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DIREITO PENAL

AULA 3
Prof. Francisco Fadel

CONVERSA INICIAL

Vistas as premissas básicas do direito penal, bem como realizada, de forma detalhada, a análise

de como se comporta a lei penal sob vários aspectos, passaremos nesta aula a estudar e a

compreender juridicamente o crime.

Por meio da teoria geral do crime abordaremos os inúmeros institutos e respectivas teorias que

integram esse importantíssimo elemento jurídico, começando por sua conceituação, avançando

mediante o estudo dos institutos e elementos que compõem o fato típico (conduta, resultado, nexo
causal e tipicidade), a ilicitude (suas causas de exclusão, previstas no art. 23 do CP) e a culpabilidade

(imputabilidade, exigibilidade de conduta diversa e potencial consciência da ilicitude).

Ao final, faremos breve estudo sobre o instituto do concurso de agentes.

TEMA 1 – CONCEITO DE CRIME, CRIME/CONTRAVENÇÃO PENAL,


SUJEITOS E OBJETOS DO CRIME

1.1 CONCEITO DE CRIME

O crime pode ser conceituado sob três prismas diferentes:

1.1.1 FORMAL

Conduta proibida por lei, sob ameaça de aplicação da pena. É uma visão legislativa do fato.

Informa Teles (2006, p. 152) que “crime é, simplesmente, aquilo que a lei considera crime”.

Mas o conceito formal não é suficiente para identificarmos corretamente um comportamento

humano como criminoso. Vejamos o conceito material.


1.1.2 MATERIAL

Busca-se estabelecer porque determinado fato deve ser considerado criminoso ou não. Analisa-
se a essência do comportamento humano, sua razão motivadora. Assim, crime é a violação ou a
ameaça de violação de um bem penalmente protegido.

1.1.3 ANALÍTICO

Aqui, busca-se estabelecer os elementos estruturais do crime, seus componentes jurídicos. Assim,
crime é todo fato típico, ilícito e culpável.

1.2 CRIME E CONTRAVENÇÃO PENAL

As contravenções penais encontram-se previstas no Decreto-lei n. 3.688/1941, não havendo

diferenças relevantes entre as figuras jurídicas, uma vez que ambas são consideradas espécies do

gênero infração penal.

O único critério seguro para distinguir crime de contravenção é a classificação realizada pelo

direito positivo que releva, dentre outros, os seguintes elementos:

1.2.1 QUANTO À PENA COMINADA

quanto aos crimes, a quantidade e a qualidade da pena atribuída à infração penal são diversas,

uma vez que pode ser cominada pena de reclusão, detenção ou multa, sendo as duas primeiras

de forma isolada ou cumulativa;

as contravenções penais são apenadas com prisão simples e multa, isolada ou cumulativamente.

1.2.2 QUANTO À ADMISSIBILIDADE DA FORMA TENTADA

crimes, como regra, admitem a forma tentada;

contravenções, conforme art. 4º, do Decreto-lei n. 3.688/1941, não admitem tentativa.

1.2.3 QUANTO À ESPÉCIE DE AÇÃO PENAL


crimes são apurados mediante a ação penal pública (incondicionada ou condicionada), ou,
dependendo da hipótese, por meio de ação penal privada;

contravenções são apuradas somente por meio de ação penal de pública incondicionada (art. 17
do Decreto-lei n. 3.688/1941) (Brasil, 1941).

1.2.4 QUANTO AO TEMPO MÁXIMO DE CUMPRIMENTO DE PENA

crimes, conforme art. 75 do CP (Brasil, 1940), com redação alterada pela Lei n. 13.964/2019

(Pacote Anticrime), seu cumprimento não deverá exceder 40 (quarenta) anos;


quanto às contravenções, o tempo limite de cumprimento de pena é de 5 (cinco) anos (art. 10

do Decreto-lei n. 3.688/1941) (Brasil, 1941).

1.3 SUJEITOS DO CRIME

1.3.1 SUJEITO ATIVO

É quem pratica o fato descrito na lei penal incriminadora.

Como a prática de um delito pressupõe o emprego de uma ação ou omissão visando uma

finalidade, conclui-se que somente o ser humano possui capacidade para delinquir.

1.3.2 SUJEITO PASSIVO

É o titular do interesse cuja ofensa constitui a essência do crime. É necessário questionar qual é o

interesse tutelado pela lei penal incriminadora e, assim, identificar seu titular.

No homicídio, a norma protege o direito à vida, sendo o homem seu titular.

Pode-se classificar o sujeito passivo em:

a. formal ou constante: é o Estado, pois formalmente o crime é a violação de uma norma

penal. A norma penal é editada pelo Estado, logo este é atingido;

b. material ou eventual: é o titular do interesse penalmente protegido. Assim, pode ser o

homem, quando vítima de crime de homicídio (art. 121, caput, do CP) (Brasil, 1940), a pessoa
jurídica, quando vítima de fraude para recebimento de indenização ou valor de seguro (art. 171,
parágrafo 2º, V, do CP) etc. (Brasil, 1940).

O homem não pode ser ao mesmo tempo sujeito ativo e passivo de crime. Quem lesa a si próprio

não comete nenhum delito. Porém, quem “lesa o próprio corpo ou a saúde, ou agrava as

consequências da lesão ou doença, com intuito de haver indenização ou valor de seguro", comete

estelionato (art. 171, parágrafo 2º, V, do CP), figurando como sujeito passivo a seguradora vítima da

fraude (Brasil, 1940).

O homem morto não pode ser sujeito passivo de crime, pois não é titular de direitos, mas pode

ser objeto material do delito, sendo seus familiares considerados sujeitos passivos (art. 138, parágrafo

2º, CP) (Brasil, 1940).

A pessoa jurídica pode ser sujeito passivo material de crime, por exemplo, no crime de furto.

1.4 OBJETOS DO CRIME

Objeto do crime vem a ser aquilo contra o que se dirige a conduta típica.

Objeto jurídico do crime é o bem-interesse protegido pela norma penal. Assim, a vida em relação

ao crime homicídio, a honra quanto ao crime de calúnia, o patrimônio quando da prática de furto etc.

Objeto material do crime é o objeto sob o qual recai a ação, ou seja, o homem ou a coisa sobre
que incide a conduta do sujeito ativo. O homem no caso de crime de lesões corporais, o documento

no caso de falsificação.

TEMA 2 – FATO TÍPICO, CONDUTA E CRIMES OMISSIVOS

2.1 FATO TÍPICO

2.1.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS E ELEMENTOS CONSTITUTIVOS

Analiticamente a maioria dos penalistas mundiais entende que crime é fato típico, antijurídico e

culpável.

Assim, o fato típico (nos crimes materiais) é composto de:


a. Conduta: ou seja, uma ação humana, positiva (ação) ou negativa (omissão), dolosa
(intencional) ou culposa;

b. Resultado: a conduta não é suficiente para que se materialize um fato típico, é

necessário que esta provoque uma alteração no mundo exterior, que o modifique (crimes

materiais). O resultado pode ser material ou jurídico;

c. Nexo causal: o resultado deve ter relação com a conduta praticada, vale dizer, é

necessário um liame, um vínculo entre conduta e resultado;

d. Tipicidade: trata-se da correspondência entre o fato praticado pelo agente e a descrição

existente no tipo penal.

Em regra, faltando um dos elementos acima, não teremos a caracterização do fato típico, sendo a

conduta considerada um irrelevante penal (fato atípico).

Passemos a analisar mais detalhadamente a conduta.

2.2 CONDUTA: CONCEITO

Conduta é a ação ou omissão humana, voluntária e consciente, dirigida a uma finalidade

(conceito extraído de acordo com os postulados da teoria finalista da ação, adotada pelo direito penal

brasileiro).

Do conceito, conclui-se que:

a conduta pode se apresentar sob um aspecto positivo (um agir, um fazer alguma coisa, um

movimento muscular) e então teremos uma ação ou, em face de uma ausência de movimento,

uma inação, configurando-se a omissão;

somente o homem pode praticar uma conduta, não se podendo qualificar a ação praticada por

um animal, ser irracional por excelência, como conduta;


como o pensamento não externado não caracteriza conduta, pois o direito penal não se ocupa

com atividades psíquicas;

a conduta só é relevante para o direito penal quando voluntária, quando há manifestação da

vontade (sentido amplo);


o comportamento humano considerado pelo direito penal consiste num movimento ou na

ausência de movimento corporal (ação ou omissão).

2.3 AUSÊNCIA DE CONDUTA: HIPÓTESES

Não há conduta e, consequentemente, fato típico, quando o ato é praticado de forma


involuntária ou inconsciente, como nas situações a seguir:

a. no ato reflexo: ato desprovido de vontade ou finalidade, sendo uma reação automática

que ocorre após a excitação de um nervo sensitivo. Não há voluntariedade;

b. na coação irresistível praticada por meio da força corporal: ocorre, por exemplo, quando

o agente é forçado fisicamente a assinar um documento falso. Não há voluntariedade;

c. durante o sonambulismo: pois não há consciência por parte do agente;

d. quando o agente estiver sob o efeito de hipnose ou em estado de inconsciência.

2.4 TEORIA ADOTADA PELO DIREITO BRASILEIRO QUANTO À CONDUTA

A lei penal brasileira adotou, quanto à conduta, a teoria finalista da ação,

segundo a qual, conduta é o comportamento humano, voluntário e consciente (doloso ou

culposo), dirigido a uma finalidade (vale dizer, um objetivo).

2.5 FORMAS DE CONDUTA

A conduta pode ser realizada mediante ação ou omissão.

2.5.1 AÇÃO

A ação se exterioriza por meio de um movimento corpóreo (muscular) que se dirige a uma

finalidade (nem sempre a de praticar uma infração penal). Ex.: crime de homicídio (doloso ou mesmo

culposo). Trata-se do denominado crime comissivo.

Assim, omissão implica “não fazer aquilo que o agente tinha o dever jurídico e a possibilidade de

realizar” (Barros, 2019, p. 200).


2.5.2 CONDUTA OMISSIVA: TEORIA

O CP adotou, quanto à omissão, a teoria normativa, segundo a qual, a omissão é interpretada


como um não fazer algo que deveria ser feito. A omissão por si só é irrelevante no campo penal,
sendo a norma penal que lhe confere importância.

2.6 MODALIDADES DE CRIMES OMISSIVOS

A conduta omissiva enseja duas formas de crimes:

crimes omissivos próprios ou puros: ocorrem por meio da inação do agente. A norma penal

ordena ao agente que aja, que atue e, não agindo, independentemente da causação de algum

resultado, o crime estará consumado. A conduta omissiva é descrita na lei, não sendo necessário

um resultado naturalístico. Ex.: omissão de socorro (art. 135, CP); abandono material (art. 244,

CP); abandono intelectual (art. 246, CP); omissão de notificação de doença (art. 269, CP) (Brasil,
1940). O delito se configura com a omissão pura e simples.

crimes omissivos impróprios (impuros ou comissivos por omissão): o agente tinha o dever

jurídico de agir, ou seja, não fez o que deveria ter feito. O agente é um garantidor. Há uma

norma dizendo o que deve o agente fazer e, ficando inerte, sua omissão tem importância causal

(na ocorrência do fato típico).

Temos a omissão acrescida de um resultado dela decorrente.

Assim, o omitente responde pela omissão e pelo resultado dela produzido, a não ser que este

não lhe possa ser atribuído por dolo ou culpa. É o caso da mãe que deixa de alimentar o filho,

levando-o à morte.

TEMA 3 – RESULTADO, TIPO PENAL E NEXO CAUSAL

3.1 RESULTADO

O resultado pode ser considerado sob dois aspectos: jurídico ou naturalístico (material).

O resultado jurídico ou normativo se caracteriza, conforme Masson (2020, p. 207), pela “lesão ou

exposição de perigo de lesão do bem jurídico protegido pela lei penal.”


Materialmente, o resultado vem ser a modificação do mundo exterior, decorrente da conduta

praticada pelo agente.

Quanto ao resultado, o CP adota a teoria naturalística, segundo a qual é possível existir crime

sem resultado, por exemplo, crimes de mera conduta.

3.1.1 CLASSIFICAÇÃO DE CRIMES QUANTO AO RESULTADO

De acordo com o resultado, os crimes podem ser classificados como:

materiais: quando o tipo penal descreve uma ação e um resultado e este (resultado) é

necessário para a consumação da infração. Ex. homicídio (art. 121, CP) (Brasil, 1940);

formais, de consumação antecipada ou de resultado cortado: nestes o tipo penal descreve

uma ação e um resultado, o qual é dispensado para que se considere consumada a infração. Ex.

ameaça (art. 147, CP) (Brasil, 1940);

de mera conduta ou de simples atividade: o tipo penal em sua redação, apenas se limita a
descrever o comportamento do agente, consumando-se a infração sem que ocorra mudança no

mundo naturalístico (concreto). Ex.: crime de violação de domicílio (art. 150), omissão de

notificação de doença (art. 269, CP) (Brasil, 1940).

3.2 TIPO PENAL

O direito penal é tipológico, ou seja, busca, por meio de tipos penais, descrever quais são os

comportamentos humanos permitidos ou proibidos.

Assim, o tipo penal incriminador vem a ser a descrição abstrata de um fato real que a lei proíbe,

ou, de forma mais técnica, vem a ser o conjunto de elementos descritivos do crime contidos na lei

penal.

Já a tipicidade é a adequação de uma conduta a um tipo penal.

Assim, o juiz comprova a tipicidade comparando a conduta praticada pelo agente, com a

descrição previamente existente no tipo penal, a fim de verificar se esta se amolda ou não a ela.

3.2.1 ELEMENTARES
São componentes fundamentais da figura típica sem os quais o crime não existe. Estão sempre
no caput do tipo incriminador.

Há três espécies de elementares:

a. Elementos objetivos ou descritivos: referem-se ao aspecto material do fato, ou seja,

existem concretamente no mundo e seu significado não exige juízo de valor. Ex.: matar (art.

121), coisa móvel (art. 155) (Brasil, 1940);

b. Elementos normativos: são os que precisam de uma interpretação, pois seu correto

significado não se extrai da mera observação, necessitando de um juízo de valoração. Podem

ser:

elemento normativo moral ou extrajurídico: é aquele que reclama, para se chegar ao

correto significado do elemento, um juízo de valor moral, religioso, social,

consuetudinário. Ex.: dignidade ou decoro (art. 140, CP) (Brasil, 1940);


elemento normativo jurídico: quando o juízo de valor depende de uma interpretação

jurídica. Ex.: noção de documento público (art. 297, CP) (Brasil, 1940).

c. Elementos subjetivos do tipo: aqui o legislador destaca uma parte do dolo e a insere

expressamente no tipo penal. São pertinentes ao estado psicológico do agente e existem

quando o tipo penal exige alguma finalidade específica por parte do criminoso ao executar a

conduta. É, portanto, a finalidade especial descrita no tipo. Ex.: art. 159 do Código Penal
(extorsão mediante sequestro – Sequestrar pessoa com o fim de obter, para si ou para outrem,

qualquer vantagem, como condição ou preço do resgate) (Brasil, 1940);

3.2.2 CIRCUNSTÂNCIAS

São os dados acessórios da figura típica, cuja ausência não a elimina. Sua função é tão somente

influir no montante da pena, seja para aumentá-la, seja para diminuí-la. Ex.: a pena do crime de furto
é aumentada de 1/3 se a subtração é praticada durante o repouso noturno (art. 155, parágrafo 1º).

3.2.3 ESPÉCIES DE TIPOS PENAIS

a. permissivos ou justificadores: são aqueles que não descrevem fatos criminosos, mas

hipóteses em que estes podem ser praticados. São os que descrevem causas de exclusão de
ilicitude (antijuridicidade), previstas no art. 23 do Código Penal. Ex.: legítima defesa, descrita no

art. 25 do CP (Brasil, 1940);

b. incriminadores: são os que descrevem as condutas proibidas. Compõem a grande

maioria dos tipos penais que se encontram na parte especial do CP. Ex.: arts. 155, 213, 330 etc.
(Brasil, 1940);

c. fechados: comportam a maioria dos tipos legais. São aqueles em que a descrição da

conduta é feita de modo detalhado, completo. Relacionam-se aos crimes dolosos. Ex.: arts. 121,
168, 250, todos do Código Penal (Brasil, 1940);

d. abertos: são aqueles em que somente o resultado da ação criminosa se encontra

individualizado. Relacionam-se com os delitos culposos. Em vez de detalhar a conduta punível, o

legislador descreve somente o resultado. Como a conduta pode ocorrer de maneiras diversas,

temos o chamado tipo aberto.

e. tipos simples e composto: os primeiros compreendem uma única conduta punível

(subtrair, art. 155; violar, art. 184). Nos tipos compostos há pluralidade de ações que sempre

indicarão a prática de uma única infração (induzir, instigar ou prestar auxílio, art. 122; corromper

ou poluir água potável, art. 271) (Brasil, 1940).

3.3 NEXO CAUSAL OU NEXO DE CAUSALIDADE

3.3.1 CONCEITO

Vem a ser a relação física natural de causa e efeito existente entre a conduta do agente e o

resultado dela decorrente.

Somente os crimes materiais exigem a comprovação do nexo causal, apresentando então quatro

requisitos: conduta, resultado, nexo causal e tipicidade.

O CP adotou, no art. 13, caput, 2ª parte, a teoria da equivalência dos antecedentes, também

chamada de teoria do conditio sine qua non.

Para a teoria, causa é toda circunstância antecedente, sem a qual o resultado não teria ocorrido.
TEMA 4 – ILICITUDE E SUAS CAUSAS DE EXCLUSÃO

4.1 ILICITUDE

É a relação de antagonismo que se estabelece entre o fato típico praticado pelo agente e o

ordenamento.

Num primeiro momento, a ilicitude do fato típico é a regra e sua licitude a exceção.

4.1.1 CAUSAS DE EXCLUSÃO DE ILICITUDE

Estão elencadas no art. 23 do Código Penal (Brasil, 1940):

a. estado de necessidade;

b. legítima defesa;

c. estrito cumprimento do dever legal e;

d. exercício regular de direito.

Vejamos cada uma delas.

4.2 DO ESTADO DE NECESSIDADE

4.2.1 CONCEITO

Entende-se em estado de necessidade quem pratica um fato típico para salvar de perigo atual

(que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar) direito próprio ou alheio, cujo

sacrifício não era razoável exigir-se.

Há o confronto de dois interesses legítimos e protegidos pelo direito, em que o agente, para

salvar um bem próprio ou de terceiro, acaba por lesar o interesse de outrem.

4.2.2 TEORIA ADOTADA PELO CP


O CP adotou, quanto ao Estado de Necessidade, a teoria unitária, segundo a qual, havendo

razoabilidade entre o bem sacrificado e o preservado, configurado estará o instituto.

4.2.3 REQUISITOS PARA SUA CONFIGURAÇÃO

São eles:

Inevitabilidade da conduta: o comportamento do agente deve ser absolutamente inevitável

para salvar direito próprio ou alheio. O commodus dicessus (saída mais cômoda = destruição do

bem) deve ser evitado quando houver outra maneira para afastar o perigo. O bem somente

deverá ser sacrificado quando não existir outro meio de se efetuar o salvamento;

Razoabilidade do sacrifício: o sacrifício do bem alheio há de ser razoável, devendo existir

proporcionalidade entre a gravidade do perigo que ameaça o bem jurídico do agente ou alheio

e o dano que será causado em outro bem para afastá-lo;

Conhecimento da situação justificante: o agente deve ter saber que age para salvar um bem

jurídico próprio ou alheio.

4.3 LEGÍTIMA DEFESA

4.3.1 CONCEITO

Age em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta

agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem.

Resta claro que o instituto tem por fundamento a repulsa a uma agressão, ou seja, um contra-
ataque.

4.3.2 REQUISITOS PARA A CARACTERIZAÇÃO DA LEGÍTIMA DEFESA

a. existência de uma agressão: não se confunde com a simples provocação. Agressão é o

efetivo ataque a um bem jurídico de alguém, perpetrado por um ser humano, ou seja, a

agressão é uma ação positiva (Brandão, 2003, p. 118). Como pressupõe ato humano, caso o

ataque se origine de um animal, fala-se em estado de necessidade, salvo se o animal for


instigado/açulado por alguém para atacar outrem. Nesse caso, o animal servirá de instrumento
para a prática da agressão e poderá se configurar a legítima defesa;

b. agressão injusta: corresponde à agressão ilícita, ou seja, contrária ao ordenamento

jurídico, não autorizada pelo direito. A ilicitude deve ser aferida de forma objetiva,
independentemente de se questionar se o agressor tinha ciência do caráter ilícito de sua

conduta;

c. agressão atual ou iminente: atual é a agressão que está ocorrendo e iminente é a que
está prestes a ocorrer;

d. defesa de direito próprio ou de terceiro: a legítima defesa de terceiro pode voltar-se,

inclusive, contra o próprio terceiro, como no caso em que se agride um suicida para evitar que

ele se mate;

e. utilização dos meios necessários: são os meios menos lesivos ao agressor e dispostos
ao alcance do agente que se defende;

f. moderação: não deve o agente ir além do necessário para proteger o bem jurídico

violado;

g. elemento subjetivo: o agente precisa saber que está agindo para se defender.

4.4 EXERCÍCIO REGULAR DE DIREITO

4.4.1 CONCEITO

Consiste na atuação do agente dentro dos limites conferidos pela lei. É o caso, por exemplo, dos

pais que aplicam, moderadamente, corretivos a seus filhos em decorrência do poder familiar, ou ainda

na hipótese de um particular dar voz de prisão a quem se encontra em flagrante (art. 301, CPP) (Brasil,

1941).

Determinados esportes são permeados por atos que contêm certo grau de violência em face do

contato físico, o que pode levar à ocorrência de lesões corporais ou até mesmo à morte de seus

praticantes. O praticante, desde que aja de acordo com as regras da modalidade esportiva, poderá

invocar em seu favor a descriminante do exercício regular de direito


O exercício abusivo do instituto faz desaparecer a excludente de ilicitude.

Conforme ensina Cunha (2020, 342, grifos do original), são “requisitos desta justificante: a
proporcionalidade, a indispensabilidade e o conhecimento do agente de que atua concretizando seu

direito previsto em lei”.

4.5 OFENDÍCULOS, OFFENDICULA OU OFFENSACULA

Ofendículos são aparatos visíveis destinados à defesa da propriedade ou qualquer outro bem

jurídico da pessoa, tais como, cercas eletrificadas, cacos de vidros fixados em cima do muro, grades
com ponta de lança, dentre outros. São considerados lícitos desde que facilmente identificáveis e não

coloquem em risco pessoas não agressoras.

Alguns estudiosos situam os ofendículos como expressão de exercício regular de direito, outros

como legítima defesa preordenada.

Irrepreensível é o raciocínio apresentado por Cunha (2020, p. 342) quando sustenta que

No primeiro estágio – de disposição da armadilha –, inexistindo agressão injusta, atual ou

iminente, obviamente age o sujeito dentro dos limites de seus direitos, dando proteção ao seu

patrimônio ou vida. No segundo momento – de deflagração das offendicula –, presentes todos os

requisitos legais, o ato adquire contornos de legítima defesa.

4.6 ESTRITO CUMPRIMENTO DO DEVER LEGAL

4.6.1 CONCEITO E CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Consiste na realização de um fato típico, decorrente do desempenho de uma obrigação imposta

pela lei.

Compreende toda e qualquer obrigação derivada de lei (diplomas legais), bem como de decisões

judiciais. A palavra lei deve ser entendida em sentido amplo, abrangendo a lei propriamente dita,

como também decretos, regulamentos, portarias, ou seja, “qualquer diploma normativo emitido pela

autoridade competente para deliberar a respeito” (Cunha, 2020, p. 340).


Alcança agentes públicos que atuam por ordem de lei. Estende-se ainda ao particular que exerce
função pública, como o mesário da Justiça Eleitoral, o jurado etc.

Pode ser aplicada ao particular, pois, conforme Brandão (2003, p. 125), “um sujeito que presta

testemunho tem o dever de falar a verdade; se durante o testemunho atinge-se a honra de um


terceiro, não se poderá cogitar da incidência de crime contra a honra, por força da justificativa em

comento”.

Podem ser citados os seguintes exemplos de estrito cumprimento do dever legal: a execução de
pena de morte pelo carrasco; a morte de inimigo no campo de batalha, ocorrida em tempo de guerra;

prisão em flagrante levada a cabo por policiais; a realização de busca pessoal, nas hipóteses previstas

no Código de Processo Penal.

Necessária ainda a vontade do agente de defender bens jurídicos.

TEMA 5 – CULPABILIDADE E CONCURSO DE PESSOAS

5.1 CULPABILIDADE

É o juízo de reprovação que recai sob o agente que praticou um fato típico e ilícito.

O instituto é composto por três elementos: imputabilidade, potencial consciência da ilicitude e

exigibilidade de conduta diversa.

5.1.1 ELEMENTOS DA CULPABILIDADE: CONCEITOS

A imputabilidade vem a ser a capacidade mental, inerente ao ser humano de, ao tempo da ação

ou omissão, entender o caráter ilícito do fato e de determinar-se de acordo com esse entendimento.

A imputabilidade, completados 18 (dezoito) anos, é a regra e a inimputabilidade a exceção.

A lei brasileira adota os critérios biológico (art. 27, CP) e biopsicológico (art. 26, parágrafo único,

CP) (Brasil, 1940) para aferir a imputabilidade.

Potencial consciência da ilicitude vem a ser a possibilidade que tem o agente imputável de

compreender a reprovabilidade de sua conduta.


Exigibilidade de conduta diversa implica a expectativa de que o agente, no caso concreto, poderia

agir de forma diferente e, desse modo, evitar a prática do fato típico.

5.2 CONCURSO DE PESSOAS

Concurso de agentes, codelinquência ou concurso de pessoas caracterizam-se quando uma


infração penal é cometida por duas ou mais pessoas.

Requisitos para sua caracterização:

a. Pluralidade de agentes e de condutas: duas ou mais pessoas devem ter praticado

condutas penalmente relevantes. No caso da autoria, as condutas serão igualmente

importantes. No caso da participação, haverá uma conduta principal e outra acessória;

b. Relevância causal das condutas: o comportamento dos agentes deve influenciar de

alguma maneira a prática da infração. Por isso o art. 29 do CP dispõe que “quem, de qualquer

modo, concorre para o crime, incide nas penas a este cominadas, na medida de sua
culpabilidade” (Brasil, 1940);

c. Liame subjetivo entre os agentes: não é necessário que haja um acordo prévio entre os

agentes, mas eles devem ter consciência de que contribuíram para a prática de uma mesma

infração. Isto é, é preciso haver um nexo psicológico entre os sujeitos para se considerar que

eles praticaram um crime em concurso. Caso não exista esse liame, haverá vários crimes

simultâneos e não um crime realizado por várias pessoas. Um adere ao comportamento e

vontade do outro;

d. Identidade de infração penal: como todos os agentes contribuem para o mesmo evento,

respondem, em regra, pela mesma infração penal. Trata-se da aplicação da teoria monista, monística

ou unitária, adotada pelo CP. Excepcionalmente pode ser aplicada a teoria pluralista/pluralística, pela

qual os agentes respondem por tipos penais diferentes, apesar de buscarem o mesmo resultado, a
exemplo dos crimes de corrupção passiva e corrupção ativa (arts. 317 e 333, do CP, respectivamente)

e das figuras de aborto consentido (arts. 124 e 126, ambos do CP) (Brasil, 1940).

Para melhor compreender o tema, é necessário saber os conceitos jurídicos de autor e de

participação.
Autoria: considera-se autor de um crime a pessoa que executa a ação indicada pelo verbo que
consta no tipo (teoria restritiva), ou então quem controla a realização da conduta, mesmo não

executando o núcleo do tipo (teoria do domínio do fato);


Coautoria: ocorre quando dois ou mais agentes praticam a conduta prevista no tipo penal;

Participação: partícipe é aquele que realiza atos que, de alguma forma, concorrem para o
crime, sem ingressar na ação nuclear típica. O partícipe deve querer colaborar com a conduta do

autor e deve tê-lo auxiliado. Pode ser:

participação moral: é a instigação ou o induzimento ou de terceira pessoa a cometer um crime.


Podem ocorrer na fase de cogitação e dos atos preparatórios. Na instigação, o partícipe reforça

a vontade que o autor já possuía. No induzimento, o partícipe faz surgir a ideia criminosa na

mente do autor;

participação material: é o auxílio oferecido pelo partícipe para concretização da execução do

crime. Acontece durante os atos preparatórios ou executórios, mas não após a consumação do

crime, exceto se tiver havido a combinação anterior.

NA PRÁTICA

A diferença entre o delito de associação criminosa, previsto no art. 288 do CP (Brasil, 1940), e o

instituto do concurso de agentes está no fato de que referido crime pressupõe no mínimo 3 (três)

agentes, os quais devem ter um grau de estabilidade no que se refere à duração do vínculo entre eles.

O concurso de agentes pode se caracterizar com 2 (dois) integrantes e o liame entre eles pode
ocorrer poucos instantes antes da prática da infração.

FINALIZANDO

Nesta aula, estudamos os elementos estruturais do conceito analítico de crime – fato típico,

ilicitude e culpabilidade – além de breve análise do instituto denominado concurso de agentes.

Verificou-se, dentre outras informações:

1. que o CP brasileiro adotou a teoria finalista da ação relativamente à conduta;

2. que nosso sistema admite crimes sem resultado naturalístico (crimes formais e crimes de

mera conduta);
3. que o nexo causal implica uma relação física, de causa e efeito entre a conduta e o
resultado dela decorrente, tendo o CP adotado a teoria da conditio sine qua nom;

4. que relativamente à ilicitude, foram analisados detalhadamente os institutos que afastam

sua caracterização, quais sejam, estado de necessidade, legítima defesa, estrito cumprimento do
dever legal e exercício regular de direito, sendo ponderados seus elementos e requisitos para

sua caracterização;

5. estudou-se, ainda, a culpabilidade, seus elementos, como também o instituto do concurso de


agentes, seus requisitos, além da conceituação de autor, coautor e partícipe, perante a legislação

penal brasileira.

REFERÊNCIAS

BARROS, F. A. M. de. Manual de direito penal – partes geral e especial. Salvador: JusPodivm,

2019.

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