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ELEMENTOS DO DIREITO PENAL

AULA 6

Prof. Francisco Ubirajara Camargo Fadel


CONVERSA INICIAL

Após estudarmos a teoria da norma penal, a teoria do crime, bem como a teoria da pena, é

necessário voltarmos os olhos para a punibilidade, que nada mais é do que a consequência jurídica

resultante da prática de um ilícito penal. Após breves considerações, analisaremos cada uma das

causas de extinção da punibilidade elencadas no art. 107 do Código Penal – CP (Brasil, 1940). Veremos

que algumas têm caráter personalíssimo, como a morte do agente e o perdão judicial; outras

alcançam todos os envolvidos na prática delitiva, como a decadência e a prescrição; e ainda há as que

dependem da manifestação ou ausência de manifestação da vítima, como o perdão do ofendido e a


renúncia, respectivamente.

Passemos, então, ao estudo das causas que levam à extinção da punibilidade.

TEMA 1 – EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE: CONSIDERAÇÕES INICIAIS,


MORTE DO AGENTE, ANISTIA, GRAÇA E INDULTO

A punibilidade nada mais é do que a possibilidade conferida ao Estado de aplicar ao autor de

uma infração penal a consequência jurídica decorrente de sua prática, qual seja, aplicar àquele uma

pena ou uma medida de segurança. Porém, o poder de punir do Estado pode ser extinto em

decorrência de certos fatores, denominados causas de extinção da punibilidade.

Conforme Dotti (2010, p. 763), “as causas extintivas de punibilidade são atos ou fatos que
impedem a aplicação da sanção penal”. Prossegue o professor paranaense:

Algumas destas causas resultam de acontecimentos naturais como a morte; outras de fatos

complexos como a passagem do tempo e a inércia do titular do direito (prescrição, decadência,

renúncia e perempção); outras, ainda, decorrem da vontade do Estado (indulto, anistia, graça,
perdão judicial), da vontade do ofendido (renúncia e perdão) ou da vontade do agente (retratação e

ressarcimento do dano) [...]. (Dotti, 2010, p. 763)


Assim, caracterizada uma causa de extinção de punibilidade, em regra o ilícito penal continua a
existir, desaparecendo, porém, o poder estatal de aplicar ao agente desse ilícito a sanção decorrente

de sua prática. O art. 107 do CP enumera, exemplificativamente, várias causas que, materializadas,
levam à extinção da punibilidade do autor do fato delituoso. Algumas podem ocorrer antes do

trânsito em julgado da sentença penal condenatória, atingindo a pretensão punitiva do Estado.

Outras atingem a sua pretensão executória, vale dizer, manifestam-se após o trânsito em julgado

da sentença condenatória, impedindo a concreta aplicação da sanção penal.

Há várias causas de extinção da punibilidade previstas também na parte especial do CP, bem

como em leis extravagantes. É importante notar que causas extintivas de punibilidade não se

confundem com escusas absolutórias, pois estas se encontram previstas na parte especial do CP.

Havendo concurso de agentes, determinadas causas de extinção de punibilidade poderão ser

aplicadas a todos indistintamente, como a decadência; ou somente a um ou alguns, como ocorre em

relação à morte do agente, causa extintiva de caráter personalíssimo por excelência.

1.1 MORTE DO AGENTE (ART. 107, INCISO I DO CP)

Um dos princípios que regem a teoria da pena, consequência da responsabilidade penal, é o da

personalidade, pelo qual a punição não pode ultrapassar a pessoa do condenado e, morrendo este,

sua execução perde o objeto. O art. 5º, inciso XLV da Constituição Federal de 1988 (CF/1988) confirma
o exposto, ao declarar que “[...] nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a

obrigação de reparar o dano e a decretação de perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendida

aos sucessores e contra eles executada, até o limite do valor do patrimônio transferido” (Brasil, 1988).

Por outro lado, a expressão latina mors omnia solvit (a morte tudo apaga) também é corolário

dessa causa de extinção da punibilidade.

O termo agente, na legislação, é empregado em sentido amplo, abrangendo o indiciado, o


denunciado, o querelado, o sentenciando, o condenado e o reeducando.

A causa extintiva da morte do agente pode ocorrer em qualquer fase da persecução penal,

seja durante o inquérito policial, seja ao longo da instrução criminal em juízo, seja ainda no

transcorrer da fase de execução da pena, sendo sempre necessária a manifestação do representante


do Ministério Público (MP) a respeito desse tipo de ocorrência. Trata-se de causa de extinção da
punibilidade de caráter personalíssimo, não se comunicando com outros envolvidos na infração.

A causa extingue todos os efeitos de uma sentença penal condenatória, penais e extrapenais,

porém, caso a morte ocorra após o trânsito em julgado da decisão condenatória, prevalecem os

efeitos secundários extrapenais, sendo autorizada a execução, no juízo cível, em face dos

herdeiros do falecido.

Por outro lado, juridicamente, a morte de um ser humano é aferida pela cessação de suas
atividades encefálicas, conforme art. 3º da Lei n. 9.434/1997 (Brasil, 1997). Documentalmente,

comprova-se a morte de alguém por meio da juntada, nos autos, da sua certidão de óbito

(conforme art. 62 do Código de Processo Penal – CPP), não sendo possível declarar extinta sua

punibilidade com base em declaração judicial de ausência (Brasil, 1941b). Não se admite a

declaração da extinção da punibilidade em face de morte presumida.

Caso a sentença extintiva de punibilidade, que não comporte mais recurso, tenha sido prolatada

com base em certidão de óbito falsa, entendem o Superior Tribunal de Justiça – STJ, conforme

Habeas Corpus (HC) n. 31.234/MG/2003 e HC n. 143.474/SP/2009 (Brasil, 2004a; 2009); e o Supremo

Tribunal Federal – STF, de acordo com HC n. 55091/SP/1977, HC n. 60.095-6/RJ/1982, HC n.

84.525/MG/2004 e HC n. 104.998/SP/2010 (Brasil, 1977, 1982, 2004b, 2011), que o desfazimento de

referida decisão não ofende a coisa julgada material, pois a peça processual há de ser considerada

inexistente e o erro material identificado pode ser corrigido a qualquer tempo, inclusive, de ofício,
vale dizer, espontaneamente, pelo Poder Judiciário.

ANISTIA: ATO LEGISLATIVO, RENUNCIA AO


PODER-DEVER DO ESTADO DE PUNIR O AUTOR DE
1.2 ANISTIA (ART. 107, INCISO II DO CP) UM CRIME. CLEMÊNCIA CONCEDIDA PELO PODER
EXECUTIVO

Anistia, prevista no art. 107, inciso II do CP, conforme Dotti (2010, p. 765), “[...] é o ato legislativo

pelo qual o Estado renuncia ao poder-dever de punir o autor do crime, atendendo a razões de

necessidade ou conveniência política”. Trata-se de uma espécie de indulgência (clemência), concedida


pelo Poder Executivo, excluindo o crime, apagando seus efeitos, seja a pena, seja a medida de

segurança, no caso desta última, nos termos do art. 96, parágrafo único do CP, perdurando, porém, a

obrigação de indenizar o dano decorrente do fato (Brasil, 1940).

Ora, se o Estado, por meio de seus mecanismos legais, pode criminalizar determinados

comportamentos, poderá, também, descriminalizar certos fatos, pois quem pode o mais pode,
efetivamente, o menos.

A anistia ocorre mediante edição de lei penal com efeito retroativo (ex tunc), que promove o
esquecimento jurídico do fato criminoso. O instituto refere-se a fatos e não a pessoas, atingindo

todos que tenham praticado determinado delito, sendo certo que seu âmbito não se encontra restrito

a crimes políticos, pois a anistia pode ser aplicada também a crimes comuns. Ela é concedida por lei

federal, sendo competência exclusiva da União sua edição (conforme CF/1988, art. 21, inciso XVII),

por intermédio do Congresso Nacional (de acordo com a CF/1988, art. 48, inciso VIII), mediante
sanção do presidente da república (Brasil, 1988).

A anistia difere da abolitio criminis. Na abolitio criminis, a norma penal incriminadora deixa de

existir, ao passo que na anistia são alcançados apenas os fatos passados, continuando a existir o tipo

penal.

A anistia pode ser concedida antes ou depois da sentença e retroage, ou seja, volta no tempo,
apagando o crime (efeito ex tunc), extinguindo a punibilidade do agente e as demais

consequências de natureza penal, não apagando, porém, os efeitos de natureza extrapenal. Assim,

se o agente vier a cometer novo crime, será considerado primário, bem como a sentença penal

condenatória definitiva poderá ser executada no juízo cível.

O beneficiário só poderá recusar a anistia na forma condicionada, ou seja, quando a concessão

do benefício estiver atrelada ao preenchimento ou cumprimento de alguma(s) condição(ões).


Havendo sua aceitação, o beneficiário não poderá modificar sua escolha. Por outro lado, uma vez

aceita a anistia, ela não poderá ser revogada, até porque lei posterior, de cunho revogador, iria

prejudicar os anistiados, princípio vedado pela CF/1988, em seu art. 5º, inciso XL (Brasil, 1988).

O instituto tem aplicação também na ação penal privada, pois o Estado concedeu ao ofendido o

direito de postular a punição daquele que ofendeu seu interesse, permanecendo com o ente estatal o
direito de aplicar a lei ao caso (direito de punir), encargo a que pode vir a renunciar a qualquer

momento.

Conforme art. 5º, inciso XLIII da CF/1988, a anistia não é cabível em crimes hediondos,

tortura, terrorismo e tráfico ilícito de entorpecentes (Brasil, 1988). Classifica-se em:

a. própria: quando concedida antes da condenação, ou seja, durante o trâmite da ação penal;

b. imprópria: quando concedida após o trânsito em julgado da sentença penal condenatória;


c. geral (plena): quando atinge todos os imputados pela prática penal;
d. parcial: quando exige certas condições alusivas a fatos ou pessoas para a aquisição da benesse

– assim, determinada lei pode conceder anistia a todos os agentes que, durante um período x,
cometeram delitos, à exceção daqueles que cometeram as infrações a, b e c;

e. incondicionada: quando a lei não impõe requisitos para sua concessão;

f. condicionada: quando se exige alguma condição específica do réu ou condenado para sua

concessão, como ser o agente primário – e nessa modalidade, admite-se a recusa do

beneficiário.

Será competente para reconhecer e declarar extinta a punibilidade, em face de anistia, o

magistrado que estiver à frente do processo. Assim, tratando-se de ação penal que tramita no

primeiro grau de jurisdição, tal decisão tocará ao juiz. Caso o feito se encontre em tribunal, a ele

competirá declarar extinta a punibilidade do agente. Por fim, se já tiver havido o trânsito em julgado

da sentença penal condenatória, caberá ao magistrado que responder na determinada vara de


execução penal declarar extinta a punibilidade do agente.

1.3 GRAÇA (INDULTO INDIVIDUAL, CONFORME ART. 107, INCISO II DO CP)

A graça, conforme art. 107, inciso II do CP (Brasil, 1940), trata-se de clemência individual,

dirigida a pessoa determinada, concedida por um poder soberano, que tem por mira crimes

comuns com sentença penal condenatória transitada em julgado. Tem natureza administrativa e
visa extinguir a pena imposta, pressupondo a existência de uma sentença penal condenatória

irrecorrível. Atinge somente a pena imposta, subsistindo os demais efeitos condenatórios, ou seja,

atinge somente os efeitos executórios da sentença penal. Se o agraciado vier a cometer novo crime,

será considerado reincidente.

Como é de índole individual, deve ser requerida pelo condenado, pelo Conselho Penitenciário,

pelo MP ou pela autoridade administrativa, conforme art. 188 da Lei de Execução Penal – LEP (Brasil,
1984) e, uma vez concedida, em regra, não pode ser recusada.

O Presidente da República é quem detém competência privativa e discricionária para conceder

a graça, o que ocorre por intermédio de decreto. Conforme art. 84, inciso XII da CF/1988, a concessão

da graça é ato privativo e discricionário do presidente da república, podendo, porém, o chefe do

Executivo nacional, conforme o parágrafo único daquele mesmo artigo, delegar a competência para
sua concessão aos ministros de Estado, ao procurador-geral da república ou ao advogado-geral da

União (Brasil, 1988).

A graça pode ser plena ou parcial, conforme atinja integralmente a pena ou parte dela. Somente

a graça parcial pode ser recusada pelo agente, conforme CPP, art. 739 (Brasil, 1941b).

Nos termos do art. 5º, inciso XLIII da CF/1988 (Brasil, 1988), é proibida a concessão de graça aos

praticantes de crimes hediondos, tortura, terrorismo e tráfico de entorpecentes e drogas afins, sendo

ela também cabível em ação penal de iniciativa privada.

1.4 INDULTO (ART. 107, INCISO II DO CP)

Previsto no art. 107, inciso II do CP, chamado de indulto propriamente dito ou indulto coletivo, o

indulto vem a ser a clemência coletiva concedida espontaneamente pelo presidente da república

(conforme art. 84, inciso XII da CF/1988), por meio de decreto, cabível em face de penas e de

medidas de segurança (Brasil, 1940, 1988). Atinge a pena imposta, permanecendo os demais efeitos
condenatórios. Assim, caso o indultado cometa novo delito, será considerado reincidente.

Para sua concessão, faz-se necessário parecer do Conselho Penitenciário e considerar a

duração da pena aplicada, bem como o preenchimento de requisitos de ordem objetiva (por exemplo,

quantum de pena já cumprida) e de ordem subjetiva (por exemplo, primariedade do agente). Note

que, embora seja a regra, o STF não entende ser necessário o trânsito em julgado de sentença penal

condenatória, para a concessão do indulto, conforme HC n. 87.801/SP/2006 (Brasil, 2006).

Não é permitida sua concessão em face de crimes hediondos, terrorismo e tráfico de

entorpecentes ou drogas afins e tortura, conforme entendimento do STF e STJ. É cabível em relação

aos crimes que se apuram mediante ação penal privada.

TEMA 2 – ABOLITIO CRIMINIS (ART. 107, INCISO III DO CP),


DECADÊNCIA E PEREMPÇÃO

Abolitio criminis, conforme art. 107, inciso III do CP, trata-se de fenômeno que ocorre quando

nova lei afasta do âmbito penal um fato até então considerado criminoso. Nos termos do art. 5º,

inciso XL da CF/1988, a norma penal mais benéfica é retroativa, sendo assim, possui efeito ex tunc,

extinguindo a punibilidade de todos os agentes, mesmo que condenados com sentença


transitada em julgado, apagando todos os efeitos da condenação, à exceção dos efeitos civis
decorrentes da condenação (Brasil, 1940, 1988).

A decretação da extinção da punibilidade pela aplicação da abolitio criminis competirá ao órgão

do Poder Judiciário no qual esteja tramitando a ação penal atingida pelo instituto. Assim, ela poderá

ocorrer no juízo criminal de primeiro grau, caso a questão se encontre na fase policial ou mesmo em

trâmite da ação penal; ainda no tribunal respectivo, caso se trate de competência originária ou o feito

se encontre em grau recursal; ou, por fim, por decisão de juízo da vara de execução penal, quando se
tratar de sentença penal condenatória transitada em julgado.

2.1 DECADÊNCIA (ART. 107, INCISO IV DO CP)

A decadência, conforme art. 107, inciso IV do CP, vem a ser a perda do direito de exercício de

ação ou de representação, decorrente da inércia de seu titular durante certo lapso de tempo

estabelecido em lei, atingindo indiretamente o jus puniendi do Estado (Brasil, 1940). É cabível na ação

penal de iniciativa privada e na de iniciativa pública condicionada à representação, não havendo


prazo decadencial nos crimes de ação pública condicionada a requisição de ministro da Justiça.

Salvo disposição legal em contrário, a decadência se opera em seis meses a contar da data em

que a vítima ou seu representante legal souber quem foi o autor do crime (de acordo com art. 38 do

CPP e art. 103 do CP). O prazo, que é peremptório, ou seja, não se interrompe e nem se suspende,
é contado conforme o art. 10 do CP, ou seja, desde o dia do seu início, inclusive (Brasil, 1940, 1941b).

Tratando-se de ação penal privada subsidiária da pública, o prazo decadencial de seis meses

começará a fluir a partir do momento em que escoar o prazo legal conferido ao MP para o

oferecimento da denúncia, nos termos do art. 103 do CP (Brasil, 1940).

Relativamente ao crime de induzimento a erro essencial e ocultação de impedimento, previsto no

art. 236 do CP e único existente em nossa legislação a ser apurado mediante a propositura de ação
penal privada personalíssima, é necessário notar que o prazo decadencial de seis meses terá início

após o trânsito em julgado da sentença que, proferida pelo juiz da vara de família, vier a anular o

casamento (Brasil, 1940).

Cessa-se a fluência do prazo no momento em que é oferecida a queixa. A decadência ocorrerá

somente antes do início da ação penal, comunicando-se o fato a todos os envolvidos na


infração. Sendo o ofendido maior de 18 anos, o cômputo do prazo somente a ele pode ser creditado.

Porém, sendo aquele menor de 18 anos, cabe a seu representante legal tal tarefa.

No crime continuado, o prazo decadencial conta-se isoladamente em face de cada uma das

infrações, ou seja, a partir da data em que se descobre a autoria de cada ilícito penal. No crime
habitual, cuja existência pressupõe uma repetição de atos, a decadência é contada a partir do

último ato conhecido praticado. No crime permanente, o prazo começará a fluir após a cessação

da permanência, mesmo que a autoria seja conhecida desde data anterior.

2.2 PEREMPÇÃO (ART. 107, INCISO IV DO CP)

A perempção, como legislada no art. 107, inciso IV do CP, trata-se da sanção, aplicada ao

querelante, consistente na perda do direito de prosseguir na ação penal privada, decorrente de sua

inércia processual (Brasil, 1940). Ela ocorre após o início da ação e, uma vez configurada, atingirá a

todos os querelados, sendo incabível nos crimes de ação penal privada subsidiária.

As hipóteses de perempção estão elencadas no art. 60, incisos I a IV do CPP (Brasil, 1941b):

a. Quando, iniciada a ação, o querelante deixar de promover o andamento do processo

durante 30 dias seguidos: regularmente intimado o querelante e decorridos 30 dias sem que

haja sua manifestação, declarará o juiz a perempção da ação, não podendo ela ser proposta

novamente. Evidentemente, não se configura a perempção se o fato decorrer de força maior ou

em face de conduta culposa da própria defesa.

b. Quando, falecendo o querelante ou, sobrevindo sua incapacidade, ele não comparecer em

juízo, para prosseguir no processo, dentro de 60 dias, qualquer das pessoas a quem

couber fazê-lo, ressalvado o disposto no art. 36 do CPP: nessa situação, os legitimados para

suceder o querelante no polo ativo da ação penal privada encontram-se elencados no art. 31 do

CPP (Brasil, 1941b). Assim, falecendo o querelante, deverá o juízo intimar seus sucessores, os

quais deverão se manifestar no prazo de 60 dias, sob pena de se configurar a perempção. Nesse
caso, a substituição é condição de prosseguibilidade. Se, após a substituição, houver

desistência por parte do novo querelante, os demais sucessores poderão prosseguir na ação.

c. Quando o querelante deixar de comparecer, sem motivo justificado, a qualquer ato

processual a que deva estar presente: nessa hipótese, o querelante não comparece

injustificadamente a ato processual no qual sua presença era fundamental. Caso assim se
proceda, entende-se que o autor da ação penal privada não mais está interessado em seu
prosseguimento e, dessa maneira, deverá o juiz declarar extinta a punibilidade do querelado em

face da perempção, determinando o arquivamento dos autos. É necessário notar que, no âmbito
dos crimes apuráveis mediante ações penais privadas, o Estado deixou a critério do ofendido a

análise da propositura ou não da ação. Ora, parte-se do raciocínio pelo qual, tendo optado pela

propositura da demanda, deverá envidar todos os esforços no sentido de levá-la até final

julgamento, sob pena de caracterizar-se a perempção. Por fim, somente a ausência a atos

processuais em que a presença do querelante for fundamental poderá ensejar a extinção da


punibilidade da parte adversa. Assim, não estará o querelante obrigado a comparecer ao ato

processual se se tratar de mera audiência reconciliatória alusiva ao procedimento dos crimes

contra a honra.

d. Deixar (o querelante) de formular pedido de condenação nas alegações finais: deverá o

querelante pedir expressamente a condenação do querelado (parte ré) em face da imputação

contra ele formulada. Caso sejam dois ou mais os delitos imputados ao réu, o pedido de
condenação deve ser expresso em relação a cada um deles, sob pena de ocorrer perempção em

face daquele que foi esquecido. Exemplificando: A propõe ação penal privada em face de B,

imputando-lhe o cometimento dos crimes de injúria e difamação. Nas alegações finais, seu

advogado pede expressamente a condenação do réu somente em relação ao delito de injúria,

esquecendo-se de fazer expressamente o mesmo pedido em face do crime de difamação. Ora,

quanto a este último, deverá o juiz declarar extinta a punibilidade do querelado. Caso o
querelante não apresente alegações finais no prazo legal, estará caracterizada a perempção.

e. Quando, sendo querelante pessoa jurídica, esta se extinguir sem deixar sucessor: nessa

hipótese, deverá o sucessor da pessoa jurídica se habilitar nos autos analogamente ao

estabelecido para o sucessor da pessoa física no mesmo art. 60, inciso II do CPP (Brasil, 1941b).

Assim, se no prazo legal não houver a habilitação exigida pela lei, deverá o juiz decretar extinta

a punibilidade do querelado e determinar o arquivamento dos autos.

Por fim, havendo vários querelantes, a perempção somente atingirá o que se mostrar negligente.

TEMA 3 – RENÚNCIA (ART. 107, INCISO V DO CP), PERDÃO DO


OFENDIDO E RETRATAÇÃO
A renúncia, prevista no art. 107, inciso V do CP (Brasil, 1940), consiste em ato unilateral, pelo qual

o ofendido abre mão, ou seja, desiste do direito de oferecer queixa ou formular representação em

face do autor da infração. Ela ocorre antes do início da ação penal privada ou da ação penal
pública condicionada à representação, sendo, portanto, sempre extraprocessual. A renúncia em

relação a um dos autores do crime a todos aproveita, tendo em vista a aplicação, às ações penais
privadas, do princípio da indivisibilidade. O recebimento de indenização pelo dano resultante do

crime não implica sua renúncia, como expressamente previsto no art. 104, parágrafo único do CP

(Brasil, 1940).

A renúncia sempre foi instituto exclusivo de ação penal privada, mas a Lei n. 9.099/1995, que

instituiu os juizados especiais cíveis e criminais estaduais, criou uma hipótese de sua aplicação às

infrações penais de menor potencial ofensivo apuráveis mediante ação penal pública condicionada à

representação. O art. 74, parágrafo único da Lei n. 9.099/1995 estabelece que, nos crimes de ação

privada ou ação penal pública condicionada à representação, a composição em relação aos danos
civis, uma vez homologada pelo juiz na audiência preliminar, implicará a renúncia, por parte do

ofendido, ao exercício do direito de queixa ou de representação. Observe que nessa hipótese,

excepcionalmente, a renúncia pode não se estender a todos os querelados (Brasil, 1995).

Se o titular do direito à ação penal possuir 18 anos, somente ele terá legitimidade para renunciar

ao exercício do direito de queixa. Havendo duas vítimas, a renúncia de uma delas não atinge o direito

da outra de oferecer queixa ou exercer seu direito de representação.

3.1 PERDÃO DO OFENDIDO (ART. 107, INCISO V DO CP)

O perdão do ofendido, previsto no art. 107, inciso V do CP, consiste em ato bilateral, pelo qual o

querelante desiste do prosseguimento da ação penal, desculpando o querelado, cabível somente em

ação penal privada, seja ela exclusiva, seja ela personalíssima (Brasil, 1940). Terá eficácia somente

antes do trânsito em julgado da sentença condenatória. É ato bilateral, pois deve ser aceito pelo
querelado, para gerar efeitos. Se oferecida a um dos ofensores, a todos aproveitará, desde que o

aceitem. Havendo mais de um querelante, o perdão oferecido por um não atinge a ação promovida

pelos demais. Se o querelante tiver 18 anos, o perdão somente poderá ser oferecido por si. Mas, se o

querelante for totalmente incapaz e, dessa forma, esteja sendo representado por seu responsável,

somente este poderá concedê-lo.


Seu oferecimento pode ser feito pessoalmente ou por intermédio de procurador com poderes
especiais. Assim, pode ser processual ou extraprocessual. Caso processual, determina o art. 58 do

CPP (Brasil, 1941b) que seja intimado o querelado para, em três dias, se manifestar, aceitando ou
recusando o perdão. Caso não o aceite, deverá comparecer em juízo e fazê-lo de forma expressa;

silenciando, entende-se que aceitou o perdão. Extraprocessualmente, o perdão pode ser expresso ou
tácito. Expresso, quando concedido mediante declaração assinada pelo querelante ou procurador

com poderes especiais. Será tácito quando o querelante praticar ato incompatível com a intenção de

prosseguir na ação, admitindo-se para isso qualquer meio de prova.

3.2 RETRATAÇÃO DO AGENTE (ART. 107, INCISO VI DO CP)

Quem se retrata se desdiz, confessa que errou. Por intermédio da retratação, prevista no art. 107,

inciso VI do CP, o querelado (réu) admite que agiu erroneamente e, dessa forma, ocorrendo o fato

antes da prolação de sentença, competirá ao juiz extinguir sua punibilidade. A retratação é admitida

nos crimes de calúnia e difamação, conforme art. 143 do CP, falso testemunho e falsa perícia, nos
termos do art. 342, parágrafo 2º do CP, não tendo, porém, aplicação ao delito de injúria, eis que

nesse caso ocorre uma ofensa à honra subjetiva da vítima (Brasil, 1940).

TEMA 4 – PERDÃO JUDICIAL (ART. 107, INCISO IX DO CP)

O perdão judicial, legislado pelo art. 107, inciso IX do CP, é o instituto pelo qual o juiz,

comprovada a prática da infração penal pelo agente, deixa de aplicar-lhe a pena em face da existência

de justificadas circunstâncias. Trata-se de causa de extinção de punibilidade de cunho

personalíssimo. Mostra-se cabível somente nas hipóteses expressamente previstas em lei, como nos

arts. 121, parágrafo 5º; 129, parágrafo 8º; 140, parágrafo 1º; 180, parágrafo 5º do CP; art. 8º e 39,

parágrafo 2º do Decreto-Lei n. 3.688/1941 (Lei de Contravenções Penais); e ainda no art. 29, parágrafo

2º da Lei n. 9.605/1998 (Lei dos Crimes Ambientais), entre outros (Brasil, 1940, 1941a, 1998).

Doutrina e jurisprudência advogam que o instituto tem perfeita aplicação nos casos em que se

caracteriza concurso formal, conforme art. 70 do CP (Brasil, 1940), ou seja, quando o agente, mediante

uma só ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes, idênticos ou não. Assim, caso o agente, por

meio de uma única conduta, venha a praticar dois ou mais delitos, contra duas ou mais pessoas,

configurada a situação exigida pela lei, o instituto abrangerá o fato em si (rectius, a conduta) e, assim,
mesmo os delitos cometidos contra vítimas sem qualquer relação de proximidade com o autor serão

alcançados pelo perdão judicial.

O perdão judicial é declarado na sentença, após o juiz considerar o acusado responsável pelo

delito imputado, não precisando ser aceito para gerar efeitos. O perdão afasta os efeitos da
reincidência, conforme art. 120 do CP (Brasil, 1940).

Por fim, o STJ editou a Súmula n. 18/1990, segundo a qual “A sentença concessiva do perdão

judicial é declaratória da extinção da punibilidade, não subsistindo qualquer efeito condenatório”


(Brasil, 1990).

TEMA 5 – PRESCRIÇÃO (ART. 107, INCISO IV DO CP)

A prescrição, prevista no art. 107, inciso IV do CP (Brasil, 1940), “consiste na perda do poder-

dever do Estado de impor uma sanção penal (prescrição da pretensão punitiva) ou de executar a

sanção penal imposta (prescrição da pretensão executória), em virtude do decurso do tempo” (Araújo,

2020, p. 1.174). É instituto de direito material, vez que atinge o direito de punir do Estado. Assim,
compreende-se que a prescrição atinge o próprio direito de punir, ao passo que a decadência alcança

o direito de postular em juízo a punição.

Há duas espécies de prescrição:

1. Prescrição da pretensão punitiva: ocorre antes do trânsito em julgado da sentença penal

condenatória, perdendo o Estado o poder-dever de impor a sanção penal. Subdivide-se em:

a. prescrição da pretensão punitiva propriamente dita;

b. prescrição superveniente (intercorrente);

c. prescrição retroativa.

2. Prescrição da pretensão executória: materializa-se quando a sentença já não comporta mais

recursos, porém, com ela o Estado perde o poder-dever de concretizar a sanção penal imposta.

Em regra, os prazos prescricionais encontram-se previstos no art. 109 do CP, salvo o referente à

hipótese em que a pena de multa é a única cominada ou aplicada. Nesse caso, o prazo será de dois

anos, conforme disposto no art. 114, inciso I do CP. Porém, quando a pena de multa for alternativa ou

cumulativamente cominada ou aplicada, o prazo prescricional será o mesmo estabelecido para a

prescrição da pena privativa de liberdade, conforme art. 114, inciso II do CP (Brasil, 1940).
Os prazos prescricionais são reduzidos à metade quando o agente era, ao tempo do crime,
menor de 21 anos ou, na data da sentença, maior de 70 anos.

O termo inicial, ou seja, o momento a partir do qual passa a fluir o prazo prescricional encontra-

se previsto no art. 111 do CP. Lado outro, as causas interruptivas da fluência do prazo prescricional,
ou seja, as hipóteses em que o prazo voltará a fluir novamente por inteiro estão elencadas no art. 117

do CP (Brasil, 1940).

A prescrição superveniente, também chamada de intercorrente ou subsequente, é computada –


tendo em vista o trânsito em julgado da sentença penal condenatória, para a acusação – a partir do

momento da publicação da decisão e leva em conta a pena efetivamente imposta. A prescrição

retroativa regula-se pela pena efetivamente fixada na sentença, pressupondo seu trânsito em

julgado, para a acusação. Prescrição superveniente e prescrição retroativa têm como balizas os prazos

estabelecidos no art. 109 do CP (Brasil, 1940).

A prescrição da pretensão executória terá como referência o trânsito em julgado da

condenação para as duas partes e releva como parâmetro a pena efetivamente imposta na sentença.

O prazo poderá ser acrescido em um terço caso o condenado seja considerado reincidente, e seu

termo inicial encontra-se disciplinado no art. 112 do CP. Terá como causas interruptivas, nos termos

do art. 117, incisos V e VI do CP, o início ou a continuação do comprimento da pena ou a reincidência

(Brasil, 1940).

A chamada prescrição virtual, em perspectiva ou antecipada não possui amparo legal e não é

acolhida pelos tribunais superiores. Trata-se de uma espécie de contagem fictícia (projetada) do prazo

prescricional, tendo por base um prognóstico da situação processual do agente.

NA PRÁTICA

Você sabia que, até o ano de 2005, a legislação brasileira “premiava” o estuprador com a extinção

de sua punibilidade se ele se casasse com a vítima ou se ela contraísse matrimônio com terceiro e não

desse seguimento à apuração do crime? Os incisos VII e VIII do art. 107 do CP eram assim redigidos:

Art. 107 – Extingue-se a punibilidade:

[...]

VII – pelo casamento do agente com a vítima, nos crimes contra os costumes, definidos nos
Capítulos I, II e III, do Título VI, da Parte Especial deste Código;
VIII – pelo casamento da vítima com terceiro, nos crimes referidos no inciso anterior, se cometidos

sem violência real ou grave ameaça e desde que a ofendida não requeira o prosseguimento do
inquérito policial ou da ação penal no prazo de 60 (sessenta) dias a contar da celebração; [...] (Brasil,

1940).

A Lei n. 11.106/2005, em boa hora, revogou tais dispositivos (Brasil, 1940, 2005).

FINALIZANDO

Verificamos que as causas de extinção de punibilidade, em sua maioria, estão previstas no art.

107 do CP (Brasil, 1940) e, ao tratarmos de cada uma delas, pudemos destacar suas particularidades e,

ainda, sua interpretação pelos tribunais superiores, seu raio de incidência, sua aplicabilidade e sua

relevância. Além disso, restou claro que a interpretação doutrinária nem sempre é pacífica. Por fim,

analisamos quais são as causas de extinção de punibilidade aplicáveis exclusivamente às ações penais
públicas e às ações penais privadas.

REFERÊNCIAS

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31 dez. 1940. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-

lei/del2848compilado.htm>. Acesso em: 11 out. 2020.

_____. Decreto-Lei n. 3.688, de 3 de outubro de 1941. Diário Oficial da União, Rio de Janeiro, 3

out. 1941a. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del3688.htm>. Acesso


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_____. Decreto-Lei n. 3.689, de 3 de outubro de 1941. Diário Oficial da União, Rio de Janeiro, 13

out. 1941b. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-

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Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9605.htm>. Acesso em: 11 out. 2020.

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Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/lei/l11106.htm>. Acesso

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Xavier de Albuquerque. Diário da Justiça, Brasília, 26 ago. 1977.

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Justiça, Brasília, 17 dez. 1982.

_____. Habeas Corpus n. 84.525/MG, de 16 de novembro de 2004. Relator: Carlos Velloso. Diário

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_____. Habeas Corpus n. 87.801/SP, de 2 de maio de 2006. Relator: Sepúlveda Pertence. Diário da
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DOTTI, R. A. Curso de direito penal: parte geral. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.

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