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TÓPICO/ACTIVIDADE 3: METODOLOGIA

12. APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO

12. 1. O problema

O Prof. Santos Justo sustenta que a vida não conhece hiatos que
separam o passado do presente. E por isso quando uma situação definida
legislativamente é alterada surgem frequentemente dúvidas sobre o
âmbito da aplicação da lei antiga (LA) e da lei nova (LN) que a revogou. 1

12. 2. Exemplo

Imaginamos que a LA dispõe que, ao cumprir 18 anos, o homem


atinge a maioridade e portanto adquire a capacidade jurídica de agir; de
praticar actos jurídicos; posteriormente, uma LN fixa a aquisição desta
capacidade aos 21 anos. Na vigência desta lei, os indivíduos que nos
termos da LA obtiveram a maioridade, continuam a ter ou perdem a
capacidade de agir, ou seja, mantem-se a LA ou aplica-se-lhes
imediatamente a LN?2

12. 3. A solução

O direito transitório é a disciplina que a própria LN oferece para a


resolução do seu conflito com a LA.

1
Cfr., A. Santos Justo, Introdução ao Estudo do Direito, 6ª edição, Coimbra: Coimbra Editora, p. 375.
Sobre o problema da sucessão das leis no tempo vide Manuel de Almeida Ribeiro, Introdução ao Direito
para as Ciências Sociais, Almedina: Coimbra, pp. 113 e ss; Jorge Varela, O Direito Para Não Juristas,
Leiria: ESECS – Instituto Politécnico de Leiria, 2014, p. 79 e ss.
2
Idem, pp. 375 e 376.
O direito transitório pode ter caracter:

a. formal: limita-se a determinar a lei (LA ou LN) que se aplica;

b. material: estabelece uma regulamentação própria que não coincide


com a disciplina da LA nem da LN.

Contudo, o legislador nem sempre estabelece o direito transitório.


Assim, para evitar uma situação lacunosa é tarefa da doutrina e da
jurisprudência formular critérios que constituem a bússola, nas palavras
de Prof. Santos Justo, que orienta a determinação da lei a aplicar. 3

12. 4. Critério geral: o princípio da não retroactividade da lei

12. 4. 1. Caracterização e os graus de retroactividade

O princípio da não retroactividade significa que a lei não dispõe para


o passado. Contudo, há três graus de retroactividade:

a. o grau máximo (ou extremo): a LN aplica-se imediatamente a todas as


situações que tem origem no passado, incluindo as que já estão
definitivamente fixadas e decididas por sentença transitada em julgado ou
outro título equivalente;

b. o grau agravado: a LN aplica-se a todas as situações do passado, mas


salvaguarda os efeitos já definidos por decisão judicial ou título
equivalente;

c. o grau ordinário (ou normal): a LN respeita todos os efeitos já


produzidos ao abrigo da LA.

3
Idem, pp. 377 e 378.
A nossa Constituição da República Portuguesa (CRP) proíbe o grau
máximo de retroactividade. Resta a retroactividade agravada e a
retroactividade ordinária ou normal que constitui a regra.4

12. 4. 2. Fundamentação 5

12. 4. 2. 1. A doutrina dos direitos adquiridos

Segundo esta doutrina, que se considera clássica, os direitos


adquiridos à sombra duma lei devem ser respeitados pelas leis
posteriores.

12. 4. 2. 2. A doutrina do facto passado

Esta doutrina sustenta que todo o facto jurídico é regulado pela lei
vigente quando se produziu: tempus regit factum; por isso, a LN não deve
ser retroactiva.

Contudo, a doutrina do facto passado conhece uma versão (mais


actual) exposta por ENNECCERUS-NIPPERDEY, ROUBIER e PLANIOL que
defende a aplicação da LA aos factos passados mas em relação aos factos
pendentes admite a aplicação da LN. 6

4
Idem, p. 379.
5
Idem, pp. 380 e ss.
6
A versão em questão distingue: se os seus efeitos jurídicos já se produzirem antes da entrada em vigor
da LN aplicar-se-á a LA; se ainda não se produziram, aplica-se a LN falando-se não da retroactividade
mas de efeito imediato.
12. 4. 3. Consagração constitucional 7

O princípio da não retroactividade é expressamente proibido em


certas matérias. Entre nós:

a. Direito Penal: é proibida a aplicação retroactiva da lei penal que crie


novos crimes ou medidas de segurança ou agrave as penas ou medidas de
segurança anteriores;

b. Direito Fiscal: é proibida a aplicação retroactiva da lei fiscal que crie


impostos;

c. O caso julgado: a LN não deve aplicar-se retroactivamente, atacando


uma decisão judicial definitivamente fixada em sentença que transitou em
julgado;

d. Leis restritivas de direitos, liberdades e garantias não podem ter um


efeito retroactivo.

12. 5. Critérios especiais

Em determinadas matérias e ramos do direito o critério geral da não


retroactividade é substituído por critérios especiais ou particulares:

a. Direito Penal: aplica-se a lei mais favorável ao arguido.

b. Direito Processual Penal: aplica-se imediatamente a LN com base na


presunção de que contém critérios mais perfeitos. 8

7
Idem, pp. 384 e 385.
8
Idem, pp. 385 e 386.
12. 6. Posição do Código Civil português9

12. 6. 1. Princípio Geral

O nosso Código Civil (CC) consagra, como princípio geral, a não


retroactividade: “A lei só dispõe para o futuro” estabelece o nº 1 do artigo
12º do Código Civil.

Depois o nº 2 do artigo 12º do CC inspira-se na versão mais actual


da doutrina do facto passado. Assim,

a) na primeira parte: as condições de validade de quaisquer factos ou dos


seus efeitos: aplica-se em caso de dúvida a lei vigente no momento da sua
ocorrência, a LA;

b) na segunda parte, o conteúdo de certas relações jurídicas, que


subsistam à data da entrada em vigor da LN: dispõe que se aplicará a LN se
abstrair dos factos que lhes deram origem. 10

12. 6. 2. Prazos

O decurso de um prazo pode ser afectado pela entrada em vigor de


uma LN na medida em que esta pode alterar (aumentar ou diminuir) um
prazo que estando em curso ainda não permitiu que o direito se
constituísse ou extinguisse. Por isso, é necessário saber qual das leis se
aplica: a LA ou LN.

O nosso Código Civil disciplina esta matéria no artigo 297º do


Código Civil.
9
Idem, pp. 386 e ss.
10
Por exemplo se a LN alterar o conteúdo do direito de propriedade aplicar-se-á aos direitos de
propriedade constituídos ou adquiridos antes do início da sua vigência.
a. se a LN estabelece um prazo mais curto, aplicar-se-á também aos prazos
ainda em curso mas o tempo só se conta a partir da sua entrada em vigor.
Todavia, se faltar menos tempo para o prazo se completar segundo a LA,
aplicar-se-á esta.11

b. se a LN fixar um prazo mais longo, aplicar-se-á igualmente aos prazos


em curso, mas computar-se ao tempo decorrido antes.12

12. 6. 3. Particular referência aos estatutos

a. Estatuto pessoal: quanto à sua constituição aplica-se a LA. Em relação


ao seu conteúdo aplica-se a LN;

b. Estatuto real: quanto a aquisição de um direito real aplica-se a lei


vigente naquele momento – LA. Porem, se a LN alterar o seu conteúdo
será de aplicação imediata;

c. Estatuto do contrato: aplica-se, em regra, a lei em vigor no momento da


feitura do contrato;

d. Estatuto sucessório: aplica-se a lei vigente no tempo da abertura da


sucessão, ou seja, da morte da pessoa.

e. Responsabilidade extra contratual: aplica-se a lei em vigor ao tempo da


ocorrência do facto que a gerou: a LA.

11
Por exemplo, se a LA fixou um prazo de 30 anos para a aquisição do direito de propriedade de um
imóvel por usucapião e a LN reduziu-o para 20 anos, dever-se-á aplicar a LA se, quando a LN começou a
vigorar, já tinham decorrido 11 ou mais anos (i. e, porque faltam apenas 19 anos).
12
Por exemplo, se a LA fixou um prazo ordinário de prescrição em 20 anos e a LN dilatou-o para 25,
haverá que esperar 15 anos se, quando iniciou a sua vigência, já tinham decorrido 10 anos.
13. APLICAÇÃO DA LEI NO ESPAÇO13

13. 1. O problema

A lei tem necessariamente limites espaciais: só obriga num


determinado espaço. Todavia, o homem é um ser dotado de grande
mobilidade. Desloca-se de país em país e estabelece contactos sociais,
culturais e económicos. Assim, uma relação jurídica pode através de
qualquer um dos elementos (sujeito, objecto, facto jurídico) achar-se em
contacto com diferentes ordenamentos jurídicos.

Por exemplo:

A, cidadão italiano, proprietário de bens situados na França, faz um


testamento na Alemanha, institui herdeiro B, cidadão suíço, e morre em
Portugal. Que lei disciplina a sucessão testamentária: a italiana, a
francesa, a alemã, a suíça ou a portuguesa?

13. 2. A solução

O Direito Internacional Privado (DIP) disciplina os factos susceptíveis


de relevância jurídico-privada que tem conexão relevante (nacionalidade,
domicilio dos sujeitos, localização do objecto, lugar da prática do acto)
com mais do que um ordenamento estadual. O DIP cumpre esta função
quando determina o direito aplicável. Trata-se de direito privado porque
na sua base está, essencialmente, o interesse dos particulares e é
constituído por normas de remissão ou de reconhecimento e não de
regulamentação material.

13
Idem, pp. 395 e ss.

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