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DIREITO PENAL

AULA 2
Prof. Francisco Fadel

CONVERSA INICIAL

Analisadas as premissas básicas do direito penal, como seu conceito, funções, relações com

outros ramos da ciência jurídica e os seus princípios mais relevantes, faz-se necessário verificar como

seus mandamentos se concretizam no meio social. Em outras palavras, iremos analisar a lei penal em

variados aspectos: sua classificação, características, forma de interpretação e sua aplicação, no aspecto

territorial, temporal, bem como em relação a seus destinatários (pessoas). Por fim, verificaremos o

tratamento legal dispensado pela lei às sentenças penais proferidas por autoridades estrangeiras,

bem como a forma como é feita a contagem dos prazos de natureza penal.

TEMA 1 – LEI PENAL E SUA APLICAÇÃO – CLASSIFICAÇÃO DAS


NORMAS PENAIS, CARACTERÍSTICAS DA LEI PENAL E NORMA
PENAL EM BRANCO

1.1 CLASSIFICAÇÃO DAS NORMAS PENAIS

As normas penais podem ser classificadas em:

a. Normas penais incriminadoras: são as que descrevem condutas puníveis e impõem as

respectivas sanções. Exemplo: art. 121, caput do CP (Brasil, 1940);

b. Normas penais permissivas ou justificantes: são as que determinam a licitude ou a

impunidade de certas condutas, embora sejam típicas em face das normas incriminadoras.

Exemplo: arts. 128, 142 e 181, todos do CP (Brasil, 1940);

c. Normas penais finais, complementares ou explicativas: são as que esclarecem o

conteúdo de outras ou delimitam o âmbito de sua aplicação. Exemplo: arts. 4º, 5º e 327, todos

do CP (Brasil, 1940).
d. Normas penais gerais ou locais: segundo o âmbito territorial de sua aplicação, sendo as
locais de exceção, determinadas por condições peculiares a certas regiões do Estado;

e. Normas penais ordinárias ou excepcionais: consideram o fator político, sendo que as

excepcionais são impostas por circunstâncias de emergência da nação.

1.2 CARACTERÍSTICAS DA LEI PENAL

As normas penais têm as seguintes características:

a. Exclusividade: somente ela define infrações e comina penas;

b. Imperatividade: todas as normas penais são obrigatórias, mesmo as de caráter não

incriminador, como a prevista no art. 25 do CP, pois o Estado tem o dever de reconhecer os

efeitos da excludente de ilicitude (Brasil, 1940);

c. Generalidade: a norma penal é dirigida a todos indistintamente. O Estado não tem


condições de prever a que sujeitos a norma terá eficácia, por isso a cominação legal se dirige a

todos;

d. Impessoalidade (e são abstratas): dirige-se a fatos futuros e a indivíduos

indeterminados.

1.3 LEI PENAL EM BRANCO

São as normas cujo preceito secundário (no qual há a cominação da pena) está completo,

permanecendo indeterminado seu conteúdo, ou seja, a descrição do fato (preceito primário).

O preceito primário é preenchido por outra disposição legal ou por decretos, regulamentos ou

portarias.

As normas penais em branco podem ser classificadas conforme vemos a seguir.

1.3.1 NORMAS PENAIS EM BRANCO EM SENTIDO LATO, OU HOMOGÊNEAS

São aquelas cujo complemento provém do mesmo órgão elaborador da norma em branco. Há

homogeneidade de fontes, apesar de a norma depender de lei extrapenal para completar-se.


Exemplo: art. 236, CP (Brasil, 1940). Quais são os impedimentos? O artigo do CP não os define, mas o
Código Civil sim: no art. 1.521 (Brasil, 2002) e, nos termos do art. 22, I, da CF/1988, compete à União

legislar sobre direito civil e direito penal (Brasil, 1988). Logo, embora o complemento esteja contido
em outra lei, ambas se originam da mesma fonte legislativa.

1.3.2 Normas penais em branco em sentido estrito ou heterogêneas

São aquelas cujo complemento está contido em norma que provém de outra instância legislativa.

As fontes são heterogêneas face à diversificação quanto ao órgão de elaboração legislativa. Exemplo:
na Lei n. 11.343/2006 (tráfico ilícito de entorpecentes), o art. 33 não aponta quais substâncias são

consideradas ilícitas, pois compete à Anvisa, mediante a expedição de portarias, defini-las, conforme

dispõe o parágrafo único do art. 1º do diploma (Brasil, 2006).

TEMA 2 – INTERPRETAÇÃO DA LEI PENAL

Interpretar juridicamente uma norma consiste em extrair seu significado e

sua extensão em relação à realidade, em suma, descobrir a vontade da lei.

A interpretação deve buscar a vontade da lei, desconsiderando a de quem a fez (desconsidera-se

a vontade do legislador).

2.1 ESPÉCIES DE INTERPRETAÇÃO

2.1.1 QUANTO AO SUJEITO QUE A FAZ

a. Autêntica ou legislativa: é aquela feita pelo próprio órgão encarregado de sua

elaboração;

b. Doutrinária ou doutrinal ou científica: é a realizada pelos estudiosos do Direito, em

seus comentários;

c. Judicial: é a que provém dos órgãos judiciários. Como regra não tem força obrigatória,

salvo no caso concreto (após a decisão se tornar definitiva), bem como em face das Súmulas

Vinculantes editadas pelo STF.


2.1.2 QUANTO AOS MEIOS EMPREGADOS

a. Gramatical, literal ou sintática: considera o sentido literal das palavras, mas deve
sempre vir acompanhada de uma visão geral do sistema em que o dispositivo legal se insere,
para que se lhe compreenda a finalidade, o que se obtém por meio da interpretação teleológica;

b. Lógica ou teleológica: pela qual se busca a vontade da lei, atendendo aos seus fins e à

sua posição dentro do ordenamento jurídico, conforme preceitua o art. 5º da Lei de Introdução
às Normas do Direito Brasileiro (LINDB) (Brasil, 1942), pois nem sempre a interpretação

gramatical é suficiente para se compreender precisamente o objetivo da lei.

2.1.3 QUANTO AO RESULTADO

Este é obtido após o intérprete utilizar os meios vistos anteriormente, podendo-se concluir que o

resultado interpretativo pode ser:

a. Declarativo: quando há perfeita correspondência entre a letra e a vontade da lei.

Exemplo: art. 288 do CP (associação criminosa), no qual, mediante simples leitura do dispositivo

legal, fica claramente definido qual o número mínimo de pessoas necessárias para caracterizar a

figura delitiva (Brasil, 1940);

b. Restritivo: faz-se necessária quando a lei escrita foi além de sua vontade (a lei disse mais

do que queria, e, por isso, a interpretação vai restringir o seu significado). Exemplo: o art. 28, I e
II, do CP, no qual se diz que não estará excluída a imputabilidade penal face à emoção, a paixão

ou a embriaguez voluntária ou culposa (Brasil, 1940). Ora, se a paixão tiver causas patológicas,

aplica-se o art. 26 do CP e não o art. 28, logo, dependendo das circunstâncias do caso concreto,

há a possibilidade de ocorrer a exclusão da imputabilidade (Brasil, 1940);

c. Extensivo: quando a lei diz menos do que queria, cabendo ampliar seu raio de alcance
por meio da interpretação extensiva, para amoldar a letra escrita da lei à sua real intenção.

Exemplo: o art. 235 incrimina a bigamia, sendo certo que abrange também a poligamia (Brasil,

1940).

TEMA 3 – LEI PENAL NO TEMPO


A lei penal, quanto à sua efetiva incidência, pode ser estudada sob três aspectos:

em relação ao tempo;
em relação ao espaço;

em relação às funções exercidas por determinadas pessoas.

Vejamos cada um desses aspectos.

3.1 INTRODUÇÃO – CONFLITOS DE LEIS PENAIS NO TEMPO: PRINCÍPIOS


REITORES

De acordo com o princípio tempus regit actum, a lei penal alcança somente os fatos

compreendidos durante sua entrada em vigor e sua revogação.

É o fenômeno denominado atividade. Esta é, pois, a regra.

Pode ocorrer, que um crime, iniciado sob a vigência de determinada lei, tenha seu momento

consumativo sob o império de outra. Teríamos um conflito de leis penais no tempo e, assim, como

resolveríamos a questão?

Há um princípio que orienta o conflito de leis penais no tempo: o da irretroatividade da lei

penal.

Assim, tendo nosso sistema adotado o princípio da reserva legal, não se admite que um fato
praticado, mas ainda não descrito como ilícito na esfera penal, venha a ser assim considerado após

sua ocorrência.

No entanto, o princípio da irretroatividade da lei penal vige somente em relação à lei mais severa,

admitindo-se a aplicação retroativa da lei mais benéfica.

Temos dois princípios que regem o conflito de leis penais no tempo: o da irretroatividade da lei

mais severa e o da retroatividade da lei mais benigna.

Denomina-se extra-atividade o fato de a lei penal mais benigna regular situações ocorridas fora

de seu período de vigência. Essa é a exceção.

Quando a lei regula situações passadas, caracteriza-se a retroatividade. Exemplo: A é processado

pela prática do crime Y, cuja pena varia entre 2 a 4 anos de detenção. Posteriormente, é publicada
nova lei para regular a mesma situação, prevendo agora apenamento de 1 a 3 anos de detenção. A lei

nova, apesar de inexistente à época do cometimento da infração, deverá ser a aplicada.

Quando a lei mais benigna prevalece sobre a mais severa, prolongando-se além do instante de

sua revogação, tem-se a ultra-atividade. Exemplo: A realiza uma conduta sob a vigência da lei X, que
pune o fato com pena de 2 a 4 anos de reclusão. Posteriormente, na época de ser proferida a

sentença, é editada nova lei, revogando totalmente a primeira, cominando ao mesmo fato pena de

reclusão que varia de 4 a 6 anos. Considerando a ultra-atividade, prevalecerá o apenamento previsto


no primeiro diploma legal.

3.2 HIPÓTESES DE CONFLITOS DE LEIS PENAIS NO TEMPO – CP, ART. 2º, E


PARÁGRAFO ÚNICO

Podem ser as seguintes:

A lei nova suprime normas incriminadoras anteriormente existentes (abolitio criminis);

A lei nova incrimina fatos antes considerados lícitos (novatio legis incriminadora);

A lei nova modifica o regime anterior, agravando a situação do agente (novatio legis in pejus);

A lei nova modifica o regime anterior, beneficiando o agente (novatio legis in mellius).

3.2.1 ABOLITIO CRIMINIS

Ocorre quando a lei nova retira do campo da ilicitude penal uma conduta até então considerada

criminosa. A lei nova retroage, ou seja, por ser mais favorável ao agente, passa a valer para fatos

ocorridos antes de sua vigência.

Trata-se de causa de extinção de punibilidade (art. 107, III, CP) (Brasil, 1940), que não depende,

para sua declaração, de requerimento do interessado, devendo ocorrer espontaneamente, conforme

disposto no art. 61, caput, do CPP (Brasil, 1941).

3.2.2 NOVATIO LEGIS INCRIMINADORA

Lei nova que incrimina fatos anteriormente tidos como lícitos. Aqui, a lei nova considera

criminosa uma conduta que até então era tida como lícita. Vige, nesse caso, o princípio do tempus
regit actum, ou seja, não é retroativa (lei incriminadora), espraiando seus efeitos somente a partir do
momento em que entra em vigor.

3.2.3 NOVATIO LEGIS IN PEJUS

Lei nova que, modificando a anterior, agrava a situação do agente, não retroagirá, observando-

se o princípio tempus regit actum. Fica caracterizada a atividade da lei. Assim, lei antiga mais benéfica

é ultra-ativa e lei nova mais severa não retroage.

Esse princípio não se aplica às leis penais excepcionais e temporárias.

3.2.4 NOVATIO LEGIS IN MELLIUS

A lei nova modifica o regime anterior, beneficiando o agente. Se a lei nova, sem excluir a

incriminação, é mais favorável ao agente, retroage – princípio da retroatividade de lei penal mais

benigna, art. 2º, parágrafo único do CP (Brasil, 1940).

A expressão de qualquer modo, constante no parágrafo único do art. 2º do CP deve ser


interpretada como qualquer benesse que possa favorecer o agente.

Leis penais intermitentes são aquelas formuladas para durar durante determinado lapso de

tempo, geralmente breve, havendo duas espécies: leis penais temporárias e leis penais excepcionais.

3.3 LEI PENAL TEMPORÁRIA

É aquela criada para durar um lapso de tempo determinado, tal qual a Lei Geral da Copa, Lei n.
12.663/2012, que, em seu art. 36, informa que “os tipos penais previstos neste capítulo terão vigência

até o dia 31 de dezembro de 2014” (Brasil, 2012).

3.4 LEI PENAL EXCEPCIONAL

É aquela criada para reger determinadas situação incomum, normalmente atrelada a alguma

anormalidade institucional (período de guerra, estado de sítio etc.) ou a alguma alteração inesperada

de outra natureza, tal como a necessidade de racionamento de energia ou de água.


Fato é que leis penais temporárias e excepcionais são ultra-ativas, pois continuam sendo

aplicadas a fatos ocorridos durante sua vigência, mesmo após sua autorrevogação – art. 3º do CP

(Brasil, 1940).

3.5 TEMPO DO CRIME

É necessário saber com precisão em qual momento a lei considera cometido um crime, haja vista

a influência de vários fatores com base nessa determinante, tais como qual a lei a ser aplicada, o

termo inicial da contagem de prazo prescricional, dentre outros.

3.6 TEORIA ADOTADA PELO CP

O CP adotou a teoria da atividade, segundo a qual se considera cometido o crime no momento

da ação ou omissão, como se pode observar pela redação de seu art. 4º (Brasil, 1940).

No crime permanente e no crime continuado, aplica-se o disposto na Súmula 711 do STF,

assim redigida: “a lei penal mais grave aplica-se ao crime continuado ou ao crime permanente, se a
sua vigência é anterior à cessação da continuidade ou da permanência” (Brasil, 2003).

TEMA 4 – LEI PENAL NO ESPAÇO

4.1 TERRITORIALIDADE DA LEI PENAL BRASILEIRA – PRINCÍPIOS


INFORMADORES

A lei penal de determinado Estado não pode ser aplicada em termos espaciais de forma

indeterminada, há que encontrar limitações, respeitando o território de outras nações.

O Brasil adota o princípio da territorialidade temperada, segundo o qual, em regra, a lei penal

brasileira aplica-se ao crime cometido no Brasil, mas, excepcionalmente, em decorrência de tratados e

convenções internacionais, a lei estrangeira é aplicável a delitos cometidos total ou parcialmente em

território nacional.

4.2 TERRITÓRIO NACIONAL


É necessário conceituar território nacional e verificar seus elementos. O território pode ser
considerado sob dois aspectos:

materialmente: vem a ser o espaço delimitado pelas fronteiras geográficas;

juridicamente: é todo o espaço em que o Estado exerce sua soberania.

Assim, o território nacional é composto dos seguintes elementos:

a. Solo;

b. Rios, lagos, mares interiores, baías e portos;

c. Mar territorial: vem a ser a faixa de mar exterior, ao longo da costa, que se estende por

12 milhas marítimas de largura, medidas a partir da baixa mar do litoral continental e insular

brasileiro (art. 1º, Lei n. 8.617/1993) (Brasil, 1993).

No espaço físico delimitado pelo mar territorial, o Brasil tem soberania plena,
excepcionando-a o chamado direito de passagem inocente, em que navios mercantes ou

militares de qualquer Estado podem passar livremente, porém sempre sujeitos ao poder de

polícia nacional.

d. Zona contígua: faixa que se estende de 12 a 24 milhas marítimas. Não faz parte do

território nacional, mas o Brasil pode exercer fiscalização nos termos da Lei n. 8.617/1993 (Brasil,

1993);

e. Zona econômica exclusiva: faixa que se estende de 12 a 200 milhas marítimas, contadas

a partir das linhas de base que servem para medir a largura do mar territorial. Nesta faixa, o

Brasil tem direitos de soberania para fins de exploração e aproveitamento. Mas não é

considerada território nacional para efeitos de aplicação da lei penal brasileira;

f. Espaço aéreo: o Brasil exerce completa e exclusiva soberania sobre o espaço aéreo acima

de seu território, bem como acima de seu mar territorial. É o sistema denominado soberania

sobre a coluna atmosférica;

g. Espaço cósmico: pode ser usado e explorado livremente por todos os Estados,

consequentemente, não há soberania de qualquer nação;

h. Navios e aeronaves brasileiros: há tratamento diferenciado:


· públicos ou privados a serviço do governo brasileiro: são aqueles que pertencem

ao Estado brasileiro ou se encontram a seu serviço, independentemente de onde quer que

se encontrem, serão considerados extensão do território nacional;

· privados: encontrando-se em mar territorial nacional ou em alto-mar ou ainda, no


espaço aéreo correspondente a um ou outro, são considerados extensão do território

nacional.

O alto-mar não se encontra sujeito à soberania de nenhum Estado.

Saiba mais

Princípio do pavilhão: as embarcações e aeronaves são consideradas como extensão do

território do país em que se acham matriculadas. Assim, navios de guerra e aeronaves militares

brasileiros que ingressarem em mar territorial estrangeiro ou o sobrevoarem serão considerados

parte do território nacional.

Os navios privados (mercantes) e as aeronaves privadas estrangeiras que se encontrarem em

território estrangeiro (mar territorial e espaço aéreo correspondente) submetem-se à lei daquele

país; quando em alto-mar, submetem-se à lei do país cuja bandeira ostentem; e, quando se

encontrarem em território brasileiro (mar territorial e respectivo espaço aéreo), a lei brasileira é

aplicável.

4.3 LUGAR DO CRIME – ART. 6º, CP – TEORIA ADOTADA PELO BRASIL

O Brasil adotou a teoria da ubiquidade ou mista, para estabelecer o lugar do crime que,

segundo ela, pode ser tanto o local onde foi praticada a conduta quanto onde ocorreu ou deveria

ocorrer o resultado.

Para crimes cometidos dentro do território nacional, basta observar o disposto no art. 70 do CPP

(Brasil, 1941), compreendendo-se, então, que o art. 6º do CP objetiva fornecer elementos reguladores

pertinentes à competência penal internacional (Brasil, 1940).

4.4 EXTRATERRITORIALIDADE DA LEI PENAL BRASILEIRA – ART. 7º, CP


A jurisdição, em regra, é territorial, até em respeito ao princípio da soberania, pois um país não
pode impor suas regras jurisdicionais a outro, porém nada impede um Estado de exercer, dentro de

seu próprio território, sua jurisdição em face de crime cometido no exterior.

Assim, salvo as exceções existentes, o direito internacional confere ampla liberdade aos Estados
para julgar, dentro de seus limites territoriais, qualquer crime, não importando onde tenha sido

cometido, sempre que entender necessário afim de salvaguardar a sua ordem pública.

O princípio da extraterritorialidade consiste na aplicação da lei brasileira aos crimes cometidos


fora do Brasil e pode ser classificado conforme veremos a seguir.

4.4.1 EXTRATERRITORIALIDADE INCONDICIONADA

São as hipóteses previstas no art. 7º, I, do CP, uma vez que a lei brasileira não se subordina a

qualquer condição para alcançar um crime cometido fora do território nacional (Brasil, 1940).

Assim, o julgamento do fato no Brasil pode ocorrer mesmo tendo havido decisão no país onde o
agente praticou a infração, não importando que lá tenha

sido absolvido, também não sendo necessário que ingresse em nosso território.

Observe, porém, que a pena cumprida no estrangeiro atenua a pena imposta no Brasil, quando

diversas, ou nela é computada, quando idênticas.

As alíneas “a”, “b” e “c” concretizam a aplicação do princípio da defesa. Já a alínea “d”

materializa a aplicação do princípio da personalidade ativa ou do domicílio (Brasil, 1940).

Os crimes previstos na alínea “b” estão definidos nos arts. 289 a 311, do

CP e as infrações pertinentes à alínea “c”, encontram-se estampadas nos arts. 312 a 326 do

mesmo Código (Brasil, 1940).

O genocídio está tipificado na Lei n. 2.889/1956, sendo necessário que o agente seja brasileiro ou

tenha domicílio no Brasil para que, obedecido o princípio, a lei penal brasileira o alcance.

4.4.2 EXTRATERRITORIALIDADE CONDICIONADA


São as hipóteses previstas no inciso II e no parágrafo 3º, do art. 7º, do CP, uma vez que a lei

nacional somente se alcançará o crime cometido no exterior se satisfeitas as condições elencadas no

parágrafo 2º e nas alíneas “a” e “b” do parágrafo 3º deste mesmo art. 7º do CP (Brasil, 1940).

No art. 7º, parágrafo 2º, do CP, temos as condições de procedibilidade, ou seja, condições de
caráter processual que devem ser satisfeitas para que tenha início a persecução penal (Brasil, 1940).

Assim, é necessária a conjugação dos seguintes elementos (todos, simultaneamente):

a. que o agente entre no território nacional: a lei não exige que o ingresso do autor do
crime seja legal ou clandestino, tenha ocorrido de maneira forçada ou resultou de simples

passagem pelo país. Basta que entre no território nacional; sua saída não prejudicará o

andamento da ação penal;

b. ser o fato punível no país em que foi praticado: se assim não for, o fato não será punível

pela lei brasileira;

c. estar o crime incluído entre aqueles pelos quais a lei brasileira autoriza a extradição:

ausente a autorização, nossa lei é inaplicável;

d. não ter sido o agente absolvido no estrangeiro ou não ter aí cumprido pena;

e. não ter sido o agente perdoado no estrangeiro ou, por outro motivo, não estar extinta a

punibilidade, segundo a lei mais favorável;

A aplicabilidade da lei penal brasileira a fatos criminosos ocorridos no exterior se submete a

determinados princípios, conforme segue.

4.5 PRINCÍPIOS REITORES À APLICAÇÃO DA EXTRATERRITORIALIDADE DA LEI


PENAL

4.5.1 PRINCÍPIO DA NACIONALIDADE OU PERSONALIDADE ATIVA

Aplica-se a lei nacional ao cidadão que comete o crime no estrangeiro, independentemente da

nacionalidade do sujeito passivo.

Fundamenta-se no regime de reciprocidade internacional no combate ao crime, pois os

nacionais, via de regra, não podem ser extraditados por seu Estado a pedido de outra nação, assim, é
necessário que o Estado de origem do criminoso estenda seu raio de ação, a fim de que não
permaneça impune o delito

cometido no exterior.

É o caso de brasileiro nato que, cometendo delito no exterior, foge para o

Brasil. Tendo em vista a impossibilidade de ser concedida sua extradição, a lei penal brasileira

será aplicável ao fato praticado no exterior.

4.5.2 PRINCÍPIO DA NACIONALIDADE OU PERSONALIDADE PASSIVA

Aplica-se a lei nacional ao cidadão que comete crime no estrangeiro contra bem jurídico de seu

próprio Estado ou contra sujeito passivo de sua nacionalidade. Assim, se estrangeiro praticar crime

contra brasileiro, poderá ser punido de acordo com nossa legislação penal, desde que as condições

previstas no art. 7º, parágrafo 3º, do CP se mostrem satisfeitas (Brasil, 1940).

4.5.3 PRINCÍPIO REAL, DA DEFESA OU DE PROTEÇÃO

Considera-se a nacionalidade do bem jurídico lesado, independentemente do local em que o

crime é praticado ou da nacionalidade do sujeito ativo. É adotado no art. 7º, parágrafo 1º, “a”, “b” e

“c”, do CP (Brasil, 1940).

4.5.4 PRINCÍPIO DA JUSTIÇA UNIVERSAL, DA UNIVERSALIDADE, DA JUSTIÇA


COSMOPOLITA

Todo Estado tem o direito de punir qualquer crime, seja qual for a nacionalidade do delinquente

ou da vítima ou o local de sua prática, desde que o criminoso esteja dentro de seu território.

Encontra-se no art. 7º, II, “a”, do CP (Brasil, 1940). Como exemplo, tem-se o tráfico internacional de

mulheres.

4.5.5 PRINCÍPIO DA REPRESENTAÇÃO OU DO PAVILHÃO

A lei penal brasileira é aplicável aos delitos praticados em aeronaves e embarcações privadas

quando realizados no estrangeiro e aí não sejam julgados.


TEMA 5 – LEI PENAL BRASILEIRA EM RELAÇÃO ÀS PESSOAS, À
EFICÁCIA DA SENTENÇA ESTRANGEIRA, À CONTAGEM DE PRAZO E
A FRAÇÕES NÃO COMPUTÁVEIS NA PENA

5.1 APLICAÇÃO DA LEI PENAL EM RELAÇÃO ÀS PESSOAS

Em um primeiro momento, todos se encontram sob o império da lei penal de determinado

Estado. No entanto, o princípio da territorialidade ressalva a aplicação de tratados, convenções e


regras de direito internacional, originando as imunidades diplomáticas. Da mesma forma, há

exceções relativamente ao direito público interno, as quais originam as imunidades parlamentares.

As imunidades não estão vinculadas às pessoas autoras da infração penal, mas às funções por

elas exercidas. Não havendo ofensa ao princípio da igualdade.

5.2 IMUNIDADES

5.2.1 IMUNIDADE DIPLOMÁTICA

A Convenção de Viena sobre as Relações Diplomáticas, de 18 de abril de 1961, aprovada pelo

Decreto Legislativo n. 103, de 1964 e ratificada em 23 de fevereiro de 1965, da qual o Brasil é

signatário, estabelece para o diplomata imunidade de jurisdição penal relativamente ao local onde

exerce suas funções, ficando sujeito apenas à jurisdição do Estado que representa. As leis penal e

processual penal brasileiras não alcançam o agente.

A imunidade existe porque o agente, em decorrência da função que exerce, traz consigo parte da

soberania de seu Estado de origem. Referida imunidade é de ordem pública, ou seja, obrigatória,

devendo ser declarada de ofício pelo órgão respectivo.

Tem início quando seu titular ingressa no território do Estado acreditado e entrega suas

credenciais para assumir sua função.

Observe-se que o espaço físico onde se localiza a sede diplomática é considerado território do

Estado acreditado.

A imunidade pode ser renunciada pelo Estado acreditante e não pelo agente; abriga os agentes

diplomáticos, compreendendo o embaixador, secretários de embaixada, pessoal técnico e


administrativo das representações, bem como os familiares desses agentes (art. 37, parágrafos 1º, 2º e
3º da Convenção de Viena) (Brasil, 1964), os funcionários das organizações internacionais (OEA, ainda

art. 105 da Carta da ONU), ainda o Chefe de Estado estrangeiro que visita o país, além dos membros
de sua comitiva.

Empregados particulares dos agentes diplomáticos não são abrangidos pela imunidade e o

instituto não se comunica à eventual coautor de infração que

não ostente esta qualidade funcional.

Para que haja imunidade diplomática, é necessário existir reciprocidade de tratamento entre os

Estados envolvidos.

5.2.2 IMUNIDADE PARLAMENTAR

São prerrogativas de direito público interno e de caráter personalíssimo, pertinentes à função

exercida por senadores, deputados federais, deputados estaduais e vereadores, previstas nos arts. 53,
caput, 27, parágrafo 1º, e 29, VIII, da CF/1988 (Brasil, 1988), sendo de duas ordens, conforme vemos a

seguir.

5.2.2.1 MATERIAL (TAMBÉM CHAMADA DE ABSOLUTA OU AINDA DE


INVIOLABILIDADE)

O art. 53 da CF/1988 expressamente se refere às matérias civil e penal (Brasil, 1988), porém

estudiosos do direito, interpretando o dispositivo, advogam que a imunidade absoluta abrange, além

das áreas penal, civil, assuntos de natureza disciplinar e política, sustentando que, embora não

mencionado no texto legal, a manifestação do parlamentar deve ter relação com sua atividade

funcional.

A imunidade tem início com a diplomação do parlamentar e encerra-se com o término de seu
mandato.

O parlamentar que se licencia para ocupar cargo na administração pública não fica abrangido

pela imunidade, apesar de preservar o foro por prerrogativa de função.


As imunidades material e formal concedidas a deputados estaduais são as mesmas franqueadas a

deputados federais.

Vereadores são invioláveis por suas opiniões, palavras e votos, mas somente no exercício do

mandato e na circunscrição do município respectivo (CF/1988, art. 29, VIII) (Brasil, 1988).

5.2.2.2 RELATIVA (OU FORMAL OU PROCESSUAL)

Refere-se à prisão, ao processo, à prerrogativa de foro e para servir como testemunha (CF/1988,

art. 53, parágrafos 1º a 6º), aplicando-se a senadores, deputados federais e estaduais amplamente,

porém, não alcançando vereadores, pois estes não gozam de imunidade processual (Brasil, 1988).

5.3 EFICÁCIA DE SENTENÇA ESTRANGEIRA – ART. 9º, CP E ARTS. 787 A 790, CPP

O direito penal é territorial. Assim, para que uma sentença criminal possa produzir efeitos num

Estado estrangeiro sem ferir sua soberania, é necessária sua homologação para que seja chancelada.

A homologação limita-se à análise de exame formal e delibatório da decisão, preenchidos os


requisitos previstos no art. 788 do CPP (Brasil, 1941), competindo referido ato ao Presidente do STJ,

conforme art. 105, I, “i” da CF/1988 (Brasil, 1988).

A sentença estrangeira gera no Brasil, independentemente de homologação, os seguintes:

a. reincidência;

b. impede a concessão de sursis;

c. gera maus antecedentes.

5.4 CONTAGEM DE PRAZO E FRAÇÕES NÃO COMPUTÁVEIS NA PENA

Em relação à lei penal material, o prazo é computado desde o seu começo, inclusive. Assim, se a

pena começou a ser cumprida às 23h e 45min de

terça-feira, após 15min, teremos como efetivamente cumprido seu primeiro dia.

Nenhuma influência terá o fato de o início do prazo penal ocorrer num domingo ou feriado,

porém, em termos processuais penais, a sistemática é diferente, e sempre deve ser desprezado o dia
do início, computando-se o dia do final.

Assim, se um advogado é intimado do teor de uma sentença criminal numa segunda-feira, dia 4,
e seu prazo processual para impugnação for de 10 dias, este terá início na terça-feira, findando no dia

14 do mesmo mês.

O tratamento diferenciado se dá sempre em favor do réu.

Processualmente, sempre terá prazo maior para realizar atos de defesa de seus interesses
(oferecimento de resposta à acusação, alegações finais, interposição de recursos etc.). Relativamente

aos prazos penais, resta claro que quanto mais abreviados forem, mais beneficiarão o agente. Assim,

também são os prazos para cumprimento de pena, para concessão de benefícios, para a ocorrência

de prescrição e decadência etc.

Dias, meses e anos são contados pelo calendário comum (gregoriano).

NA PRÁTICA

Parlamentares que em seus discursos venham a proferir palavras contundentes ou mesmo

ofensivas não poderão ser objeto de ação penal, desde que o fato tenha relação com o exercício da

função pública, pois estarão abrangidos pela imunidade. A imunidade os socorre considerando a

função por eles exercida – de representação de seus eleitores – e não a pessoa física envolvida.

Resultado semelhante, porém por razão diversa, ocorre em face dos diplomatas. Estes, quando em
missão oficial em nosso país, não são alcançados pela lei penal brasileira, pois trazem consigo parcela

da soberania de seu país de origem e, por isso, lá deverão ser apuradas eventuais condutas de

natureza criminal aqui praticadas.

FINALIZANDO

Nesta aula, estudamos a lei penal. Vimos que sua classificação ocorre de forma variada.

Estudamos suas características (exclusividade, imperatividade, generalidade, impessoalidade e

abstração), o conceito e espécies de leis penais em branco, a interpretação da lei penal e seu âmbito

de eficácia, nos aspectos temporal, espacial e em relação às pessoas.


Por fim, analisamos como ocorre a integração de sentença penal condenatória estrangeira junto
ao ordenamento jurídico brasileiro e a forma de contagem do prazo de natureza penal material.

REFERÊNCIAS

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23 nov. 1964.

_____. Decreto-lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Diário Oficial da União, Poder Legislativo,

Brasília, DF, 31 dez. 1940.

_____. Decreto-lei n. 3.689, de 3 de outubro de 1941. Diário Oficial da União, Poder Legislativo,

Brasília, DF, 13 out. 1941.

_____. Decreto-lei n. 4.657, de 4 de setembro de 1942. Diário Oficial da União, Poder Legislativo,

Brasília, DF, 9 set. 1942.

_____. Lei n. 8.617, de 4 de janeiro de 1993. Diário Oficial da União, Poder Legislativo, Brasília, DF,

5 jan. 1993.

_____. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Diário Oficial da União, Poder Legislativo, Brasília,

DF, 11 jan. 2002.

_____. Lei n. 11.343, de 23 de agosto de 2006. Diário Oficial da União, Poder Legislativo, Brasília,

DF, 24 ago. 2006.

_____. Lei n. 12.663, de 5 de junho de 2012. Diário Oficial da

União, Poder Legislativo, Brasília, DF, 6 jun. 2012.

_____. Supremo Tribunal Federal. Súmula n. 711, de 24 set. 2003. DJ, 9 out. 2003.

CUNHA, R. S. Direito penal – parte geral. 8. ed. Salvador: JusPodivm, 2020. v. único.
ESTEFAM, A.; GONÇALVES, V. E. R. Direito penal esquematizado – parte geral. 9. ed. Saraiva: São
Paulo, 2020.

MASSON, C. R. Direito penal – parte geral. 14. ed. São Paulo: Método, 2020. v. 1.

NUCCI, G. S. Curso de direito penal – parte geral. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020a. v. 1.

_____. Manual de direito penal. 16. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020b.

PRADO, L. R. Curso de direito penal brasileiro – parte geral. 8. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2008. v. 1.

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