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ELEMENTOS DO DIREITO PENAL

AULA 4

Prof. Francisco Ubirajara Camargo Fadel


CONVERSA INICIAL

Pois bem, como já tivemos a oportunidade de analisar os institutos mais importantes relativos à

teoria geral do crime, agora passaremos a estudar as etapas de realização da infração penal,

notadamente as condutas intencionais. Nesse passo, verificaremos que primeiramente o agente

pensa, idealiza a prática ilícita (por ideação ou cogitação) e, em seguida, coloca em prática uma série

coordenada de atos (preparatórios e executórios) almejando atingir seu objetivo (consumação).

Estudaremos, ainda, outros institutos penais que, uma vez concretizados, implicarão benefícios ao

autor da infração – desistência voluntária, arrependimento eficaz e arrependimento posterior. Por fim,
faremos breve incursão e análise do instituto denominado crime impossível – seus efeitos,

modalidades e natureza jurídica. Não percamos tempo!

TEMA 1 – FASES DA PRÁTICA DA INFRAÇÃO PENAL: ITER CRIMINIS

Iter criminis é uma expressão latina que significa caminho, trajetória do crime. Serve para se referir

às duas fases percorridas pelo agente até chegar à consumação da infração penal: interna e externa. A

fase interna é integrada pela cogitação/ideação. A fase externa compõe-se de três estágios: atos

preparatórios, atos executórios e consumação. O iter criminis aplica-se somente aos crimes dolosos.

Essas etapas se dão da seguinte forma:

a. Cogitação (ou ideação): fase na qual o agente pensa em cometer o delito; é impunível, dado

que se inscreve no âmbito do pensamento, não havendo conduta, pois, como vimos, conduta

implica manifestação no mundo fenomênico. Fala-se em direito à perversão, pois, como o

pensamento não é punível, nesse universo todos podem ser maus. É subdividida em:

idealização (ideia de praticar o delito); deliberação (análise, por parte do agente, das vantagens

e desvantagens da prática criminosa); resolução (implica decisão sobre a prática da infração


penal).
b. Atos preparatórios: compreendem a prática de todos os atos necessários para se dar início à
execução da infração. São, normalmente, impuníveis, porém, em casos excepcionais, a

preparação é passível de sanção (nos chamados crimes-obstáculo), justamente porque os atos


preparatórios, nessas situações, por opção do legislador, já constituem crime. É o caso da

incitação ao crime (art. 286 do Código Penal – CP), da associação criminosa (art. 288 do CP),

entre outros (Brasil, 1940).

c. Atos executórios: são aqueles direcionados à efetiva prática do crime, do ataque ao bem

jurídico protegido pela lei penal, concretizando-se quando o agente começa a realizar a
conduta descrita no núcleo do tipo criminal. A partir desse momento, o fato passa a ser punível.

O CP adotou a teoria objetivo-formal (ou lógico-formal), pois entende que há começo de ato

executório quando o agente inicia a realização da conduta descrita no tipo penal. É a preferida

pelos estudiosos nacionais. Assim, a preparação termina e a execução começa com a prática do

primeiro ato idôneo e inequívoco que pode levar à consumação. Idôneo é o ato apto capaz

de produzir o resultado consumativo. Assim, disparos de arma de fogo dirigidos à cabeça da


vítima são considerados atos idôneos, vale dizer, eficientes para produzir o resultado da morte.

Por outro lado, jogar um pouco de manteiga morna nos pés de seu desafeto não é, a toda

evidência, ato idôneo a causar a morte daquele. Inequívoco é aquele ato indubitavelmente

ligado à consumação, ou seja, que não deixa margem a dúvida quanto à intenção do

agente. Trata-se de ato direcionado ao ataque ao bem jurídico. Desse modo, o fato de o

agente arrastar a vítima para um matagal e rasgar suas roupas demonstra, de forma indubitável,
sua vontade de cometer delito sexual.

d. Consumação: concretiza-se quando todos os elementos do tipo penal são realizados. Trata-se,

conforme Masson (2020, p. 287, grifo do original) de “[...] um crime completo ou perfeito, pois

a conduta criminosa se realiza integralmente”. Preparação, execução e consumação compõem a

fase externa do iter criminis. A consumação difere do exaurimento (crime exaurido ou

esgotado), pois este último vem a ser, conforme Masson (2020, p. 288), “[...] o delito em que,
posteriormente à consumação subsistem efeitos lesivos derivados da conduta do autor”. Assim,

conclui-se que o exaurimento ocorre após a consumação. É o que se dá quando o agente, no

crime de extorsão (art. 158 do CP), efetivamente obtém a indevida vantagem econômica (Brasil,

1940). Sua importância repousa no fato de influir na dosimetria da pena, pois as consequências

do crime devem ser sopesadas pelo julgador como um dos fatores a serem considerados, a fim

de estabelecer a pena-base (art. 59 do CP) (Brasil, 1940).


O exaurimento no contexto jurídico refere-se aos efeitos lesivos que persistem após o cometimento de um delito, ou seja, após a etapa da consumação. A
consumação é a última fase do iter criminis, e o exaurimento não é considerado uma etapa ou fase do crime propriamente dito. Em geral, para fins penais, o
exaurimento é irrelevante, pois após a consumação do crime, já é possível aplicar a pena prevista. No entanto, existem exceções em que elementos do
exaurimento podem afetar a pena, como no caso do crime de resistência.
TEMA 2 – CRIME TENTADO (CONATUS) E CRIME CONSUMADO

2.1 CRIME TENTADO: CONSIDERAÇÕES GERAIS

Também chamada de conatus, crime imperfeito, crime manco ou crime incompleto, a tentativa de

crime se caracteriza quando o agente inicia a execução, mas não consegue consumá-la por

circunstâncias alheias à sua vontade (art. 14, inciso II do CP), ou seja, quando há um fator externo que
impossibilita a realização integral do tipo penal (Brasil, 1940).

A tentativa é punível com a mesma pena prevista para o crime consumado, reduzida, porém, de

um terço a dois terços (art. 14, parágrafo único do CP) (Brasil, 1940). A redução de pena será aplicada
considerando-se o quão próximo o agente chegou da consumação da infração praticada. Quanto

mais próximo, menor será a redução, ou seja, leva-se em consideração “[...] a distância percorrida do
iter criminis” (Masson, 2020, p. 291, grifo do original).

Observe que há crimes em que a forma tentada e a consumada são punidas da mesma maneira,

sendo exemplo o disposto no art. 352 do CP (Brasil, 1940). A doutrina denomina essa modalidade de

infração de crime de atentado ou crime de empreendimento. Art. 352 - Evadir-se ou tentar evadir-se o preso ou o
indivíduo submetido a medida de segurança detentiva,
usando de violência contra a pessoa:
Pena - detenção, de três meses a um ano, além da pena
correspondente à violência.
2.2 ELEMENTOS INTEGRANTES DA TENTATIVA

A estrutura da tentativa de crime é composta por:

a. início da execução da infração;


b. ausência de consumação, por circunstâncias alheias à vontade do agente;

c. dolo de consumação.

2.3 MODALIDADES DE TENTATIVA

A tentativa pode ser classificada como:

Imperfeita (ou inacabada): quando o agente não pratica todos os atos executórios;

interrompe-se o processo de execução. A conduta do agente é interrompida de forma

indesejada por ele.

Perfeita (ou acabada ou crime falho): caracteriza-se quando o agente, embora tenha

praticado todos os atos executórios, não consegue consumar o crime. Exemplo: o agente
desfere vários tiros na vítima e, crendo tê-la matado, afasta-se da cena do crime. Aquela, após
socorrida, sobrevive.

Branca ou incruenta: caracteriza-se quando a vítima não é atingida e, portanto, não sofre dano
em sua integridade corporal.

Vermelha ou cruenta: ocorre quando a vítima é ferida e há extravasamento de sangue.

Inidônea: sinônima de crime impossível (art. 17 do CP), fato que a lei considera atípico. Exemplo:

atirar num cadáver.

Abandonada ou qualificada: expressões sinônimas de desistência voluntária e arrependimento


eficaz. Na verdade, quando não há que se falar de tentativa, pois a consumação foi evitada pelo

próprio agente e não por circunstâncias alheias à sua vontade.

2.4 INFRAÇÕES QUE NÃO ADMITEM TENTATIVA

Normalmente, os crimes admitem a forma tentada, levando-se em conta a plurissubsistência da

infração, pois subsistente é o crime cuja conduta pode ser fracionada em vários atos executórios. No
entanto, há infrações que não a admitem, por exemplo:

a. Crimes culposos: ocorrem quando a conduta é involuntária e o resultado alcançado, não

desejado; assim, não há como compatibilizar a tentativa a algo que o agente não quer

(consumação da infração).

b. Crimes preterdolosos: nesses casos o agente não quer dar causa ao resultado agravador, o
qual lhe é imputado, a título de culpa. Exemplo: lesão corporal dolosa seguida de morte,

conforme art. 129, parágrafo 3º do CP (Brasil, 1940). QUER BATER, MAS NÃO QUER MATAR.

c. Crimes omissivos próprios ou puros: aqueles em que, se o sujeito se omite, o crime se

consuma; se age, o fato é atípico.

d. Crimes de atentado ou de empreendimento: por opção do legislador, o tipo penal pune

igualmente a forma consumada e a tentada, não se podendo cogitar de tentativa da tentativa.

Exemplo: art. 352 do CP (Brasil, 1940).


e. Crimes habituais: são caracterizados pela reiteração da conduta criminosa, ou seja, quando

determinado comportamento se torna um hábito do agente. Assim, se houver a reiteração de

condutas, o crime estará consumado e, se não houver, o fato será atípico. A prática de ato

isolado configura um irrelevante penal. Exemplo: curandeirismo (art. 284 do CP) e exercício

ilegal da medicina, arte dentária ou farmacêutica (art. 282 do CP) (Brasil, 1940).
f. Crimes unissubsistentes: aqueles que se consumam em um único ato. Exemplo: injúria verbal
(art. 140 do CP), uso de documento falso (art. 304 do CP), desacato praticado verbalmente (art.

331 do CP) (Brasil, 1940).


g. Crimes de perigo abstrato: encontram-se no rol de crimes unissubsistentes, ou seja, daqueles

que se consomem em uma só conduta, pois exteriorizado um único ato, apto a alcançar a

consumação.

h. Contravenções penais: o art. 4º do Decreto-Lei n. 3.688/1941 estabelece que não se pune a

tentativa de contravenção (Brasil, 1941a). Trata-se de uma determinação legal.

TEMA 3 – CRIME CONSUMADO

3.1 CONCEITO

De acordo com o CP, art. 14, inciso I, diz-se consumado o crime quando nele se reúnem todos os

elementos do tipo incriminador. A consumação trata-se da fase final do iter criminis, na qual há

efetiva lesão ao bem jurídico tutelado pela norma penal. A conduta do agente se amolda, vale dizer,
se encaixa perfeitamente na descrição abstrata (o tipo) existente na lei.

Aferir o exato momento consumativo de uma infração encontra inúmeras repercussões na lei.

Estefam e Gonçalves (2020, p. 558) destacam que “esse momento é fundamental para determinar a

quantidade da pena imposta, o termo inicial da prescrição da pretensão punitiva (art. 111, I, do CP) e

o foro competente para o processo e julgamento da infração (art. 70 do CPP)”.

3.2 CLASSIFICAÇÃO DAS INFRAÇÕES EM RELAÇÃO AO MOMENTO


CONSUMATIVO

Conforme Araújo (2020, p. 535), “o momento consumativo do crime varia de acordo com a sua

natureza”. E, por conta desse fator, podemos classificar os crimes em:

Crimes materiais, de resultado ou causais: são aqueles cuja consumação pressupõe a efetiva

ocorrência do resultado naturalístico decorrente da conduta do autor. Com eles, há uma efetiva

alteração no mundo fenomênico (no qual vivemos). Exemplo: homicídio.

Crimes formais, de resultado cortado ou de consumação antecipada: nesses casos, a

consumação se concretiza com a conduta do agente, independentemente do resultado, o qual


pode ocorrer ou não. Exemplo: ameaça (art. 147 do CP); extorsão (art. 158 do CP) (Brasil, 1940).

O seu resultado irá caracterizar um mero exaurimento da infração, pois o crime já se encontrava
EFEITOS LESIVOS QUE SE PERDURAM APÓS A CONSUMAÇÃO.
consumado.
Crimes de mera conduta ou de simples atividade ou sem resultado: nesses, o tipo penal não

faz qualquer referência, no que tange a sua redação, a algum resultado. Em outras palavras, o
dispositivo legal que descreve o comportamento considerado punível não faz qualquer alusão

ao resultado. Assim, basta o agente praticar ou deixar de praticar a conduta considerada

reprovável que o crime estará consumado. Exemplo: crime de violação de domicílio (art. 150 do
CP) (Brasil, 1940).

Crimes permanentes: aqueles cujo momento consumativo se prolonga no tempo, fato que

gera consequências legais tais como a fixação da competência territorial (art. 71 do Código de

Processo Penal – CPP), o termo inicial da fluência do prazo prescricional (art. 111, inciso III do

CP) e também a caracterização do estado de flagrância (art. 303 do CPP) (Brasil, 1940, 1941b).

Crimes culposos: somente se consumarão na efetiva ocorrência do resultado. NÃO HA TENTATIVA

Crimes habituais: aqueles cuja prática da conduta criminosa se torna um hábito do agente (por

isso, um crime habitual) e, desse modo, a consumação ocorre quando a referida conduta é

praticada de modo reiterado, repetitivo, tornando-se uma constante na vida do agente. Por isso,

a ocorrência de ato isolado torna-se, como regra, um indiferente penal. Exemplo: casa de

prostituição (art. 229 do CP), rufianismo (art. 230 do CP) e exercício ilegal da medicina, arte

dentária ou farmacêutica (art. 282 do CP), entre outros (Brasil, 1940).

Crimes qualificados pelo resultado: neles, a infração somente se consumará quando ocorrer a

produção do resultado mais grave previsto na lei. Exemplo: lesão corporal seguida de morte (art.

129, parágrafo 3º do CP) (Brasil, 1940).

3.3 DESISTÊNCIA VOLUNTÁRIA

3.3.1 Conceito

Também chamada de tentativa abandonada, a desistência voluntária está prevista na primeira

parte do art. 15 do CP e ocorre quando o agente, voluntariamente, desiste de prosseguir na

execução do ato criminoso, respondendo somente pelos atos até então praticados (Brasil, 1940).

Note-se, desde já, que nesse caso não há fator externo a impedir o sujeito de continuar a praticar a

infração. Ele para de realizar a conduta porque não mais deseja alcançar a consumação do delito.
Servindo-nos de Araújo (2020, p. 547, grifo do original): “consoante fórmula de Frank, na tentativa o
agente diz a si mesmo: ‘quero prosseguir, mas não posso’, enquanto na desistência voluntária ele dirá:

‘posso prosseguir, mas não quero’”. É considerada medida de política criminal, vez que se pode
estimular o agente a não prosseguir no seu intento criminoso.

3.3.2 Natureza jurídica

O tema não é pacífico, porém, para considerável parcela da doutrina nacional, bem como ante o

majoritário entendimento jurisprudencial, sustenta-se que o instituto da desistência voluntária tem

natureza jurídica de causa de exclusão de adequação típica em relação ao delito que o agente
O mais comum no júri é defendermos a desclassificação da tentativa de homicídio para lesão corporal, com
queria inicialmente praticar. base na tese da desistência voluntária, negando o dolo de matar, pois o agente desistiu dos golpes, desistiu
de atirar.

3.3.3 Requisitos e configuração

Na tentativa, conforme mencionado, o agente não prossegue no crime por motivos alheios à sua

vontade, o que não ocorre na desistência voluntária, pois a interrupção dos atos executórios se dá

voluntariamente, vale dizer, de forma livre, sem qualquer coação. É como se o autor da conduta

dissesse a si mesmo: “não quero, mas posso continuar”. Por isso, o agente não responde pelo crime

em sua forma tentada, mas somente pelos atos até então praticados.

A doutrina entende que também há desistência voluntária quando o indivíduo resolve não repetir
ato de execução já cometido, mas que não havia levado o crime à consumação. Exemplo: o agente

desferiu um tiro na vítima deixando-a caída e, apesar de poder descarregar nela sua arma e consumar

o crime, não pratica mais nenhum ato executório.

A desistência tem que ser voluntária, ainda que não espontânea, ou seja, o não

prosseguimento dos atos executórios há de ser consequência da própria vontade do agente (aqui

reside a voluntariedade), mesmo que a ideia de desistir tenha partido de terceiro (desde que não se

trate de fuga em face da chegada da polícia).

Para Cunha (2020, p. 443, grifos do original), “Presentes os requisitos, a consequência é a

punição do agente pelos atos já praticados – se típicos”.

3.4 ARREPENDIMENTO EFICAZ

3.4.1 Conceito
Também chamado de resipiscência, o arrependimento eficaz consiste no fato de o agente, ter

realizado todos os atos executórios, mas, antes da consumação, vir a praticar uma nova ação que

acabe evitando a produção do resultado. Reside no término entre os atos executórios, porém antes
da consumação do crime, em que se conclui que o agente desiste de atingir a consumação do

delito praticado, ou seja, muda de ideia. É o caso do sujeito que ministra antídoto à vítima a quem
fez ingerir veneno. E, ainda, do indivíduo que retira da água e socorre eficientemente a vítima que ele

estava afogando e que já se encontrava desfalecida.

O instituto é aplicável somente em relação aos crimes materiais, pois o dispositivo (art. 15 do CP)

utiliza a expressão “[o agente] impede que o resultado se produza” (Brasil, 1940).

Por fim, é necessário observar que as razões, seja de que natureza forem, que levam o agente a

praticar o arrependimento eficaz não são relevantes para a lei penal, bastando-lhe a voluntariedade e

a eficácia do ato de arrependimento. AGIR DE FORMA CONTRARIA A SUA VONTADE, EXCLUI A CONDUTA.

3.4.2 Natureza jurídica

A natureza jurídica do arrependimento eficaz trata-se de excludente de tipicidade em relação

ao crime que o agente inicialmente pretendia cometer. Como leciona Araújo (2020, p. 549, grifos do

original):

Essa regra do art. 15, CP, faz com que o agente responda apenas pelos atos até então praticados

(com a consequente desconsideração do dolo inicial) é conhecida, em doutrina, como tentativa


qualificada. E isso porque a tentativa qualificada contém um crime menos grave, já consumado.

Ora, nas situações do art. 15, CP, o agente não responderá pelo seu dolo inicial (ex.: matar), mas

responderá, se for o caso, por crime de menor gravidade já consumado (ex.: lesão corporal).

Observe que, enquanto na desistência voluntária o agente está realizando os atos


executórios, no arrependimento eficaz ele já os praticou, somente não tendo chegado

concretamente à sua consumação. No entanto, se, mesmo presente o arrependimento eficaz, o

resultado ocorrer, responderá o agente por crime consumado, incidindo sobre o caso, todavia, a

atenuante genérica prevista no art. 65, inciso III, alínea b, primeira parte, do CP (Brasil, 1940).

Conclui-se que, para surtirem efeito, desistência voluntária e arrependimento eficaz devem

ser a causa da não consumação do delito.

3.4.3 Requisitos para sua caracterização


Constituem requisitos para a caracterização do arrependimento eficaz: voluntariedade e eficácia.

A voluntariedade reclama, para sua configuração, que o agente tenha deixado de prosseguir na
execução do comportamento delituoso de forma isenta, livre de coação física ou moral. Não se faz

necessária a existência de espontaneidade, ou seja, a ideia de evitar a consumação do delito não

precisa, obrigatoriamente, ter se originado na pessoa do criminoso. Logo, a espontaneidade implica

ter a ideia de não consumar a infração se originado na própria vontade do executor.

Por outro lado, é necessário que sua atitude de arrependimento seja concretamente eficaz.
Noutras palavras, é imprescindível que o agente realmente consiga impedir a consumação do delito

que estava cometendo. Em suma, sua nova ação deve ser útil e proveitosa, evitando a consumação

do delito que até então era seu objetivo. Como afirmado, se o agente se arrepende, porém a vítima

vem a sucumbir, ele responderá pelo resultado que causou. Exemplo: o criminoso está afogando a

vítima e acaba por desistir do intuito de matá-la, fazendo-lhe massagem cardíaca e respiração boca a

boca. No entanto, mesmo assim, a vítima falece. Nessa hipótese, o agente responderá por homicídio
consumado.

Conclui-se que, sendo eficaz e voluntário o arrependimento, o sujeito responderá somente pelos

atos realizados até esse arrependimento. OU SEJA, LESÃO CORPORAL.

TEMA 4 – ARREPENDIMENTO POSTERIOR

4.1 CONCEITO E CABIMENTO

Previsto no art. 16 do CP, o arrependimento posterior vem a ser causa obrigatória de redução

da pena, aplicável aos “[...] crimes cometidos sem violência ou grave ameaça à pessoa, reparado o

dano ou restituída a coisa, até o recebimento da denúncia ou da queixa, por ato voluntário do

agente” (Brasil, 1940).

Diversamente da desistência voluntária e do arrependimento eficaz (art. 15 do CP), nesse caso se

considera efetivamente consumada a infração penal. O arrependimento posterior encontra aplicação

em crimes culposos e dolosos, sendo, da mesma forma, cabível quando a violência é praticada contra

a coisa (objeto, como uma janela que o agente destrói para ingressar numa residência a fim de

cometer furto qualificado). A doutrina entende que o instituto incide em relação ao homicídio

culposo, pois, apesar de nele existir violência, esta não é intencional (Brasil, 1940).
Trata-se de medida de política criminal, tendo em vista o interesse do Estado em que seja

ressarcida a vítima do crime.

4.2 REQUISITOS PARA SUA CONFIGURAÇÃO

Conforme teor do art. 16 do CP (Brasil, 1940), são os seguintes os requisitos para configuração do
arrependimento posterior:

a. Infração praticada sem violência ou grave ameaça à pessoa: advoga-se que, havendo

violência ou grave ameaça à pessoa, por ínfimas que sejam, o instituto não pode ser aplicado ao

agente. Tratando-se de violência perpetrada à coisa, há incidência da causa de diminuição de

pena.

b. Consumação da infração: estamos diante de um arrependimento posterior à consumação,

sendo essa condição (a consumação) pressuposta, para a configuração do instituto.

c. Reparação do dano ou restituição da coisa: a reparação do dano e a restituição da coisa

devem ser integrais, porém, tem-se admitido a reparação parcial caso a vítima com ela
concorde. O dano a ser reparado pode ser de natureza patrimonial ou moral. Em regra, a

reparação deve ser realizada pessoalmente, ou seja, pelo próprio ofensor, salvo comprovada sua

impossibilidade, hipótese em que se admite que terceira pessoa, na condição de representante

do ofensor, realize a reparação do dano ou a restituição da coisa. A reparação integral do dano

feita por um dos acusados a todos aproveita, pois é circunstância de caráter objetivo (art. 30 do

CP) (Brasil, 1940).

d. Voluntariedade do agente: o ato reparatório deve ser voluntário, ou seja, realizado sem

coação, seja ela moral, seja física, ainda que não espontâneo (quando alguém sugere que seja

feita a reparação, por exemplo, temos a voluntariedade, mas não a espontaneidade do agente).

e. Limite temporal: o ressarcimento deverá ser realizado antes do recebimento da denúncia ou

queixa, mesmo após seu oferecimento. Caso o ressarcimento ocorra após o recebimento da

inicial acusatória, é cabível somente a circunstância atenuante prevista no art. 65, inciso III, alínea
b, parte final do CP (Brasil, 1940).

4.3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Respeitável parte da doutrina tem criticado o instituto do arrependimento posterior por entendê-

lo elitista, pois um dos requisitos para sua aplicação é a efetiva reparação do dano causado à vítima, o
que é possível somente para quem possui boa situação financeira. No entanto, como resposta ao
questionamento, diz-se que o arrependimento posterior busca favorecer a vítima, incentivando a

rápida recomposição do dano por ela sofrido. Alega-se, ainda, que o dispositivo se encontra mal
posicionado topograficamente no CP, pois deveria migrar para a parte relativa à aplicação da pena

(Brasil, 1940).

No que se refere ao quantum de redução de pena propiciada pelo arrependimento posterior, que

varia de um terço a dois terços, a doutrina concluiu que o critério a ser adotado é o da rapidez quanto
à concretização da reparação do dano causado à vítima. Assim, quanto mais rápido ocorrer o

ressarcimento da vítima, maior será a redução da pena.

No crime de peculato culposo (art. 312, parágrafo 3º do CP), a reparação do dano antes da

sentença condenatória irrecorrível extingue a punibilidade do agente; quando posterior, implica

redução de metade da pena (Brasil, 1940).

Nos Juizados Especiais Criminais (Lei n. 9.099/1995), a composição civil dos danos entre o

autor do fato e a vítima, tratando-se de infração de ação penal privada ou pública condicionada à

representação, leva à renúncia do direito de queixa ou de representação, com a extinção da

punibilidade do ofensor, conforme art. 74, parágrafo único, daquele diploma (Brasil, 1995).

TEMA 5 – CRIME IMPOSSÍVEL (TENTATIVA INIDÔNEA OU QUASE


CRIME)

5.1 CONCEITO

Também chamado de crime oco, tentativa inidônea, tentativa inútil, tentativa inadequada,

tentativa irreal, tentativa supersticiosa ou tentativa impossível, o crime impossível ocorre quando a

conduta do agente jamais poderia levar o fato delituoso à consumação, quer pela ineficácia absoluta
do meio, quer pela impropriedade absoluta do objeto.

5.2 NATUREZA JURÍDICA

Praticamente toda a doutrina entende tratar-se o crime impossível de causa de exclusão de

tipicidade, pois “o fato praticado pelo agente não se enquadra em nenhum tipo penal” (Masson,

2020, p. 311).
A ineficácia absoluta do meio refere-se ao meio de execução – dá-se quando a forma de

execução escolhida pelo agente jamais levará à consumação do crime, ou seja, quando “[...] o meio de

execução utilizado pelo agente é, por sua natureza ou essência, incapaz de produzir o resultado, por
mais reiterado que seja seu emprego” (Masson, 2020, p. 313, grifo do original). É o que ocorre na

confusa tentativa de homicídio em que o agente, com a intenção de envenenar a vítima com arsênico
e, assim, eliminá-la, acaba se utilizando, sem querer, de água potável, cujas características físicas

externas são bastante parecidas com as do arsênico. A ineficácia, que deve ser absoluta, precisa ser

analisada no caso concreto (o açúcar, para a maioria das pessoas, é substância totalmente inofensiva,
porém, para um diabético, não o é). Se se estiver em face de uma ineficácia relativa, haverá a

caracterização de crime na forma tentada.

Noutro giro, a impropriedade absoluta do objeto trata-se do objeto material da infração e se

caracteriza quando o bem sobre o qual o agente faz recair sua conduta não é protegido pela norma

penal incriminadora ou quando ele (objeto) sequer existe. É o caso do aborto cometido mediante
ingestão de substância para esse fim, praticado em mulher que não se encontra grávida. Ou, ainda, do

caso do criminoso que dispara sua arma contra seu desafeto, com animus necandi (intenção de

matar), sem saber que aquele já se encontrava sem vida. Obviamente, não há como matar quem já

está morto. A impropriedade deve ser absoluta, pois, se relativa, caracteriza-se a tentativa.

A ineficácia absoluta do meio e a impropriedade absoluta do objeto devem ser analisadas após

prática da conduta com a qual se deseja consumar a infração.

5.3 TEORIAS

O CP (Brasil, 1940) adotou, quanto ao crime impossível, a teoria objetiva temperada, pela qual

só há crime impossível se a ineficácia do meio e a impropriedade do objeto forem absolutas (se

relativas, conforme exposto anteriormente, haverá a caracterização do crime na sua forma tentada).

As demais teorias existentes são:

Teoria sintomática: analisa a periculosidade do autor, não do fato por ele praticado. O fato de

o agente mostrar periculosidade já ensejaria sua punição.

Teoria subjetiva: por ela, o que importa é a vontade do agente, sua inclinação. Assim, por ter

demonstrado a intenção de delinquir, o agente deve ser punido.


Teoria objetiva: por essa teoria, o agente não é punido porque, objetivamente, não houve
perigo para a coletividade. Subdivide-se em:

a. teoria objetiva pura: para a qual, o crime será sempre impossível, seja a ineficácia
absoluta, seja ela relativa;

b. teoria objetiva temperada: para ela, só há crime impossível se a ineficácia e a


impropriedade forem absolutas.

Para compreender este item, basta atentar aos seguintes exemplos:

a. O consumo de glicose normalmente não causa mal algum à saúde da maioria das pessoas e, no

caso de sua ingesta forçada por outrem, teríamos um meio impróprio à prática de crimes.

Porém, a situação se mostra bastante diferente, nesse contexto, quanto aos efeitos que a

ingestão da mesma substância pode vir a causar num diabético.

b. Um susto, normalmente, não tem o condão de levar a óbito a maioria das pessoas. Porém,

quando praticado intencionalmente contra alguém que tenha sérios problemas cardíacos, essa
conduta pode resultar na morte da vítima.

5.4 CRIME PUTATIVO POR OBRA DE AGENTE PROVOCADOR: FLAGRANTE


PREPARADO OU PROVOCADO – SÚMULA STF N. 145/2009

Leciona Masson (2020, p. 315, grifos do original) que

crime putativo, também chamado de imaginário ou erroneamente suposto, é o que existe apenas

na mente do agente, que acredita violar a lei penal, quando na verdade o fato por ele concretizado
não possui adequação típica, ou seja, não encontra correspondência em um tipo penal.

O crime putativo por obra de agente provocador também é conhecido por crime de ensaio,

crime de experiência ou flagrante provocado ou preparado.

Esse flagrante provocado ou preparado ocorre quando uma pessoa, de forma sorrateira,

iludindo outra, a leva a cometer um ilícito criminal e, simultaneamente, emprega medidas para evitar

a consumação da infração. A jurisprudência informa que o flagrante preparado/provocado vem a

ser uma terceira forma de crime impossível, pois, por mais que se tenha presente o aspecto

subjetivo da conduta, o crime jamais se consumaria. Exemplo: a policial que, dizendo-se grávida e

acompanhada de outros agentes solicita a um médico a execução de uma manobra abortiva. Note

que a iniciativa quanto à prática da infração não é do criminoso, pois este é induzido por outrem a
realizar a conduta. Conclui-se que estamos diante de um crime “[...] que não teria ocorrido se não
fosse a provocação feita pelo policial” (Araújo, 2020, p. 560). Ora, o crime jamais se consumaria, pois

os atos executórios jamais seriam colocados efetivamente em prática, até porque os policiais, até
então escondidos, não permitiriam que o médico iniciasse, de maneira concreta, os procedimentos

necessários ao procedimento abortivo.

Informa a Súmula n. 145/2009 do Supremo Tribunal Federal (STF): “não há crime, quando a

preparação do flagrante pela polícia torna impossível a sua consumação” (Brasil, 2009).

5.5 FLAGRANTE ESPERADO

O flagrante esperado ocorre quando o agente, espontaneamente, pratica uma conduta típica,

antijurídica e culpável e a autoridade policial, sem interferir em seu comportamento, age somente

após a prática da infração.

NA PRÁTICA

Conforme estudamos, o arrependimento posterior, previsto no art. 16 do CP, necessita, para

gerar o efeito legal dele decorrente (causa de diminuição de pena), do preenchimento de alguns

requisitos (Brasil, 1940). Vejamos um caso concreto, mencionado pelo professor Nucci (2020, p. 204),

em que, infelizmente, o agente não pode se valer do benefício legal:

Confira-se no artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo (20.05.1999): “M. S., 28, perdeu o
emprego há um ano e meio, depois de trabalhar dez anos como vendedor de autopeças em Bauru.

No final de abril, sem dinheiro para pagar o aluguel atrasado da casa onde moram a ex-mulher e o
filho, ele assaltou uma lotérica, depois de mais uma manhã em busca de uma vaga. Levou R$ 279

em dinheiro, usando um acendedor de fogão em forma de revólver. Arrependido, no último sábado,

ele procurou a polícia, confessou o crime e disse que quer trabalhar para devolver o valor roubado”.
A ele, no entanto, não se pode aplicar o arrependimento posterior. TEVE GRAVE AMEAÇA A PESSOA

FINALIZANDO

Na presente aula, atentamos para as fases percorridas pelo agente para o cometimento de uma

infração penal. Inicialmente, analisamos o iter criminis, fase a fase. Em seguida, estudamos o crime

tentado e o crime consumado, compreendendo os institutos da desistência voluntária, do


arrependimento eficaz, do arrependimento posterior e, de maneira mais detalhada, do crime
impossível e de suas variáveis. Diferenciamos tentativa de desistência voluntária e buscamos

compreender qual foi o espírito do legislador ao premiar o agente com o instituto do arrependimento
eficaz.

REFERÊNCIAS

ARAÚJO, F. R. Direito penal didático: parte geral. 3. ed. Salvador: JusPodivm, 2020.

BRASIL. Decreto-Lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Diário Oficial da União, Rio de Janeiro,
31 dez. 1940. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-

lei/del2848compilado.htm>. Acesso em: 8 out. 2020.

_____. Decreto-Lei n. 3.688, de 3 de outubro de 1941. Diário Oficial da União, Rio de Janeiro, 3

out. 1941a. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del3688.htm>. Acesso

em: 9 out. 2020.

_____. Decreto-Lei n. 3.689, de 3 de outubro de 1941. Diário Oficial da União, Rio de Janeiro, 13

out. 1941b. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-

lei/del3689compilado.htm>. Acesso em: 9 out. 2020.

_____. Lei n. 9.099, de 26 de setembro de 1995. Diário Oficial da União, Brasília, 27 set. 1995.

Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9099.htm>. Acesso em: 9 out. 2020.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Súmula n. 145, de 19 de novembro de 2009. Diário da Justiça

Eletrônico, Brasília, 18 dez. 2009. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/

menuSumarioSumulas.asp?sumula=2119>. Acesso em: 9 out. 2020.

CUNHA, R. S. Direito penal: volume único – parte geral. 8. ed. Salvador: JusPodivm, 2020.

ESTEFAM, A.; GONÇALVES, V. E. R. Direito penal esquematizado: parte geral. 9. ed. Saraiva: São

Paulo, 2020.

MASSON, C. R. Direito penal: parte geral. v. 1. 14. ed. São Paulo: Método, 2020.

NUCCI, G. de S. Curso de direito penal: – parte geral. v. 1. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020.
_____. Manual de direito penal. 16. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020.

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