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CAPÍTULO II

2. APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO

2.1. Vigencia da lei: revogação e caducidade

As normas jurídicas nascem, mas não vivem indefinidamente, elas são mortais ou podem
sofrer transformações no decurso da sua existência e um momento chega em que morrem. Se
é a norma exinta é de regra que outra a suceda, trava-se um coflito entre as duas, no tocante a
regulamentação de factos ou relações que se encontram seus confins temporais, aquelas
situações de transição que não se sabe bem se continuam sujeitas ao império da lei antiga ou
se entram já na órbita da lei nova.

O estado ao promulgar as leis, faz para que elas tenham uma duração indefinida e continuem
a vigorar até que ele próprio venha a declará-las suprimidas no todo ou em parte. A norma
jurídica não é necessariamente afectada pelo desaparecimento dos motivos ou circunstâncias
que determinam a sua criação ou pela sua contraditoriedade com novas exigências sociais.

A mudança de condições que torna a lei desactualizada não constitui, um motivo de


extinção, mas um motivo para que o Estado intervenha em ordem a substituir a lei velha pela
nova. A razão de ser da lei pode desapacer sem que desapareça a lei.

Para que se dê a extinção da norma legal é necessário uma das duas coisas: ou que a própria
lei contenha em si um limite a sua vigência ou que seja revogada por uma lei posterior, o que
se dá o nome de caducidade da lei. Nesse caso a lei é temporária nasce com seu fim previsto
e quando chega o termo assinalado deixa de vigorar automatimente.

No segundo caso a extinção dá-se em consequência duma contrária e nova manisfestação de


vontade do legislador, incompatível com a subsistência da lei antiga. Ela marca o período de
sua vigência, de maneira que, decorrido esse período, perde o valor, morre, sem necessidade
do que o legislador o venha dizer, cai por si caduca. Para que a lei caduque, é necessário que
ela própria subordine a sua eficácia a um evento, que delimita um prazo certo ou incerto.

A exitição duma lei resulta do aparecimento duma posterior, assim duas leis que se sucedem
no tempo: a posterior que atinge a anterior, a revoga. A ordem de prioridade não se define
pela entrada em vigor mas sim pela publicação, sendo a mais antiga há que primeiro foi

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publicada embro tenha entrado em vigor depois, a lei posterior é que foi publicada em
segundo lugar conquanto tenha entrado em vigor primeiro.

A revogação pode ser ser total ou parcial: é total ou abrogação, quando atinge todo o
conteúdo da lei revogada, parcial ou derrogação, quando só atinge uma parte desse conteúdo,
deixando de vigorar alguma ou algumas disposições e continuando de pé as restantes.

A revogação pode resultar da manifestação expressa da vontade do legislador que declara a


lei abolida ou pode resultar da instrução da regulamentação jurídica contraditória com a
constante da lei em causa. No caso em que a lei nova se mostra incompatível com a antiga,
prevalece sobre ela e revoga-a, a revogação diz se tácita, pois não há uma expressa vontade
revogatória, o legislador não declara querer revogar certa lei, manifesta indirecta ou
tacitamente essa vontade através duma disciplina jurídica que substitui a precedente, por ser
inconciliaável.

A revogação tácita actua na estrita medida da incompatibilidade ou contraditoriedade, isso é a


lei anterior apenas se considera revogada naquilo que com ela é incompatível a nova, em tudo
continua a vigorar, as duas coexistem, conjugando-se de maneira a formarem um todo. O
legislador intervê para retocar um e outro ponto.

As dificuldades surgem quando as duas leis tem âmbitos de diferentes, porque uma é geral e a
outra especial, uma aplica-se na generalidade de situações e a outra numa categoria
particular. A lei especial posterior não revoga a lei geral anterior, elas podem coexistir. A lei
especial subtrai a regulamentação precedente aquela categoria de casos particulares para que
é formulada, nesse caso há derrogação e não abrogação.

Uma lei tem normalmente duração indefinida, salvo quando se derem eventos, continua a
aplicar-se ainda que se mostre antiguada. A extinção da lei pode revestir se de duas formas: a
primeira por caducidade e a regunda por revogação.

A caducidade traduz se na cessação automática da lei, não é consequência do


desaparecimento das circustâncias ou da matéria para que a lei foi feita. Só pode dar se
quando esteja, por assim dizer, insita na lei desde a sua origem, como seu limite.

A revogação é a extinção de uma lei por outra posterior. Pode ser expessa, quando resulta de
uma manifestação explicíta da vontade do legislador e tácita quando provém dum regime
jurídico posterior com o qual a lei precedente não pode coexistir. Só há revogação tácita
desde que entre as duas leis exista, e na medida em que exista incompactibilidade absoluta,

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mas a revogação tácita pode produzir-se também sem essa absoluta incompatibilidade,
quando um sistema jurídico seja substituido por outro.

2.2. Momentos da aplicação da lei

Perante duas leis que se sudecem no tempo, deve ser aplicada considerando quatro
momentos:

Primeiro momento: saber se a lei se situa em domíneo em que seja interdita a sua
rectroactividade ou seja a produção de efeitos para o passado. É necessário recorrer a
constituição, pois há domíneos em que a rectroactividade da lei é constituicionalmente
proibida. O no 1 do Artigo 8, do Código Penal, interdita a aplicação ao passado da lei que
qualifica certa conduta humana como crime ou que aplique pena ou medida de segurança
mais graves.

Segundo momento: não se integrando a lei em domíneo de interdição da rectroactividade,


saber se ela própria nos esclarece sobre a sua aplicação no tempo. É necessário recorrer as
disposições transitórias da lei. Estas podem ser materiais se regularem directa ou
imediatamente a matéria explicando a que situação de facto a lei é aplicavel, ou formais, se
remetessem essa delimitação das situações materiais para outra lei, escolhidas de entre todas
as que teoricamente estivessem em condições de regular a matéria.

Se a lei não contiver as disposições transitórias sua interpretação é sempre global e não
literal. Se da interpretação resultar que a lei é rectroactiva mesmo na ausência duma
disposição específica então a lei é retroactiva. A disposição é aparente. Ex: Artigo 5 do
Código Civil.

Terceiro momento: Supondo que da interpretação da lei nada se concluiu sobre a aplicação
no tempo, saber se algum ou alguns critérios específicos existem para o domíneo ou em que
essa lei se insere. No direito penal, a lei de conteúdo mais favorável ao arguido tem aplicação
rectroactiva. Se por exemplo, António foi incriminado pela prática de crime X, punível pela
lei M, com uma pena de oito à doze anos. Se a lei M, for revogada pela lei N, esta aplica se ao
António em duas situações:

1- Se reduzir a medida da pena aplicável ao X, para por exemplo quatro à seis anos de prisão.

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2 – Se considerar que não existe mais razões para sensurar e punir o factor X,e assim deixar
de o considerar crime.

Quarto momento: Se a lei nada diz sobre a sua aplicação no tempo e o que respeita o ramo
ou domíneo no qual não existe qualquer critério constituicional ou legal que esclareça ou
resolva o problema nesse caso a lei aplica se para o futuro.

O Artigo 12, no 1 do Código Civil contém um princípio geral que vale para o direito
Moçambicano no seu conjunto. Qual a ideia subjaz esse dispor para o futuro. Três respostas
são possíveis através das teorias que regulam os direitos adquiridos, teoria dos factos
passados e teoria da relação legal entre os factos e os seus efeitos jurídicos.

2.4. Princípios e doutrinas

Princípio da irretroactividade

Após a publicação uma lei que revoga uma anterior, põe-se o problema da eficácia da lei
nova, que só se projecta sobre futuro deixando incólume o passado. A lei nova encontra
diante de si factos ou situações que ocorreram ou ate provavelmente se esgotam no passado
ou que dalgum modo se prolongam no presente. Isto pode por limites imediatos da aplicação
da lei nova, para não perturbar a necessária estabilidade daquelas situações ou factos. Daí que
a possível sobrevivência do direito anterior, que continuará a aplicar-se para além do
momento em que foi revogado.

A coordenação entre os dois regimes que se sucedem é tão complexa, que o legislador
considera oportuno estabelecer critérios específicos de resolução de conflitos que orientarão o
julgador, na passagem de uma legislação para a outra. Esses critérios ou directrizes dizem se
disposições transitórias (acompanham as leis sob a forma de introdução ou apêndice ou
através de preceitos por elas espalhados) e assumem carácter mais ou menos vasto, consoante
sejam aplicados à generalidade das matérias ou a certa matéria em particular.

As disposições transitórias, não bastam, nem sempre existem, e quando existem ou como
desvio ao princípio gerais ou como sua explicitação, obviamente pressupõe-nos. É, nesses
princípios gerais e fundamentais, eles constituem a forma de orientação que nos guia e
recorremos caso não haja disposições transitórias ou essas sejam insuficientes.

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A lei só regula os factos futuros, não se aplicando aos factos passados. Quando falamos de
factos, temos em vista também, por via de regra, as situações por elas geradas; quando
falamos de situações, temos em vista também, por via de regra, os factos que as
desencadeiam.

O Estado, a quem compete criar o Direito, mas a quem compete, do mesmo modo zelar pela
sua observância, não deve por se em contradição consigo próprio. Formulou uma lei donde
decorreram direitos, à sombra dos quais se criaram certezas ou se estabilizaram relações,
negando direitos que antes concedera aos indivíduos ou impondo-lhes obrigações de que
antes os considerara isentos. É esse chamado o princípio de irretroactividade das leis. Tem
alcance geral, extensivo como é a todos os ramos do Direito, desde o Civil ao Constitucional.
Se esse princípio não for respeitado, diz-se a lei nova é retroactiva.

A retroactividade pode revestir duas modalidades de significação diversa-uma extrema e mais


grave, e a outra mais atenuada. A primeira, verifica-se quando a lei nova actua directamente
sobre o passado, imprimindo nova regulamentação a factos, situações, efeitos já totalmente
produzidos e esgotados.

Ressuscita o passado findo, que se anima juridicamente a luz de disciplina nova, fazendo
surgir preteritamente direitos que não existiam, ou impondo preteritamente obrigações que
não existiam também. Essa é a forma extrema e mais grave.

O princípio de irretroactividade é antigo, teve a sua formulação numa lei do Código


Justinianeu que se traduz na “função das leis e constituições é dar forma certa aos factos
futuros e não aplicar-se aos factos passados”.

Teoria dos direitos adquiridos

A teoria dos direitos adquiridos, diz que os direitos adquiridos à sombra de uma lei têm de ser
respeitado pelas leis posteriores, que serão retroactivas se procurarem aplicar-se-lhes; sujeitas
às leis novas só estão as meras expectativas.

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A celebra um contrato com o B, constituindo-se seu credor. A adquire em face de B um
direito, cujo conteúdo está demarcado na lei vigente. Esse direito goza de estabilidade,
mantendo-se intacto, ainda que leis novas apareçam a imprimir à matéria regulamentação
diferente; se tais leis quiserem atingi-la, haverá ai retroactividade.

C é parente de D numa relação que lhe dá a esperança de vir a ser herdeiro de D caso esse
faleça sem testamento. C tem uma simples expectativa desprovida de tutela legal, não tem
ainda um direito, que só adquirirá, eventualmente, no momento da morte do D. Aquela
expectativa não goza de estabilidade, pode ser atingida por uma lei que se publique antes do
óbito do dono dos bens e que altere a ordem da sucessão legal, preferindo aos sucessíveis da
categoria a que C pertence, outro ou outros diversos.

A aplicação da lei nova, desde que seja publicada antes do decesso do autor da herança, não
implica retroactividade, visto não afectar um direito já adquirido, mas uma simples
esperança.

A concepção do prestigiado de SAVIGNY, suscita dúvidas sobre o que é verdadeiramente


um “direito adquirido” e o que é uma “expectativa”. A teoria, não é aceite porque, as
exigências da vida jurídica, mostram inequivocamente que nem todos os direitos subjectivos
se podem manter indefinidamente submetidos à regulamentação do Direito em vigor à data
em que se constituíram. Mas esse direito que permanece de transmissões sucessivas ao longo
dos séculos não pode continuar a ser perpetuamente regulado pela legislação que estava em
vigor quando surgiu.

Na sua lógica dá a lei antiga uma sobrevivência excessiva que contraria o bom senso.
Apresenta-se em termos tais que os seus próprios adeptos não poderiam evidentemente levá-
la às últimas consequências.

Teoria das situações jurídicas objectivas e subjectivas

Surgiu na primeira metade do século XX, a teoria das situações jurídicas subjectivas, foi
criada pela Escola realista francesa do Direito Político e chefiada pelo constitucionalista Léon
Duguit.
Considerou o conceito de direito subjectivo, uma inutilidade metafísica, esta escola procurou
substituir por situação jurídica, que distinguia em duas espécies ou categorias: as situações
jurídicas subjectivas (resultam para os indivíduos de manifestarem a sua vontade, em

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harmonia com a lei, e que se tornam subjectivas por terem conteúdo puramente individual ou
particular). e as situações jurídicas objectivas (todas as situações consistentes em meros
poderes legais atribuídos pela lei às pessoas em virtude da ocorrência de certos factos).

Se um indivíduo se encontra numa situação jurídica cujo conteúdo ele determinou livremente,
essa situação é subjectiva; se, porém, se encontra numa situação jurídica com um conteúdo
fixado imperativamente pela lei, ela é objectiva.

Faz-se um contrato de empréstimo. As partes gozam de certa liberdade na determinação do


seu clausulado. Fixam (até ao limite definido por lei) a taxa de juro que quiserem;
estabelecem para o pagamento um prazo mais longo ou mais estreito; convencionam que o
pagamento seja feito no domicílio do devedor ou do credor; etc. Como se vê, há aqui uma
liberdade relativamente grande de movimentos. Os poderes do credor, e os correspondentes
deveres do devedor, não estão rigidamente predeterminados na lei; o seu conteúdo é
moldado, em medida maior ou menor, pelo árbitro das partes, manifestado segundo os seus
interesses e convivência. Esta situação jurídica será subjectiva na nomenclatura e técnica da
escola a que nos estamos reportando.
Confrontemos este caso com o do proprietário ou do conjugue. O proprietário tem os
poderes constantes da lei. Ainda que a propriedade lhe venha de um contrato, tais poderes
não sofrem o influxo da vontade dos sujeitos. O proprietário não tem mais nem menos
poderes do que aqueles que a lei constante e define. Outro tanto sucede com os poderes do
marido em face da mulher ou a mulher em face do marido. Isto é, umas vezes os particulares
podem, no uso da sua autonomia, estabelecer efeitos que não decorrem de forma automática
da lei; outras vezes, encontram-se vinculados por estes e os efeitos desencadeiam-se nos
termos que ela rigidamente impõe.
Ora bem, a escola de DUGUT, partindo da distinção explicada, sustenta que as situações
jurídicas vindas do passado, colocadas perante uma lei nova que aparece, são por ela
inatacáveis, quando subjectivas; atacáveis nas suas manifestações posteriores, quando
objectivas. Quer dizer, a lei nova será retroactiva na medida em que se limite a regular
situações meramente objectivas, como a de conjugue ou proprietário.
Mas será suficiente a apontada distinção entre “subjectivo” e “objectivo” para possuirmos
um critério que nos permita observar com segurança o princípio da irretroactividade das leis?
Não obstante a voga de que a doutrina gozou, nomeadamente entre nós, nunca a julgamos
aceitável. Há, sem dúvida, situações sobre que a vontade das partes, ao criá-las, pode
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livremente influir. Mas concebe-se que duas situações, ambas subjectivas, se constituam,
uma com liberdade de estipulação, outra sem essa liberdade. Tomemos uma vulgar compra e
venda. A regra é se possa livremente estipular o montante do preço; mas isto nem sempre se
verifica, como nas vendas de preço tabelado, em que este se acha preestabelecido por um acto
da autoridade ou lei. Naquele primeiro caso os contraentes procedem, dentro de certos
limites, segundo o seu arbítrio; no segundo essa liberdade falta-lhes. Ora, não seria razoável
que, numa hipótese, a dívida de preço, uma vez criada, não estivesse sujeita às flutuações da
lei e estivesse na outra.
Por outro lado, há situações que não resultam da vontade de ninguém, que seriam
portanto objectivas, e a que se tornaria injusto aplicar uma lei nova. Temos exemplo disto no
que se passa com aquisição de herança na sucessão legítima. Morre uma pessoa, deixa ficar
certos herdeiros legítimos – sejam os tios - a quem, pela lei vigente à data da morte do autor
da herança, esta pertence. Mas, de os herdeiros a aceitarem, é publicada outra lei que altera a
ordem da sucessão, excluindo dela os tios (bem como os primeiros) e colocando no seu lugar
o Estado. Ninguém sustentará que os tios, que adquiriram o direito de aceitar a herança por
virtude e no momento da morte do autor dela, sejam preteridos pelo Estado, chamado a
ocupar o seu lugar pela lei nova. Se essa lei fosse aplicada – a intuição jurídica no-lo diz –
haveria retroactividade. No entanto, estamos perante uma situação jurídica objectiva,
decorrente automaticamente, da lei, sem qualquer manifestação de vontade, pelo simples
facto da morte de alguém, situação que, porque objectiva, deveria ficar submetida a lei nova,
segundo a lei em análise.
Estas razões nos levam a afastar semelhante teoria e a adoptar outra. Mas, antes de aduzir
e fundamentar o nosso ponto de vista, queremos ainda fazer referência à doutrina do facto
passado ou do facto pretérito

75. Teoria do facto passado


A teoria do facto passado (ou pretérito), procura formular uma regra única e muito
simples: “tempus regit factum”.
A doutrina pode sintetizar-se nos seguintes termos: todo o facto jurídico, isto é, todo o
facto que produz efeitos jurídicos, ou seja um acontecimento casual ou acto do homem, é
regulado por uma lei, em si e nas suas consequências, e a lei aplicável deve ser a que estava
em vigor quando o facto se produziu. Só não será assim se uma lei nova determinar o
contrário, mas então ela será retroactiva.

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O princípio da irretroactividade, segundo essa teoria, significa que, não só subsistem
intactos os efeitos já produzidos ou que se estão produzindo à data da entrada em vigor da lei
nova, mas também continuaram a regular-se pela lei precedente os efeitos que vierem a
desenvolver-se mais tarde.
Há distinguir três ordens de efeitos: extintos, pendentes e futuros.
Efeitos Extintos são os que já realizados, totalmente sobre o império da lei anterior. Ex.:
celebrou-se um contrato de que nasceu uma divida que se mostra paga ao tempo da mudança
legislativa.
Efeitos Pendentes são os que esta em curso, em desenvolvimento, quando a nova lei
aparece. Ex.: celebrou-se um contrato de que nasceu uma divida que não foi por ora satisfeita.
Efeitos Futuros são os ainda não produzidos, mas que podem ocorrer ou virão a ocorrer
como consequência, mais ou menos longínqua de um facto passado. Ex.: celebrou se um
contrato sujeito a condição suspensiva, como se alguém doou a outrem um prédio para a
hipótese de ao donatário, vir a nascer um filho. A doação não produz logo os seus efeitos, que
ficam em suspenso; só virá a produzi-los futura e eventualmente, se se der a condição
prevista que pode ocorrer já no domínio de uma lei nova. Essa condição é um elemento
secundário, que se limita a desencadear os efeitos potenciais do facto principal anterior, a que
tais efeitos se reconduzem, entrando na orbita da lei que o regula.
Numa palavra, e sempre segundo a teoria do facto pretérito, o princípio da
irretroactividade deixa incólumes os efeitos extintos e pendentes, e inclusive, sujeita também
os efeitos futuros a lei de facto que os girou. Todos são desenvolvimento de um facto com a
sua sede temporal no passado e todos, portanto, devem reger-se pela lei vigente à data desse
facto, porque “tempus regit factum”.
A teoria, como se vem, é de formulação muito simples. Determina-se a data de facto
(embora nesse ponto possam surgir algumas dúvidas); determinam-se também os efeitos
deles provenientes; factos e efeitos, tudo fica sobre a alçada da lei antiga; sob pena de
retroactividade.
A teoria (repetimos) é de formulação muito simples, mas afigura-se-nos excessivas nas
suas aplicações, a semelhança do que se passa, segundo já foi exposto e fundamentado, com a
teoria dos direitos adquiridos.
Seria exagerado manter todos efeitos de um facto submetidos à lei antiga – ainda mesmo
aqueles que se prolongam duradouramente através do tempo.
Dos factos jurídicos nascem muitas vezes situações que perduram longamente e que se
compreenderiam continuassem nas suas manifestações futuras, entregues a regulamentação
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de uma legislação ultrapassada, que pode ser muito velha. Não existe razão forte justificativa
de tal solução. Pense se na constituição de proprietário, que se constitui para durar
indefinidamente, ou na conjugues, que subsiste enquanto o casamento não se dissolver, ou na
de funcionário vitalício que perdura enquanto não morrer ou não for afastado do serviço.
Seria inconveniente e até injusto em certos aspectos, manter essas situações,
permanentemente ligadas à legislação da época em que ocorreu o facto que as originou. Facto
que pode – no tocante a propriedade – situar-se até muitos séculos ou milénios atrás.

76. Solução Preconizada: situações jurídicas de execução duradoura e situações


jurídicas de execução instantânea.

Desde sempre defendemos critérios diversos dos acabados de expor e de cuja aplicação,
como havemos de ver, não se afasta afinal, grandemente, a solução adoptada no Código Civil
actual.
Tal critério assenta na distinção entre situações jurídicas de execução duradoura e
situações jurídicas de execução instantânea.
Comecemos por estas últimas.
Caracterizam-se pelo facto de a sua realização se esgotar em dado momento, não se
protraindo por lapso de tempo mais ou menos longo.
Ex.: celebra-se uma compra e venda; o vendedor fica obrigado a entregar ao comprador a
coisa e este a pagar aquele preço. Essas obrigações podem não ser compridas logo, mas só
mais tarde, e isto possibilita o aparecimento de um conflito de leis num tempo, como
sucederá se no intervalo entre a constituição das referidas obrigações e a data do seu
cumprimento mudar a lei sobre a compra e venda. O problema consiste em saber se as
obrigações das partes nascidas quando vigorava uma lei mas a efectivar quando já vigora a
outra, encontra a sua regulamentação na primeira ou na segunda.
Pensamos que se deve manter aqui o respeito da lei antiga, sob pena de retroactividade. É
compreensível que seja assim, precisamente por que se trata de situações de erecção
instantânea, como as qualificamos situações que, embora vindas de traz, se resolve de um
momento para o ouro mediante um acto isolado: a entrega da coisa, o pagamento do preço
(embora este se possa desdobrar e prestações, como simples parcelas de uma dívida
unitária).
Não há perturbação pelo facto de se manter o império da lei revogada, porque estas
situações vêm a desaparecer mais cedo ou mais tarde, estão condenadas a morte, que pode

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ser, e normalmente será, próxima. Perturbação haverá se se iludisse a normal previsão dos
contraentes, impondo-lhes uma regulamentação jurídica com que não contava quando
fizeram o juramento.
Em condições diversas se encontram as situações de execução duradoura. As primárias
surgem para morrer; estas para viver mais ou menos indefinidamente. É o caso das situações
do proprietário, de conjugue, de funcionário público, ou das que derivam para as partes do
contrato de locação. O proprietário este investido de poderes que vai excedendo dia a dia mas
que não se esgotam pelo facto desse exercício, antes tem vitalidade permanente. Durante
todo tempo de arrendamento, o senhorio tem de, continuamente, proporcionar ao
arrendatário, por meio de acções e abstenções, o gozo do prédio que o arrendou, e o
arrendatário tem de, periodicamente, pagar ao senhorio a renda convencionada.
Estas situações – que são, pela sua própria natureza, as que mais frequentemente suscitam
problemas de aplicação da lei no tempo - podem prolongar-se anos, e nalguns casos até
séculos, e entre tanto a legislação vai sofrendo modificações. Poderia acaso pretender-se que
tais situações ficassem indefinidamente ligadas à legislação de facto que lhes deu origem,
como querem, na pureza dos seus princípios, a teoria dos direitos adquiridos e a teoria do
facto preteriu? Parece-nos bem que não.
Há que abrir na vida situações jurídicas duradouras – seja continuadas ou periódicas –
uma separação entre o passado e o futuro. Essa separação é dada pelo momento da entrada
em vigor da nova lei, e o que nela há de passado pertence ao domínio da lei antiga, e o que é
futuro pertence a órbita da lei nova. Aplicar essa ultima lei a tais situações, nas suas
manifestações actuais e na sua projecção sobre o futuro, não é cometer o pecado jurídico da
retroactividade, como será no tocante às situações de execução instantânea.
Eis o ponto de vista que sempre defendemos. Fomos levado a formula-lo por nos parecer
realista, como expressão da doutrina que, sem complicações desnecessária ou inconvenientes,
melhor estabelece o equilíbrio entre os interesses em jogo e melhor realiza o ideal de
segurança e da Justiça.

77. O artigo 8.odo Código Civil de 1867


O Código Civil de 1867 dispunha o seguinte no seu artigo 8. o “A lei civil não tem efeito
retroactivo. Exceptua-se a lei interpretativa, a qual é aplicada retroactivamente, salvo se dessa
aplicação resulta de direitos adquiridos”
O artigo, como se vê, desdobrava-se em três partes:
1a – a lei não tem efeito retroactivo;

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2a – exceptua-se a lei interpretativa, a qual é aplicada a retroactivamente;
3a – salvo se dessa aplicação resulta ofensa de direito adquiridos.

Quer dizer: enunciava-se em primeiro lugar a irretroactividade como regra. Abria-se em


seguida uma excepção a essa regra – a retroactividade da lei interpretativa. Por último,
abria-se uma excepção a esta excepção - a própria lei interpretativa não se aplicaria
retroactivamente se de tal aplicação resultasse ofensa de direitos adquiridos.
Ora, dentro da teoria de direitos adquiridos, então voga, nenhuma lei se aplicava se
ofendesse direito dessa espécie. O enunciado tanto as leis interpretativas parecia, portanto,
não fazer sentido, pois se determinava em relação a elas o mesmo que se precisava para as
leis em geral.
Isto convence-nos de que a fórmula “direitos adquiridos” empregada no citado artigo 8.o
não podia ser entendido à letra. O seu conteúdo havia de ser mais restrito que o conceito de
“direitos adquiridos” tomado como base da teoria da irretroactividade segundo o pensamento
dominante na época.
Esse sentido mais restito abrangeria apenas os direitos adquiridos cobertos por uma
decisão com trânsito em julgado. Compreende-se que a própria lei interpretativa tivesse de
respeitar direitos reconhecidos por uma decisão judicial definitiva, de harmonia com a
orientação já expressa no artigo n.o 40.
Relembrando o que ai se disse: Existe determinada lei, à sombra dela restaura-se u litígio
que o tribunal resolve por meio de sentença onde reconhece direito a uma das partes e a nega
à outra; essa sentença, a partir do momento em que se torne irrecorrível, adquire carácter
definitivo, constituindo o que em linguagem jurídica se chama caso julgado. Depois disto o
legislador resolve interpretar a lei anterior e fá-lo em termos diferentes da interpretação que o
tribunal, na espécie, lhe atribuiu; daí resultará segundo o entendimento dado pela nova lei,
que a parte vencedora não tinha razão, razão tinha a parte vencida. Ora a lei interpretativa é,
em princípio retroactiva. Se a essa regra não houvesse limitação alguma, ela aplicar-se-ia
inclusivamente a hipótese, destruindo o caso julgado e podendo agora a parte primeiramente
vencida obter a sentença favorável. Isto seria intangibilidade do caso julgado, que é imposta
pela própria Constituição, o caso julgado representa a afirmação definitiva da vontade da
autoridade judiciária sobre determinado diferendo e, como tal, deve estar ao abrigo de
modificações ou usurpações, ainda que vindas do Poder Legislativo.

78. O artigo 12.odo Código Civil de 1966

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a) A lei só dispõe para o futuro (art. 12.o, n.o1,1.a parte)

Formula-se aqui um principio geral, digamos programático, mas um tanto vago, através
do qual se pretende significar que a lei em regra, não é nem deve ser retroactiva, incidindo
que apenas sobre o futuro e respeitando, pois, o passado.

b) A lei pode, no entanto ser atribuída eficácia retroactiva (art. 12.o, n.o 1,2.a parte “in
initio”).

O artigo 12.o, depois de enunciar o princípio geral de irretroactividade, reconhece que


esse principio não vincula o próprio vinculador. É um critério valido apenas para o executor
da lei, o qual não deve fazer desta uma aplicação retroactiva, excepto na medida e nos
termos em que a lei, convenientemente interpretada, o imponha.

c) Mesmo que o legislador atribua eficácia retroactiva à lei, presume-se que ficam
ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei destina a regular (art. 12.o, n.o
1,2.a parte “in fine”).
Quando o legislador atribui a lei eficácia retroactiva, presume-se que ele visa uma
retroactividade mitigada, traduzida apenas na aplicação da lei aos efeitos pendentes, e não
aos efeitos extintos (ou esgotados) na vigência da lei revogada, e por maioria de razão,
embora o artigo não o diga expressamente, com ressalva dos próprios factos geradores de
todos esses efeitos. A retroactividade só assumirá um cariz mais agressivo ou violento,
consiste em sujeitar inclusive à regulação da lei nova os factos pretéritos ou os efeitos
também pretéritos, se o legislador manifestar inequivocamente essa sua vontade, afastando a
aludida presunção. Seria por ex. retroactiva neste sentido, a lei que, inovado quanto aos
pressupostos de aquisição por acessão, se declarasse aplicável aos factos aquisitivos
anteriores, ou a lei que, baixando a taxa de juro, dissesse abranger inclusivamente os juros já
vencidos.
d) Quando a lei dispõe sobre as condições de validade substancial ou formal de
quaisquer factos ou sobre os seus efeitos, entende-se em cada de dúvida, que só visa aos
factos novos (atr. 12.o, n.o 2, 2a parte).

O Código reafirma a que, com alguma redundância, o princípio da irretroactividade, o qual,


como já resulta do n.o 1 do artigo, prevalece sempre que o legislador não o afaste claramente.
O Código reafirma esse princípio a explicitar que se entende, em caso de dúvida, que a lei só
visa os factos novos, não submetendo ao seu império os factos passados nem os respectivos

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efeitos: o que não é mais do que repetição o desenvolvimento do estatuído no n. o 1.
Esclarece-se que, sendo o facto pretérito ou facto voluntario, isto é, um acto jurídico, como
um empréstimo, haverá retroactividade se a lei nova estabelecer para ele novas condições de
validade substancial ou formal, como se por ex. faz depende de escritura pública até aí não
exigida, os empréstimos anteriores.

e) Não há, toda via, retroactividade se a lei dispuser directamente sobre o conteúdo de
sertãs relações ou situações publicas, abstraindo dos factos que lhes deram origem, pois a lei
abranja então as próprias relações ou situações já constituídas a data da sua entrada em
vigor (art. 12.o, 2a ,parte).

Esse critério legal não é inteiramente conclusivo, cabe a ele ainda perguntar que relações ou
situações são essas que devem ser encaradas em si próprias, desligadas das sua géneses, ao
definir a regulamentação que é lhes aplicáveis.

A resposta contem se no que se explanou atrás no n. o 78. Tais relações ou situações, são as de
execução duradoura, ou mais concretamente, de execução continuada, ou periódica como as
relativas ao direito de propriedade ou outros direitos reais v. g. usufruto ou servidão, ou as
relativas ao estado das pessoas, v. g. o estado de casado ou estado de filho, as quais se
desprendem da sua fonte geradora e se vão sujeitando as mutações legislativas, estando em
cada momento sob o império da disciplina legal vigente, sem que isso implique
retroactividade.

f) Em resumo:
 A lei só dispõe para o futuro, não tendo eficácia retroactiva;
 Esta determinação obriga tão-somente o executor ou aplicador da lei, não
vinculado o próprio legislador, pode, em princípio, fazer leis retroactivas;
 Quando, porem, o legislador faça uma lei retroactiva, presume-se que
pretende abranger exclusivamente, a lei dos factos e efeitos futuros, os efeitos
pendentes, não se estendendo aos factos e efeitos passados;
 Nomeadamente, se o facto ou pretérito for um acto jurídico, a sua validade
substancial ou formal não fica dependente de si terem observado, na sua
celebração, nas condições requeridas pela lei nova;

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 Quando se trata de uma relação ou situação duradoura, oriunda de facto
anterior a lei nova, esta aplica-se a tal relação ou situação, na sua existência
futura, não havendo aí retroactividade.

79. O artigo 13.o do Código Civil de 1966

Já dissemos atrás, nos números 64, 66, o que deve entender-se por lei interpretativa e qual
seu regime.
Resumindo o ai explanado diremos que a lei interpretativa como é próprio da sua
natureza, tem efeito retroactivo integrando-se na lei interpretada, com que fica constituindo
um todo único; mas que a essa retroactividade, escapam os efeitos já produzidos por sentença
passada em julgado (conforme também resultava o Código de 1867, devidamente
interpretado), bem como os já produzidos pelo comprimento da obrigação, transacção, ainda
que não homologava, ou por actos de análoga natureza, estendendo se por actos de análoga
natureza os que importem o reconhecimento do direito.

80. Inconstitucionalidade de certas Leis retroactivas

Como precedentemente vimos, o legislador não está impedido de fazer leis retroactivas,
embora seja, o mais das vezes, censurável.

Mas há casos e isso é impossível, por que a constituição o proíbe

Assim, não pode ter efeito retroactivo:

a) As leis restritivas de direito, liberdade e garantia (constituição art. 18.o n.o 3);
b) As leis criminais mas desfavoráveis ao arguido (art. 29.o).
c) E ainda, segundo a jurisprudência do Tribunal Constitucional, qualquer outra lei
quando deva entender-se que a sua retroactividade envolve concretamente violação de
alguma norma ou princípio constitucional.

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Referências bibliograficas:

SOUSA, Marcelo Rebelo De, GALVÃO, Sofia, Introdução ao Estudo do Direito, 5a Edição,
Lisboa, Editora Lex, 2000.

TELLS, Inocêncio Galvão, Introdução ao Estudo do Direito, 11a Edição, Lisboa, Coimbra
Editora, 1999.

TELLS, Inocêncio Galvão, Introdução ao Estudo do Direito, 10a Edição, Lisboa, Coimbra
Editora, 1998. Volume I

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