relevante relativamente a matérias como contratação pública,
serviços públicos e providências cautelares) que fez surgir o novo processo administrativo
europeu.
Neste sentido, o Direito Administrativo adquiriu uma dimensão própria originando uma
administração comunitária cuja União Europeia fez nascer uma ordem jurídica própria. Ou seja,
com base na integração normativa é realizada através dos princípios da integração normativa,
proibição da discriminação e o princípio da cooperação. E, assim abandonou-se uma lógica
estadocêntrica do Direito Administrativo e das suas garantias processuais.
Quando à estrutura dual do movimento de europeização adotada, temos duas principais relações
que foram estabelecidas. Por um lado, as relações horizontais/convergência feita através da
comunicação de institutos e conceitos entre sistemas nacionais; E, por outro, as relações
verticais/integração que assentaram na criação de um ius commune europeu na matéria, hoje
encimado por normas de Direito da União Europeia e em relação às quais é possível identificar
um verdadeiro efeito boomerang: começaram por revelar-se «importações» de institutos de
sistemas nacionais, para serem hoje o veículo de conformação e transmissão de novas.
Como referido anteriormente, existem diversas manifestações de existência de um verdadeiro
«Processo Administrativo Europeu»: O reconhecimento, pelo Tribunal de Justiça, de um direito
à tutela jurisdicional efetiva nas hipóteses de atividades administrativas nacionais contrárias ao
Direito da União; o alargamento dos meios processuais à medida das necessidades de satisfação
da integral aplicação do Direito da União Europeia (v.g., medidas cautelares, mesmo que não
previstas na legislação nacional); os meios processuais próprios de fonte europeia: em especial,
as sucessivas gerações das «Recursos» e o seu papel fundador de um Direito Processual Europeu
dedicado à contratação pública, no qual, justamente, se encontra prevista a aplicação de medidas
provisórias / providências cautelares (artigo 132.º do CPTA) – eventual referência ao Decreto-
Lei n.º 134/98, de 15 de maio e subsequente consagração do regime do contencioso pré-contratual
urgente no CPTA; e, finalmente, o tendencial abandono do procés fait à un act e alargamento das
bases objetiva e subjetiva de impugnação de atos administrativos.
Quanto aos reflexos da «europeização» nos sistemas dos Estados Membros e, em particular, no
português consideramos as Diretivas “Recursos”. Ou seja, tanto o regime do contencioso pré-
contratual urgente e, sobretudo, depois da reforma de 2015, com incidência âmbito objetivo de
aplicação deste meio processual (artigo 100.º), a garantia do efeito suspensivo automático nas
hipóteses de impugnação do ato de adjudicação (artigo 103.º-A) e a possibilidade de adoção de
medidas provisórias (artigo 103.º-B) são reflexos diretos da europeização.
Por exemplo, no respeitante à tutela cautelar, atento à influência europeia na construção deste
regime. Em matéria de contratos públicos o legislador europeu pretendeu não apenas estabelecer
regras substantivas e procedimentais relativas a todos os contratos públicos ( superando a divisão
entre contratos administrativos e contratos de direito privado da Administração) como também
processuais. Das diversas diretivas a este tema relativas, resultou a criação de um direito cautelar
europeu caraterizado pela plenitude dos poderes do juiz no julgamento das relações jurídicas pré-
contratuais, que constitui um dos capítulos mais desenvolvidos do Direito Administrativo
europeu.

6. “O pedido de suspensão judicial da eficácia de normas administrativas imediatamente


operativas com força obrigatória geral está confinado ao Ministério Público e às pessoas e
entidades referidas no n.º 2 do artigo 9.º do CPTA (…) Tal solução de regime traduz uma
ponderação de natureza político-legislativa, que se conforma com a disposição
constitucional do artigo 268.º, n.os 4 e 5 da Constituição, não se traduzindo numa restrição
ilegítima da tutela jurisdicional efetiva” (Acórdão do TCA Sul de 18.10.2018, Proc. n.º
92/18.6BELSB).

Quanto ao art. 9º CPTA, que regula a legitimidade ativa, dispõe de 3 situações: a do número 1,
que é a considerada a relação normal e essencial do processo administrativo, em que a ação
procede de um direito daquele determinado particular- a ação jurídico-subjetiva; a do número 2
que fala de duas situações: ação popular (intentada pelos particulares para a defesa de um interesse
difuso) e de ação pública (intentada pelo Ministério Público - MP). Portanto, existem no processo
administrativo três modalidades de ações: a relação jurídica-substantiva que está no no1 do art.
9º CPTA, as ações públicas que cabem ao Ministério Público, e as ações populares, que cabem a
qualquer pessoa, no quadro de normas difusas.
À luz do CPTA, nos termos que resulta do regime estabelecido no disposto no artigo 130.º do
CPTA, não é possível um indivíduo deduzir um pedido de suspensão judicial da eficácia de
normas administrativas imediatamente operativas com força obrigatória geral, mas apenas com
efeitos circunscritos ao caso concreto, como previsto no n.º 1 do citado preceito. A desaplicação
de norma num caso, a requerimento de interessado, não produz efeitos de força obrigatória geral:
envolve formulação de juízo de inconstitucionalidade, tal como sucede no âmbito da fiscalização
incidental em sede de impugnação de acto de aplicação.
Contudo o regente afirmar que não faz sentido que um processo destinado a apreciar a legalidade
de um regulamento, a título principal, tenha como resultado, verificada a existência dessa
invalidade, uma declaração de ilegalidade de uma norma geral e/ou abstrata, mas que só vale para
aquele caso concreto.
O pedido de suspensão judicial da eficácia de normas administrativas imediatamente operativas
com força obrigatória geral está confinado ao Ministério Público e às pessoas e entidades referidas
no n.º 2 do artigo 9.º do CPTA, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 130.º.
Tal solução de regime traduz uma ponderação de natureza política-legislativa, que se conforma
com a disposição constitucional do artigo 268.º, n.ºs 4 e 5 da Constituição e com os n.ºs 1 e 2 do
artigo 2.º do CPTA, não se traduzindo numa restrição ilegítima do princípio da tutela jurisdicional
efetiva ou do acesso ao direito e à justiça cautelar, por não deixar os interessados sem a
possibilidade de acesso à tutela cautelar, dependente ou instrumental das ações administrativas de
impugnação de normas administrativas.
É necessário garantir que que os cidadãos possam impugnar diretamente os regulamentos lesivos
dos seus direitos, quando esteja em causa a lesão imediata de direitos fundamentais, através dos
tribunais administrativos, uma vez que não existe meio próprio na jurisdição constitucional. Em
suma, se a reserva de jurisdição constitucional excluísse a impugnação a titulação a titulo principal
de regulamentos, quando invocado a violação de direitos fundamentais por uma norma
administrativa imediatamente aplicável, estaríamos a deixar os cidadãos sem a tutela dos seus
direitos e garantias o que, ultimamente, acabaria por ser um resultado não desejado pela nossa
ordem constitucional.
Contudo, Vieira de Andrade ainda vai mais longe. O autor, para além de não considerar o disposto
no artigo 73/2 do CPTA inconstitucional, entende que este deve ser alvo de uma “extensão
teleológica, em conformidade com a garantia constitucional”.
7. Primeiramente, para defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos no
confronto perante atuações da Administração Pública (tal como observamos no acórdão em
apreço) os particulares podem recorrer a diversas ações “disponibilizadas” no CPTA: umas
urgentes, outras não-urgentes. As primeiras destinam-se a acautelar situações em que a celeridade
da intervenção dos tribunais é exigida pelo interesse dos particulares, da Administração, ou de
ambos, para que determinado litígio seja determinado de forma definitiva e o mais célere possível.
Uma dessas ações principais urgentes é, tal como no caso em apreço, a intimação para proteção
de direitos, liberdades e garantias, prevista e regulada nos artigos 109.º a 111.º do CPTA. Neste
sentido, a Constituição da República Portuguesa, também consagra a possibilidade de acesso ao
direito pelo disposto no artigo 20.º.

A utilização da Intimação para proteção de Direitos, Liberdades e Garantias, depende do


preenchimento dos seguintes pressupostos legais:
– Que a emissão urgente de uma decisão de fundo seja apta e indispensável para assegurar o
exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia.
– Que não seja possível ou suficiente o decretamento provisório de uma providência cautelar, no
âmbito de uma ação administrativa (especial ou comum).

Sem embargo da relevância dos requisitos mencionados supra, e tal como releva a professora
Carla Amado Gomes, a chave da questão da admissibilidade da intimação é a sua subsidiariedade
relativamente à modalidade de decretamento provisório de qualquer providência cautelar, prevista
no artigo 131.º do CPTA.

Para compreensão do disposto, costuma dar-se como exemplo os casos em que está em causa o
exercício do direito de manifestação, quando esta foi proibida e tem lugar num determinado
momento: ora, qual é o sentido de só haver uma decisão de mérito depois da manifestação?

Esta subsidiariedade releva tanto negativamente, como um requisito de admissibilidade e,


positivamente, como uma condição de provimento. A possibilidade de utilização da intimação
para proteção de direitos, liberdades e garantias não depende apenas da impossibilidade ou
insuficiência do decretamento provisório de qualquer providencia, antes tem também como
pressuposto “a inexistência de qualquer outro meio processual especial” de defesa de direitos,
liberdades e garantias determinados. Ou seja, “à absoluta e incontornável necessidade da
intimação para assegurar a possibilidade de exercer o direito.”

Como refere a professora Isabel Celeste Fonseca “a intimação será absolutamente necessária
quando não puder ser dispensada, ou seja quando, para proteger direitos fundamentais, a
intensidade da necessidade de proteção imediata impeça, por não ser possível em tempo útil, o
recurso a um outro meio processual (por exemplo a ação administrativa comum) que seria o meio
adequado ou o meio próprio para resolver definitivamente a questão existente”.
A indispensabilidade corresponde, assim, à absoluta e incontornável necessidade da intimação
para assegurar a possibilidade de exercer o direito, e há-de ser avaliada em termos situacionais.
Ou seja, o requerente não se pode limitar a alegar a dificuldade ou mesmo impossibilidade de
exercer o direito: deve provar que, sob pena de perda irreversível de faculdades de exercício
daquele ou mesmo de desaparecimento do direito no seu todo59, a intimação visa garantir o
exercício do direito no tempo justo (leia-se: pondo em equação o tempo urgente invocado pelo
particular e o tempo necessário à Administração para realizar as ponderações subjacentes à
conformação do conteúdo do direito).
8. «[S]e a tramitação da ação administrativa especial foi, afinal, desenhada para conjugar
a necessidade de ar resposta a exigências que são próprias do processo administrativo,
designadamente no domínio da impugnação de atos administrativos e de regulamentos, com
a necessidade de viabilizar a apreciação de todos os demais litígios que se inscrevem no
âmbito da jurisdição administrativa, por que não submeter a um único modelo de
tramitação, o da ação administrativa especial?» (MÁRIO AROSO DE ALMEIDA).

A ação administrativa tutela alguns dos mais importantes direitos subjetivos das relações
administrativas.
Tem um vasto âmbito de aplicação e permite a formulação de uma grande variedade de pedidos,
correspondendo a uma grande diversidade de efeitos das sentenças

Neste caso, com a revisão de 2015 todos os processos passam a ser submetidos a uma única forma
de processo: Ação Administrativa (art. 37º), sendo que até podemos considerar que a ação
administrativa é a irmã da Ação Declarativa Comum do CPC, hoje também sujeita a uma forma
comum, na qual convivem alguns processos especiais.

Esta Ação Administrativa única veio substituir uma dualidade/dicotomia: opunha Ação
Administrativa Especial à Ação Administrativa Comum.
Na perspetiva do regente, o próprio nome é um disparate porque apesar de aparentemente se dizer
que isto era como o processo civil, não era, porque o critério do processo civil era das formas de
atuação e, portanto, aquilo a que se chamava de ação especial era tudo o que tivesse a ver com
atos e regulamentos, ou seja, a maioria do contencioso administrativo, e tudo o resto estava na
ação comum. Estes termos tinham a ver com a especificidade do contencioso quando este era
exceção ao processo civil e o direito administrativo era exceção ao direito comum. Isso hoje não
faz sentido. A partir do momento em que todos os pedidos podem ser feitos perante o tribunal, e
todas sentenças podem ser emitidas, não há razão para haver duas ações. As ações são todas
iguais.
E, assim procedeu-se a uma unificação das formas do processo declarativo não-urgentes nos art.
35º e 37º e ss. Sendo a ação administrativa o modelo de tramitação que devem seguir, tanto no
plano da propositura, como no do desenvolvimento subsequente e da decisão final pelo juiz,
enquadram-se todos os processos que tenham por objeto litígios cuja apreciação se inscreva no
âmbito da jurisdição administrativa e que não sejam objetos de regulação especial (art. 35º e 37º/1
CPTA).

Quanto aos Meios Processuais embora passe a existir uma única forma de processo (ação
administrativa), consegue-se identificar no CPTA diferentes meios processuais Já no respeitante
à Forma de Processo/Marcha do Processo/Tramitação do Processo, não podemos afirmar haver
uma unificação total. A partir dos art. 78o e ss. CPTAtemos o trajeto de uma ação administrativa,
que se divide 5 fases: Fase de Articulados; Fase de Saneamento e Condensação; Fase de Instrução;
Fase da Audiência Final e Discussão; Fase de Julgamento e Decisão

Ainda que, em princípio, estas 5 fases da marcha da ação administrativa se apliquem


indistintamente a qualquer ação administrativa, conseguem-se identificar alguns desvios
consoante o tipo de ação que está em causa.

Ou seja, embora receba influências do CPC de 2013 (nomeadamente, o regime da audiência


prévia), não deixa de prever regras próprias só aplicáveis às pretensões antes integradas na AAE,
como o n.º 4 do artigo 83.º no respeitante ao regime de revelia onde existe ónus de impugnação
justificada em certos tipos de ação onde parece que nas ações relativamente a atos e normas há
tratamento mais favorável à administração, o que corresponde à velha dicotomia em que a AAE
estava sujeita a situações mais favoráveis.
9. «[D]a análise conjugada destes preceitos, resulta a inequívoca consagração de um regime
de unidade jurisdicional, tanto no que respeita ao contencioso da responsabilidade civil
extracontratual da Administração Pública, em virtude do abandono da “falsa distinção”
entre gestão pública e gestão privada como critério de determinação da competência do
tribunal, como também, mais amplamente, no que se refere ao contencioso de toda a
responsabilidade civil pública, que agora passa a ser da competência dos tribunais
administrativos» (VASCO PEREIRA DA SILVA).

Nos termos do artigo 212.º, nº3 da CRP é da competência dos tribunais administrativos e fiscais
o julgamento das ações e recursos contenciosos que tenham por objeto dirimir os litígios
emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais. Temos que, no artigo 22.º da CRP: “O
Estado e as demais entidades públicas são civilmente responsáveis, em forma solidária com os
titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, por ações ou omissões praticadas no exercício
das suas funções e por causa desse exercício, de que resulte violação dos direitos, liberdades e
garantias ou prejuízo para outrem.”.

Compete à jurisdição administrativa e fiscal apreciar questões de responsabilidade civil


extracontratual emergentes da conduta de pessoas coletivas de direito público, é o que decorre da
alínea f) do artigo 4.º, nº1 do ETAF, que sem ambiguidades confere aos tribunais administrativos
uma competência genérica para apreciar todas as questões de responsabilidade civil
extracontratual das pessoas coletivas de direito público. O preceito refere as funções política,
legislativa e jurisdicional, contudo relativo à responsabilidade pelo exercício da função
jurisdicional, está excluída do âmbito da jurisdição administrativa a apreciação de litígios
relativos à apreciação de ações de responsabilidade por erro judiciário cometido por tribunais
pertencentes a outras ordens de jurisdição – 4.º, nº3, a) ETAF. No que diz respeito aos danos
emergentes da AP, o preceito não distingue, entretanto, consoante essa atuação seja ou não
desenvolvida no exercício da função administrativa, na imediata prossecução de fins públicos, ao
abrigo de disposições de Direito Administrativo, etc.
A questão prende-se com uma lógica autoritária por trás do regime substantivo da Administração
– distinção entre atos de gestão pública e atos de gestão privada.
Na reforma de 2004, o legislador quis unificar a competência jurisdicional.

A distinção é um “absurdo” do ponto de vista legislativo, de acordo com o Professor VASCO


PEREIRA DA SILVA. Temos, por exemplo, o caso do Ministro da Administração Interna
Eduardo Cabrita, pelo facto de o Ministro seguir na viatura é um ato de gestão pública, se não
estivesse lá dentro seria um ato de gestão privada, sendo o argumento que o Ministro poderia dar
ordens. No entanto, o Ministro poderia ir a dormir. Se o condutor estivesse sozinho, a ir buscar o
ministro dever-se-ia aplicar as mesmas regras. Esta distinção tinha uma consequência processual
que o legislador quis acabar: “é competência dos tribunais administrativos quando haja
responsabilidade civil da administração”, o que seria uma lógica invertida, pois só sabemos que
há responsabilidade se já tivermos julgado a causa. O legislador, pretendeu então unificar, mas
não foi bem sucedido, pois basta que a Administração no momento da contestação diga que há
culpabilidade do lesado, que causa logo dúvidas quanto à responsabilidade da Administração,
prolongando a discussão da questão.
Na alínea h) do artigo 4.º, nº1 ETAF usa-se uma expressão que se pretende inequívoca: “sujeitos
aos quais seja aplicável o regime específico da responsabilidade do Estado e demais pessoas
coletivas de direito público” – esperando-se que esta norma possa unificar a competência em
matéria de responsabilidade civil administrativa.
Este problema é agravado pelo facto da Lei da Responsabilidade Civil de 2007 também não
resolver as coisas da melhor forma. O legislador tinha de resolver a questão e acabar com a
distinção entre gestão pública e privada. O artigo 1.º, nº2 da Lei nº 67/2007 que dispõe que
“correspondem ao exercício da função administrativa as ações e omissões adotadas no exercício
de prerrogativas de poder público ou reguladas por disposições ou princípios de direito
administrativo”, onde é referido “no exercício de prerrogativas de poder público” tem sido alvo
de críticas. Para o Professor VASCO PEREIRA DA SILVA a única coisa que salva aquela
disposição, que permite a unificação em termos de interpretação, é a referência à função
administrativa e à regulação por princípios administrativos. Nos termos do artigo 2.º, nº1 do CPA
as disposições respeitantes aos princípios administrativos são aplicáveis à conduta de quaisquer
entidades, independentemente da sua natureza, ou seja, são aplicados à gestão privada.
É o artigo 38.º do CPTA que contém a norma diretamente aplicável à responsabilidade
administrativa – anteriormente, era necessário em primeiro lugar anular o ato administrativo e só
depois fazer o pedido de responsabilidade civil – hoje em dia, os dois pedidos são autónomos,
sendo possível fazer o pedido de responsabilidade civil a qualquer momento, mesmo quando já
passou o prazo e não é possível impugnar o ato. O facto de os pedidos serem autónomos alarga o
âmbito da responsabilidade civil.
Compete assim, à jurisdição administrativa apreciar todas as questões de responsabilidade civil
extracontratual emergentes da conduta de órgãos, funcionários ou agentes das pessoas coletivas
de direito publico que integram a AP, independentemente da questão de saber se essa
responsabilidade emerge de uma atuação de gestão pública ou de uma atuação de gestão privada.
A apreciação das questões de responsabilidade emergentes de atuações materialmente
administrativas de órgãos públicos que não pertencem à AP está também ela abrangida na fórmula
genérica da alínea f) do art. 4.º, nº1 ETAF, com as ressalvas das alíneas d) e c) do artigo 4.º, nº4
ETAF.

10. “[O] conceito de contrainteressado está indissociavelmente associado ao prejuízo que


poderá advir da procedência da ação impugnatória para todos aqueles que, de algum modo,
estiveram envolvidos na relação material controvertida. Desde modo, e sendo que a
anulação do ato de adjudicação só acarretará prejuízo para a entidade que o praticou e para
o adjudicatário, todos os outros oponentes ao concurso – do segundo ao último classificado
– irão beneficiar do ato anulatório na medida em que, por força dessa anulação, será refeito
o processo administrativo e praticado um novo ato classificatório que, colocando um deles
na primeira posição, o fará beneficiário do contrato. Daí que só o adjudicatário seja
contrainteressado, uma vez que só ele tem um interesse convergente com o interesse da
entidade demandada” (Acórdão do STA de 12 de novembro de 2015, Proc. nº 01018/15).

O Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) prevê a participação dos


contrainteressados nos processos impugnatórios, estatuindo que, para além da entidade autora do
ato, são obrigatoriamente demandados os contrainteressados a quem o provimento do processo
impugnatório possa diretamente prejudicar ou que tenham legítimo interesse na manutenção do
ato impugnado e que possam ser identificados em função da relação material em causa ou dos
documentos contidos no processo administrativo (artigo 57.º). Prevê também a participação destes
sujeitos processuais nas ações de condenação à prática de ato administrativo devido, preceituando
que para além da entidade responsável pela situação de omissão ilegal, são obrigatoriamente
demandados os contrainteressados a quem a prática do ato omitido possa diretamente prejudicar
ou que tenham legítimo interesse em que ele não seja praticado e que possam ser identificados
em função da relação material em causa ou dos documentos contidos no processo administrativo
(n.º 2 do artigo 68.º do CPTA).
Em aparente sintonia com estas disposições, estabelece o n.º 1 do artigo 10.º do CPTA, referente
à legitimidade passiva em geral, que cada ação deve ser proposta contra a outra parte na relação
controvertida e, quando for caso disso, contra as pessoas ou entidades titulares de interesses
contrapostos aos do autor. De facto, considera consensualmente a doutrina e a jurisprudência que
a lei tem neste preceito por escopo, embora não exclusivamente, a atribuição de legitimidade
passiva aos contrainteressados, os quais, segundo a doutrina maioritária, devem formar um
litisconsórcio necessário passivo com a Administração. O estabelecido neste n.º 1 do artigo 10.º
CPTA difere substancialmente de outros preceitos fixados na lei em que também se prevê, para
além do autor e da entidade demandada, a participação processual de outros sujeitos,
designadamente a possibilidade de serem demandados particulares ou concessionários no âmbito
de relações jurídico-administrativas que os envolvam com entidades públicas ou outros
particulares (n.º 9 do artigo 10.º do CPTA) ou a hipótese genérica de aplicação da lei processual
civil em matéria de intervenção de terceiros (n.º 10 do artigo 10.º do CPTA).

Não é por caso que o CPTA da referencia específica aos contrainteressados nos arts.º 57.º e 68.º,
nº2, no âmbito das ações de impugnação de atos administrativos e de condenação à prática destes.
Trata-se de domínio em que a ação é proposta contra a entidade que praticou ou que omitiu ou
recusou o ato administrativo, mas em que há sujeitos privados envolvidos no litígio, na medida
em que os seus interesses coincidem com os da Administração ou, pelo menos, podem ser
diretamente afetados na sua consistência jurídica com a procedência da ação. As relações jurídicas
relacionadas com o exercício de poderes de autoridade por parte da Administração são
frequentemente complexas, apresentando-se com uma estrutura multipolar, que envolve um
conjunto mais ou menos alargado de pessoas cujos interesses são afetados pela conduta da
Administração.
Dos preceitos referidos parece resultar que contrainteressados são pessoas a quem a procedência
da ação pode prejudicar ou que têm interesse na manutenção da situação contra a qual se insurge
o autor, sendo esta a tese descrita na passagem acima. Porém, na prática, o universo dos
contrainteressados é mais amplo, estendendo-se a todos aqueles que, por terem visto ou poderem
vir a ver a respetiva situação jurídica definida pelo ato administrativo praticado ou a praticar, têm
o direito de não ser deixados à margem do processo em que se discute a questão da subsistência
ou da introdução na ordem jurídica do ato que lhes diz respeito. Trata-se de assegurar que o
processo não corra à revelia das pessoas em cuja esfera jurídica ele se propõe a introduzir efeitos.
Ora, daqui não decorre necessariamente a titularidade de um interesse contraposto ao do autor na
ação.
No caso do STA, estava em causa um ato de anulação do ato de adjudicação relativo a contratos
de empreitadas de obras públicas. No processo impugnatório todos os concorrentes devem figurar
como contrainteressados, pois está em causa a subsistência da respetiva classificação no concurso
em discussão. No entanto, os concorrentes que estão classificados abaixo da classificação do
Autor é natural que não tenham interesse contraposto a este, pelo contrário, devem concordar com
a impugnação e ter interesse na sua procedência. No entanto, não deixam, por isso, de ser
contrainteressados, num sentido mais amplo do que aquele que decorre do teor literal do art. 57.º,
que assenta na titularidade de interesses possivelmente ou potencialmente contraposto aos do
autor, porque fundados em situações jurídicas subjetivas que serão afetadas pela eventual
procedência da ação.
11. «(…) Segundo a letra da lei (art. 57 CPTA), os contrainteressados, não obstante serem
demandados na ação e figurarem do lado passivo da relação processual, não fazem parte da
relação matéria controvertida. Mas como se explica que alguém seja demandado
processualmente se não pertence à relação material que vai ser apreciada em juízo?»
(FRANCISCO PAES MARQUES).

O Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) prevê a participação dos


contrainteressados nos processos impugnatórios, estatuindo que, para além da entidade autora do
ato, são obrigatoriamente demandados os contrainteressados a quem o provimento do processo
impugnatório possa diretamente prejudicar ou que tenham legítimo interesse na manutenção do
ato impugnado e que possam ser identificados em função da relação material em causa ou dos
documentos contidos no processo administrativo (artigo 57.º). Prevê também a participação destes
sujeitos processuais nas ações de condenação à prática de ato administrativo devido, preceituando
que para além da entidade responsável pela situação de omissão ilegal, são obrigatoriamente
demandados os contrainteressados a quem a prática do ato omitido possa diretamente prejudicar
ou que tenham legítimo interesse em que ele não seja praticado e que possam ser identificados
em função da relação material em causa ou dos documentos contidos no processo administrativo
(n.º 2 do artigo 68.º do CPTA).

Não é por caso que o CPTA da referencia específica aos contrainteressados nos arts.º 57.º e 68.º,
nº2, no âmbito das ações de impugnação de atos administrativos e de condenação à prática destes.
Trata-se de domínio em que a ação é proposta contra a entidade que praticou ou que omitiu ou
recusou o ato administrativo, mas em que há sujeitos privados envolvidos no litígio, na medida
em que os seus interesses coincidem com os da Administração ou, pelo menos, podem ser
diretamente afetados na sua consistência jurídica com a procedência da ação. As relações jurídicas
relacionadas com o exercício de poderes de autoridade por parte da Administração são
frequentemente complexas, apresentando-se com uma estrutura multipolar, que envolve um
conjunto mais ou menos alargado de pessoas cujos interesses são afetados pela conduta da
Administração.
Em aparente sintonia com estas disposições, estabelece o n.º 1 do artigo 10.º do CPTA, referente
à legitimidade passiva em geral, que cada ação deve ser proposta contra a outra parte na relação
controvertida e, quando for caso disso, contra as pessoas ou entidades titulares de interesses
contrapostos aos do autor. De facto, considera consensualmente a doutrina e a jurisprudência que
a lei tem neste preceito por escopo, embora não exclusivamente, a atribuição de legitimidade
passiva aos contrainteressados, os quais, segundo a doutrina maioritária, devem formar um
litisconsórcio necessário passivo com a Administração. O estabelecido neste n.º 1 do artigo 10.º
CPTA difere substancialmente de outros preceitos fixados na lei em que também se prevê, para
além do autor e da entidade demandada, a participação processual de outros sujeitos,
designadamente a possibilidade de serem demandados particulares ou concessionários no âmbito
de relações jurídico-administrativas que os envolvam com entidades públicas ou outros
particulares (n.º 9 do artigo 10.º do CPTA) ou a hipótese genérica de aplicação da lei processual
civil em matéria de intervenção de terceiros (n.º 10 do artigo 10.º do CPTA).

O artigo 78.º, nº2, al. b) do CPTA exige que na PI da ação administrativa sejam identificados os
contrainteressados, quando existem. Trata-se, como referem os professores MÁRIO AROSO DE
ALMEIDA e FERNANDES CADILHA de situações em que o ato impugnado “tem um conteúdo
ambivalente ou foi praticado no âmbito de uma relação triangular ou poligonal de modo que a
anulação contenciosa possa afetar terceiros relativamente aos quais o ato produza um efeito
jurídico favorável.” Acrescentando que “integram o conceito de contrainteressados, não só os
destinatários do ato, quando este seja impugnado por um terceiro, como os demais titulares de
interesse contraposto ao do impugnante que possam ser identificados por poderem extrair um
benefício do ato e por isso ser para si vantajosa a sua manutenção na ordem jurídica”.
Consagra-se, assim, em tal situação, um litisconsórcio necessário passivo entre a entidade
demandada e os contrainteressados.

Também, em via da garantia conferida pela Constituição ao direito de acesso à justiça e


consequente tutela jurisdicional efetiva - artºs. 20º e 268º nº 4 CRP- a decisão judicial que anule
um ato administrativo nunca produzirá efeitos de caso julgado relativamente a todos os
contrainteressados que não foram identificados ou mandados citar pelo recorrente na petição de
recurso. O que também explica e justifica que o contrainteressado que não tenha sido citado no
processo possa pedir a revisão de sentença, nos termos do artigo 155º do CPTA, precisamente
com fundamento na circunstância, assim originada, de não ter tido a oportunidade de participar
no processo e tenha sofrido ou esteja em vias de sofrer a execução da decisão a rever.

A questão de saber se num dado processo existem, ou não, contrainteressados que como tal devam
ser identificados e citados tem que ser avaliada não em abstrato mas tomando como referência a
concreta relação material controvertida trazida a juízo.

12. «[N]o regime próprio da ação administrativa, quando está em causa a impugnação de
um ato administrativo (…) não [se] exige aos particulares, quanto aos pedidos
impugnatórios, a titularidade de uma posição jurídica subjetiva substantiva, bastando-se
com a existência de um interesse direto e pessoal na invalidação do ato» (VIEIRA DE
ANDRADE).

O CPTA nos seus preceitos iniciais, para além de regras relativas aos elementos do processo,
contém disposições referentes aos pressuposto processuais específicos do Contencioso e comum
a todos os meios processuais, nomeadamente a legitimidade (artigos 9.º e 10.º CPTA). Esta opção
de estabelecer regras comuns respeitantes aos pressupostos processuais é de louvar, contudo, já
não é tão adequado o facto de a lei não ter procedido à diferenciação entre o que é comum e o que
é especial.
No que respeita à legitimidade, que, do ponto de vista da teoria do processo, constitui elo de
ligação entre a relação jurídica substantiva e a processual, destinando-se a trazer a juízo os
titulares da relação material controvertida, o CPTA tem ainda uma subsecção II (Da legitimidade),
a propósito da ação administrativa especial qualificada em razão do pedido de impugnação.
Nos termos do art.55./1 a) do CPTA “Tem legitimidade para impugnar um ato administrativo:
Quem alegue ser titular de um interesse direto e pessoal, designadamente por ter sido lesado pelo
ato nos seus direitos ou interesses legalmente protegidos.” Da interpretação que se queira fazer
deste preceito poder-se-á obter dois resultados diferentes: i) enveredar-se por uma via objetivista
no sentido de alargar o espectro de pessoas que possam beneficiar de tutela jurídica para efeitos
de impugnação de ato administrativo, sendo que para o efeito basta atender a interesses de facto,
e nesta medida basta que o ato de certa forma esteja a provocar , no momento em que o mesmo é
impugnado, consequências desfavoráveis na esfera jurídica do autor, de modo que a anulação ou
declaração de nulidade desse ato lhe traga, pessoalmente, uma vantagem direta ; ii) o caminho
tomado cruzar-se-á com uma visão subjetivista esta que estreita as vistas à via objetivista dizendo
em traços largos que só poderão beneficiar da tutela para a impugnação de atos administrativos
os sujeitos que tenham uma posição subjetiva ser defendida, posição essa que terá incita em si
uma normatividade legitimadora.
Tradicionalmente a posição da doutrina, seguindo um ponto de vista objetivista que defende um
alargamento do âmbito de tutela dos particulares em face da administração, vai no sentido de
considerar que nas hipóteses de ações administrativas especiais, designadamente a situação
prevista pelo art.º 55/1 a) CPTA lhes é conferida tutela contenciosa a quem tenha um mero
interesse de facto, isto é, um interesse que se traduz numa “vantagem ou num benefício especifico
imediato para a esfera jurídica ou económica do autor” sendo este suficiente para que se
preencha o pressuposto da legitimidade.
Para esta doutrina configura-se neste dispositivo uma situação de legitimidade processual ativa
individual, em que a impugnação dum ato administrativo à luz do preceituado naquela alínea
exige a alegação por parte do demandante da titularidade de um interesse direto e pessoal,
impondo-se a sua apreciação em face do conteúdo da petição inicial e das vantagens, benefícios
ou utilidades diretas [ou imediatas], de natureza patrimonial ou não patrimonial [arts. 51.º e 55.º
do CPTA], que aquele, no momento da impugnação, alega poder advir-lhe da obtenção da
nulidade/anulação do concreto ato administrativo em crise e que se encontra em condições de
poder receber ou fruir.
Os efeitos e vantagens ou benefícios decorrentes dessa invalidação do ato para o demandante
devem repercutir-se de forma direta e imediata na respetiva esfera jurídica, não sendo suficiente
um benefício que se mostre meramente eventual ou hipotético ou de natureza teórica.
E deverá existir um interesse “pessoal”, ou seja, o demandante é considerado parte legítima
porque alega ser, ele próprio, o titular do interesse em nome do qual se move o processo e com o
qual pode retirar, para si próprio e na respetiva esfera jurídica, uma utilidade concreta na e com a
invalidação do ato impugnado, pese embora o mesmo interesse possa ser comum a um conjunto
de pessoas ou a pessoas diferenciadas, na certeza de que não terá, necessariamente, de basear-se
na ofensa de um direito ou interesse legalmente protegido [atente-se na expressão
“designadamente”], pois, bastar-se-á ou poderá fundar-se na circunstância de o ato ter
gerado, ou ser suscetível de muito provavelmente vir a provocar, consequências
desfavoráveis na esfera jurídica do demandante.
Contudo, há quem entenda que “a legitimidade das partes no contencioso administrativo assenta
sempre na conexão com situações subjetivas relevantes e protegidas pelo ordenamento jurídico”,
como é o caso do Professor VASCO PEREIRA DA SILVA. É do entendimento deste autor que
a legitimidade ativa e sede de impugnação de ato administrativo está confinado a quem revele um
interesse que se consubstancie numa “posição normativa- subjetiva”.
Do que fica dito resulta que para as ações de impugnação de ato administrativo o particular terá
legitimidade ativa para impugnar o ato com base numa de duas posições: i) ou entendemos que
no art.º 55/1 a) se integram os meros interesses de facto e alargamos assim o âmbito da proteção
contenciosa que é atribuída ao particular , ou ii) entendemos que devemos confinar a legitimidade
ativa a quem tenha uma posição jurídico-subjetiva diante da Administração tendo a mesma sido
lesada por causa de ato administrativo que a afetou.

13. “A indispensável e efetiva ligação entre o autor e o interesse cuja proteção reclama só
garante a sua legitimidade quando, por um lado, ocorre uma situação de efetiva lesão que
se repercute na sua esfera jurídica, causando-lhe direta e imediatamente prejuízos, e, por
outro, quando daí decorre uma real necessidade de tutela judicial que justifique a utilização
do meio impugnatório, isto é, quanto o interesse para que reclama proteção é direto e
pessoal. Não tem interesse pessoal e direto, e, por isso, carece de legitimidade ativa aquele
que pretende a anulação do licenciamento de uma grande superfície comercial com o
fundamento de que a sua entrada em funcionamento abalaria seriamente a atividade do seu
estabelecimento comercial tornando-o economicamente inviável e que tal conduziria ao seu
encerramento e ao consequente despedimento dos seus trabalhadores.” (Acórdão de 29 de
outubro de 2009, Proc. n.º 01054/08).

O CPTA nos seus preceitos iniciais, para além de regras relativas aos elementos do processo,
contém disposições referentes aos pressuposto processuais específicos do Contencioso e comum
a todos os meios processuais, nomeadamente a legitimidade (artigos 9.º e 10.º CPTA). Esta opção
de estabelecer regras comuns respeitantes aos pressupostos processuais é de louvar, contudo, já
não é tão adequado o facto de a lei não ter procedido à diferenciação entre o que é comum e o que
é especial.
No que respeita à legitimidade, que, do ponto de vista da teoria do processo, constitui elo de
ligação entre a relação jurídica substantiva e a processual, destinando-se a trazer a juízo os
titulares da relação material controvertida, o CPTA tem ainda uma subsecção II (Da legitimidade),
a propósito da ação administrativa especial qualificada em razão do pedido de impugnação.
Nos termos do art.55./1 a) do CPTA “Tem legitimidade para impugnar um ato administrativo:
Quem alegue ser titular de um interesse direto e pessoal, designadamente por ter sido lesado pelo
ato nos seus direitos ou interesses legalmente protegidos.” Da interpretação que se queira fazer
deste preceito poder-se-á obter dois resultados diferentes: i) enveredar-se por uma via objetivista
no sentido de alargar o espectro de pessoas que possam beneficiar de tutela jurídica para efeitos
de impugnação de ato administrativo, sendo que para o efeito basta atender a interesses de facto,
e nesta medida basta que o ato de certa forma esteja a provocar , no momento em que o mesmo é
impugnado, consequências desfavoráveis na esfera jurídica do autor, de modo que a anulação ou
declaração de nulidade desse ato lhe traga, pessoalmente, uma vantagem direta ; ii) o caminho
tomado cruzar-se-á com uma visão subjetivista esta que estreita as vistas à via objetivista dizendo
em traços largos que só poderão beneficiar da tutela para a impugnação de atos administrativos
os sujeitos que tenham uma posição subjetiva ser defendida, posição essa que terá incita em si
uma normatividade legitimadora.
Tradicionalmente a posição da doutrina, seguindo um ponto de vista objetivista que defende um
alargamento do âmbito de tutela dos particulares em face da administração, vai no sentido de
considerar que nas hipóteses de ações administrativas especiais, designadamente a situação
prevista pelo art.º 55/1 a) CPTA lhes é conferida tutela contenciosa a quem tenha um mero
interesse de facto, isto é, um interesse que se traduz numa “vantagem ou num benefício especifico
imediato para a esfera jurídica ou económica do autor” sendo este suficiente para que se
preencha o pressuposto da legitimidade.
Para esta doutrina configura-se neste dispositivo uma situação de legitimidade processual ativa
individual, em que a impugnação dum ato administrativo à luz do preceituado naquela alínea
exige a alegação por parte do demandante da titularidade de um interesse direto e pessoal,
impondo-se a sua apreciação em face do conteúdo da petição inicial e das vantagens, benefícios
ou utilidades diretas [ou imediatas], de natureza patrimonial ou não patrimonial [arts. 51.º e 55.º
do CPTA], que aquele, no momento da impugnação, alega poder advir-lhe da obtenção da
nulidade/anulação do concreto ato administrativo em crise e que se encontra em condições de
poder receber ou fruir.
Os efeitos e vantagens ou benefícios decorrentes dessa invalidação do ato para o demandante
devem repercutir-se de forma direta e imediata na respetiva esfera jurídica, não sendo suficiente
um benefício que se mostre meramente eventual ou hipotético ou de natureza teórica.
E deverá existir um interesse “pessoal”, ou seja, o demandante é considerado parte legítima
porque alega ser, ele próprio, o titular do interesse em nome do qual se move o processo e com o
qual pode retirar, para si próprio e na respetiva esfera jurídica, uma utilidade concreta na e com a
invalidação do ato impugnado, pese embora o mesmo interesse possa ser comum a um conjunto
de pessoas ou a pessoas diferenciadas, na certeza de que não terá, necessariamente, de basear-se
na ofensa de um direito ou interesse legalmente protegido [atente-se na expressão
“designadamente”], pois, bastar-se-á ou poderá fundar-se na circunstância de o ato ter
gerado, ou ser suscetível de muito provavelmente vir a provocar, consequências
desfavoráveis na esfera jurídica do demandante.

Contudo, há quem entenda que “a legitimidade das partes no contencioso administrativo assenta
sempre na conexão com situações subjetivas relevantes e protegidas pelo ordenamento jurídico”,
como é o caso do Professor VASCO PEREIRA DA SILVA. É do entendimento deste autor que
a legitimidade ativa e sede de impugnação de ato administrativo está confinado a quem revele um
interesse que se consubstancie numa “posição normativa- subjetiva”.
Do que fica dito resulta que para as ações de impugnação de ato administrativo o particular terá
legitimidade ativa para impugnar o ato com base numa de duas posições: i) ou entendemos que
no art.º 55/1 a) se integram os meros interesses de facto e alargamos assim o âmbito da proteção
contenciosa que é atribuída ao particular , ou ii) entendemos que devemos confinar a legitimidade
ativa a quem tenha uma posição jurídico-subjetiva diante da Administração tendo a mesma sido
lesada por causa de ato administrativo que a afetou.

14. “Igualmente importante para o caso dos autos se mostra a circunstância de que a
generalidade e abstração, características tradicionais ou clássicas das leis, não são hoje
consideradas essenciais para a qualificação de um ato como lei – veja-se o fenómeno das leis
individuais. O que releva hoje é o conceito de normatividade, que aponta para a distinção
entre atos de criação normativa e atos de aplicação normativa, os primeiros marcados pela
ideia de inovação, suportada em valorações políticas, típicas dos órgãos dotados de
competência política, como é o caso do Governo. Retomando o caso dos autos, e, mais
concretamente, o conteúdo dos atos impugnados (…) contêm previsões jurídicas de
conteúdo inovador, que expressam uma opção política primária, ainda que mais
particularizada, definida em função do que se assume ser o interesse geral da comunidade
nacional. Em síntese, o ato revogatório impugnado (…) não consubstancia, quer do ponto
de vista formal, quer do ponto de vista material, um ato administrativo”. (Acórdão de 21 de
janeiro de 2016, Proc. n.º 01049/14).

O art. 4º do ETAF, que concretiza o art. 212º/3 CRP, trata do âmbito de jurisdição dos tribunais
administrativos e fiscais. O número 3 daquele artigo exclui do âmbito da jurisdição administrativa
e fiscal a impugnação, e por isso, o conhecimento de processos cautelares que tenham por objeto
atos praticados no exercício da função politica e legislativa.
Não é, portanto, passível proceder à impugnação direta de atos legislativos nos tribunais
administrativos, isto a menos que esses atos, embora emanados no exercício da função legislativa,
contenham decisões materialmente administrativas, sendo que, nesse caso, a impugnação seria
possível – 52.º, nº1 CPTA e 268.º, nº4 CRP. Também não é passível de impugnar atos que
exprimam o exercício da função política.
Ao contrário do que sucede com atos legislativos que são de fácil identificação devido ao art.
112.º CRP estabelecer um elenco fechado das formas típicas que eles podem revestir, em relação
a atos praticados no exercício da função política, a delimitação torna-se mais difícil. Doutrina e
jurisprudência tem proposto formas abstratas que procuram identificar a essência da função
política. Pode dizer-se que a função política corresponde à prática de atos que exprimem opções
fundamentais sobre a definição e prossecução dos interesses ou fins essenciais da coletividade.
No entanto, há que procurar ir mais longe.
Num sistema de constituição rígida a atividade estadual no seu conjunto cinde-se em duas grandes
parcelas: uma que representa o exercício de faculdades soberanas e outra que representa o
exercício de faculdade em último termo conferidas por normas que, por sua vez, são o produto do
exercício dos poderes soberanos, ou seja, de poderes diretamente conferidos pela Constituição.
Resulta do aqui exposto, e como tem entendido a jurisprudência, que é de adotar um conceito
restrito de atos praticados no exercício da função política, que, desde logo, os restrinja a atos dos
órgãos superiores do Estado.
A função política e a função legislativa são qualificadas como funções primárias, tendo em
comum a realização das opções sobre a definição e prossecução do interesse público, tendo caráter
tendencialmente inovador, critério também usado pelo STA. A função administrativa está
subordinada àquelas funções primárias, possuindo caráter secundário, existindo uma necessidade
de que as suas decisões encontrem fundamento em tais escolhas e de que não as contrariem.
Assim, a função político-legislativa é a atividade permanente do poder político consistente na
elaboração de regras de conduta social de conteúdo primacialmente político, revestindo
determinadas formas previstas na Constituição. Ou melhor, corresponde à definição primária e
global do interesse público, interpretando os fins do Estado, sob a forma de lei da A.R., de decreto-
lei do Governo ou de decreto legislativo regional das assembleias legislativas regionais;
A função administrativa do Estado é o conjunto dos atos de execução de atos legislativos,
traduzida na produção de bens e na prestação de serviços destinados a satisfazer necessidades
coletivas que, por virtude de prévia opção legislativa, se tenha entendido que incumbem ao poder
político do Estado-coletividade. Corresponde a atos que, em execução direta ou indireta de
normas, se destinam a produzirem efeitos jurídicos no âmbito de relações com um objeto
especificado entre a Administração e particulares individualizados ou individualizáveis.
Como sabemos, a competência jurisdicional dos tribunais administrativas está prevista
principalmente para o controlo da função administrativa, isto é, para as “relações jurídicas em que
os sujeitos atuam ao abrigo de poderes ou deveres públicos conferidos por normas de direito
administrativo (normas que atribuam prerrogativas de autoridade ou imponham deveres, sujeições
ou limitações especiais a todos ou a alguns dos intervenientes, por razões de interesse público)”,
como resulta expressamente dos artigos 212º/3 da Constituição da República Portuguesa e 4º do
Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais.
Em tal competência não se incluem os litígios referentes a atos materialmente políticos ou
materialmente legislativos.
Confirmam-no, clara e expressamente, o artigo 268º/4 da Constituição da República Portuguesa
e o artigo 52º/1 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos/2002 («A impugnabilidade
dos atos administrativos não depende da respetiva forma»), de onde resulta que o que releva é a
materialidade da decisão pública em causa; a forma do ato jurídico é secundária.

O que interessa, em sede de Constituição da República Portuguesa, de Estatuto dos Tribunais


Administrativos e Fiscais e de Código de Processo nos Tribunais Administrativos, para efeitos de
apurar se estamos ante uma decisão de natureza administrativa concreta ou uma decisão de
natureza legislativa é, portanto, o conteúdo material do ato jurídico-público:
(i) se um conteúdo próprio da função administrativa do Estado (isto é, decisão adotada ao abrigo
de lei anterior, em cujos pressupostos já se encontram assumidas as opções políticas primárias do
legislador, sendo que o seu eventual conteúdo inovador se circunscreve a aspetos secundários,
menores ou instrumentais) ou
(ii) se um conteúdo próprio da função legislativa do Estado (isto é, opção primária de política,
inconstituída, com um conteúdo inovador expressivo de uma intencionalidade especifica de
formulação de opção primária da comunidade, sendo fonte inicial de direito, com apelo à
consciência ético-social vigente na comunidade; e que pode até ter um conteúdo concreto – uma
a “lei-medida”, mas sendo sempre nota distintiva a natureza inovadora ou primária, com um
sentido geral ou de princípio geral).

15. «Tónica comum aos regimes especiais é o alargamento da legitimidade ativa, para além
dos limites, reportados à (alegada) titularidade da relação material controvertida, em que
ela e, à partida, definida no artigo 9.º, n.º 1 - alargamento necessário nos múltiplos tipos de
situações em que, em processo administrativo, o litígio não pressupõe a pré-existência de
uma relação jurídica entre as partes» (MÁRIO AROSO DE ALMEIDA).

O CPTA nos seus preceitos iniciais, para além de regras relativas aos elementos do processo,
contém disposições referentes aos pressuposto processuais específicos do Contencioso e comum
a todos os meios processuais, nomeadamente a legitimidade (artigos 9.º e 10.º CPTA).
Esta opção de estabelecer regras comuns respeitantes aos pressupostos processuais é de louvar,
contudo, já não é tão adequado o facto de a lei não ter procedido à diferenciação entre o que é
comum e o que é especial.
Passemos à análise do art. 9.º CPTA: O art. 9.º, nº2 CPTA tem gerado uma polémica pelo seu
papel e dimensão.
O legislador regula três situações diferentes:
-A que está no nº1, que é a considerada a relação normal e essencial do processo administrativo,
em que a ação procede de um direito daquele determinado particular- a ação jurídico-subjetiva.
-E o no2 fala de duas situações: ação popular (intentada pelos particulares para a defesa de um
interesse difuso) e de ação pública (intentada pelo Ministério Público - MP).
Portanto, existem no processo administrativo três modalidades de ações: a relação jurídica-
substantiva que está no nº1 do art. 9.º CPTA, as ações públicas que cabem ao Ministério Público,
e as ações populares, que cabem a qualquer pessoa, no quadro de normas difusas.

Isto estabelece legitimidades diferentes, porque, enquanto no no1 temos a qualidade de parte de
uma ação administrativa a um determinado particular que teve o seu direito lesado, a legitimidade
que está estabelecida no no2, traz-nos a tutela objetiva da legalidade do MP, ou seja, são
modalidades de ações, que de forma complementar à primeira, protegem, autonomamente, a
legalidade e o interesse público, embora o façam de uma forma subjetiva – ou seja, nestas ações
públicas e populares, as partes agem subjetivamente, pois são, e passo a redundância, partes no
processo.
A diferença reside na forma como o Ministério Público age nessas ações. O Senhor Professor
Vieira de Andrade, diz nas suas lições que a ação popular é um importante instrumento de
interesse público, no âmbito do processo administrativo. Obviamente que isto tem algum
objetivismo, mas isso não põe em causa o subjetivismo de como é estabelecida a relação material
controvertida, de acordo com o entendimento do Senhor Professor Vasco Pereira da Silva.
Exterioriza-se aqui a diferença porque há uma tradição portuguesa- diferente da tradição alemã,
francesa, espanhola, italiana, entre outros países próximos do nosso- em que se prevê a
intervenção do MP no contencioso administrativo. Esta é uma realidade que pode ser explicada
por diversas razões:
Em primeiro lugar pelo desdobramento ao nível dos magistrados no Ministério Público e os juízes,
que teve um peso grande, sobretudo depois da Constituição de 76 ́, no quadro da organização da
justiça administrativa.
Por outro lado, no ato popular e na ação pública, nos finais do séc. XIX, previa- se que, ao nível
das autarquias locais, qualquer cidadão podia atuar em direito público, havendo apenas um
alargamento da legitimidade. E esta norma foi alterada já no séc. XX, nos anos 90 ́ por uma
“suposta” influência brasileira, para legitimar o fundamento da ação popular. Essa norma é de
“suposta” influência brasileira, pois é um mecanismo de ação próprio, mas que foi transposto de
forma ligeiramente diferente, não se fez recorrendo ao direito comparado, isto porque no Brasil
há mesmo uma ação (modalidade especial de ação, que existe com regras próprias e requisitos
próprios), pelo que esta influência do Brasil é mais uma influência suposta do que uma influência
direta. Esta transposição gerou uma interpretação corretiva, na qual o Senhor Professor Vasco
Pereira da Silva e o Senhor Professor Sérvulo Correia se empenharam, com alguma inflexão, pois
aquilo que estava no quadro da realidade portuguesa, tornar-se-ia perigoso se não houvesse
intervenção. Isso significa que ao lado da ação jurídico-subjetiva tem-se uma ação popular. Ao
lado da tutela do direito há uma realidade objetiva que irá apreciar a questão da legalidade de um
dano, que para o Senhor Professor Regente é reversível, porque ao adotar um conceito amplo do
direito subjetivo nada fica de fora.
Para o Senhor Professor Vasco Pereira da Silva, isto não seria preciso, mas entende por força da
tradição portuguesa, pelo que implica que essas ações são complementares e secundárias face à
primeira ação jurídica-substantiva. Têm uma função supletiva da tutela do interesse público, de
forma que essa mesma tutela esteja reduzida ao objetivismo, que só existe se houver uma
ilegalidade da ordem-jurídica subjetiva que é grave o suficiente. É uma lógica substantiva que
altera toda a questão, tornando-se supletivas da tutela dos interesses juridicamente protegidos.
Esta realidade tem importância secundária, tanto do ponto de vista teórico, bem como do ponto
de vista prático e da legalidade ela é muito diminuta, são casos limitados e excepcionais, porque
são, regra geral, casos de proteção de um interesse público.

16. “Não é de admitir revista estando em discussão o que respeita ao fumo de bom direito
do artigo 120.º, n.º 1, b), do CPTA e essa matéria perdeu importância em função dos critérios
de decisão agora estabelecidos pelo mesmo artigo 120.º, na redação do DL 214-G/2015 de 2
de outubro (…) [O] problema jurídico em si perdeu capacidade de expansão. Na verdade,
ele só interessa aos processos aos quais ainda não se apliquem as alterações do CPTA
promovidas pelo DL 214-G/2015, de 2 de Outubro. Com essas alterações são já outros os
critérios de decisão das providências, passando a ser sempre exigido que seja provável a
procedência da pretensão formulada ou a formular no processo principal.” (Acórdão do
STA de 23 de junho de 2016, Proc. n.º 0764/16).

Desde a entrada em vigor, em 1 de Janeiro de 2004, do Código de Processo nos Tribunais


Administrativos, substituindo a já há muito “reformada” Lei de Processo nos Tribunais
Administrativos, que o direito processual administrativo encontra-se estruturado em torno do
princípio da tutela jurisdicional efetiva, cuja prossecução passou, necessariamente, pela
consagração de uma plena tutela cautelar. Neste sentido, o Código de Processo nos Tribunais
Administrativos, em rutura com a LPTA, procedeu à concretização infraconstitucional do artigo
20.º n.º 5 da Constituição da República Portuguesa, trazendo consigo um regime cautelar
amplamente garantístico. E, como não podia deixar de ser, o legislador centrou-se na identificação
das denominadas providências cautelares especificadas e na tramitação do processo cautelar, com
destaque para os critérios legais de concessão de providências cautelares no já afamado artigo
120.º, ou seja, as previsões normativas qualificadas pelo legislador como “disposições comuns”
(artigos 112.º a 127.º do CPTA), correspondendo a um verdadeiro regime geral da tutela cautelar
no Código de Processo nos Tribunais Administrativos. Todavia, as particularidades de
determinadas providências cautelares, pela configuração do pedido, do objeto da providência ou
da tramitação do processo, “obrigaram” o legislador a estabelecer regimes especiais, ou seja,
disposições normativas que se afastam do regime geral, mas não contrariam, “na sua essência”,
esse regime-regra. A revisão de 2015 veio alterar significativamente algumas das previsões
normativas específicas.
Para melhor compreensão do instituto das providências cautelares, afigura-se necessário
estabelecer os traços gerais do seu regime.
Tratando-se de uma providência cautelar serão, antes de mais aplicáveis as disposições gerais
constantes dos artigos 112º e ss. CPTA. Assim, serão de aplicar os critérios de decisão constantes
do artigo 120º. Como se dispõe no ponto 6 das Considerações Iniciais do Decreto-Lei 214-G/2015
que procedeu à recente alteração do CPTA este critério sofreu alterações. Procedeu-se, assim, a
uma unificação dos critérios de decisão deixando de se fazer a alteração consoante se tratasse de
uma providência conservatória ou antecipatória. São agora exigidos três critérios de decisão: o
periculum in mora; o fumus boni iuris e um critério de proporcionalidade.
No que respeita ao requisito do periculum in mora este encontra-se associado à urgência que
caracteriza a providência cautelar. Do mesmo resulta que a providência cautelar apenas poderá
ser requerida, nos termos do artigo 120º, nº1 CPTA no caso em que “haja fundado receio da
constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação
para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal”. Em sede do requisito
de periculum in mora adere-se, do ponto de vista funcional, à Doutrina que distingue três tipos de
providências: conservatórias, “de asseguramento de um direito ou facto”; de regulação
provisória de situações “mediante uma resolução inovadora que se destina a durar até que se
obtenha uma decisão definitiva”; antecipatórias “dos efeitos da resolução definitiva”. Do um
ponto de vista estrutural, isto é, na perspectiva do conteúdo das medidas a decretar pelo Tribunal,
atento o requisito do periculum in mora e a relação de instrumentalidade com a causa principal,
adere-se à doutrina que identifica quatro subespécies :a) relativa à prova; b) preparatória e de
garantia; c) antecipatória de conteúdo assegurado; d) antecipatória de conteúdo inovador.
Sendo que as providências referidas em a) e b) “não tocam nunca no mérito da relação substancial
controvertida” ao passo que as c) e d) “traduzem uma decisão que já se intromete no objecto da
causa” principal e “a providência cautelar interina (com efeito ampliador ou inovador) opera à
satisfação antecipada do direito controvertido, ainda que seja provisoriamente. Esta providência
cautelar d) apenas tem de distinto com a c) o facto de antecipar diferentes tipos de efeitos da
sentença principal.
À verificação do fumus boni iuris tem sido atribuída uma vertente positiva e uma vertente
negativa. Com efeito, “na formulação positiva é preciso acreditar na probabilidade de êxito do
recurso principal. Tem de se verificar uma aparência de que o recorrente ostenta, de facto, o direito
que considera lesado pela actuação administrativa; na formulação negativa basta que o recurso
principal não apareça à primeira vista desprovido de fundamento”. nas providências
antecipatórias a Doutrina é unânime em considerar, a não ser que divirja da própria possibilidade
de antecipação cautelar, que estas requerem “um fumus boni iuris mais qualificado, na medida
em que, existindo riscos de antecipação definitiva, o juiz cautelar deve antecipar a apreciação do
mérito da causa de forma a evitar decisões antecipadas erradas”
Sem esquecer que o âmbito e limites do conceito de providência antecipatória “não é de modo
algum pacíficamente entendido. Bem pelo contrário, esta é uma vexata quaestio da tutela cautelar.
As divergências dogmáticas sobre a natureza jurídica da tutela cautelar e as suas discussões em
torno do conteúdo da tutela cautelar e da natureza dos seus efeitos têm subjacente a diferente
compreensão do seu modus operandi, a antecipação”.
No que se refere ao último requisito da proporcionalidade, exigível na sua dimensão do equilíbrio,
o juiz, mesmo verificado o periculum in mora e o fumus boni iuris deve “recusar a concessão da
providência cautelar; quando o prejuízo resultante para o requerido (que será sempre, pelo menos,
um prejuízo para o interesse público) se mostre superior ao prejuízo que se pretende evitar com
a providência”.
Enfim, o CPTA desdobrou critérios de decretamento da tutela cautelar para as providências não
especificadas, acolhendo três critérios no nº 1 do artigo 120º, e empurrando o juiz para operações
de qualificação (desde a caracterização de ilegalidades evidentes à divisão entre providências
conservatórias e antecipatórias) nem sempre óbvias, além de o investir em competências de
remodelação da instância, podendo suprimir ou aditar providências.

17. “O Direito do Contencioso Administrativo é (ou deve ser) Direito Constitucional


concretizado, pois corresponde à tentativa de realização das opções constitucionais ao nível
da justiça administrativa (…) Mas, se a justiça administrativa concretiza as opções
constitucionais, se existe uma relação de dependência constitucional do Direito do
Contencioso Administrativo, por outro lado há uma dependência administrativa do Direito
Constitucional, cuja realização depende da justiça administrativa” (V. PEREIRA DA
SILVA).
A afirmação de que, hoje em dia, o Direito Constitucional e o Direito Administrativo estão
interligados e em situação de interdependência recíproca não basta.

Na verdade, desde os primórdios, nem a doutrina administrativa se tinha esquecido da referência


à Constituição, nem a Jurisprudência ignorava a supremacia das normas constitucionais. O que
surge agora como novidade é a imediata e permanente confrontação de qualquer atividade
administrativa com a Constituição.

No fundo, deixou de se tratar de um mero problema formal de subordinação da Administração à


Constituição, passando a ser uma questão material da realização continuada e permanente das
normas fundamentais através do Direito Administrativo, servindo a lei fundamental como padrão
para a aferição da validade e controlo administrativo.

Quanto ao Processo Administrativo, verificou-se na Europa um movimento de


constitucionalização do mesmo (fase denominada de “crisma ou confirmação” do Processo
Administrativo, segundo o professor Vasco Pereira da Silva). Nesta fase em que é confirmada a
natureza jurisdicional dos órgãos encarregados de julgar a Administração, afirmando-se a função
e natureza subjetivos do CAT, mediante a garantia de um direito fundamental à proteção plena e
efetiva dos particulares. Com auxílio do Direito Constitucional, há uma passagem de um modelo
em que o tribunal dependia da Administração e o contencioso era objetivo e limitado, para um
modelo em que o tribunal é independente e o contencioso é subjetivo.

Mas se há uma dependência constitucional do Direito Administrativo, a afirmação inversa é


igualmente verdadeira, nomeadamente tendo em conta que o CAT é o domínio privilegiado de
realização de direitos fundamentais

O caso português surge como comprovação exemplar da afirmação:

Desde logo, a revisão constitucional de 1989 implicou uma mudança radical do compromisso
constitucional acerca do modelo de CAT: ocorre a institucionalização e jurisdicionalização do
Contencioso Administrativo, isto é, os Tribunais Administrativos passam a constituir uma
jurisdição própria (verdadeiros tribunais); e, ainda, com a revisão de 1997, passou a ser colocada
no centro do Processo Administrativo a proteção e efetiva dos direitos dos particulares (CA como
um verdadeiro processo de partes).

A isto acresce a subjectivização e o cumprimento progressivo do objetivo de tutela jurisdicional


plena (a lesão de posições jurídicas como critério primordial de legitimação processual, a abertura
exemplificativa dos meios processuais disponíveis, etc.).

Assim, temos como direito fundamental dos particulares e princípio fundamental de organização
do CAT o direito fundamental a uma tutela plena e efetiva dos direitos dos particulares, previsto
no artigo 268º, nº4, sendo a pedra angular do CA.

Só a previsão adequada e funcional de meios de tutela específicos do Contencioso Administrativo


permite garantir de modo pleno o exercício dos direitos fundamentais e, dessa forma, assegurar o
cumprimento e concretização da própria Constituição – assim, o CA surge como palco
privilegiado de tutela perante o poder público em geral (por exemplo, artigo 4º, nº1, a), do ETAF
e o regime da intimação para a proteção de direitos, liberdades e garantias).
18. “[E]stamos, no caso, em face de dedução de pretensão impugnatória efetuada ao abrigo
do direito de ação popular de que os AA. se arrogam ser detentores, estando em causa uma
alegada defesa dos bens do Estado [ações de que este é titular na «G., SGPS, SA»] e que este
estará ou poderá vir a ser lesado através da sua alienação no quadro de processo de
reprivatização aberto pela RCM n.º 4-A/2015 ora impugnada (…) Importa concluir, como
se afirmou na decisão impugnada, que assiste legitimidade processual ativa(…), quer aos
cidadãos AA., enquanto pessoas físicas e no gozo dos seus direitos civis e políticos, quer à
associação A. na medida em que, detendo personalidade jurídica, a mesma, nos termos dos
seus Estatutos, assume-se e prossegue a defesa daquilo que são bens ou valores
constitucionais para cuja defesa foi constituída, como sejam os bens/ativos incluídos no
património do Estado [mormente, pugnando no quadro do seu objeto social contra a
“alienação total ou maioritária das Empresas estratégicas do Setor empresarial do
Estado”]” (Acórdão do STA de 23 de novembro de 2016, Proc. n.º 0456/15).

O artigo 9º, nº2 constitui uma extensão da legitimidade ativa a quem não alegue ser parte na
relação material controvertida, reconhecendo ao MP, às autarquias locais, às associações e
fundações defensoras dos interesses em causa e, em regra-geral, a qualquer pessoa singular,
enquanto membro da comunidade, o direito de lançarem mão de todo e qualquer meio processual,
para defesa dos valores nele enunciados.

Assim, tal preceito tem, designadamente, em vista, o exercício por parte dos cidadãos do direito
de ação popular para a defesa de valores e bens constitucionalmente protegidos, tal como os
elencados no artigo. Tal direito é também reconhecido pela CRP, no seu artigo 52º, nº3, enquanto
direito fundamental de participação política. As alíneas do referido artigo elencam apenas alguns
casos em que se pode propor uma ação popular, mas que podem surgir igualmente, outros
interesses relevantes, não consagra, portanto, um elenco taxativo.

O exercício dos poderes de propositura e intervenção previstos no artigo 9º, nº2 processa-se “nos
termos previstos na lei”, operando assim uma remissão para a Lei nº83/95, de 31 de agosto.

Quanto ao exercício do direito de ação popular por qualquer cidadão, a atribuição de legitimidade
é relativamente incondicionada, não se exige a existência de um elemento de conexão, de uma
qualquer situação de apropriação individual do interesse difuso do lesado, como critério relevante.

A distinção entre interesses coletivos e interesses difusos stricto sensu não assenta nos respetivos
titulares – mas no respetivo objeto: ao passo que os interesses difusos stricto sensu incidem sobre
bens indivisíveis e, por isso, não podem ser divididos por cada um dos seus titulares, os interesses
coletivos integram uma pluralidade de interesses individuais sobre bens exclusivos, sendo, por
isso, repartidos por cada um dos respetivos titulares.

Os interesses individuais homogéneos consistem na refração dos interesses difusos stricto sensu
e dos interesses coletivos na esfera de cada um dos seus titulares. Os interesses individuais
homogéneos podem, assim, ser definidos como os interesses de cada um dos titulares de um
interesse difuso stricto sensu ou de interesse coletivo – nas verdadeiras ações populares, este
interesse não é relevante.

Quanto às associações e fundações, o artigo 3º, nº2, do mencionado diploma, estabelece que a sua
legitimidade ativa, neste domínio, compreende os bens ou interesses cuja defesa se inclua
expressamente no âmbito das suas atribuições e objetivos estatutário, segundo um princípio de
especialidade e territorialidade.

No caso, tratando-se de uma pretensão impugnatória, seria acionada a legitimidade através do


artigo 55º, nº1, f), CPTA.
Pressupondo um entendimento alargado da referida cláusula (“bens do Estado”), em particular
sob o eixo do conflito entre a otimização da tutela jurisdicional e a eficiência da máquina judiciária
– analisar depois o caso concreto.

19. “Nas ações de condenação à prática de um ato administrativo devido, na escolha do


modo de determinar a execução das sentenças administrativas, em geral, os poderes do juiz
situam-se na fronteira da discricionariedade administrativa e podem mesmo conflituar com
esta (…) O princípio da imparcialidade, o princípio da boa fé, o princípio da justiça, o
princípio da proporcionalidade, na sua refração nos casos concretos, autorizam uma
fiscalização do exercício do poder administrativo até há algum tempo absolutamente
impensável. Estes princípios gerais levam a que as fronteiras dos poderes de cognição do
juiz vão muito para além daquilo que eram, anteriormente, as fronteiras tradicionais da
discricionariedade” (R. MACHETE).

Por regra, e nos termos do artigo 67º, nº1, do CPTA, o primeiro pressuposto exigido para que possa
ser deduzido um pedido de condenação à prática de um ato administrativo é que o interessado
tenha começado por apresentar um requerimento que tenha constituído o órgão competente no
dever de decidir. Assim, a apresentação de requerimento, no fundo, representa um requisito de
cuja observância depende a existência de uma situação de necessidade de tutela judicial e, portanto,
a constituição de um interesse em agir em juízo.

Não basta, no entanto, a apresentação do requerimento. De acordo com o artigo 67º, nº1, a
condenação à prática do ato devido poder ser pedida em 4 tipo de situações: a hipótese de silêncio
perante o requerimento apresentado (alínea a) – é atribuído valor ao silêncio da Administração); a
hipótese de indeferimento do requerimento (alínea b)); a hipótese de recusa de apreciação do
requerimento (alínea b)); e, por último, a hipótese de ato administrativo de conteúdo positivo
parcialmente desfavorável ao interessado (alínea c)).

A consagração desta ação constitui uma das principais mudanças de paradigma na lógica do CAT.
Antes, entendia-se que, à luz do princípio da separação de poderes, o juiz só poderia anular atos
administrativos, mas nunca poderia dar ordens de qualquer espécie às autoridades administrativas.

Com a consagração desta ação administrativa especial, considera-se que, o que está em causa na
ação de condenação é o próprio direito da relação jurídica substantiva e não um qualquer ato. O
mesmo resulta do 71º, nº1, do CPTA, que estabelece que tanto nos casos em que a Administração
se tenha recusado a apreciar o pedido, como naqueles em tenha omitido a prática do ato.

Nesse sentido, importa salientar que são inúmeras as situações em que a Administração se encontra
obrigada a atuar, embora o conteúdo da decisão a adotar dependa de escolhas que são da sua
responsabilidade (discricionariedade enquanto modo de realização de um direito). Assim, as
sentenças de condenação à prática de ato devido não podem limitar-se a cominar a prática de um
ato administrativo, devendo sim determinar, em concreto, qual o âmbito e o limite das vinculações
legais (71º, nº2, CPTA).

Assim, o juiz deve delimitar aquilo que é discricionário e fornecer indicações quanto ao modo
correto de exercício do poder discricionário, no caso concreto (salvaguardando-se a necessidade
de respeito da norma de separação de poderes: 3º, nº1, CRP).
20. “O regime do artigo 128.º [CPTA] só operará, (…) quando, tenha sido ou não pedido o
decretamento provisório da suspensão, o juiz não o tenha concedido no despacho liminar:
é, pois, nesse caso, em que a entidade requerida é citada sem que o decretamento provisório
tenha ocorrido, que ela fica proibida de executar o acto, sem prejuízo da possibilidade da
emissão de resolução fundamentada, nos termos do 128.º [CPTA]” (M. AROSO DE
ALMEIDA).

O artigo 131º, do CPTA prevê que, quando a existência de uma situação de especial urgência o
justifique, o tribunal pode conceder, a título provisório, a providência cautelar, ainda na pendência
do processo cautelar, procedendo ao decretamento provisório da providência. Trata se, assim,
uma espécie de tutela cautelar de segundo grau, fundamentada no periculum in mora não do
processo principal, mas do próprio processo cautelar.

Uma vez realizado o decretamento provisório, o incidente está, em princípio, encerrado, pelo que
o processo cautelar segue os termos normais, nos moldes previstos nos artigos 117º e ss.

Importa perceber de que modo se compatibiliza este regime com o previsto no artigo 128º,
segundo o qual, quando seja requerida a suspensão cautelar da eficácia de um ato administrativo,
a autoridade administrativa, uma vez recebido o duplicado do requerimento, não pode iniciar ou
prosseguir a execução, salvo se, mediante resolução fundamentada, reconhecer, no prazo de 15
dias, que o deferimento da execução seria gravemente prejudicial para o interesse público.

\Segundo o professor Mário Aroso de Almeida, entende-se que a proibição de executar, prevista
no artigo 128º, nº1, opera com a citação no processo cautelar, nos termos do artigo 117º (ou do
114º, nº4, para as situações de especial urgência, a pedido do requerente).

Fazendo uma breve comparação dos regimes: o artigo 131º possui um âmbito de aplicação mais
alargado, abarcando qualquer providência cautelar, sendo que o 128º apena abarca providências
cautelares de suspensão da eficácia do ato administrativo. O 131º exige decisão do juiz em 48
horas, contrariamente ao 128º, que opera automaticamente, extrajudicialmente, sem estar
dependente de decisão do juiz. No entanto, ambos encontram a sua razão de ser no periculum in
mora do processo cautelar, prevenindo danos que, para o requerente, possam resultar da demora
deste processo.

Questiona-se, assim, se a consagração da proibição de executar o ato administrativo nos processos


cautelares de suspensão de eficácia de atos administrativos (128.º) não absorve qualquer utilidade
que o decretamento provisório da providência cautelar (131.º) poderia ter.

Entende o professor MAA, que, como a admissão do requerimento cautelar e subsequente citação
da entidade requerida depende de despacho liminar (116º, nº1, CPTA) a questão do decretamento
provisório de providências cautelares (131º) coloca-se em momento anterior àquele em que
eventualmente opera o regime do artigo 128.º”.

Tendo em conta o ponto anterior, não resta outra hipótese senão concordar com a afirmação A):
sempre que num processo cautelar de suspensão da eficácia de atos administrativos for requerido
o decretamento provisório da providência cautelar, o regime do 128.º só se aplicará se o juiz
deferir o tal requerimento.

21. “(…) é bem possível concluir que a norma do art. 73.º, n.º 2 do CPTA se revela
desconforme com a Constituição, na parte em que atribui competência aos Tribunais
Administrativos para, a título principal e definitivo, declarar a inconstitucionalidade e
ilegalidade qualificada de normas regulamentares, ainda que com efeitos restritos ao caso
concreto.” (LICÍNIO LOPES MARTINS).
O artigo 73º, CPTA prevê a possibilidade da impugnação direta da norma regulamentar. Até á
revisão de 2015, os interessados só podiam obter, da parte do tribunal, uma declaração de
ilegalidade sem força obrigatória geral, ou seja, a declaração de que a norma impugnada era ilegal
só valia para o interessado (no fundo, obtia-se uma desaplicação da norma).

Com a revisão de 2015, o artigo 73º passou a prever a possibilidade de impugnação direta da
norma regulamentar, sendo que a declaração de ilegalidade sem força obrigatória geral passou a
estar apenas prevista no seu nº2, para os casos abrangidos pela restrição prevista no artigo 72º, nº2,
CPTA. Assim, só há lugar à referida declaração nas situações em que, invocando o autor a
existência de inconstitucionalidade da norma impugnada (281º, nº1, CRP), é vedada aos tribunais
administrativos a declaração de ilegalidade dessa norma com força obrigatória geral (pressupõe a
apreciação em abstrato, pelos tribunais administrativos, da norma inválida com fundamentos no
281.º/1 CRP, não implicando, contudo, o expurgo da norma do ordenamento jurídico – tertium
genus).

Isto porque só ao TC compete declarar com força obrigatória geral a inconstitucionalidade de


quaisquer normas (inclusive as ditadas pela Administração). Podemos problematizar um possível
esvaziamento da norma em análise, na medida em que a CRP já impõe a todos os tribunais a recusa
de aplicação de normas inconstitucionais por via do artigo 204º.

22. “(…) Não era essa a opinião [inconstitucionalidade das garantias administrativas
necessárias] de boa parte da doutrina, e não foi nesse sentido a jurisprudência, quer do STA,
quer do TC, argumentando que o condicionamento do acesso imediato aos tribunais se pode
justificar por razões de interesse público e não prejudica de forma desproporcionada ou
arbitrária a proteção jurisdicional efetiva dos cidadãos – conclusão que é hoje reforçada pelo
CPA, seja pela fixação da excecionalidade do caráter necessário das reclamações e recursos,
seja pela garantia peremptória da suspensão dos efeitos do ato pelas impugnações
necessárias, eliminando a possibilidade anteriormente existente de a lei ou o órgão
administrativo competente determinarem a não suspensão da eficácia” (F. QUADROS, S.
CORREIA, R. MACHETE, V. ANDRADE, M. G. GARCIA, A. ALMEIDA, P.
HENRIQUES, J. SARDINHA).

A impugnação jurisdicional de atos administrativos pode estar dependente da observância do ónus


de prévia utilização, pelo impugnante, de vias de impugnação administrativa, como a reclamação,
o recurso hierárquico ou o recurso tutelar (regime das impugnações administrativas previsto no
artigo 184º, do CPA).

Assim, a este propósito, fala-se em impugnações administrativas necessárias – é necessária a


prévia utilização da impugnação administrativa, se o autor pretender lançar mão, em seguida, da
via da impugnação contenciosa.

Para o professor Vasco Pereira da Silva, a exigência levanta problemas de inconstitucionalidade:


configura-se a violação do princípio constitucional da plenitude da tutela dos direitos dos
particulares, uma vez que a inadmissibilidade de recurso contencioso, quando não tenha existido
previamente o recurso hierárquico, equivale a uma verdadeira negação do direito fundamental
previsto no artigo 268º, nº4, CRP; violação do princípio de separação de poderes (preclude o
direito de acesso ao tribunal em resultado da não utilização de uma garantia administrativa);
violação do princípio da desconcentração administrativa (267º, nº2, CRP).

O CPTA, em termos gerais, não faz essa exigência. Um dos traços estruturantes trazidos pela
reforma de 2002/2004 foi precisamente a queda do recurso hierárquico necessário como
pressuposto genérico, como se retira, por exemplo, das soluções consagradas nos artigos 51º, 58º,
nº4 e 59º, nº4 e 5.
No entanto, o CPTA não tem o alcance de afastar as múltiplas determinações legais avulsas que
instituem impugnações administrativas necessária – sempre a lei especial as prevê, institui um
requisito adicional, que vem acrescer aos demais, recorrentes da lei geral.

É o que hoje claramente estabelece o nº2, do artigo 185º, do CPA, prevendo a hipótese de os
recursos e reclamações serem denominados pela lei enquanto necessários.

O artigo 3º, do Decreto-Lei nº4/2015, de 7 de janeiro, que aprovou a revisão do CPA, consagra,
entretanto, importantes disposições transitórias aplicáveis à matéria que constem de leis anteriores
à entrada em vigor da revisão de 2015. Segundo o mesmo “as impugnações administrativas
existentes à data da entrada em vigor do presente decreto-lei só são necessárias quando previstas
em lei que utilize uma das seguintes expressões: a) A impugnação administrativa em causa é
«necessária»; b) Do ato em causa «existe sempre» reclamação ou recurso; c) A utilização de
impugnação administrativa «suspende» ou «tem efeito suspensivo» dos efeitos do ato
impugnado.”

Quanto à manutenção de impugnação administrativos necessárias perante previsões especiais,


conclui-se pela posição em sentido afirmativo da tendencial maioria da jurisprudência e da
doutrina.

O professor VPS não adota esse entendimento: não é possível compatibilizar a regra-geral da
admissibilidade de acesso à justiça, com as regras especiais que supostamente mantêm a exigência
de recurso hierárquico necessário; a sua afirmação resultava de uma desmultiplicação da anterior
regra geral – eliminada esta, as previsões especiais teriam caducado por falta de objeto; existe
desadequação com um sistema promotor do acesso à justiça.

23. “[A] competência da jurisdição administrativa para o julgamento das ações por
incumprimento de [um] contrato não depende da natureza do mesmo nem da qualidade dos
seus sujeitos, mas, apenas e tão só, do facto de ele ter sido precedido de um procedimento
regido por normas de direito público por força de lei específica” (Acórdão do Tribunal dos
Conflitos de 4 de fevereiro de 2016, Proc. n.º 035/15).

Neste excerto, levanta-se a questão do âmbito de jurisdição administrativa, a respeito de matéria


contratual.

O artigo 4º, nº1, e), do ETAF adota hoje os seguintes critérios:

• Um critério substantivo – estão abrangidos pelo âmbito da jurisdição administrativa os


contratos administrativos, isto é, os critérios que apresentem algumas notas de
administratividade, enunciadas no artigo 1º, nº6, do CCP (contratos administrativos por
natureza, contratos administrativos por determinação da lei, contratos administrativos por
qualificação das partes.
• Um critério procedimental – o contrato deve ser submetido a regras de contratação
pública.

Não é dada, nesse sentido, qualquer relevância a um critério subjetivo.

Deve, assim, afirmar-se o contributo da uniformização de jurisdição na questão substantiva


relativo à natureza dos contratos da Administração – uma vez que parece ter sido adota um
conceito de contrato público mais amplo: abrange todos os contratos celebrados no âmbito da
função administrativa, independentemente da sua designação e da sua natureza administrativa ou
privada, desde que sejam outorgados pelas entidades referidas no código.
Quanto a pretensões relativas ao da atividade contratual pública, salienta-se o artigo 37º, nº1, l),
CPTA e 77.º-A e 77.º-B do CPTA quanto às ações sobre contratos, e, na fase de formação, o
contencioso pré-contratual urgente (artigos 100.º e ss. do CPTA).

24. “Contrariamente à conceção clássica do contencioso administrativo, que confundia o


pedido com o objeto do processo, a consideração da causa de pedir é de grande importância
para a determinação do objeto [das ações de impugnação]. Com efeito, o pedido de anulação
ou de declaração de nulidade ou de inexistência de um ato administrativo não basta, por si
só, para a determinação do objeto do processo, uma vez que este não é a ilegalidade do ato
considerada em abstrato, mas uma sua ilegalidade relacional, dependente das alegações das
partes” (V. PEREIRA DA SILVA).

Um elemento essencial de qualquer processo é o respetivo objeto, tratando-se de assegurar a


ligação entre a relação jurídica material e a relação jurídica processual, determinando quais os
aspetos da relação jurídica substantiva, existente entre as partes, que foram trazidos a juízo.

O objeto consiste assim na conjugação da causa de pedir (factos constitutivos da pretensão) com
o pedido (formalização processual da pretensão).

A orientação, subjacente ao trecho (que se contrapõe com a orientação objetivista) é a de uma


compreensão unitária dos dois elementos, com valorização dos factos levados a juízos pelas partes,
conduzindo ao abandono da ideia de um processo feito a um ato e à lógica de que um juízo
realizado pelo Tribunal é puramente objetivo (legalidade/ilegalidade), sendo antes dependente da
conexão da ilegalidade nas posições jurídico-subjetivas das partes.

Tal orientação, defendida por VPS, contrapõe-se com a orientação objetivista, que não limita o
conhecimento do juiz às causas de invalidade invocadas, devendo sim ser feita uma consideração
da invalidade global do ato como objeto de conhecimento.

Nos termos do artigo 95º, nº1, do CPTA, o tribunal deve decidir todas as regras que as partes
tenham submetido à sua apreciação, não podendo ocupar-se senão das questões suscitadas – no
fundo, o objeto do processo é configurado essencialmente pelas alegações das partes.

Quanto ao seu nº2, e no entendimento de VPS, no fundo, estabelece-se que a sentença não pode
condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pedir (portanto a ideia de um
processo primordialmente de tipo acusatório e não inquisitório). No entanto, se não houver
elementos para fixar o objeto ou a quantidade, o tribunal condena no que vier a ser liquidado, sem
prejuízo da condenação imediata na parte que já seja líquida. Portanto, a ideia de que embora o
que está a ser decidido é aquilo que foi arguido pelas partes, se a situação não for inteiramente
líquida e só em momento posterior é que se torna completo e determinado o objeto do processo, o
juiz pode no final voltar a decidir para determinar exatamente o objeto do processo.

Quanto aos limites objetivos do caso julgado nas ações impugnatórias – nº3 – VPS: A identificação
da ilegalidade significa o abandono completo da teoria clássica. O que está em causa são os factos
trazidos pelos particulares, mas o juiz não está limitado à qualificação feita por eles. O que
correspondia ao último resquício da prática do velho processo administrativo foi afastado pelo
novo processo administrativo.

25. “A ação administrativa é o resultado de uma síntese de aspetos específicos de regime


provenientes do anterior modelo da ação administrativa especial, com um forte componente
de transposição, ainda que com importantes adaptações, do regime de processo declarativo
comum do CPC” (M. AROSO DE ALMEIDA).
A afirmação em questão incide, essencialmente, sobre a ação administrativa, elaborando,
primeiramente, uma comparação entre os aspetos específicos do regime que existiam após a
reforma de 2002/2004 e a revisão de 2015 do Contencioso Administrativo, referindo ainda
algumas transposições que se fizeram do regime de processo declarativo comum, no âmbito do
processo civil.

Até à Revisão de 2015, o enquadramento do CPTA permitia que diferentes pretensões fossem
deduzidas perante a jurisdição administrativa, através de quatro formas de processo “urgente” e
duas formas de processo “não-urgente”. Como referido, existia uma bipartição entre as formas de
processo principais não-urgentes, isto é, entre a ação administrativa especial (AAE) – que se
destinava à apreciação de litígios relativos à impugnação de atos administrativos e normas
regulamentares, mas também de processos dirigidos à condenação da Administração à emissão
desse tipo de atos – e a ação administrativa comum (AAC) – visava apreciar as pretensões
pertencentes ao âmbito da jurisdição administrativa, que não estivessem relacionadas com o
exercício de poderes administrativos de autoridade. Esta dualidade desencadeava algumas
consequências práticas: havia duas vias possíveis, quanto às regras de tramitação processual; em
caso de cumulação, ocorria uma consunção da AAC pela AAR; e muitas vezes, tornava-se difícil
separar algumas situações (ex: ações sobre a validade de contratos como AAC, quando a forma
contratual pode também ser tomada como típica da função administrativa).

Com esta revisão, afastou-se o modelo dualista, passando estes dois processos a integrar um
modelo unitário, submetido então à atual “ação administrativa” (art 37º, CPTA) – nos termos dos
artigos 78ºss, CPTA, criou-se uma tramitação única e global para todas as ações principais não-
urgentes.

Não obstante, conservaram-se alguns aspetos do modelo anterior de AAE (já que esta residia em
aspetos fundamentais no processo declarativo comum do CPC), como o dever de envio do
processo administrativo, a intervenção do Ministério Público e a preclusão do conhecimento de
exceções dilatórias no despacho saneador (artigos 84º, 85º e 88º/2, CPTA, respetivamente).
Ocorreu ainda a transposição, com as devidas adaptações, do regime do processo declarativo
comum do CPC – como a reconvenção (artigo 83º-A), o modelo do despacho pré-saneador (artigo
87º), o regime da audiência prévia (artigos 87º-A a 87º-C), a instrução e a audiência de julgamento
(artigos 89º-A e 91º).

Desta forma, consagrou-se uma forma de processo declarativo comum, caracterizada por uma
pretensão de completude, que, sem prejuízo da aplicação supletiva do CPC para a integração de
lacunas, tem por objeto estruturar o processo administrativo de modo próprio, nos seus aspetos
essenciais.

26. «Depois das alterações ao CPA (…) o conceito processual de ato administrativo
impugnável tende a coincidir com o conceito de ato administrativo para efeitos substanciais
e procedimentais». [E acrescenta-se em nota de rodapé] «O conceito de ato administrativo
é entendido em sentido estrito – implicando uma regulação duradoura de autoridade,
própria do poder administrativo – já que, ao contrário do que sucedia antes, não é
necessária (nem conveniente) a sua ampliação para propiciar ao particular uma proteção
judicial, estando sempre assegurada aos cidadãos uma tutela judicial efetiva por via da ação
administrativa» (VIEIRA DE ANDRADE)

A noção de ato administrativo sofreu diversas alterações consoante as diferentes ideologias,


podendo reconduzir-se a três momentos.
Na perspetiva do Estado Liberal, reconhecido pela “Administração agressiva” (devido à atuação
característica do poder de autoridade), só o ato definitivo e executório poderia ser objeto do
contencioso. Mais tarde, com o Estado Social, caracterizado pela Administração prestadora,
houve uma generalização dos atos administrativos “favoráveis”, que atribuíam benefícios
materiais aos particulares. Finalmente, no Estado Pós-Social, com a nova dimensão da
Administração Infraestrutural, surgem os atos administrativos com eficácia múltipla/em relação
a terceiros – estes atos têm de ser impugnáveis, pelo que a CRP de 1976, depois das respetivas
revisões, consagrou a ideia de que, qualquer ato que lesasse os direitos dos particulares, poderia
ser impugnado.

Como referido, sendo o ato administrativo qualquer ato que produz efeitos jurídicos, só se pode
impugnar, para efeitos do contencioso administrativo, aquele que for suscetível de afetar ou lesar
outrem – consagrado no art 268º/4, CRP, em sede do direito de acesso à justiça administrativa,
em que o legislador incluiu expressamente esta faculdade. Assim, o professor Vasco Pereira da
Silva recusa quaisquer noções restritivas de ato administrativo, tanto a nível substantivo, como a
nível processual, não havendo que distinguir substantivamente os atos administrativos das
decisões executórias ou dos atos definitivos e executórios – a questão passa pela
“dessubstancialização” do pressuposto processual da impugnabilidade.

Perante a lógica de uma Administração cada vez mais complexa e multifacetada, assiste-se a uma
multiplicidade e diversidade de atos administrativos, conjugando as diferentes vertentes
anteriormente mencionadas – neste sentido, o próprio Código de Procedimento Administrativo,
no artigo 148º, adota uma noção ampla de ato administrativo, compreendendo toda e qualquer
decisão destinada à produção de “efeitos jurídicos numa situação individual e concreta”.

Fazendo uma análise comparativa entre os dois preceitos do artigo 51º/1, CPTA (antes e após a
revisão), percebe-se que houve a substituição do conceito processual “ato impugnável”, pela
noção substantiva ou procedimental de “ato administrativo” – dois aspetos que evidenciam isso
são, por um lado, o facto de esta definição ser idêntica à que se encontra no artigo 148º, do CPA;
e além disso, o aditamento que foi feito ao elenco de atos impugnáveis através dos meios próprios,
o que reitera a desnecessidade do critério orgânico para a definição de um ato administrativo.

O legislador preocupou-se em esclarecer que, ainda assim, o conceito substantivo adotado para
os efeitos processuais não deve restringir a ação de impugnação – conseguimos perceber isso pela
referência explícita à desnecessidade de o ato impugnável ser “horizontalmente definitivo” e à
impugnabilidade de atos intra-procedimentais (51º/1, 1ªparte e alínea a), CPTA, respetivamente);
pela garantia de impugnabilidade de atos intra-administrativos (51º/1/b) e 55º/1/d), CPTA); pela
garantia, em algumas circunstâncias, da impugnabilidade de atos administrativos confirmativos e
de execução (53º, CPTA); e a garantia, em algumas circunstâncias, da impugnabilidade de atos
administrativos ineficazes.

27. “Não se encontra no artigo 103º-A do CPTA qualquer referência à probabilidade da


procedência ou improcedência da ação (fumus boni iuris), como fator condicionante da
decisão sobre o pedido de levantamento do efeito suspensivo automático, mas tão só às
consequências (gravosas) para o interesse público ou outros interesses envolvidos (…)
Caberá, no entanto, no campo da ponderação das “consequências lesivas claramente
desproporcionadas para outros interesses envolvidos” a que alude o nº 2 do artigo 103ºA do
CPTA, a consideração da forte e clara improbabilidade da ação, a qual justificará a decisão
de levantamento do efeito suspensivo automático, evitando-se, assim, que a mera
instauração da ação constitua um obstáculo (injustificado) à celebração e execução do
contrato; é nessa medida que o fumus boni iuris pode ser considerado enquanto critério a
atender pelo Tribunal, na decisão do pedido de levantamento do efeito suspensivo
automático” (Acórdão do TCA Sul de 4.10.2017, Proc. n.º 1329/16.1BELSB).
No âmbito do contencioso pré-contratual urgente (arts 100ºss, CPTA), segundo o artigo 100º/1,
CPTA, são compreendidas as ações de impugnação ou de condenação à prática de atos
administrativos relativos à formação de diversos contratos.

Em 2015, introduziu-se o art 103º-A, CPTA, que prevê que as ações de contencioso pré-contratual
que tenham por objeto a impugnação de atos de adjudicação relativos a procedimentos aos quais
é aplicável o art 95º/3 ou o art 104º/1/a), CCP, suspendem, automaticamente, os efeitos do ato
impugnado ou a execução do ato, se este já tiver sido celebrado, desde que tenham sido propostas
no prazo de 10 dias a contar da adjudicação. Assim, se a entidade adjudicante e o adjudicatário
pretendessem celebrar ou executar o contrato, teriam de requerer ao tribunal o levantamento do
efeito suspensivo (nºs 2 a 4) – para que este efeito pudesse ser levantado por decisão judicial, teria
de estar preenchido pelo menos um de dois fundamentos: existir um grave prejuízo para o
interesse público, ou então, este efeito teria de gerar consequências lesivas claramente
desproporcionais para outros interesses envolvidos.

A forma ampla como se consagrou a suspensão automática do ato de adjudicação foi, em tempos,
muito criticada por alguma doutrina (entre a qual se encontra o professor António Cadilha), que
entendia que o nº 1 do artigo 103º-A, CPTA, extravasava o exigido pelas “Diretivas Recursos”
(uma diretiva europeia que foi transposta, no âmbito da contratação pública). Por um lado, este
preceito aplicava-se a todos os procedimentos de contratação pública, ainda que estes não
estivessem sujeitos ao período de “standstill” (10 dias úteis), previsto nos arts 104º/1/a) e 95º/3,
CPP. Noutro sentido, o prazo de impugnação do ato de adjudicação (30 dias) encontrava-se
desfasado do período de standstill (10 dias úteis) – ora, isto poderia desencadear situações em que
a entidade adjudicante e o adjudicatário até celebravam o contrato, de boa-fé, e iniciavam a sua
execução, para mais tarde serem forçados a interromper a execução do mesmo, por força da
mencionada suspensão automática.

Neste sentido, o professor António Cadilha entendia que não se garantia “um tratamento
equilibrado de todos os interesses em jogo”, sendo esta consagração “desproporcional e suscetível
de afetar, de forma desmedida, os interesses da entidade adjudicante e do adjudicatário”.

O art 103º-A, CPTA não faz qualquer referência à probabilidade da procedência ou improcedência
da ação (fumus boni iuris), como fator condicionante da decisão sobre o pedido de levantamento
do efeito suspensivo automático – apenas refere as possíveis consequências gravosas para o
interesse público ou para outros interesses envolvidos. Porém, nos termos do nº2 (“consequências
lesivas claramente desproporcionadas para outros interesses envolvidos”), o fumus boni iuris pode
atendido pelo Tribunal, tendo em conta a forte e clara improbabilidade da ação – o que pode
justificar a decisão de levantamento do efeito suspensivo automático, evitando-se, assim, que a
mera instauração da ação constitua um obstáculo (injustificado) à celebração e execução do
contrato.

No fundo, o fumus boni iuri não constitui, neste âmbito, um requisito autónomo e cumulativo,
mas deve ser um fator a considerar aquando da ponderação dos interesses envolvidos – se for
possível configurar como provável o fracasso da pretensão formulada na ação de contencioso pré-
contratual, poderá conduzir ao levantamento do efeito suspensivo automático do ato de
adjudicação e respetivo contrato.

28. “Só existe o dever de o juiz identificar causas de invalidade geradoras de anulação e não
alegadas pelas partes se do processo constarem todos os factos necessários para o respetivo
julgamento” (Acórdão do STA de 28.10.2009, Proc. n.º 0121/09).
Relativamente à constituição do objeto processual, destacamos, desde já, as três posições
diferentes: uma perspetiva processualista (releva, essencialmente, o que seja apresentado ao
tribunal, independentemente das pretensões do autor), uma visão substancialista (completamente
contrária à exposta anteriormente) e um entendimento conciliador (deve haver uma ligação entre
o pedido e a causa de pedir).

A doutrina tradicional do contencioso administrativo, que perdurou até à reforma de 2002/2004,


assentava numa ótica objetivista (existia uma clara preferência do pedido, em detrimento da causa
de pedir) – no fundo, entendia que o contencioso visava a defesa da legalidade e do interesse
público, em detrimento dos direitos subjetivos dos particulares, pelo que o particular atuava para
defender esses mesmos valores. Com a reforma do contencioso, mudou-se para um sistema
subjetivista, que valoriza os interesses dos particulares, considerando-se, assim, que o pedido e a
causa de pedir têm a mesma importância para o objeto processual – de forma a tutelar plena e
efetivamente esses interesses, confere-se os poderes necessários ao juiz, nos termos dos artigos
268º/4, CRP e 2º/2, CPTA.

Uma das manifestações do acolhimento subjetivista no sistema está presente no artigo 95º/1,
CPTA, ao estabelecer que o tribunal não se pode ocupar de outras questões que não as suscitadas
pelas partes no processo, à exceção das questões de conhecimento oficioso ou das situações em
que a lei assim o admita. O nº3 do art 95º, CPTA admite uma exceção, nos processos
impugnatórios, ao princípio do contraditório estabelecido no nº1 – na primeira parte do nº3,
transmite-se a ideia de que o juiz deve ocupar-se integralmente de todas as questões levantadas
ao processo.

A segunda parte desencadeia diferentes interpretações – o juiz deve identificar a existência de


causas de invalidade diversas das que tenham sido alegadas pelo prazo comum de 10 dias,
quando exija o respeito pelo princípio do contraditório.

O professor José Vieira de Andrade consagra uma visão totalmente objetivista, demarcada da
relação jurídica material e dos direitos subjetivos do particular, não sendo, por isso, aceite. Já o
professor Mário Aroso de Almeida considera que o preceito em causa se limita a permitir que o
juiz aplique uma norma que o autor não tenha invocado, ou diferente da que ele tenha,
erradamente indicado, desde que o autor tenha qualificado corretamente a conduta como ilegal –
admite que todas as causas de invalidade de que sofra o ato integrem uma só causa de pedir.

Por fim, o professor Vasco Pereira da Silva entende que o juiz não pode introduzir novos factos
(diferentes dos que constam das alegações das partes), podendo apenas identificar ou
individualizar as ilegalidades dos atos. Exige-se o respeito pelos princípios do contraditório e do
dispositivo, estando o juiz limitado pelo objeto do processo e pelos factos invocados pelas partes,
não existindo, assim, previsão do princípio do inquisitório (à exceção dos factos de conhecimento
oficioso).

29. “Depara-se-nos um conflito de jurisdição se um Tribunal do Trabalho e um TAF ― por


qualificarem como administrativo ou laboral determinado contrato de trabalho ―
negaram, por decisões transitadas, a competência própria para o conhecimento das
repercussões indemnizatórias de um acidente sofrido pelo trabalhador. Esse contrato,
embora vinculasse o sinistrado a uma Junta de Freguesia, regia-se pelo Código de Trabalho
e era de direito privado, pelo que a declaração de incompetência emitida pelo tribunal
comum tem de ser anulada” (Acórdão do Tribunal dos Conflitos de 13.12.2018, Proc. n.º
036/18)
O nosso ordenamento jurídico delimita a competência dos tribunais administrativos e fiscais, em
razão da natureza das relações jurídicas em causa (vide artigos 212º/3, CRP e 1º/1, ETAF),
completando essa cláusula geral com uma enumeração exemplificativa no artigo 4º/1 e 2, ETAF
(que concretiza os tipos de situações suscetíveis de serem enquadradas no Contencioso
Administrativo).

Por sua vez, os nºs 3 e 4, do art 4º, ETAF, apresentam um alcance bastante distinto, que importa
explicitar. Com efeito, enquanto que o nº3, acaba por desenvolver o art 213º/3, CRP, identificando
os litígios excluídos do âmbito de jurisdição administrativa (porque não têm uma natureza
administrativa), o nº4 introduz verdadeiras restrições ao critério mencionado, excluindo do âmbito
da jurisdição administrativa tipos de litígios que, de outro modo, poderiam estar incluídos.

Na nossa afirmação, parece estar em causa uma questão da alínea b) do nº4 do art 4º, ETAF, já
que incide, essencialmente, sobre questões relativas a contratos de trabalho, em que o empregador
seja um ente público. Este preceito diz-nos que a apreciação de litígios decorrentes de contratos
de trabalho (ainda que uma das partes seja uma pessoa coletiva de direito público), é excluída do
âmbito de jurisdição administrativa, salvo se forem litígios emergentes do vínculo público.

Assim, por um lado, sujeita-se à jurisdição dos tribunais judiciais a apreciação dos litígios
emergentes de contratos individuais de trabalho na administração pública, que não constituam
vínculo de emprego público (constitui uma verdadeira restrição ao critério da relação jurídica
administrativa). E por outro lado, determina-se a sujeição à jurisdição administrativa de litígios
emergentes do vínculo de emprego público, celebrados ao abrigo da Lei Geral dos Trabalhadores
das Funções Públicas – neste sentido, considera-se o artigo 12º, LGTFP, que reafirma a lógica do
art 4º/4/b), ETAF.

Em face do critério utilizado pela lei e dos dados do caso, a decisão do Tribunal dos Conflitos
parece inatacável; mas talvez o ponto crítico esteja na distinção relativamente artificial traçada
pelo legislador (tendo em conta a progressiva aproximação dos regimes laborais de direito privado
e de emprego público), circunstância que, como o excerto revela, é causa para a ocorrência
frequente de conflitos de jurisdição neste domínio.

30. “O recurso de anulação morreu, viva a ação administrativa” (VASCO PEREIRA DA


SILVA)

Até à Revisão de 2015, o enquadramento do CPTA permitia que diferentes pretensões fossem
deduzidas perante a jurisdição administrativa, através de quatro formas de processo “urgente” e
duas formas de processo “não-urgente”. Estas últimas adotaram um modelo dualista, existindo
uma bipartição entre as formas de processo principais não-urgentes: por um lado, a ação
administrativa especial (apreciação de litígios relativos à impugnação de atos administrativos e
normas regulamentares, mas também de processos dirigidos à condenação da Administração à
emissão desse tipo de atos), e por outro, a ação administrativa comum (apreciação de pretensões
pertencentes ao âmbito da jurisdição administrativa, que não estivessem relacionadas com o
exercício de poderes administrativos de autoridade). Com esta revisão, estes dois processos
integraram um modelo unitário, submetido então à atual “ação administrativa” (art 37º, CPTA).

Segundo o professor Vasco Pereira da Silva, a ação de impugnação de atos administrativos


mereceu “especial cuidado” na sua codificação, de forma a “homenagear” o recurso de anulação.
Com efeito, o recurso de anulação fracassou, por demonstrar conflitos insanáveis em todos os
domínios da moderna Administração Prestadora e Infraestrutural, determinado pelo critério da
lesão de direitos e pelo princípio da tutela plena e efetiva dos direitos dos particulares.
Na sua tese, o professor refere que “o recurso de anulação não é um recurso” e que “o recurso de
anulação não é (apenas) de anulação”. Neste sentido, considera que, embora fosse tratado como
“recurso”, estaria subjacente uma verdadeira ação, já que consistia na apreciação jurisdicional de
um litígio emergente de uma relação jurídica administrativa, devido à prática de um ato pela
Administração (e não da apreciação jurisdicional de segunda instância, que versasse sobre uma
decisão judicial). Ademais, não teria apenas efeitos anulatórios, porque proibiam a Administração
de refazer o ato, obrigando-a a restabelecer a situação jurídica do particular lesado pelo ato
anulado (estavam aqui presentes efeitos de natureza conformativa e repristinatória).

A substituição do “recurso de anulação” pela “ação de impugnação de atos administrativos”


permitiu, assim, a apreciação da integralidade da relação jurídica administrativa subjacente ao
litígio, através da cumulação de pedidos (artigos 4º e 47º, CPTA).

31. “IV. À luz do artigo 130.º do CPTA, não é possível à Requerente deduzir um pedido de
suspensão judicial da eficácia de normas administrativas imediatamente operativas com
força obrigatória geral, mas apenas com efeitos circunscritos ao caso concreto. V. Tal
solução de regime traduz uma opção de natureza política-legislativa, que se conforma com
o artigo 268.º, n.ºs 4 e 5 da Constituição e os n.ºs 1 e 2 do artigo 2.º do CPTA,
compatibilizando os interesses da tutela jurisdicional efetiva com a proporcionalidade e a
necessidade da tutela judicial, não se traduzindo numa restrição ilegítima do princípio da
tutela jurisdicional efetiva ou do acesso ao direito e à justiça cautelar, por não deixar os
interessados sem a possibilidade de acesso à tutela cautelar dependente ou instrumental das
ações administrativas de impugnação de normas administrativas.” (acórdão do Tribunal
Central Administrativo do Sul, de 18-10-2018, proc. 92/18.6BELSB)

Com a reforma do contencioso, adotou-se um sistema subjetivista, que valoriza os interesses dos
particulares, e no qual o pedido e a causa de pedir têm o mesmo peso para o objeto processual –
com efeito, após as revisões constitucionais, de forma a tutelar plena e efetivamente estes
interesses, e a permitir o acesso ao direito e à justiça cautelar, consagraram-se os artigos 268º/4 e
5, CRP e 2º/2, CPTA.

A afirmação traduz uma situação em que a requerente deduz um pedido de suspensão judicial da
eficácia de normas administrativas operativas com força obrigatória geral, mas com efeitos
circunscritos ao caso concreto.

Ora, o CPTA, em matéria de contencioso das normas, consagra nos artigos 72ºss, os meios
principais, e no artigo 130º, os meios cautelares. Pelo descrito na afirmação, há uma aparente
restrição do âmbito dos meios cautelares, face aos pedidos suscetíveis de serem deduzidos na ação
principal (conforme os artigos 72º/1 e 130º/1 e 2, CPTA), já que não é possível que a requerente
deduza um pedido de suspensão judicial da eficácia de normas administrativas imediatamente
operativas com força obrigatória geral (só o MP o pode fazer, segundo o 130º/2), limitando-se
aos efeitos circunscritos do caso concreto (tal como previsto no art 130º/1).

No próprio Acórdão, refere-se que não existe uma “restrição ilegítima do princípio da tutela
jurisdicional efetiva ou do acesso ao direito e à justiça cautelar”, porque não se impossibilita o
“acesso à tutela cautelar dependente ou instrumental das ações administrativas de impugnação de
normas administrativas”, mas a verdade é que só se permite a dedução de um pedido de suspensão
judicial da eficácia de normas administrativas em moldes muito restritivos, o que poderá suscitar
um potencial problema de inconstitucionalidade, por violação da exigência constitucional de uma
tutela cautelar plena.
32. “[Em 2015], a consagração do regime [previsto no artigo 103.º-A do CPTA] foi
determinada pelo propósito de proporcionar uma tutela jurisdicional reforçada dos
impugnantes, num contexto de risco acrescido da constituição de situações de facto
consumado, que põem em causa o direito a uma tutela efetiva, e em que são bem conhecidas
as enormes dificuldades que envolve a obtenção de tutela cautelar. [Em 2019], o novo regime
consagrado no n.º 1 do artigo 103.º-A parte da perspetiva contrária: não a de promover a
efetividade da tutela jurisdicional de quem se dirige aos tribunais, mas a de reduzir ao
mínimo os inconvenientes que para as entidades adjudicantes podem resultar do
diferimento da celebração e execução dos contratos públicos” (AROSO DE ALMEIDA).

O regime do efeito suspensivo automático, consagrado no art. 103-A, associado à propositura de


ações administrativas urgentes de contencioso pré-contratual que tenham por objeto a
impugnação de atos de adjudicação, foi alterado pela reforma de “2019”. A alteração de 2019
veio fundamentalmente introduzir duas restrições: 1) uma objetiva e 2) outra temporal.

Esta solução é incoerente com o sistema em que se insere.

Foi a UE que criou o contencioso pré-contratual, no quadro da contratação pública. No entanto, a


lógica Europeia foi mal concretizada no direito português. A lógica era resolver todas as questões
antes da celebração do contrato. Para tal é necessário tempo - um período de stand-still, em que
as partes aferem da legalidade e decidem se querem mesmo celebrar o contrato. O problema é que
o efeito de stand still foi introduzido em 2015, mas em 2019 veio a ser limitado, violando o Direito
europeu. Na perspetiva do VPS o art. 103.º-A é violador da letra e do espírito da direita europeia
considerando que o efeito suspensivo automático passou a existir em casos diminutos. Está
limitado aos casos relativos a contratos verbais. Significa que, na prática, isto não tem aplicação,
considerando que os contratos públicos são quase todos celebrados por escrito.

Elizabeth Fernandez escreve que as alterações processuais introduzidas pela reforma de 2019 não
foram pensadas tendo como ponto de vista a necessidade de garantia da tutela judicial efetiva do
interessado preterido no concurso em causa, mas antes o de garantir que uma ainda mais rápida
estabilização da tutela do adjudicante e do adjudicatários, asseguram que a mesma se consolida
no fim dos 10 dias úteis sem notícia de impugnação. Nem para a celebração do contrato, nem para
a continuação da execução do contrato entretanto celebrado. A solução legal mais ampla revogada
por esta reforma permitia que a diligência temporal do autor na postulação da sua pretensão em
juízo determinasse no máximo a continuação da suspensão da celebração do contrato ou no pior
a execução do mesmo ou a continuação da execução do mesmo. A partir da entrada em vigor do
novo regime previsto pelo artigo 103.º-A do CPTA, o autor não tem escolha (a ação de
impugnação do ato de adjudicação só tem efeito suspensivo do contrato ou da execução se for
intentada no período de standstill) no qual já estava proibida a celebração do contrato para os que
nela vierem a ser demandados e , por outro lado, a postulação da sua pretensão satisfatória tem de
ser feita naquele prazo de 10 dias úteis se este quiser que tenha efeito suspensivo.

33. “Quanto à questão das impugnações administrativas necessárias, o [CPA de 2015] veio
substituir-se e afastar o que tinha ficado estabelecido no CPTA, que não estabelece um
pressuposto processual de impugnação necessária dos atos administrativos. O legislador do
CPA criou um pressuposto processual novo e não necessário, por um lado, porque é
inconstitucional, por outro lado, porque não serve para nada” (VASCO PEREIRA DA
SILVA).

Nem no art. 51.º do CPTA, nem em nenhum dos artigos que se referem à impugnabilidade (54º),
encontramos qualquer referência ao pressuposto processual do recurso hierárquico necessário ou
reclamação necessária (impugnações administrativas necessárias). Isto é estranho porque em
2015 o CPA criou, ainda que para situações excecionais, a possibilidade de existirem recursos
hierárquicos e reclamações necessárias. Ora, isso foi feito pela mesma comissão que fez o código
de processo, mas essa necessidade não está no código de processo, que foi posterior. Então
significa que esta exigência não vale como exigência processual. Deste modo, o Professor
Regente Vasco Pereira da Silva, é contra a necessidade de uma prévia impugnação administrativa.
A seu ver, é manifestamente inconstitucional uma exigência desse tipo dado que colocaria em
causa o direito a uma tutela efetiva ao estabelecer uma restrição ilegal ao exercício de um direito
- art. 269.º/4 e 5 da CRP. Esta regra implica que se o particular não recorrer previamente ao
superior hierárquico ou não reclame necessariamente, perderá o seu direito. Isto não só afetaria a
defesa do seu direito, e dessa forma o princípio da plenitude, como afetaria o princípio da
efetividade, porque implicaria reduzir por 1/3 o prazo de impugnação uma vez que o prazo
passaria de 3 meses para um. A favor da inconstitucionalidade podemos invocar, também, uma
violação do princípio da separação de poderes. Ao se condicionar a ida a tribunal a um uso prévio
de um meio administrativo notamos uma manifestação de uma lógica característica do modelo
tradicional francês, onde a administração era juiz e o juiz administrador. Não existe nenhuma
razão hoje para que se exija que a decisão seja tomada pela administração, antes de ir a tribunal
uma vez que isso é um “resquício da infância difícil do contencioso”.

Mas repare-se que o código de processo, refere VPS, não apenas determina a
inconstitucionalidade do regime jurídico do código de procedimento, como torna ilegal esta
exigência. Porque se essa exigência valesse, teria de valer como um pressuposto processual. Ora,
não há nenhuma norma no CPTA que estabeleça esse pressuposto. Assim, a previsão foi afastada
pelo código de processo, que era onde deveria estar. O código de processo ilegalizou essa
exigência. Além disso, o código veio estabelecer regras que dizem expressamente que essa
necessidade hoje em dia desapareceu e, portanto, a impugnação administrativa é sempre
facultativa.

34. “O juiz administrativo deve respeitar os espaços próprios da valoração e decisão


estratégico-política e técnico-administrativa – não lhe compete interferir autonomamente
na execução das políticas públicas ou na regulação económico-social. Assim, não lhe cabe
julgar a eficiência dos meios ou avaliar os resultados em função dos padrões tecnicamente
estabelecidos ou politicamente anunciados ou fixados. O juiz administrativo, perante a
vastidão dos seus poderes e a escassez dos tradicionais poderes normativos de controlo
jurídico, tem de resistir à tentação de assumir o papel de poder supremo a quem cabe
resolver todos os conflitos nas relações administrativas” (VIEIRA DE ANDRADE).

Há que atender, fundamentalmente, ao princípio da tutela jurisdicional efetiva e articulá-lo com


os limites impostos pelo princípio da separação de poderes.

O princípio da tutela jurisdicional efetiva é um direito fundamental previsto na CRP que implica,
em primeiro lugar, o direito de acesso aos tribunais para defesa de direitos individuais, não
podendo as normas que modelam este acesso obstaculizá-lo ao ponto de o tornar impossível ou
dificultá-lo de forma não objetivamente exigível. O princípio da tutela jurisdicional efetiva
implica que a sentença emanada pelo tribunal competente obtenha plena concretização,
satisfazendo cabalmente os interesses materiais de quem obteve vencimento.

O princípio da separação de poderes postula que o tribunal administrativo não se pode intrometer
no espaço próprio que corresponde ao exercício de poderes discricionários por parte da
Administração.
Ora, os tribunais administrativos não julgam da conveniência ou oportunidade da atuação
administrativa, como resultado do art. 3.º/1 do CPTA, mas não podem deixar de exercer, em
plenitude, a função jurisdicional de que estão incumbidos, pronunciando-se em toda a extensão
em que as normas jurídicas aplicáveis o permitam, sobre os termos em que a Administração deve
definir o Direito através da prática do ato administrativo que lhe cumpra emitir. Vasco Pereira da
Silva refere que as sentenças não se devem limitar a cominar a prática de um ato administrativo
e devem determinar, em concreto, qual o âmbito e o limite das vinculações legais – isto é o que
significa explicitar as vinculações a observar pela Administração na emissão do ato devido.

Ora, tal decorre da própria lei havendo que atender ao disposto nos artigos 71 e 96.º do CPTA. O
art. 71.º/1 postula que o tribunal deve pronunciar-se sobre a pretensão material do interessado,
impondo a prática do ato devido, e não apenas devolver a questão ao órgão administrativo
competente. No entanto, por virtude do princípio da separação de poderes é necessário atender à
regra do art. 71.º/2 que determina que não sendo possível identificar apenas uma solução como
legalmente possível, o tribunal não pode praticar o conteúdo do ato a praticar, mas deve explicitar
as vinculações a observar pela administração na emissão do ato devido.

35. Enquadramento da questão: os limites funcionais da jurisdição dos tribunais


administrativos em face de atos emanados no exercício de funções políticas; - O conceito
(mais ou menos alargado) de ato político e o seu confronto com o de ato administrativo, no
quadro das (não totalmente estanques) relações entre a função política e a função
administrativa, sobretudo perante atuações de um órgão ― o Governo ― que
constitucionalmente as desempenha simultaneamente; - Referência à (natural) cláusula
negativa de jurisdição contida no artigo 4.º/3, a) do ETAF enquanto decorrência do
princípio da separação de poderes; - Apreciação crítica das (diferentes) conclusões
assumidas pelo STA nos dois casos citados quanto à qualificação dos atos em questão como
políticos ou administrativos; - A questão (diferente) dos poderes de controlo dos tribunais
administrativos sobre áreas de ampla discricionariedade administrativa e do
manuseamento jurisdicional de certos princípios gerais da atividade administrativa,
também no marco do princípio da separação de poderes (cfr., v.g., o artigo 3.º/1 do CPTA).

Como refere VPS o conceito de ato político está ligado às circunstâncias que ditaram a sua
emergência, reconduzindo-se à emancipação da justiça administrativa enquanto função cometida
a órgãos jurisdicionais. Sentiu-se a necessidade de estabelecer uma fronteira entre ato
administrativo e político, com consequente isenção deste perante a jurisdição administrativa
quando os tribunais administrativos começaram a adquirir feições de verdadeiros tribunais. Até
então, em maior ou menor medida, o poder executivo lograva em "escapar-se" a um efetivo
controlo jurisdicional.

O ETAF, no seu art. 4.º/3 al. a), em manifestação do princípio da separação de poderes, exclui da
jurisdição administrativa “os atos no exercício da função administrativa”.

Ao contrário do que sucede com os atos legislativos, que são de fácil identificação, do ponto de
vista formal, considerando o disposto no art. 112.º da CRP, em relação aos atos praticados no
exercício da função política coloca-se a questão da sua delimitação: quando é que se deve entender
que um determinado ato jurídico exprime o exercício da função política?

Aroso de Almeida sintetiza que a jurisprudência tem vindo a adotar um conceito restrito de actos
praticados no exercício da função política, restringindo, desde logo, aos atos dos órgãos superiores
do Estado. Como refere Afonso Queiró “não podem ser substancialmente considerados políticos
ou de governo nem os atos dos entes públicos menores ou da chamada administração indireta,
mediata ou descentralizada, nem os atos da competência dos órgãos subalternos do Poder
Executivo" - nem, acrescenta Aroso de Almeida, das autarquias locais e associações públicas, que
são entidades administrativas, destituídas da titularidade de poderes soberanos.
Seguindo a lição de Afonso Queiró, é possível, no entanto, agrupar os atos políticos em duas
categorias: 1) atos respeitantes à política externa do Estado, ou das suas relações exteriores e à
segurança externa (negociação, conclusão, ratificação, denúncia e interpretação de tratados,
apresentação e troca de notas, declarações diplomáticas, pedidos e prestações de agrément para
repr. diplomáticos, atos de proteção diplomática e consular de nacionais no estrangeiros e, de
modo geral, atos de execução de tratados e demais direito internacional no plano externo,
declarações de guerra, cessação de hostilidade, etc.); e 2) os chamados atos auxiliares de direito
constitucional, que são “os atos do Executivo destinados a pôr a CRP em movimento e a prover
ao seu funcionamento. Acrescem a estes os atos praticados no exercício do poder de graça e os
que se traduzem na sua direção, orientação e coordenação a atividade dos ministros”.

Aroso de Almeida refere que hoje a Administração não pode arrogar-se, à face da CRP, o poder
de invocar “razões de Estado” para subtrair os atos que pratica no exercício da função
administrativa à fiscalização dos tribunais administrativos. Isto resulta do princípio constitucional
da tutela plena e sem lacunas contra as ilegalidade administrativas, que preconiza a integral
submissão das manifestações do exercício da função administrativa à fiscalização dos tribunais
administrativos.

Aroso de Almeida refere ainda que muitas vezes a lei opta por atribuir à Administração muito
amplas margens de conformação discricionária, limitando, desse modo, os instrumentos de
controlo de que dispõem os tribunais - sobretudo porque este fenómeno tende a ocorrer nos
domínicio da chamada alta administração, em que aos órgão superiores da Administração Pública
compete tomar decisões estruturantes, que não deixa, em todo o caso, de exprimir o exercício da
função administrativa. Mesmo nestes domínios de mais alta discricionariedade a função
administrativa não deixa de ser uma função subordinada à lei, sendo sempre possível fiscalizar a
conformidade do seu exercício com regras de competência, forma ou procedimento, assim como
com os princípios jurídicos, que, como determina o art. 266.º da CRP exigem da Admin. a adoção
de decisões justas e esclarecidas. Assim, os tribunais administrativos podem fiscalizar a
racionalidade das decisões administrativas amplamente discricionárias, para o efeito de
verificarem se, dentro das opções assumidas e sem pôr em causa as motivações que determinaram
essas opção, essas decisões assentam numa factualidade corretamente apurada e são coerentes
com os objetivos prosseguidos, apresentando-se como idóneas a atingir esses objetivos.

36. “Criou-se um problema novo, ao excluir do contencioso administrativo a matéria das


relações de consumo relativas à prestação de serviços públicos essenciais, incluindo a
respetiva cobrança coerciva. Não se consegue perceber, nem porquê, nem para que é que
surge tal proposta… Pois do que se trata é de serviços públicos que são há muito conhecidos
da doutrina e da jurisprudência administrativas, que se revestem de uma importância
histórica fundamental, pois estão por detrás de algumas das mais importantes noções do
Direito Administrativo” (VASCO PEREIRA DA SILVA).

O art. 4.º/4 al. e) do ETAF exclui do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de
litígios emergentes das relações de consumo relativas à prestação de serviços públicos, incluindo
a respectiva cobrança coerciva.

Nos termos do art. 212.º/3 da CRP compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento
de ações e recursos contenciosos que tenham por objeto dirimir os litígios emergentes das relações
jurídicas administrativas e fiscais.

Note-se que o Código dos Contratos Públicos tipifica no Título II da Parte II, entre outros, o
contrato de prestação de serviços públicos como sendo um contrato administrativo. Sendo um
contrato administrativo regula uma relação jurídica administrativa, que, por força do preceito
constitucional supra mencionado, deveria caber no âmbito da jurisdição administrativa.
A este respeito cabe entender que os tribunais administrativos são especializados em matérias
administrativas e não contratuais. Não obstante, não se compreende a exclusão operada na al. e)
do nº4 do art. 4.º em confronto com o disposto no art. 4.º/1 al. e) que determina ser da competência
dos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham por objeto
questões relativas à validade dos atos pré-contratuais e interpretação, validade e execução de
contratos administrativos ou de quaisquer outros contratos celebrados nos termos da legislação
sobre contratações públicas, por pessoas coletivas de direito públicos ou outras entidades
adjudicantes.

O professor VPS concorda com esta incompreensão e refere que: “não se percebe a razão pela
qual o legislador decidiu mexer no artigo 4.º/4, al. e) do ETAF” e que é “notoriamente da função
administrativa”, utilizando a Lei n.º 23/94 de 26 de julho para justificar que, efetivamente, esta
alteração não fez qualquer sentido.

37. “As insuficiências de que ainda padece a rede de tribunais administrativos a resultar da
reforma explicam a opção que desde o início foi tomada de não se estender o âmbito da
jurisdição administrativa ao contencioso das contra-ordenações” (DIOGO FREITAS DO
AMARAL/MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, Grandes linhas da reforma do contencioso
administrativo, 3.ª Edição, 2004, p. 28).

A Constituição, no art. 213.º/3, determina que compete aos tribunais administrativos dirimir os
litígios emergentes das relações jurídicas administrativas. Porém, é pacífico, quer na doutrina,
quer na jurisprudência, que esta norma não estabelece uma reserva material absoluta de jurisdição,
comportando derrogações pontuais, desde que não vão ao ponto de descaracterizar o conteúdo
essencial do modelo de dualidade de jurisdições. Embora as contraordenações sejam, formal e
materialmente, produto do exercício da função administrativa, por razões de ordem prática,
relacionadas com o menor número de tribunais administrativos, o legislador entendeu atribuir o
contencioso das contraordenações aos tribunais judiciais, por considerar que eram estes os
melhores posicionados a decidir, em tempo razoável, estes litígios, que apresentam um volume
processual considerável. · Têm sido, porém, recentemente, atribuída aos tribunais administrativos
jurisdição sob algumas espécies de contraordenações, como é o caso das contraordenações
urbanísticas (cf. artigo 4.º, n.º 1, alínea l) do ETAF) ou em matéria de proteção de dados.

38. “O facto de se passar a dizer que a intervenção do Ministério Público é uma mera
«possibilidade», mesmo que não tenha qualquer sentido útil, talvez signifique, no entanto, a
tomada de consciência de que a solução de fazer do Ministério Público o mandatário
genérico da Administração, quando ele é simultaneamente o titular da ação pública, é um
absurdo, capaz de pôr em causa a existência de um processo equitativo” (VASCO PEREIRA
DA SILVA).

O quadro genérico dos papéis que o MP pode desempenhar resulta do art. 51.º do ETAF.

Os artigos 85.º e 146.º/1, em sede de recurso, conferem ao MP o poder de intervir nos processos
administrativos em que não seja parte, quando entenda que tal se justifica em função da matéria
que esteja em causa, “em defesa dos direitos fundamentais dos cidadãos, de interesses públicos
especialmente relevantes ou de algum dos valores ou bens referidos no art. 9.º/2”. A intervenção
do MP nos processos em que não seja parte prevista no art. 85.º visa contribuir para o melhor
esclarecimentos dos fatos ou a melhor aplicação do direito nos processos da ação administrativa
em primeiro grau de jurisdição, podendo traduzir-se na emissão de um parecer sobre o mérito da
causa, que exprime uma opinião sobre o sentido em que o caso deve ser decidido pelo tribunal,
ou num requerimento dirigido a solicitar a realização de diligência instrutória, no caso em que tal
é administrado pelo nº3 do art. 85.º. Além disto, o MP ainda tem intervenção no âmbito dos
recursos jurisdicionais que não tenha interposto, ao que acresce a legitimidade para a interposição
de recursos jurisdicionais de decisões ilegais, de recursos para uniformização de jurisprudência e
de recursos de revisão - art. 141.º/1, art. 152.º/2 e art. 155.º CPTA.
Quanto ao problema suscitado na frase: o MP pode ser autor em processos administrativos,
quando propõe ações no exercício da ação pública - art. 9.º/2. O problema surge a propósito do
art. 11.º/1 que, no seu inciso final, adianta que o MP pode também representar o Estado, fazendo
às vezes de seu advogado, nas ações administrativas que sejam propostas contra este.

O Professor VPS refere que isto pode colocar em causa a existência de um processo equitativo na
medida em que se permite que o Ministério Público pudesse ser parte do lado do autor e advogado
do lado do réu. Em suma, o professor considera que o ministério público apenas deve ter funções
de parte.

39. “A mais importante alteração da «reforminha» de 2019 [traduziu-se na] especialização


dos tribunais, tanto no domínio da Justiça Administrativa como da Tributária, [que é] a
razão de ser única da sua existência, tanto do ponto de vista do direito comparado, como da
lógica da Constituição portuguesa” (VASCO PEREIRA DA SILVA).

A jurisdição administrativa e tributária é especial face à juridicização comum.


O alargamento dos juízos de competência especializada foi um dos objetivos da revisão do
Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais da reforma de 2019, que consagrou a
especialização dos tribunais administrativos de círculo e dos tribunais tributários como forma de
racionalizar e agilizar o funcionamento desta jurisdição. Não deixa de ser estranho, porém, que
esta especialização apenas tenha ocorrido em 2019.
Tendo em conta a vastidão, a complexidade e a especificidade das normas que atualmente
integram o ordenamento administrativo e tributário, a configuração de estruturas jurisdicionais
especializadas em determinados setores do Direito apresenta inequívocas vantagens do ponto de
vista da celeridade processual, da qualidade das decisões e, ainda, da uniformidade
jurisprudencial. De facto, conforme identificado pela doutrina, a especialização dos tribunais
tende a ser um dado adquirido na organização judiciária, refletindo a especialização e crescente
tecnicidade da vida económica e social contemporânea e permitindo que a divisão de tarefas
entregues a profissionais especialistas conduza a um tratamento mais célere das mesmas e com
isso se eleve a qualidade e a eficiência da administração da justiça.
Contudo, a concretização da especialização surge principalmente da análise dos dados estatísticos
e empíricos disponíveis, i. e., da constatação do elevado volume de processos nas áreas
identificadas nos artigos 9.º e 9.º-A do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, aprovado
pela Lei n.º 13/2002, de 19 de fevereiro, na sua redação atual. Com efeito, só em Lisboa, Porto e
Braga o volume de processos entrados é superior ao milhar.
Destarte, em articulação com o Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais, foram
identificados os tribunais administrativos de círculo e tribunais tributários com volume processual
significativo nas áreas de competência dos juízos especializados, procedendo-se, assim, ao
desdobramento dos tribunais, para combater o aumento exponencial das pendências nessas áreas,
e de modo a assegurar uma oferta judiciária mais adequada e eficiente onde ela se revela mais
necessária.
Neste âmbito, é de realçar a criação dos juízos de competência especializada administrativa de
contratos públicos nos tribunais administrativos de círculo de Lisboa e do Porto, com jurisdição
alargada sobre as áreas de jurisdição dos tribunais administrativos e fiscais limítrofes, que visa
adicionalmente assegurar a confiança necessária no domínio da economia e das finanças públicas,
providenciando uma tramitação mais célere e especializada dos litígios associados à contratação
pública, nas zonas geográficas e económicas onde esta assume maior expressividade.
40. “A intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias acaba por se mostrar um
expediente processual tipificado no que respeita aos seus pressupostos processuais, mas
extremamente dúctil quanto ao conteúdo da pretensão e, até, aos efeitos da decisão, sempre
que a mesma acautele de modo efetivo a lesão (ou ameaça de lesão) de um direito
fundamental” (Acórdão do STA de 10.09.2020).

A intimação para proteção de direitos, liberdade e garantias vem regulada nos arts.109.º e
seguintes do CPTA.

Segundo o nº1 do art. 109.º o processo de intimação para proteção de direitos, liberdades e
garantias têm natureza subsidiária face à tutela cautelar e só deve ser interposto quando a urgência
na obtenção da decisão de mérito se revele indispensável para assegurar o exercício em tempo
útil de um direito, liberdade ou garantia, ou mesmo direito análogo a este. Assim, destacam-se os
requisitos de indispensabilidade e subsidiariedade. A falta de qualquer um destes pressupostos de
admissibilidade consubstancia exceção dilatória inominada de inidoneidade do meio processual.

Mário Aroso de Almeida refere que “o processo de intimação para proteção de direitos, liberdades
e garantias não é a via normal de reação a utilizar em situações de lesão ou ameaça de lesão de
direitos, liberdades e garantias. A via normal de reação é a da propositura de uma acção não
urgente (acção administrativa comum ou acção administrativa especial), associada à dedução de
um pedido de decretamento de providências cautelares, destinadas a assegurar a utilidade da
sentença que, a seu tempo, vier a ser proferida no âmbito dessa acção. Só quando, no caso
concreto, se verifique que a utilização da via normal não é possível ou suficiente para assegurar
o exercício, em tempo útil, do direito, liberdade ou garantia é que deve entrar em cena o processo
de intimação”.

O professor VPS refere que, através deste meio, atenta a sua função protetora de direitos
fundamentais, podem ser mobilizadas, à partida, pretensões de qualquer tipo (maxime,
impugnatórias) e não exclusivamente condenatórias/intimatórias, sendo que o disposto no artigo
109.º/3 é uma confirmação disso mesmo.

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