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EXMO. SR. DR.

JUIZ DE DIREITO DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL DE CAMPINAS/SP

BANCO ITAÚ S.A., por seu advogado que esta


subscreve, nos autos da AÇÃO COMINATÓRIA que lhe promove LUIZ CARLOS
DE OLIVEIRA (processo nº 5682/2003), apresenta CONTESTAÇÃO, pelas
razões que seguem:

I – PRETENSÃO INICIAL

Em suma, sustenta o autor que um cheque não


emitido por ele, no valor de R$ 820,00, foi descontado indevidamente da sua conta
corrente.

Alega que o cheque foi depositado na conta de um


correntista do réu, o qual também não sabe a razão do crédito, e que precisa ter
acesso ao comprovante do depósito e a todo procedimento que rastreie citado
cheque, com a finalidade de saber quem foi o emissor do cheque.

1
Pleiteia seja o réu compelido a fornecer, em juízo,
referida documentação.

II – PRELIMINARMENTE

CARÊNCIA DE AÇÃO POR ILEGITIMIDADE PASSIVA

Patente é a ilegitimidade do réu para figurar no


pólo passivo desta ação.

O sigilo bancário que o autor pretende ver


quebrado, constitui direito fundamental de toda pessoa, decorrente da proteção à
vida privada, garantida expressamente pela Constituição Federal, em seu artigo 5º,
inciso X:

“X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a


honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à
indenização pelo dano material ou moral decorrente de
sua violação.”

Por essa garantia constitucional, cada indivíduo tem


a faculdade de impedir o acesso de terceiros a informações sobre sua privacidade.

Como ensina Celso Ribeiro Bastos (in ‘Comentários à


Constituição do Brasil’, p. 63), “esta proteção (da privacidade) encontra, como visto,
desdobramentos em outros direitos constitucionais que também se preocupam com
a preservação das coisas íntimas e privadas, como, por exemplo, direito à
inviolabilidade do domicílio e da correspondência, o sigilo profissional e o das cartas
confidenciais e demais papéis pessoais.”

O sigilo bancário, como extensão dessa


garantia constitucional, não é, portanto, direito da instituição financeira,
mas, sim, de toda pessoa que se utiliza dos seus serviços, que com ela
opera.

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O titular do direito ao sigilo bancário, que o autor
pretende seja quebrado, é, evidentemente, o responsável pela movimentação da
conta corrente que recebeu o crédito do valor representativo do cheque.

Vale dizer, é a privacidade dele que está em


discussão. Somente esse correntista é legitimado para contradizer a
alegada necessidade de divulgação dos dados sigilosos.

Conforme Moacyr Amaral dos Santos, na obra


‘Primeiras Linhas de Processual Civil’ (15ª ed., 1º vol, p. 167), “são legitimados para
agir, ativa e passivamente, os titulares dos interesses em conflito; legitimação ativa
terá o titular do interesse afirmado na pretensão; passiva terá o titular do interesse
que se opões ao afirmado na pretensão.”

É inquestionável, portanto, que para a


quebra do sigilo é necessária permissão emanada de autoridade judicial,
em processo onde tenha sido garantida à parte envolvida, ampla defesa
contra a pretensão de exibição de seus dados, e verificada a necessidade
concreta de violação dessa garantia individual, em prol de interesses
mais elevados na ordem jurídica.

O sigilo bancário pode ceder diante do interesse


público, desde que observados princípios básicos do Direito, como o devido
processo legal, o contraditório e todas as garantias de preservação da vida privada.

A ação deveria ter sido dirigida, assim, contra o


titular dos fatos mencionados na inicial, efetivo detentor do direito contraposto à
tutela pretendida pelo autor.

Impõe-se, assim, seja o autor declarada carecedora


da ação, por ilegitimidade passiva do contestante, com a conseqüente extinção do
processo, nos termos do artigo 267, inciso VI, do CPC.

III – MÉRITO

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Absolutamente justa e legal a recusa do
contestante em fornecer ao autor a documentação referida na inicial sem
autorização judicial para tanto.

Isso porque, apenas em decorrência da


impossibilidade do autor em obter os dados do emissor do cheque supostamente
falsificado, pede que este o traga ao Juízo. O réu, entretanto, não pode fornecer o
comprovante de depósito sem autorização judicial para tanto.

A teor do artigo 1º, da Lei Complementar 105, de


10 de Janeiro de 2001, o contestante tem o dever de guarda de sigilo bancário,
cuja violação só é permitida no interesse da justiça e por determinação
judicial.

Com efeito, referido artigo estabelece o seguinte:

“Art. 1º: As instituições financeiras conservarão sigilo


em suas operações ativas e passivas e serviços
prestados.
(...)
§ 4º - A quebra de sigilo poderá ser decretada,
quando necessária para apuração de ocorrência de
qualquer ilícito, em qualquer fase do inquérito ou do
processo judicial, e especialmente nos seguintes
crimes: (...).” - grifamos

Por essa disposição legal, as instituições


financeiras só podem divulgar informações que não estejam amparadas pelo sigilo
bancário. Quanto às demais, protegidas por esse sigilo, só o podem por intermédio
do Poder Judiciário.

ARY BRANDÃO DE OLIVEIRA, de seu turno, assim


define sigilo bancário “dever jurídico imposto às instituições financeiras em não
revelar a terceiros, sem motivo justificado, dados pertinentes à sua clientela, que
tenham chegado a seu conhecimento, por decorrência da relação jurídica que os
víncula”1

1
Cf.: Ary Brandão de Oliveira, citado em RT 719/98 – destacamos.

4
O Tribunal Regional Federal da 1ª Região, em
julgado proferido no Mandado de Segurança nº 94.01.38173.9/DF, segue a mesma
orientação adotada no dispositivo legal acima referido:

“Tributário. Sigilo Bancário. O Sigilo Bancário não é


absoluto, podendo ser quebrado, pois os infratores
fiscais não podem ser acobertados. Mas, o contribuinte
não pode ficar a mercê do Fisco, devendo,
consequentemente, o Poder Judiciário decidir se é
caso ou não de quebra de sigilo.” - grifamos

A Constituição Federal, como já ressaltado,


estabelece a inviolabilidade da vida privada das pessoas (art. 5º, X).

Privacidade, como bem define J. Matos Pereira, no


seu “Direito de Informação”, é “o conjunto de informações acerca do indivíduo que
ele pode decidir manter sob seu exclusivo controle, ou comunicar, decidindo a
quem, quando, onde e em que condições, sem a isso poder ser legalmente
sujeito.”

Inexoravelmente, o direito ao sigilo bancário está


contido no contexto da inviolabilidade desse direito à vida privada. Esse direito
individual é assegurado de forma tal que não se permite, sequer, que a sua
abolição seja objeto de deliberação em proposta da emenda à Constituição (art.
60, § 4º, IV).

A própria Carta Magna, ao se referir à ação


fiscalizadora de órgãos fazendários, impõe o respeito aos direitos individuais – em
especial ao direito à privacidade:

“Art. 145 : (...)


§ 1º Sempre que possível, os impostos terão caráter
pessoal e serão graduados segundo a capacidade
econômica do contribuinte, facultado à administração
tributária, especialmente para conferir efetividade a
esses objetivos, identificar, respeitados os direitos
individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os
rendimentos e as atividades econômicas do
contribuinte.” – g.n.

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É cediço, de outro lado, que a quebra de
sigilo bancário, mesmo tratando-se de direito individual
constitucionalmente assegurado, pode, de forma excepcional, ocorrer por
força de interesses públicos relevantes.

Contudo, esse conflito entre o interesse particular e


público deve, necessariamente, ser dirimido com absoluta independência, tendo-se
sempre presente que, em se tratando da situação excepcional, a quebra de sigilo
está condicionada à verificação da sua adequação e efetiva necessidade no caso
concreto. E esta é uma das tarefas típicas do Poder Judiciário.

Ressalta-se, ademais, que o art. 5º, LIV, da


Constituição Federal, exige a observância do devido processo legal, para se
exercitar contra alguém qualquer medida de limitação ou supressão de liberdade.
Como a violação do sigilo bancário implica, evidentemente, em ameaça ou lesão à
própria liberdade individual, sua determinação somente deve ser efetuada, sob as
garantias do processo legal, por ordem judicial.

A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é


rica em precedentes que nunca deixaram de entender que o sigilo bancário é
um direito individual não absoluto, podendo ser rompido somente em
casos especiais onde haja prevalência do interesse público e, mesmo
assim, por determinação judicial.

Nesse sentido, os seguintes precedentes que, de


alguma forma, abordam o tema: RHC nº 31.611, Rel. designado Min. Afrânio
Costa, j. em 25.07.51, in DJU de 28.09.53, p. 2.880 (apenso ao nº 222); MS nº
2.172, Rel. Min. Nelson Hungria, j. em 10.07.53, in DJU 05.01.54; RMS nº 2.574-
MG, Rel. Min. Villas Boas, j. em 08.07.57, in RTJ 2/429; RMS nº 9.057-MG, Rel.
Min. Gonçalves de Oliveira, j. em 13.09.61, in RTJ 20/84; RMS nº 15.925-GB, Rel.
Min. Gonçalves de Oliveira, j. em 20.05.66, in RTJ 37/373; AG nº 40.883-GB, Rel.
Min. Hermes Lima, j. em 10.11.67, in DJU 06.03.68; RE nº 71.640-BA, Rel. Min.
Djaci Falcão, j. em 17.09.71, in RTJ 59/571; RE nº 82.700-SP, Rel. Min. Xavier de
Albuquerque, j. em 11.11.75, in RTJ 76/655; MS nº 21.172-AM, Re. Min. Soares
Muñoz, j. em 27.09.78, in DJU 20.10.78; RE nº 94.608-SP, Rel. Min. Cordeiro
Guerra, j. em 06.04.84, in RTJ 110/195; AG (AgRg) nº115.469-1-SP, Rel. Min.
Rafael Mayer, j. em 28.11.86, in DJU 12.12.86; HC nº 66.284-MG, Rel. Min. Carlos
Madeira, j. em 24.05.88, in RTJ 127/891; HC nº 67.913-SP, Rel. p/ o ac. Min.

6
Carlos Velloso, j. em 16.10.90, in RTJ 134/309; PET nº 577 (Questão de Ordem)-
SP, Rel. Min. Carlos Velloso, j. em 25.03.92, in RTJ 148/366; AGRINQ nº 897, Rel.
Min. Francisco Rezek, j. em 23.11.94, in DJU 24.10.95.

Por fim e não menos importante, o réu


salienta que não cabe a ele rastrear a origem e destino do cheque em
questão, posto que não é autoridade investigativa, mas sim instituição
bancária. Apenas acolheu em depósito o valor representativo do cheque
e o destinou a uma conta corrente.

Para essa pretendida investigação, o autor


deve ser reportar não só ao Banco do Brasil S.A., sacado do título e quem
permitiu que um cheque timbrado com os dados do autor fosse parar nas
mãos de terceiros, e às autoridades policiais competentes.

IV – PEDIDO

Diante do exposto, requer o contestante seja


acolhida a preliminar retro argüida, com as cominações legais, ou então, seja
julgada improcedente a ação, com a condenação do autor nos ônus
sucumbenciais.

Ad cautelam, requer a produção de todas as


provas cabíveis.

Termos em que,
pede deferimento.
Campinas, 17 de setembro de 2003

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OAB/SP

2003/28

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