Você está na página 1de 5

2.

Aplicação da Lei no Tempo


a. 2.1. Preliminares
"O Direito como ordem social normativo não é estático e podemos mesmo afirmar que todos os
dias entram em vigor novas normas jurídicas. Este facto obriga à consagração de regras que
regulem a sucessão legislativa.
Coma a ideia de José Fontes acima, podemos perceber claramente que a sociedade evolui dia pós
dia e deste modo, há uma necessidade do Direito acompanhar essa evolução, através de normas
que se enquadram a cada realidade, facto este que faz com que as leis não sejam estáticas.
b. 2.2. Problema da Aplicação da Lei no Tempo
As leis iniciam a sua existência pública no dia da sua publicação, e iniciam a sua vigência no
prazo por elas determinado. Estas cessam a sua vigência, nos termos legais por caducidade ou
por revogação. Por vezes existe a dúvida qual a lei a utilizar se a antiga ou a nova. A questão é:
as leis são feitas para vigorar somente no futuro ou podem agir em relação a situações passadas,
ou seja situações que se consumaram quando a nova lei ainda não existia, no entanto,
a aplicação das leis no tempo consiste em determinar qual a lei aplicável a uma determinada
situação: se é a lei antiga ou é a lei nova.
c. 2.3. O princípio geral da Aplicação da Lei no Tempo
Analisemos o artigo 12 do Código Civil
Artigo 12º
(Aplicação das leis no tempo. Princípio geral)
1. A lei só dispõe para o futuro; ainda que lhe seja atribuída eficácia retroactiva, presume-se que
ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular.
2. Quando a lei dispõe sobre as condições de validade substancial ou formal de quaisquer factos
ou sobre os seus efeitos, entende-se, em caso de dúvida, que só visa os factos novos; mas,
quando dispuser directamente sobre o conteúdo de certas relações jurídicas, abstraindo dos factos
que lhes deram origem, entender-se-á que a lei abrange as próprias relações já constituídas, que
subsistam à data da sua entrada em vigor.
De acordo com nº 1 do artigo acima, o princípio geral da aplicação das leis no tempo, é o
da disposição futura - não retroactividade, e de acordo com este princípio, a lei não dispõe
para o passado, ou seja, a lei não é feita para regular factos passados, apenas regula factos que
persistirem a partir da data da sua entrada em vigor.
Ainda de acordo com o mesmo número artigo, a retroactividade da lei é admissível em
determinadas circunstâncias, uma vez que a própria norma refere» (…) ainda que lhe seja
atribuída eficácia retroactiva (…)». Assim, a lei age de forma retroactiva nos termos em que a
mesma fixa. A retroactividade segundo o artigo já citado, é admitida mas devendo no entanto
salvaguardar os efeitos já produzidos pela lei antiga, e assim sendo os factos já passados não
ficam sujeitos à nova lei.
Analisando o nº 2 do mesmo artigo entende-se aqui o seguinte:
1º. Sempre que a lei nova dispuser sobre as condições de validade formal ou material de
quaisquer factos, tem-se por aplicável a lei antiga evitando-se assim a sua reapreciação.
2º. Se o objecto da regulação da lei nova for o conteúdo de certa relação jurídica, aplica-se a lei
nova, quando se concluir que o legislador pretendeu abstrair-se na nova regulação dos factos que
deram origem à relação jurídica em causa.
3º. Se o objecto da regulação da lei nova for o conteúdo de certa relação jurídica, aplica-se a lei
antiga, quando se concluir que o legislador não pretendeu abstrair-se na nova regulação dos
factos que deram origem à relação jurídica em causa
Na ideia de Isabel Rocha, o princípio da não retroactividade da lei é fundamental para
salvaguardar a certeza e segurança do próprio Direito, caso contrário, as expectativas dos sujeitos
nas relações jurídicas poderiam ser gravemente afectados. Por outro lado, a ausência deste
princípio poderia causar graves distúrbios nas relações sociais em virtude da instabilidade que o
Direito assim geraria[2]. Nestes termos, o Direito como uma ordem normativa social, deve
garantir a justiça e a segurança assegurando deste modo a boa convivência na sociedade.
A lei não pode suscitar dúvidas quanto a sua aplicabilidade, assim, caso aconteça, o
entendimento dessa lei é que será aplicada somente para casos novos. Nestes termos a lei age de
forma retroactiva quando esta dispuser directamente sobre factos jurídicos já existentes,
abrangendo assim estes e os que subsistirem à data da sua entrada em vigor.
d. 2.4. Graus da retroactividade
Autores como Manuel das Neves Pereira e Santos Justos apresentam três graus de
retroactividade[3]:
Retroactividade de 3º Grau ou grau máximo – é aquela que se caracteriza por aplicar a lei
nova anulando as consequências últimas e definitivas da lei antiga, ou seja, todas situações
definitivamente decididas segundo a lei antiga deixam de o ser, incluindo as que já estão
definitivamente fixadas e decididas por sentença transitada em julgado ou outro título
equivalente.
Retroactividade de 2º grau ou agravado – esta retroactividade respeita os casos judicialmente
decididos com trânsito em julgado e os equiparáveis, como naqueles em que já houve
cumprimento da obrigação ou em que ocorreu transacção, ainda que não homologada, ou seja,
aplica-se a todas situações do passado, mas salvaguarda os efeitos já definidos por decisão
judicial ou título equivalente.
Retroactividade de 1º grau ou ordinária – aquela em que, quando a lei nova regula factos ou
situações nascidas antes do seu início de vigência, entende-se que já não ficam sujeitos não ficam
sujeitos â nova lei os factos e seus efeitos produzidos antes da entrada em vigor da nova lei, ou
seja, a lei nova respeita todos os efeitos já produzidos ao abrigo da lei nova.[4]
e. 2.5. Teorias ou Doutrinas da retroactividade
f. 2.5.1. Doutrina dos direitos adquiridos
Segundo esta doutrina, os direito adquiridos à sombra duma lei devem ser respeitados pelas leis
posteriores.
Esta doutrina foi definida por Savigny e exposta na sua versão mais ampla por Merlin e Gabba,
distingue os direitos adquiridos das faculdades legais e simples expectativas: aqueles já entraram
no nosso domínio e não podem ser-nos retirados. A lei nova deve respeitar os direitos adquiridos,
mas não as faculdades legais e as simples expectativas.
Esta doutrina foi logo criticada, primeiro porque, o direito não deriva do seu exercício, depois
porque nem sempre é fácil distinguir o direito subjectivo e uma expectativa e finalmente porque
nem todos direitos permanecem indefinidamente sujeitos à disciplina do direito vigente.

g. 2.5.2. A doutrina do facto passado


Esta doutrina sustenta que todo facto jurídico é regulado pela lei vigente quando se produziu, por
isso, a lei nova não deve ser retroactiva.
Aos efeitos jurídicos já consumados sob império da lei antiga, aos ainda pendentes quando a lei
nova surge e mesmo aos que não se produziram, mas podem ocorrer como consequência mais ou
menos longínqua dum facto passado, a todos se aplica a lei antiga: a lei em vigor quando ocorreu
o facto que os produziu.
Esta doutrina defende a aplicação da lei antiga aos factos passados, mas quanto aos factos
pendentes distingue: se os seus efeitos jurídicos já se produziram antes da entrada em vigor da lei
nova, aplicar-se-á a lei nova; se ainda não se produziram, aplicar-se-á a lei nova, falando-se
assim, não da retroactividade, mas de efeito imediato.

h. 2.5.3. A doutrina das situações jurídicas objectivas e subjectivas

Esta doutrina procurou substituir o conceito de direito subjectivo pelo de situação jurídica que
compreende: as situações subjectivas são as que resultam das manifestações da vontade dos
indivíduos de harmonia com a lei, tem um conteúdo individual ou particular, e as situações
objectivas, consistem em simples poderes leis que a lei atribui às pessoas em virtude da
ocorrência de certos factos. As primeiras são livremente determinadas pelos indivíduos e as
segundas são imperativamente fixadas pela lei. Assim, às situações jurídicas subjectivistas
vindas do passado dever-se-á aplicar a lei antiga e às objectivas, a lei nova.
Esta doutrina foi criticada porque nem sempre as situações jurídicas resultam apenas da vontade
dos interessados e não seria razoável aplicar-se a lei antiga a estas situações jurídicas subjectivas
e que há situações objectivas (que não dependem da vontade de ninguém) a que seria injusto
aplicar a lei nova.

i. 2.5.4. A doutrina das situações jurídicas de execução duradoura e de execução instantânea

Introduzida por Galvão Telles, constitui uma nova versão dos factos passados, defende que nas
situações jurídicas de execução duradoura, que podem durar anos e até séculos, é necessário
separar o passado e o futuro; aquele pertence ao domínio da lei antiga, este ao da lei nova, ou
seja, os factos passados pertencem a lei antiga e os futuros a lei nova.[5]

j. 2.6. A Sucessão no tempo de leis sobre prazos

O decurso de um prazo pode ter o valor de facto constitutivo ou extintivo de um direito e pode
suceder que uma lei nova altere, aumentando ou diminuindo, um prazo que, estando em curso,
ainda não permitiu que o direito se constituísse ou extinguisse. Por isso é necessário saber qual
das leis a aplicar, se é a lei antiga ou a nova. A solução para este problema encontra-se plasmada
no artigo 297 do Código Civil, assim:
1. Se a lei nova estabelecer um prazo mais curto em relação a lei antiga, aplicar-se-á também aos
prazos ainda em curso, mas o tempo só se conta a partir da data da sua entrada em vigor. Todavia
se faltar menos tempo para o prazo se completar segundo a lei antiga, aplicar-se-á esta.
2. Se a lei nova fixar um prazo mais longo, aplicar-se-á igualmente aos prazos em curso, mas
computar-se-á o tempo decorrido antes.[6]

1. 3. Aplicação da lei no espaço


k. 3.1. Preliminares

Depois de já termos falado da aplicação da lei no tempo, vamos agora falar da aplicação dessa lei
no espaço. É de salientar que da mesma forma que as leis são criadas para vigorar num
determinado tempo, elas também são criadas para vigorar num determinado espaço. A aplicação
da lei no espaço procura responder às várias questões que se podem suscitar a propósito das
formas de compatibilidade entre vários ordenamentos jurídicos.

l. 3.2. Princípios da Aplicação da Lei no Espaço


m. 3.2.1. Princípio da Territorialidade – Princípio Geral
Em razão do conceito jurídico de soberania Estatal, a norma deve ser aplicada dentro dos limites
territoriais do Estado que a criou. Essa é a ideia do princípio da territorialidade.
Na República de Moçambique, "o território é uno, indivisível e inalienável, abrangendo toda a
superfície terrestre, a zona marítima e o espaço aéreo delimitados pelas fronteiras nacionais. A
extensão, o limite e o regime das águas territoriais (…) são fixados por lei.[7]
Dentro do princípio da territorialidade encontramos o Princípio da territorialidade e
consanguinidade ou princípio da nacionalidade, no qual a lei é aplicada no território nacional
e aos cidadãos nacionais. No caso de Moçambique, a questão de territorialidade e
consanguinidade, encontra-se regulada na constituição.[8]
O princípio da territorialidade torna-se insuficiente para abranger a imensa gama de relações
jurídicas estabelecida entre pessoas de diversos países. Assim contrapondo-se ao princípio da
territorialidade, tem-se o princípio da extraterritorialidade que admite a aplicabilidade no
território nacional de leis de outros Estados, segundo princípios e convenções internacionais.[9]
Os factos podem ter diferentes tipos de conexão com a ordem jurídica, designadamente[10]:
ü Nacionalidade das partes;
ü Domicílio das partes;
ü Lugar da situação do bem imóvel;
ü Lugar da prática do facto ilícito; e
ü Lugar da celebração do negócio.
Uma vez que num Estado existem diversos ordenamentos jurídicos, a relação da aplicação das
leis no espaço são reguladas nos termos das normas do Direito Internacional Privado dos artigos
14º a 65º do Código Civil.

2. 4. Conclusão
Após um estudo sintetizado em relação a aplicação da lei no tempo e no espaço, podemos
concluir que as leis são feitas para regular a convivência humana na sociedade e uma vez que a
sociedade está em constante evolução, as leis acompanham essa evolução sucedendo-se assim no
tempo e no espaço para melhor eficácia do próprio direito.
O princípio geral da aplicação da lei no tempo é o da não retroactividade, segundo o qual, as leis
apenas regulam factos novos, ou seja, factos que emergirem a partir da data de entrada em vigor
dessa lei, salvaguardando assim, os efeitos já produzidos pelas leis anteriores. O princípio da não
retroactividade, apresenta excepções, podendo assim a lei retroagir em certas circunstâncias,
sendo, quando definidas por própria lei e ou quando beneficie os visados.
A aplicação da lei no espaço tem como princípio geral, o da territorialidade, no qual a lei se
aplica em todo território de um Estado. Este princípio exceptua-se dando origem ao princípio da
extraterritorialidade, pois os Estados encontram-se vinculados por vários sistemas normativos
que concretizam a boa relação entre Estados e cidadãos.

3. 5. Bibliografia
Legislação:
Constituição da República de Moçambique
Código Civil

JUSTOS, A. Santos. Introdução ao Estudo do Direito. 4ª Edição. Coimbra Editora. 2009


ROCHA, Isabel, BATALHÃO, Carlos José, ARAGÃO, Luís. Introdução ao direito. 12º Ano.
Porto Editora
FONTES, José. Teoria geral do Estado e do Direito. Coimbra Editora. 2006
PEREIRA, Manuel das Neves. Introdução ao Direito e às Obrigações. 3ª Edição. Almedina

Você também pode gostar