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DEVOLUÇÃO OU REENVIO
Abreviaturas:
DIP – Direito Internacional Privado
OJ – ordenamento jurídico
CC – código civil
RR – Regulamento de Roma
EM – Estado-membro
UE – União Europeia
NC – norma de conflitos
NJ – negócio jurídico
L – lei
Dto - Direito
Pt – português/portuguesa
Fr – francês/francesa
EC – elemento de conexão
RH – residência habitual
Dom - domicílio
Nac - nacionalidade
RM – referência material
DS – devolução simples
DD – dupla devolução / foreign court theory
LLP – Sr. Professor Luís de Lima Pinheiro
DMV – Sr. Professor Dário Moura Vicente
IMC – Sra. Professora Isabel de Magalhães Collaço
FC – Sr. Professor Ferrer Correia
MR – Sr. Professor Moura Ramos
EDO – Sra. Professora Elsa Dias Oliveira
MS – Sr. Professor Marques dos Santos
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Beatriz de Macedo Vitorino (2020)
Transmissão de competência:
Art. 16.º CCiv: “a referência das normas de conflitos a qualquer lei estrangeira
determina apenas, na falta de preceito em contrário [17.º, 18.º, 36.º/2, 65.º/1], a aplicação
do direito interno [LLP: Direito material, independentemente de fonte interna ou
supraestadual ou transnacional] dessa lei”. → regra geral [para Baptista Machado, isto
não é um princípio geral, mas sim uma regra pragmática que admite desvios nos casos
em que se aceita a devolução].
O art. 17.º permite sob certas condições a transmissão de competência. Nos termos
do n.º 1, “[s]e, porém, o direito internacional privado da lei referida pela norma de
conflitos portuguesa remeter para [aplicar: i.e., atende-se ao sistema de reenvio desse
Estado] outra legislação e esta se considerar competente para regular o caso, é o direito
interno [material] desta legislação que deve ser aplicado”. Assim, os pressupostos da
transmissão de competência são dois (Marques dos Santos):
i) Que o Direito estrangeiro designado pela norma de conflitos portuguesa
aplique outra OJ estrangeira [L2 → Ln]
ii) Que esta OJ estrangeira aceite a competência [Ln → Ln]
Exemplo: sucessão imobiliária de um britânico com última RH em Londres que deixa
imóvel situado nos EUA. A NC pt remete para o Direito Inglês a título da lei da última
nacionalidade do de cuius; o Direito Inglês submete a sucessão imobiliária à lex rei sitae,
remetendo para o Direito do Estado federado dos EUA em que o imóvel esteja situado; o
Direito deste Estado também submete a sucessão imobiliária à lex rei sitae e, por isso,
considera-se competente. Logo, L2 aplica L3 e L3 considera-se competente; logo, L1
aplica L3.
L1 → L2 → L3
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Beatriz de Macedo Vitorino (2020)
Vejamos o seguinte caso: Sucessão mobiliária de francês, ainda não regida pelo RRIV,
que falece com último domicílio na Alemanha. A NC pt remete para o Direito francês a
título de lei da última nacionalidade do de cujus; o Direito francês submete a sucessão
mobiliária à lei do último domicílio do de cujus, remetendo por isso para o Direito
alemão; o Direito alemão, por seu turno, regula a sucessão pela lei da última
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Beatriz de Macedo Vitorino (2020)
Artigo 17.º/2: “[c]essa o disposto no n.º anterior, se a lei referida pela NCpt for a
lei pessoal e o interessado [i.e., aquele que desencadeou o funcionamento do elemento de
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Beatriz de Macedo Vitorino (2020)
BV: parece-me que apenas a segunda hipótese caberia ainda no 17.º/2, impedindo
o reenvio, sobretudo se entendermos que “remeter” deve ser lido como “aplicar”. Assim,
apenas se LRH aplicar a LNac, direta ou indiretamente, é que o 17.º/2 estaria verificado.
Se a LRH mandar aplicar primariamente a LNac mas aceitar o retorno ou transmissão
que esta opera, então a previsão do 17.º/2 não parece estar verificada.
Ratio do art. 17.º/2: dá-se aqui relevância ao EC RH, para dificultar a aplicação
de uma lei distinta da LNac, por conformidade com a primazia da conexão nacionalidade.
A 2.ª parte do art. 17.º/2 releva quando o interessado tem RH noutro Estado que
aplica a LNac. Aqui, a LNac remete para um Estado que não é o da RH ou da LNac.
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Segundo LLP, subsistem certas dificuldades na determinação dos interessados, porque pode haver mais
do que um interessado, como, por exemplo, relativamente às relações entre cônjuges, e estes
interessados podem ter RH diferentes.
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Concretização no tempo do elemento de conexão RH também pode suscitar dificuldades. Por exemplo,
perante o art. 53.º CC que, em matéria de substância e efeitos das convenções antenupciais e do regime
de bens, manda atender à lei nacional dos nubentes ao tempo da celebração do casamento. Se entretanto
mudou a RH, qual é a relevante para a aplicação do 17.º/2? Parece a LLP que será a RH ao tempo do
casamento, pois de outro modo a mudança de RH poderia desencadear uma mudança do regime de bens.
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Beatriz de Macedo Vitorino (2020)
Portanto, o 17.º/2/2.ª pt. vem tutelar casos em que a LNac não consagra,
relativamente a dada matéria que para nós se integra no estatuto pessoal, os elementos de
conexão frequentes (nacionalidade, domicílio ou RH), mas sim, por exemplo, um
elemento de conexão que remeta para a lex rei sitae. Neste caso, cessa a devolução e
aplica-se a lei da nacionalidade, desde que a LRH remeta para LNac. Assim, há harmonia
internacional com a LRH e não com a LNac. O 17.º/2 também faz cessar a devolução
quando L3 for a lei do domicílio, se este não coincidir com a RH, e a LRH aplicar a LNac:
Lpt →LNac (RM) → Ldom (RM) → Ldom, mas LRH (RM) → LNac.
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Beatriz de Macedo Vitorino (2020)
Retorno:
O artigo 18.º admite, sob certas condições, o retorno de competência.
Art. 18.º/1: se “o DIPrivado da lei designada pela NC devolver para o Dto interno
[material] português, é este o direito aplicável”. Um único pressuposto: que L2 aplique o
Direito material português → pois só neste caso o retorno é condição necessária e
suficiente para assegurar a harmonia com L2. Logo, se L2 remeter para o Direito
português, mas não aplicar a lei portuguesa, não aceitamos o retorno.
Exemplo: Lpt (como se fosse DD) → Lfr (DS) → Lpt → Lfr: L2 aplica L2, pelo
que L1 não aceita o retorno. Assim, pode dizer-se que nunca aceitamos o retorno direto
operado por um sistema que pratica devolução simples.
Mas o retorno pode ser indireto: o que interessa é que L2 aplique o Dto material
Pt. Assim, se L2 remete para L3, com DS, e L3 remete para o Dto pt, L2 aplica o Dto
material Pt: Lpt → L2 (DS) → L3 (independentemente de ser RM)→ Lpt. A harmonia
com L2 é mais importante do que a harmonia com L3. Contra: Ferrer Correia.
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A razão de ser deste preceito também é a ideia de primazia da conexão Lnac. Mas é
difícil compreender a razão por que se dificulta mais o retorno do que a transmissão de
competência: o 17.º/2 diz que a transmissão de competência só cessa em duas hipóteses,
o 18.º/2 diz que o retorno só se mantém em dois casos. Nos casos em que a LRH se
considera competente ou aplica uma lei estrangeira que não a da nacionalidade, há
transmissão mas não há retorno.
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Art. 19.º/1 CC: “Cessa o disposto nos dois artigos anteriores, quando da aplicação deles
resulte a invalidade ou ineficácia de um NJ que seria válido ou eficaz segundo a regra
fixada no art. 16.º, ou a ilegitimidade de um estado que de outro modo seria legítimo”. →
primazia do favor negotii sobre a harmonia jurídica internacional.
Ferrer Correia e Baptista Machado (+ DMV e MR) defenderam uma
“interpretação restritiva” que limita o alcance do preceito com base na ideia da tutela
da confiança: o 19.º/1 só seria aplicável às situações já constituídas (e não à sua
constituição em Pt com a intervenção de uma autoridade pública) e desde que a situação
esteja em contacto com a OJpt ao tempo da sua constituição. Só neste caso o interessado
ou interessados poderiam ter confiado na válida constituição da situação segundo a lei
designada pela nossa NC.
LLP discorda: segundo LLP, a interpretação tem de respeitar o sentido possível
do texto legal e esta restrição vai além de uma interpretação restritiva, tratando-se antes
de uma verdadeira redução teleológica, que teria de ser justificada à luz do fim da norma
ou de outros princípios ou valores do sistema de Direito de Conflitos. Segundo LLP, tudo
indica que o legislador quis dar primazia ao princípio do favor negotii relativamente à
harmonia internacional, para além de que a posição dos outros Autores parece pressupor
que os indivíduos se podem guiar pelas nossas NC mas não pelas nossas normas sobre
devolução.
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Para Ferrer Correia, também a lei do lugar da celebração em matéria de forma do NJ é, em princípio,
uma conexão adversa ao reenvio; no mesmo sentido, relativamente à lei do lugar do efeito lesivo em
matéria de responsabilidade extracontratual, DMV; EDO abrange ainda, na mesma matéria, a LNac ou
LRH comum. Já LLP considera que estes entendimentos não têm fundamento no Dto positivo português.
LLP entende também que a circunstância de a remissão ser operada por um critério geral de remissão,
v.g., o da conexão mais estreita ou uma cláusula de exceção, não é contrária à aceitação da devolução.
Assim, segundo LLP, se a lei da conexão mais estreita remete para o Dto material do foro ou aplica uma
terceira lei que se considera competente, a devolução deve ser aceite).
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