Você está na página 1de 7

TEORIA DA INFRACÇÃO PENAL

CAPITULO I

CRIMES E CONTRAVENÇÕES

Distinção de Crimes e Contravenções

Diferentemente do CP recentemente revogado o Código Penal vigente não estabelece o


conceito de crime nem de contravenção, ainda sim o crime não deixa de ser um facto
voluntário declarado punível pela lei penal. Isto significa que para haver um crime é
necessário que haja uma acção ou omissão querida pelo homem e que causa danos a
bens jurídicos fundamentais. Pelo contrário, as Contravenções são facto voluntário
punível, que unicamente consiste na violação ou na falta de observância das
disposições preventivas das leis e regulamentos, independentemente de toda intenção
maléfica. É o que se pode deduzir do artº 143º CP. Isto quer dizer que nas
contravenções o facto voluntário não significa intencional, isto é, querido pelo agente.
É voluntário no sentido de o agente violar disposições preventivas das leis e
regulamentos. Ou seja, não é necessário que haja uma efectiva violação a um bem
jurídico tutelado pelo direito penal, basta que viole simples disposições preventiva.

Diferentemente do que acontece nos crimes, nas contravenções não está em causa saber
se foi lesado algum interesse jurídico concreto, basta a violação de normas
regulamentares que previnem a violação efectiva de um bem jurídico. O objecto da
contravenção não é o bem jurídico protegido pela norma penal, mas a simples norma
que previne o dano efectivo do bem. Ex: a norma que proíbe o excesso de velocidade
em certa localidade. A simples violação desta norma, excedendo a velocidade, já
constitui uma contravenção, independentemente de, em virtude deste excesso vier a
provocar um atropelamento a uma pessoa. Portanto, nas contravenções pune-se a mera
desobediência as normas de prevenção, o que significa que é indiferente o\ dolo nas
contravenções.

1. Conceito de Infracção Penal. Noção formal e noção material.

Noção Formal: a infracção penal é considerado como um facto voluntário declarado


punível pela lei penal.

Facto humano: porque só os homens, em principio, são susceptíveis de culpa e,


consequentemente, de responsabilidade penal;1

1
Entre nós esta questão fica ultrapassada, pois as pessoas jurídicas também já podem ser
responsabilizadas criminalmente. Cfr art. 9 CP.

1
Facto típico: porque o comportamento está previsto na descrição da norma penal. Dai o
chamarmos de tipo legal ou criminal;

Facto ilícito: porque é contrário a lei ou a norma penal;

Facto culposo: porque é censurável e imputável ao agente.

Noção Material: a infracção é um facto que lesa ou põe em perigo bens jurídicos
fundamentais.

Portanto, tendo em conta estas duas noções, podemos dizer que a infracção penal é um
facto voluntário previsto na lei penal que lesa ou põe em perigo bens jurídicos
fundamentais.

2. Pressupostos da infracção penal

São elementos pré-existentes a infracção que constituem condições para a existência de


uma infracção criminal, o sujeito activo, sujeito passivo e o objecto.

Sujeito activo: é o agente que comete a infracção, seja ela pessoa física ou colectiva;

Sujeito passivo: é a pessoa que sofre os efeitos da infracção, portanto o ofendido, que
pode ser pessoa física ou jurídica;

O Objecto: que pode ser material ou jurídico. O objecto material são as coisas ou
pessoas sobre que incide a infracção. O objecto jurídico pode ser mediato ou imediato.

O objecto jurídico mediato são as relações sociais que os interesses jurídicos ofendidos
exprimem.

O objecto imediato: são os valores ou interesses jurídicos tutelados pela norma penal
violadas pela infracção penal.

Ex: no crime de furto, o objecto material seria a coisa furtada, a propriedade é o objecto
jurídico imediato, as relações de produção constituem o objecto jurídico mediato.

OS ELEMENTOS DA INFRACÇÃO PENAL

Acção

Todo crime pressupõe sempre uma acção, que se consubstancia num comportamento
humano, que é típica, isto é, porque preenche os elementos tipificados como proibidos,
ilícita porque sobre o mesmo comportamento recai um juízo de reprovação, e por fim
culposa porque o agente livremente o provocou. Portanto, isto significa que para que
haja crime é necessário que haja uma acção, típica, ilícita e culposa.

É com esta ideia que procuraremos estudar os elementos da infracção iniciando com a
acção.

2
A Acção: é toda conduta ou comportamento humano, dominado (dominavel) pela
vontade e que ofende ou põe em perigo bens jurídicos, interesses, individuais e
colectivos tutelados pelo direito penal. No entanto, ficam excluídos da acção humana os
fenómenos naturais, factos produzidos por animais.

Como se pode ver o comportamento humano deve ser dominado ou mesmo dominável
pela vontade, ou seja, sendo esta conduta provocado por qualquer facto estranho não se
pode falar de acção para efeitos de crime.

A Acção em direito penal pode ser entendida em sentido lato e em sentido estrito.

A Acção em sentido lato integram tanto o comportamento positivo, praticar algo


proibido pela lei penal, como o comportamento negativo, não fazer algo quando a lei
obriga a fazer, ou seja, é a chamada acção por omissão.

A Acção em sentido estrito integra apenas o comportamento positivo, ou seja,


desenvolver uma actividade proibido pela lei.

Toda acção em direito penal projecta-se sempre para o mundo exterior provocando um
resultado (evento). O Evento é o resultado que se verifica no mundo exterior provocado
pela acção. Entretanto, para que haja imputação é necessário estabelecer-se um nexo de
causalidade entre a acção e o evento ou resultado.

Para que um agente responda pelo resultado proibido pela lei penal é necessário saber se
tal resultado é consequência ou efeito da sua acção ou omissão. É nisto que se coloca o
problema do nexo de causalidade. Para tal duas teorias são apontados para explicar este
problema:

Teoria da Conditio sine qua non; para esta teoria o evento é o resultado de todos os
factos sem os quais esse resultado não se teria produzido. Ou seja, todos os factos
reunidos concorrem para a produção do resultado. Ex: A desfere um golpe com arma
branca (faca) a B nas pernas, de seguida é levado por uma ambulância para o hospital.
Entretanto, ao longo do trajecto a viatura envolve-se em um acidente vitimando
mortalmente B. Para esta teoria o dano morte de B deve ser imputado não só a C
(motorista da ambulância) mas também a A, pois sem a sua acção B não entraria na
Ambulância que viria a vitima-lo mortalmente. Portanto, a maior parte da doutrina
critica esta teoria por considerarem-na bastante injusta, pois se assim fosse os pais
seriam considerados também culpados pelos danos causados pela acção dos filhos pelo
facto de os terem dado a luz.

Teoria da Causalidade adequada; segundo esta teoria entre as várias condições que
levam à produção de um evento há uma ou umas que são mais adequadas a produção do
evento. No entanto, uma condição é adequada quando é idónea para a produção do
evento. Portanto, esta é a teoria mais aceite pela jurisprudência.

Tipicidade: consiste na correspondência do comportamento ao tipo ou modelo


abstracto previsto na norma incriminadora.

3
A lei penal não se limita a dizer que é crime todo comportamento que ofende bens,
valores ou interesses sociais tutelados pela lei penal, mas também descreve a forma da
lesão, o tipo de comportamento, a qualidade do agente etc. A esta descrição toda
chama-se tipicidade ou tipo legal.

A tipicidade consubstancia-se no tipo subjectivo e no tipo objectivo. Isto é, na


realização de um crime deve distinguir-se por um lado o aspecto objectivo ou tipo
objectivo que é o conjunto de elementos (descritivos e normativos) do tipo,
compreendendo os sujeitos, objecto material do crime, acção executiva, o resultado
ou evento nos crimes de resultado, o nexo de causalidade entre o evento e a acção
executiva; e por outro, os aspectos subjectivos ou tipo subjectivo que compreendem a
consciência e a vontade de realizar o crime.

O dolo como elemento geral do tipo subjectivo

O elemento geral do tipo subjectivo é o dolo que consiste na consciência e na vontade


de realizar o crime. Deste modo é possível distinguir do dolo como elemento geral do
tipo o elemento intelectual-consciência (isto é, conhecimento pelo agente, das
circunstâncias fundamentadoras e agravantes do tipo de crime que visa realizar) e o
elemento volitivo (plano da vontade- o querer realizar o acto ou produzir o resultado).
Entretanto, para que se possa dizer que o agente agiu com dolo é necessário que ele
conheça, no momento em que actua, todos os elementos definidores do tipo de crime,
porque o desconhecimento deles ou de alguns implicará a exclusão do dolo, entrando no
campo do erro.

O elemento volitivo do Dolo. Dolo Directo, Dolo necessário, Dolo Eventual.

O dolo é directo quando o agente quer efectivamente o facto criminoso. Já o dolo


necessário (indirecto) ocorre quando o agente previu o resultado criminoso como
consequência necessária (inevitável) do seu comportamento. Neste caso o agente não
quer directamente esse resultado, embora saiba ou preveja como certo que o seu
comportamento se dirige necessariamente a realização de um tipo de crime. Entretanto,
o problema reside na distinção de dolo eventual e negligência consciente. No entanto,
muito tem se dito acerca, mas partilhamos da visão segundo o qual o dolo eventual
ocorre sempre que na realização do facto criminoso o agente representa como
consequência possível do seu comportamento e ele actuar conformando-se com aquela
realização. Pelo contrário se o agente representar também o facto como consequência
possível do seu comportamento mas não se conformar com a realização estaremos
perante a negligência consciente. Portanto, conformar-se ou não com o resultado é ali
onde reside a diferença.

Ilicitude: é o juízo de reprovação de um comportamento pelo tipo legal, ou seja, é um


juízo de antijuricidade de um comportamento. No entanto, importa salientar que um
acto ilícito é necessariamente um acto típico, mas um acto típico não se traduz
necessariamente num acto ilícito, pois podem intervir circunstâncias que justificam o
facto, tais como: o consentimento do ofendido nos casos previstos na lei , legitima

4
defesa al. a) do artº 30º e 31º C.P, Estado de Necessidade artº 32º C.P, Obediência
Hierárquica artº 33º C.P.

Legítima Defesa: considera-se o exercício de um direito de Legítima Defesa o facto


praticado como meio necessário à defesa contra a agressão actual e ilícita de interesses
jurídicos do agente ou de terceiro. Ver. al. a) do art. 30º e artº 31ºambos do CP . No
entanto é hoje ponto assente de que a realização da justiça é monopólio do Estado
através dos seus órgãos (Polícia, forças da ordem e tribunais). Porém, perante a uma
situação de eminente agressão ou em execução o legislador concedeu ao particular
lesado o direito de se defender sempre que para o efeito não haja possibilidade de
recorrer a força pública.

A legítima defesa tem fundamento em um pressuposto e dois requisitos.

Pressuposto: a legítima defesa só tem lugar quando se verificar a impossibilidade de


recorrer a força pública perante a eminência ou execução de uma agressão.

Quanto aos requisitos estes podem ser:

-Requisitos da Agressão. Em primeiro lugar a agressão deve ser actual. Isto significa
que a legítima defesa deve ter lugar na eminência de uma agressão e antes de ter
terminado. Ou seja, antes da consumação do crime. Ver artº 31º nº 1 CP. Em segundo
lugar a agressão deve ser ilícita. Isto significa que a agressão deve ser entendida como
contrária ao direito. Em terceiro lugar, é necessário que a agressão não tenha sido
provocada, ou seja, não há lugar a legítima defesa quando a agressão tenha sido uma
reacção contra uma provocação do defendente.

-Requisitos quanto a Defesa. Em primeiro lugar as acções da legítima defesa só devem


ser dirigidas contra a pessoa do agressor e não contra terceiros. Ex: se para se defender
de uma agressão A quebra um bem de B, que não tem nada a ver com a agressão, A
deverá indemnizar B pois a legitima defesa não se estende a este. Em segundo lugar a
defesa deve ser necessária. Significa que a defesa só será legítima se ela se apresentar
como indisponível para salvação de um interesse jurídico do agredido.

Portanto, o excesso de legítima defesa previsto no número 2 do artº 31º do CP,


configura-se uma contra-agressão do defendente contra o agressor, pelo que não deixa
de ser ilícita, porém desculpável devido a perturbações ou medo, daí considerar-se uma
causa de exclusão da culpabiliade. Ver art. 36 CP

O consentimento do Ofendido. Para que o consentimento do ofendido justifique o


facto é necessário que diga respeito a um interesse jurídico individual, isto é, a um
interesse livremente disponível, ver número 1 do art. 34 CP conjugado com o art. 165
CP. Assim, sendo a vida um bem jurídico indisponível não se pode dar o consentimento
para a tirar. Mas já é verdade quando estivermos em presença de uma operação
cirúrgica para tirar um tumor maligno. O consentimento aqui já constitui causa de
justificação da ilicitude.

5
Estado de necessidade, esta previsto nos termos do art. 32 CP. Ocorre nas situações
em que havendo um perigo actual de um interesse protegido por lei, só poderá ser
afastado ou diminuído à custa da lesão ou sacrifício de um interesse também protegido.
No entanto, para que haja a justificação da ilicitude no estado de necessidade é
necessário que o interesse que o agente visa proteger seja manifestamente superior ao
interesse sacrificado. Entretanto, este facto não se coloca quando estamos perante ao
bem vida (que é um bem absolutamente indisponível) pois sacrificar uma vida para
salvar várias vidas não se dá o estado de necessidade justificante.

Conflito de deveres justificante, está previsto nos termos do art. 33 CP. Ocorre
quando dois ou mais deveres jurídicos concorrem numa situação concreta de tal forma
que nenhum deles pode ser cumprido sem a violação do outro. No entanto, os deveres
em conflito têm de se cingir a valores da mesma hierarquia ou de valor superior ao que
se sacrifica, sob pena de não estarmos perante uma causa de justificação da ilicitude.
Ex: o médico que, perante uma situação de risco de vida, só dispõe uma injecção para
aplicar a um dos dois pacientes em risco de morte. A morte do paciente que não lhe for
aplicada a injecção é justificada pela impossibilidade material do médico em atender
os dois pacientes ao mesmo tempo.

Obediência hierárquica. Está previsto nos termos do art. 33 CP. É hoje uma causa de
justificação discutível a nível da doutrina, porquanto questiona-se se justifica o facto o
cumprimento de uma ordem manifestamente ilegal e ilícita, tal como é comum no ramo
das Forças Armadas, nos órgãos de defesa e segurança. Entretanto, surgem duas
correntes doutrinárias a este propósito. A corrente hierárquica que defende que o
dever de obediência não cessa mesmo perante a uma ordem ilegal, pois justifica o facto
o cumprimento de uma ordem superior. Já a corrente legalista defende que num Estado
de Direito o dever de obediência cessa sempre que a ordem for contrária a lei e ao
direito. De resto esta última é a corrente mais bem acolhida num Estado Democrático e
de Direito, aliás prevista e acolhida entres nós, nos termos do nº 2 artº 33º CP conjugado
com o nº 2 do artº 75º do CRA

A Culpa é o juízo de censura ou de reprovação dirigido ao agente pela prática de um


comportamento ilícito desejado e querido por si. No entanto, diferentemente da ilicitude
aqui a tónica recai ao agente e não ao comportamento. Ou seja, saímos do campo da
objectividade (ilicitude) para o campo da subjectividade (agente).

No entanto, a culpa é hoje entendida como o fundamento e o limite do ius puniendi


(poder de punir, ou da pena), cfr. artº 42º e 27º do CP.

A culpabilidade é aferida tendo em conta dois elementos. A capacidade de culpa e a


consciência da ilicitude.

A capacidade de culpa é entendida como o conjunto de qualidades pessoais do agente


que lhe permitem avaliar o carácter ilícito dos seus actos e ainda assim determinar-se
livremente a sua concretização. No entanto, estas qualidade são as previstas no artº 18º
CP, a capacidade de avaliar e liberdade. Ou seja, em poucas palavras a capacidade de

6
culpa é a qualidade de intender e de querer. É neste sentido que se fala de
imputabilidade penal para se referir ao individuo que tem a necessária capacidade de
intender e querer. Por isso é que esta capacidade só se adquiri aos 16 anos de idade. Cfr
artº 17º do CP. Entende-se que antes desta idade o individuo ainda não tem a necessária
inteligência e liberdade. Assim são considerados inimputáveis os menores de 16 anos e
os dementes por anomalia psíquica. Cfr.art. 18.

Você também pode gostar