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0023/SC
RELATÓRIO
VOTO
1. Exame de admissibilidade
Por presentes os requisitos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade,
conhece-se do presente recurso, o qual passa a ser analisado.
2. Fundamentação
Insurge-se a embargante em face da sentença que julgou extintos os
embargos de terceiro por si opostos, em razão do reconhecimento de
sua ilegitimidade para figurar no polo ativo da lide, sob o fundamento
precípuo de que, ao contrário do estabelecido na sentença, a embargante é
terceira estranha à relação processual estabelecida nos autos n. 5046374-
76.2020.8.24.0023, um vez que não se confunde com a pessoa jurídica
de MARCELLE AMARAL DE MIRANDA - ME.
Sobre a legitimidade processual, é elucidativo transcrever a lição de
Cássio Scarpinella Bueno:
A legitimidade das partes - também legitimidade para a causa, legitimatio
ad causam ou legitimidade para agir - relaciona-se à identificação
daquele que pode pretender ser o titular do bem da vida deduzido em
juízo, seja como autor (legitimidade ativa), seja como réu (legitimidade
passiva) [...] A "legitimidade para a causa" corresponde, em regra, à
"capacidade de ser parte". A regra, para o sistema processual civil
brasileiro, é que somente aquele que tem condições de se afirmar o
titular do direito material deduzido em juízo pode ser parte ativa ou
passiva. A "capacidade jurídica", é dizer, a capacidade de alguém de
assumir direitos e deveres na esfera material, é que dá nascimento também
à legitimidade para a causa. Neste sentido, a "legitimidade para a causa"
nada mais é do que a "capacidade jurídica" transportada para juízo,
traduzida para o plano do processo. A regra é que somente aquele que pode
ser titular de direitos e deveres no âmbito do plano material tem
legitimidade para ser parte, é dizer, para tutelar, em juízo, ativa ou
passivamente, tais direitos e deveres. Assim, a noção de legitimidade
para a causa deve ser extraída do plano material, transformando a
titularidade da relação jurídica material em parte, entendida, pela
doutrina dominante, como aquela que pede ou em face de quem se pede algo
em juízo [...] (Curso sistematizado de direito processual civil: teoria
geral do direito processual civil, 1. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p.
368-370).
Sobre o tema, corrobora Hélio do Valle Pereira, no sentido de que:
[...] as condições da ação não representam o mérito, mas uma relação de
logicidade entre a versão do autor e o seu pedido, tendo em vista a
viabilidade da provocação da jurisdição. De tal modo, toda pessoa pode ir
a juízo, mas apenas aqueles que indicarem uma vinculação com a situação
retratada no processo poderão efetivamente exercer a ação, permitindo a
análise de mérito. (Manual de Direito Processual Civil, Florianópolis:
Conceito Editorial, 2008, p. 81-82 - grifo no original).
Nessa linha de raciocínio, anota-se que, condição da ação, a legitimidade
ativa, como elemento de pertinência subjetiva, encontra-se vinculada
àquele sujeito que pretende ser o titular do bem da vida deduzido em
juízo, em face do qual a pretensão levada a juízo deverá produzir seus
efeitos, na hipótese de ser acolhida a relação de congruência que se
infere das repercussões da causa de pedir, bem como do pedido correlato.
Sabidamente, como regra, a titularidade da ação vincula-se à titularidade
do pretendido direito material subjetivo debatido na causa, fenômeno
conhecido como legitimação ordinária, o que atrai a aplicação da norma
do art. 18 do CPC vigente, que assim preconiza: "Ninguém poderá pleitear
direito alheio em nome próprio, salvo quando autorizado pelo ordenamento
jurídico."
Adentrando-se nas circunstâncias do caso concreto, verifica-se que os
embargos de terceiro subjacentes foram opostos em face de decisão
proferida nos autos do cumprimento de sentença n. 5046374-
76.2020.8.24.0023 intentada por X POWER IMPORTAÇÃO E EXPORTAÇÃO LTDA
contra MARCELLE AMARAL DE MIRANDA - ME, que manteve a penhora de valores
(R$ 14.738,86) realizada em conta bancária de titularidade desta,
enquanto pessoa natural ou física, bem como decisão posterior que
determinou a realização da penhora de veículo alienado fiduciariamente em
favor de instituição financeira.
Na inicial dos embargos de terceiro, a embargante MARCELLE AMARAL DE
MIRANDA AMARO sustenta sua qualidade de terceira em relação ao processo
de execução voltado contra sua empresa individual, e pugna pelo
reconhecimento da impenhorabilidade do veículo e do numerário, sob o
fundamento de que a verba penhorada é inferior a 40 (quarenta) salários
mínimos, bem como que seria inviável a penhora de veículo alienado
fiduciariamente.
Ato contínuo, foi prolatada a sentença extintiva.
A ação de embargos de terceiro segue o procedimento especial contemplado
nos arts. 674 a 681 do CPC/2015 e não se limita à proteção do domínio,
sendo meio processual apto, ainda, para defender a posse ou qualquer
outro direito afetado pela constrição judicial.
No caso em apreço, o magistrado singular entendeu que por ser MARCELLE
AMARAL DE MIRANDA - ME uma empresa individual, não haveria distinção
patrimonial entre a pessoa jurídica e a pessoa física de sua titular.
Tal conclusão merece prevalecer.
Com efeito, a teor da norma do art. 966 do Código Civil, o empresário
individual é a pessoa física que exerce profissionalmente atividade
econômica organizada para produção ou circulação de bens ou de serviços.
Como ele opera sob firma individual, o patrimônio entre as pessoas
jurídica e física se confunde, de modo que a responsabilidade pelas
obrigações é solidária e ilimitada.
De acordo com o magistério de Fábio Ulhoa Coelho, "empresário é a pessoa
que toma a iniciativa de organizar uma atividade econômica de produção ou
circulação de bens ou serviços. Essa pessoa pode ser tanto a física, que
emprega seu dinheiro e organiza a empresa individualmente, como a
jurídica, nascida da união de esforços de seus integrantes" (Curso de
Direito Comercial. Vol. 1. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 123).
Sobre o tema, André Luiz Santa Cruz Ramos leciona que "a grande diferença
entre o empresário individual e a sociedade empresária é que esta, por
ser uma pessoa jurídica, tem patrimônio próprio, distinto do patrimônio
dos sócios que a integram. Assim, os bens particulares dos sócios, em
princípio, não podem ser executados por dívidas da sociedade, senão
depois de executados os bens sociais. O empresário individual, por sua
vez, não goza dessa separação patrimonial, respondente com todos os seus
bens, inclusive os pessoais, pelo risco do empreendimento". (Direito
empresarial esquematizado. São Paulo: Método, 2015, p. 39).
Portanto, no caso em comento, tratando-se a executada MARCELLE AMARAL DE
MIRANDA - ME de empresa individual (autos n. 0312814-63.2017.8.24.0023),
tem-se que ela não se trata de pessoa jurídica com autonomia patrimonial,
de modo que o patrimônio pessoal da empresária individual (MARCELLE
AMARAL DE MIRANDA AMARO), responde pelos débitos decorrentes da atividade
comercial por ela exercida.
Empresário e pessoa física (pessoa natural) confundem-se em uma só
pessoa, diferentemente do que ocorre no registro das sociedades e da
EIRELI, o qual responde pelo nascimento de uma nova pessoa (pessoa
jurídica), distinta das pessoas dos sócios (no caso das sociedades) e do
titular da EIRELI" (PENANTE JÚNIOR, Francisco. Direito Empresarial.
Salvador: Juspodivm, 2017, p. 72).
Daí porque, não havendo distinção patrimonial da empresária individual,
indubitável que não há se falar na sua legitimidade para opor embargos de
terceiro à decisão que determinou a constrição de seu patrimônio pessoal
em autos que a empresa individual é executada.
Neste sentido, confira-se a jurisprudência:
CONDIÇÕES DA AÇÃO. LEGITIMIDADE ATIVA 'AD CAUSAM' E INTERESSE PROCESSUAL.
AUSÊNCIA. EMBARGOS DE TERCEIRO. OPOSIÇÃO POR EMPRESÁRIO INDIVIDUAL. AÇÃO
PRINCIPAL, TODAVIA, EM QUE É EXECUTADA A PESSOA FÍSICA TITULAR DA FIRMA
INDIVIDUAL EMBARGANTE. INEXISTÊNCIA DE PERSONALIDADE JURÍDICA DISTINTA DA
EMPRESA INDIVIDUAL. CONFUSÃO PATRIMONIAL PATENTE. EMBARGANTE QUE NÃO É
'TERCEIRO' PARA FINS DE OPOSIÇÃO DA AÇÃO AUTÔNOMA DE EMBARGOS. VIA
INADEQUADA, OUTROSSIM, À PRETENSA PROTEÇÃO DO BEM ANTE A CONSTRIÇÃO
DETERMINADA. EXTINÇÃO DO PROCESSO, SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO, BEM LANÇADA.
SENTENÇA MANTIDA. RECURSO IMPROVIDO. (TJSP; Apelação Cível 0005009-
98.2015.8.26.0136; Relator (a): Vito Guglielmi; Órgão Julgador: 6ª Câmara
de Direito Privado; Foro de Cerqueira César - 1ª Vara; Data do
Julgamento: 10/11/2016; Data de Registro: 10/11/2016)
Por fim, consigna-se que é justamente em razão da inexistência de
distinção patrimonial entre o empresário individual e a pessoa física ou
natural, que tampouco seria cabível a instauração de incidentes de
desconsideração da personalidade jurídica para eventual inclusão da
pessoa física em processo no qual a empresa individual faça parte.
Mutatis mutandis, extrai-se da jurisprudência do Superior Tribunal de
Justiça e desta Corte:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. EMPRESÁRIO
INDIVIDUAL. REDIRECIONAMENTO.
1. A controvérsia cinge-se à responsabilidade patrimonial do empresário
individual e as formalidades legais para sua inclusão no polo passivo de
execução de débito da firma da qual era titular.
2. O acórdão recorrido entendeu que o empresário individual atua em nome
próprio, respondendo com seu patrimônio pessoal pelas obrigações
assumidas no exercício de suas atividades profissionais, sem as
limitações de responsabilidade aplicáveis às sociedades empresárias e
demais pessoas jurídicas.
3. A jurisprudência do STJ já fixou o entendimento de que "a empresa
individual é mera ficção jurídica que permite à pessoa natural atuar no
mercado com vantagens próprias da pessoa jurídica, sem que a titularidade
implique distinção patrimonial entre o empresário individual e a pessoa
natural titular da firma individual" (REsp 1.355.000/SP, Rel. Ministro
Marco Buzzi, Quarta Turma, julgado em 20/10/2016, DJe 10/11/2016) e de
que "o empresário individual responde pelas obrigações adquiridas pela
pessoa jurídica, de modo que não há distinção entre pessoa física e
jurídica, para os fins de direito, inclusive no tange ao patrimônio de
ambos" (AREsp 508.190, Rel. Min. Marco Buzzi, Publicação em 4/5/2017).
4. Sendo assim, o empresário individual responde pela dívida da firma,
sem necessidade de instauração do procedimento de desconsideração da
personalidade jurídica (art. 50 do CC/2002 e arts. 133 e 137 do
CPC/2015), por ausência de separação patrimonial que justifique esse
rito.
5. O entendimento adotado pelo Tribunal de origem guarda consonância com
a jurisprudência do STJ, o que já seria suficiente para se rejeitar a
pretensão recursal com base na Súmula 83/STJ. O referido verbete sumular
aplica-se aos recursos interpostos tanto pela alínea "a" quanto pela
alínea "c" do permissivo constitucional. Nesse sentido: REsp
1.186.889/DF, Segunda Turma, Relator Ministro Castro Meira, DJe de
2.6.2010.
6. Não obstante isso, não se constata o preenchimento dos requisitos
legais e regimentais para a propositura do Recurso Especial pela alínea
"c" do art. 105 da CF. 7. A apontada divergência deve ser comprovada,
cabendo a quem recorre demonstrar as circunstâncias que identificam ou
assemelham os casos confrontados, com a indicação da similitude fática e
jurídica entre eles.
8. In casu, o recorrente não se desincumbiu do ônus de demonstrar que os
casos comparados tratam da mesma situação fática: empresário individual.
Ao revés, limitou-se a transcrever ementas e trechos que versam sobre
sociedade empresarial cuja diferença em relação ao caso dos autos foi
suficientemente explanada neste julgado.
9. Recurso Especial não conhecido. (STJ. REsp 1682989/RS, Rel. Ministro
HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 19/09/2017, DJe 09/10/2017)
Apelação Nº 5076178-21.2022.8.24.0023/SC
APELANTE:
MARCELLE AMARAL DE MIRANDA AMARO (EMBARGANTE) APELADO: X POWER IMPORTACAO
E EXPORTACAO LTDA (EMBARGADO)
EMENTA
APELAÇÃO CÍVEL. EMBARGOS DE TERCEIRO. SENTENÇA EXTINTIVA DO FEITO
POR ILEGITIMIDADE ATIVA.
RECURSO DA TERCEIRA-EMBARGANTE.
LEGITIMIDADE PARA A CAUSA. CONDIÇÃO DA AÇÃO ASSENTADA, NO CASO
CONCRETO, NA PREMISSA DE QUE A PESSOA NATURAL OU FÍSICA NÃO SE CONFUNDE
COM A EMPRESA INDIVIDUAL, SENDO DISTINTO O PATRIMÔNIO DE AMBAS. TESE
RECHAÇADA. PATRIMÔNIO DO EMPRESÁRIO INDIVIDUAL, INCLUSIVE PESSOAL, QUE
RESPONDE PELAS DÍVIDAS DO EMPREENDIMENTO, CIRCUNSTÂNCIA QUE O INVESTE DE
LEGITIMIDADE PARA, EM AÇÃO DE EXECUÇÃO OU EM CUMPRIMENTO DE SENTENÇA
PROMOVIDO CONTRA A FIRMA INDIVIDUAL, DEFENDER-SE POR EMBARGOS À
EXECUÇÃO OU IMPUGNAÇÃO RESPECTIVAMENTE, JAMAIS POR EMBARGOS DE
TERCEIRO. SENTENÇA QUE MERECE SER MANTIDA.
1. A teor da norma do art. 966 do Código Civil, o empresário individual é
a pessoa física que exerce profissionalmente atividade econômica
organizada para produção ou circulação de bens ou de serviços. Como ele
atua no formato de firma individual, o patrimônio entre as pessoas
jurídica e física ou natural se confunde, de modo que a responsabilidade
pelas obrigações é solidária e ilimitada.
2. Segundo a doutrina, "a grande diferença entre o empresário individual
e a sociedade empresária é que esta, por ser uma pessoa jurídica, tem
patrimônio próprio, distinto do patrimônio dos sócios que a integram.
Assim, os bens particulares dos sócios, em princípio, não podem ser
executados por dívidas da sociedade, senão depois de executados os bens
sociais. O empresário individual, por sua vez, não goza dessa separação
patrimonial, respondente com todos os seus bens, inclusive os pessoais,
pelo risco do empreendimento". (SANTA CRUZ, André. Direito empresarial
esquematizado. São Paulo: Método, 2015, p. 39).
3. "O empresário individual responde pela dívida da firma, sem
necessidade de instauração do procedimento de desconsideração da
personalidade jurídica (art. 50 do CC/2002 e arts. 133 e 137 do
CPC/2015), por ausência de separação patrimonial que justifique esse
rito". (STJ. REsp 1682989/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA
TURMA, julgado em 19/09/2017, DJe 09/10/2017)
RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.
ACÓRDÃO
Apelação Nº 5076178-21.2022.8.24.0023/SC