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DIREITO CIVIL

CPI
1º PERÍODO 2023
TEMAS
Tema 06:
Desconsideração da personalidade jurídica - disregard doctrine - no ordenamento jurídico
brasileiro. Origem. Conceitos. Aplicação. Efeitos. Teoria maior. Teoria menor. Teoria inversa.
Teoria indireta. Teoria Expansiva. Principais alterações advindas da Lei nº 13.784/19 no
Código Civil.

1ª QUESTÃO:
Em autos de execução fundamentada em título extrajudicial, Banco Aragão S.A. busca receber de
ABC Indústria Ltda. a quantia de R$ 300.000,00. Não obstante a instituição financeira tenha juntado
aos autos documentos referentes à confusão patrimonial, existência de grupo econômico e fraude,
teve negado o pedido de desconsideração de personalidade jurídica, em que pretendia atingir os
patrimônios dos sócios, Jurema de Souza e Beatriz Cavalcante.
Ao indeferir o pedido, o juiz argumentou que tal medida constitui exceção, de modo que se
faz imprescindível, mesmo quando haja confusão patrimonial e fraude, uma comprovação
inequívoca quanto à insuficiência de bem do devedor, observando a ordem legal de penhorabilidade.
Em razão disso, Banco Aragão interpôs agravo de instrumento em que pede a concessão da
medida, por entender que a situação fática, narrada e comprovada, é suficiente para o êxito do pleito.
Decida a questão em 15 linhas. Resposta fundamentada.

RESPOSTA:
Banco Aragão tem razão em seus argumentos. O art. 50 do CC não estabelece a necessidade de
investigação inequívoca quanto à insuficiência de bem do devedor. Por isso, a posição que indeferiu
tal pleito está equivocada.
Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela
confusão patrimonial, pode o juiz, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe
couber intervir no processo, desconsiderá-la para que os efeitos de certas e determinadas relações
de obrigações sejam estendidos aos bens particulares de administradores ou de sócios da pessoa
jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso.
Dessa forma, não caberia ao julgador aumentar os requisitos, sob pena de estar a legislar no
caso concreto. Ademais, nada impede que, no decorrer do processo, a parte devedora queira proceder
à indicação de bens.
Confira a ementa do seguinte julgado:
DIREITO CIVIL - CP02 - 01 - CPI - 1º PERÍODO 2023 1
EMENTA
RECURSO ESPECIAL Nº 1.729.554 - SP (2017/0306831-0) RELATOR : MINISTRO LUIS
FELIPE SALOMÃO
RECURSO ESPECIAL. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. CPC/2015.
PROCEDIMENTO PARA DECLARAÇÃO. REQUISITOS PARA A INSTAURAÇÃO.
OBSERVÂNCIA DAS REGRAS DE DIREITO MATERIAL. DESCONSIDERAÇÃO COM
BASE NO ART. 50 DO CC/2002. ABUSO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. DESVIO DE
FINALIDADE. CONFUSÃO PATRIMONIAL. INSOLVÊNCIA DO DEVEDOR.
DESNECESSIDADE DE SUA COMPROVAÇÃO.
1. A desconsideração da personalidade jurídica não visa à sua anulação, mas somente objetiva
desconsiderar, no caso concreto, dentro de seus limites, a pessoa jurídica, em relação às pessoas ou
bens que atrás dela se escondem, com a declaração de sua ineficácia para determinados efeitos,
prosseguindo, todavia, incólume para seus outros fins legítimos
2. O CPC/2015 inovou no assunto prevendo e regulamentando procedimento próprio para a
operacionalização do instituto de inquestionável relevância social e instrumental, que colabora com
a recuperação de crédito, combate à fraude, fortalecendo a segurança do mercado, em razão do
acréscimo de garantias aos credores, apresentando como modalidade de intervenção de terceiros
(arts. 133 a 137).
3. Nos termos do novo regramento, o pedido de desconsideração não inaugura ação autônoma, mas
se instaura incidentalmente, podendo ter início nas fases de conhecimento, cumprimento de sentença
e executiva, opção, inclusive, há muito admitida pela jurisprudência, tendo a normatização
empreendida pelo novo diploma o mérito de revestir de segurança jurídica a questão.
4. Os pressupostos da desconsideração da personalidade jurídica continuam a ser estabelecidos por
normas de direito material, cuidando o diploma processual tão somente da disciplina do
procedimento. Assim, os requisitos da desconsideração variarão de acordo com a natureza da causa,
seguindo-se, entretanto, em todos os casos, o rito procedimental proposto pelo diploma processual.
6. Nas causas em que a relação jurídica subjacente ao processo for cível-empresarial, a
desconsideração da personalidade da pessoa jurídica será regulada pelo art. 50 do Código Civil, nos
casos de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão
patrimonial.
7. Ainexistência ou não localização de bens da pessoa jurídica não é condição para a instauração do
procedimento que objetiva a desconsideração, por não ser sequer requisito para aquela declaração,
já que imprescindível a demonstração específica da prática objetiva de desvio de finalidade ou de
confusão patrimonial.
8. Recurso especial provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, os Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de
Justiça acordam, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas, por unanimidade, dar
provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.

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Os Srs. Ministros Maria Isabel Gallotti, Antonio Carlos Ferreira (Presidente), Marco Buzzi e Lázaro
Guimarães (Desembargador convocado do TRF 5ª Região) votaram com o Sr. Ministro Relator.
Brasília (DF), 08 de maio de 2018(Data do Julgamento)
MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO
Relator

[...]

É preciso considerar, no entanto, a excepcionalidade da medida, a fim de privilegiar o incentivo ao


exercício da empresa e ao desenvolvimento socioeconômico. Nesse sentido, confira a passagem de
Flávio tartuce:
Efetivamente, a desconsideração da pessoa jurídica exige comprovação de fraude, abuso de
direito, desvio de finalidade ou confusão patrimonial para que se aplique a mencionada teoria, não
se podendo aceitar como tal a mera insolvência da pessoa jurídica ou dissolução irregular da
empresa. A propósito, proclamou o Superior Tribunal de Justiça, que o fato de o credor não ter
recebido seu crédito frente à sociedade, em decorrência de insuficiência do patrimônio social, não é
requisito bastante para autorizar a desconsideração da pessoa jurídica81.

A excepcionalidade da aplicação da aludida teoria vem reconhecida no Enunciado 146 da II Jornada


de Direito Civil do Conselho Nacional de Justiça, segundo o qual "Nas relações civis, interpretam-
se restritivamente os parâmetros de desconsideração da personalidade jurídica previstos no art. 50".
Gonçalves, Carlos R. Direito Civil Brasileiro - Volume 1. Disponível em: Minha Biblioteca, (20th
edição). Editora Saraiva, 2022.

2ª QUESTÃO:
José Silva ajuizou ação de execução de título extrajudicial contra Juarez Filho. O título que aparelha
a presente execução é um contrato de locação. E, em dado momento processual, o exequente
postulou ao juízo a quo a aplicação da desconsideração inversa de pessoa jurídica para que fossem
atingidos os bens existentes em nome da pessoa jurídica da qual é sócio o executado, o que foi
indeferido.
Irresignado, porém, o executado interpôs agravo de instrumento, onde alegou que a execução se
arrasta por mais de quatro anos de maneira infrutífera, não sendo crível que o Agravado, sócio de
estacionamento de veículo com seis filiais em São Paulo, não tenha bens para a satisfação da dívida,
o que demonstra a confusão patrimonial entre ele e a pessoa jurídica da qual é sócio. Pugna, por fim,
pela aplicação da desconsideração inversa da pessoa jurídica.
Diante desta situação hipotética, indaga-se:

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A) O que se entende por teoria da desconsideração de forma inversa? Dê um exemplo em que
seria cabível a desconsideração inversa.
B) No caso acima descrito, o recurso merece provimento? Fundamente em, no máximo, 10
linhas.

RESPOSTA:
A) Caracteriza-se a desconsideração inversa quando é afastado o princípio da autonomia patrimonial
da pessoa jurídica para responsabilizar a sociedade por obrigação do sócio, como, por exemplo, na
hipótese de um dos cônjuges, ao adquirir bens de maior valor, registrá-los em nome de pessoa
jurídica sob seu controle, para livrá-los da partilha a ser realizada nos autos da separação judicial.
Ao se desconsiderar a autonomia patri-monial, será possível responsabilizar a pessoa jurídica pelo
devido ao ex-cônjuge do sócio87.
É comum verificar, nas relações conjugais e de uniões estáveis, que os bens adquiridos para o uso
dos consortes ou companheiros, móveis e imóveis, encontram-se registrados em nome de empresas
de que participa um deles. Como observa Guillermo Julio Borda, é fácil encontrar, nas relações
afetivas entre marido e mulher, "manobras fraudatórias de um dos cônjuges que, valendo-se da
estrutura societária, esvazia o patrimônio da socie-dade conjugal em detrimento do outro (no mais
das vezes o marido em prejuízo da esposa) e, assim, com colaboração de terceiro, reduzem a zero o
patrimônio do casal"88.
(...)
Aduziu a aludida Corte que "É inarredável o fato de que essa circunstância, não raras vezes, também
dá azo à manipulação patrimonial por parte do ex-cônjuge, sócio da sociedade empresarial, que, se
valendo dessa situação ímpar, pode fazer minguar o patrimônio pessoal - imediatamente partilhável
com a ex-cônjuge -, em favor da empresa, onde ele, a priori, fica indisponibilizado para o casal, mas
que, sabe-se, pode ser indiretamente usufruído pelo sócio".
Não raras vezes, também, o pai esconde seu patrimônio pessoal, na estrutura societária da pessoa
jurídica, com o reprovável propósito de esquivar-se do pagamento de pensão alimentícia devida ao
filho. A aplicação da teoria da desconsideração da pessoa jurídica, quando se configurar o abuso
praticado pelo marido, companheiro ou genitor em detrimento dos legítimos interesses de seu
cônjuge, companheiro ou filho, constituirá um freio às fraudes e aos abusos promovidos sob o véu
protetivo da pessoa jurídica.
Igualmente no campo do direito das sucessões podem ocorrer abusos que justificam a aplicação da
aludida teoria, especialmente nas hipóteses de utilização de pessoas jurídicas por genitores que
pretendem beneficiar alguns filhos em detrimento de outros, frustrando o direito à herança destes.
A aplicação da teoria da desconsideração inversa poderá também ser invocada pelo prejudicado,
para obter o reconhecimento de seu direito integral à herança.

A respeito da desconsideração inversa, enfatizou o Superior Tribunal de Justiça:

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"A desconsideração inversa da personalidade jurídica caracteriza-se pelo afastamento da autonomia
patrimonial da sociedade, para, contrariamente do que ocorre na desconsideração da personalidade
propriamente dita, atingir o ente coletivo e seu patrimônio social, de modo a responsabilizar a pessoa
jurídica por obrigações do sócio controlador.
Tal entendimento aplica-se sobretudo às hipóteses de desconsideração inversa.
O § 3º do art. 50 do Código Civil, acrescentado pela citada Lei n.13.874, de 20 de setembro de 2019,
trata de hipótese de desconsideração inversa da pessoa jurídica, dispondo que tal modalidade
"também se aplica à extensão das obrigações de sócios ou de administradores à pessoa jurídica" -
certamente quando desviam bens próprios para esta, com finalidades fraudatórias." Gonçalves,
Carlos R. Direito Civil Brasileiro - Volume 1. Disponível em: Minha Biblioteca, (20th edição).
Editora Saraiva, 2022.

Assim também se manifesta o Enunciado nº 283 da IV Jornada de Direito Civil: "É cabível a
desconsideração da personalidade jurídica denominada ‘inversa‘ para alcançar bens de sócio que se
valeu da pessoa jurídica para ocultar ou desviar bens pessoais, com prejuízo a terceiros".

B)
Agravo de Instrumento n.º 0039094-23.2018.8.19.0000
Data da Publicacao: 27/09/2018
Agravante: SL Empreendimentos Imobiliários e Participações Ltda.
Agravado: MDRJ 85 Empreendimentos e Participações Ltda.
Relatora: Desembargadora Maria Isabel Paes Gonçalves
ACÓRDÃO

AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXECUTIVO EXTRAJUDICIAL.


INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO INVERSA DA PERSONALIDADE JURÍDICA.
DECISÃO DE ACOLHIMENTO MOTIVADA NA ALEGADA CONFUSÃO PATRIMONIAL.
"COM A DESCONSIDERAÇÃO INVERSA DA PERSONALIDADE JURÍDICA, BUSCA-SE
IMPEDIR A PRÁTICA DE TRANSFERÊNCIA DE BENS PELO SÓCIO PARA A PESSOA
JURÍDICA SOBRE A QUAL DETÉM CONTROLE, AFASTANDO-SE
MOMENTANEAMENTE O MANTO FICTÍCIO QUE SEPARA O SÓCIO DA SOCIEDADE
PARA BUSCAR O PATRIMÔNIO QUE, EMBORA CONSTE NO NOME DA SOCIEDADE, NA
REALIDADE, PERTENCE AO SÓCIO FRAUDADOR. RESP Nº 1.647.362/SP." SÓCIO
EXECUTADO QUE SEQUER É ADMINISTRADOR DA SOCIEDADE EMPRESÁRIA
AGRAVANTE, CONFORME CONTRATO SOCIAL JUNTADO AOS AUTOS.
INDISPONIBILIDADE DOS BENS DO SÓCIO EXECUTADO QUE DATA DE 02 DE MAIO
DE 2011, O QUE INVIABILIZA QUALQUER TRANSMISSÃO CONTEMPORÂNEA DE
PROPRIEDADE À SOCIEDADE ORA AGRAVANTE. ASSIM, EMBORA
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EXTENSIVAMENTE DISCORRIDO PELO JUÍZO A QUO ACERCA DA
DESCONSIDERAÇÃO INVERSA DA PERSONALIDADE JURÍDICA, FATO É QUE NÃO
RESTOU DEMONSTRADO PELA AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DOS REQUISITOS
PARA O ACOLHIMENTO DO INCIDENTE. TRANSFERÊNCIA DE PROPRIEDADE
CONSTANTE DOS AUTOS, UTILIZADA COMO EMBASAMENTO PELA DECISÃO
RECORRIDA QUE DATA DE 1982. PREJUDICADO O RECURSODE AGRAVO INTERNO.
PROVIMENTO DO RECURSO COM INVERSÃO DOS ÔNUS SUCUMBENCIAIS.
Vistos, relatados e discutidos este recurso de Agravo de Instrumento n.° 0039094-
23.2018.8.19.0000 em que é agravante a SL EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS E
PARTICIPAÇÕES LTDA. e agravada a MDRJ 85 EMPREENDIMENTOS E PARTICIPAÇÕES
LTDA..

A C O R D A M os Desembargadores que compõem a Segunda Câmara Cível do Tribunal de Justiça


do Rio de Janeiro, por unanimidade de votos, em dar provimento ao recurso, prejudicado o Agravo
Interno de e-fls. 40/44, nos termos do voto da Relatora.

Trata-se de agravo de instrumento, com requerimento de efeito suspensivo, com vias ao deferimento
da antecipação da tutela recursal, interposto pela ré em incidente de desconsideração inversa da
personalidade jurídica proposto nos autos de execução de título executivo extrajudicial (cédula de
crédito bancário) na qual figura como executado sócio da ora recorrente,contra a decisão de e-fls.
763/765 dos autos originários, proferida nos seguintes termos:

................................................................................................... Trata-se de incidente de


desconsideração inversa da personalidade jurídica no qual a parte exequente pretende a concessão
do mesmo para viabilizar a inclusão no polo passivo desta demanda da empresa no qual é sócio o
executado. Nos termos do art.134, §1º e §4º do CPC, o incidente de desconsideração da
personalidade jurídica poderá ser proposto em todas as fases do processo de conhecimento, no
cumprimento de sentença e na execução fundada em título executivo extrajudicial, devendo, para
tanto, a parte requerente demonstrar o preenchimento dos pressupostos legais específicos para a
desconsideração pleiteada. Argumenta a parte exequente que há confusão patrimonial entre o sócio
executado e a empresa que se pretende incluir no polo passivo, tendo em vista que aquele alienou
bens de sua propriedade à esta, além de desfrutar de um confortável padrão de vida, apesar de não
possuir nenhum patrimônio em seu nome. Não há em nosso ordenamento jurídico uma definição
clara, expressa, a respeito do conceito de "confusão patrimonial". O juiz, ao examinar cada caso, e,
conforme as provas anexadas aos autos do processo, é quem irá decidir se houve "confusão
patrimonial" ou não. De acordo com o próprio termo, "confusão" é o ato ou efeito de confundir, de
aparentar ser, em que há falta de uma ordem interna e de distinção entre coisas diferentes; ou seja,
uma desordem, bagunça. Em termos patrimoniais, isto é, em termos de bens, direitos e obrigações,
o Conselho Federal de Contabilidade, ao aprovar o Princípio da Entidade ou da Pessoa Jurídica,
disse que o patrimônio da pessoa jurídica não pode jamais ser confundido com o patrimônio de seus
sócios ou proprietários. Assim, de acordo com esse conceito, a fim de caracterizar "confusão
patrimonial", Farias ensina que esta ocorre quando " o sócio utiliza o patrimônio da pessoa jurídica
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para realizar pagamentos pessoais e vice-versa, atentando contra a separação das atividades entre
empresa e sócio" (FARIAS, Cristiano Chaves de, ROSENVALD, Nelson. Direito civil : teoria geral.
Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2009. p. 309) In casu, compulsando os autos, verifico que a
parte exequente logrou êxito em demonstrar a aludida confusão patrimonial. O sócio executado, de
fato, alienou o referido imóvel à sua empresa, como faz prova a certidão colacionada aos autos às
fls. 301, apesar de utilizá-lo para seu próprio gozo e benefício, inclusive, sendo nomeado como
membro do Conselho Diretor do condomínio em que aquele está localizado, conforme documento
às fls.307/309. Ademais, a Desconsideração Inversa pode ser aplicada independentemente de ter
sido demonstrada a transferência dos bens do patrimônio particular do sócio controlador-devedor
para a pessoa jurídica. A justificativa para tal afirmativa é dada pelo desembargador Pereira Calças,
no Agravo de Instrumento 1198103-0/0 - SP: "Isto porque, frustradas as diligencias realizadas com
o escopo de bloquear ativos financeiros do sócio devedor, que apresenta suas contas zeradas,
exsurge evidente que, na condição de ‘dono‘ ou ‘sócio de fato‘ ou ‘controlador‘ das sociedades,
retira da caixa das empresas,mediante expedientes lícitos ou ilícitos, formais ou informais, o
necessário para sua manutenção e de sua família." Dessa forma, o sócio devedor, que alega não ter
condições de pagar suas dívidas, não precisa ter, de fato, dinheiro em suas contas bancárias pessoais,
basta usufruir de tudo aquilo que pertence à sociedade que controla, mantendo um padrão de vida
incompatível com a situação jurídica que ostenta. Por fim, em sua peça de defesa, a empresa se
limita a invocar argumentos genéricos acerca da legalidade da desconsideração inversa, sem,
contudo, impugnar especificamente as alegações da parte exequente e nem fazer qualquer prova que
seja a elidir ou sequer modificar a pretensão deduzida neste incidente. Portanto, acolho o incidente
de desconsideração da personalidade jurídica e determino a inclusão da empresa SL
Empreendimentos Imobiliários e Participações Ltda no polo passivo desta demanda. Cite-se-a para
pagar a dívida no prazo de 03 (três) dias, contado da citação (artigo 829 do CPC), constando do
mandado ordem de penhora e a avaliação a serem cumpridas pelo oficial de justiça tão logo
verificado o não pagamento no prazo assinalado, de tudo lavrando-se auto, com intimação do
executado (artigo 829, § 1º do CPC). Fixo os honorários advocatícios em 10% (dez por cento) sobre
o valor do débito, verba essa que será reduzida pela metade caso a parte executada efetue o
pagamento no prazo mencionado (artigo 827, § 1º do CPC). Eventuais embargos devem ser opostos
no prazo de 15 (quinze), contado, conforme o caso, na forma do artigo 231 do CPC (artigo 915 do
CPC). Cientifique-se a parte devedora de que, no prazo para embargos, reconhecendo o crédito da
parte exequente e comprovando o depósito de trinta por cento do valor em execução, acrescido de
custas e de honorários de advogado, poderá requerer que lhe seja permitido pagar o restante em até
6 (seis) parcelas mensais, acrescidas de correção monetária e de juros de um por cento ao mês (artigo
916 do CPC). Intimem-se. Cumpra-se por Oficial de Justiça. (sem grifos no original)
............................................................................................

Alega a agravante que "que apenas pelo fato de não terem sido satisfeitos o crédito autoral é que se
solicitou a desconsideração da personalidade jurídica e, posteriormente, veio a ora Agravante ser
intimada a se manifestar sobre o referido incidente para ser incluída no polo passivo da ação de
execução, por se tratar de empresa cujo sócio é um dos réus, Sr. Luiz Paulo de Souza Lobo.

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Tivessem os créditos autorais sido regularmente satisfeitos pelos réus originários, não haveria, salvo
melhor juízo, a menor possibilidade de desconsideração da personalidade jurídica inversa, e, a
fortiori, o pedido de inclusão da ora empresa no polo passivo da presente demanda."

Ressalta que "A empresa SL EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS E PARTICIPAÇÕES


LTDA não possui legitimidade para figurar no polo passivo da execução, uma vez que, em que pese
ter o Sr. Luis Paulo de Souza Lobo como parte integrante do quadro societário, certo é que este
possui apenas 10,37% das ações da referida empresa, conforme contrato social anexo aos autos.
Ademais, a referida empresa existe no mercado há anos, tendo sido criada em 1974 e mantendo-se
idôneaaté a presente data, ou seja, é preexistente à relação jurídica discutida no presente processo,
sendo certo, ainda, que não participou de qualquer ato que pudesse causar prejuízo ao autor ou, a
seu turno, configurar fraude a credores. " Frisa que "a ora Agravante não teve ciência ou ingerência
sobre qualquer dos fatos ocorridos entre autor e réus. Vale ressaltar, ainda, que a execução deveria
ser movida exclusivamente em face dos réus, vez que, em momento algum, restou demonstrado nos
autos judiciais a necessidade de aplicação da medida excepcionalíssima de desconsideração da
personalidade jurídica." Destaca que "Para ser aplicada, a desconsideração inversa da personalidade
jurídica deverá restar caracterizado o desvio de bens, a fraude ou abuso de direito por parte dos
sócios que se utilizam da personalidade jurídica para transferir ou esconder bens, prejudicando assim
os credores, ou ainda, em casos de separação judicial, onde se verifica o esvaziamento do patrimônio
do casal como forma de burlar a meação", afirmando que "em nenhum momento, restou comprovado
qualquer destas práticas nos autos da ação de execução! Não há, nos autos, prova de desvio ou
ocultação de patrimônio. A empresa familiar ora Agravante é bem anterior aos atos discutidos e foi
realizada sua constituição de forma lícita."
Aduz que "Outra hipótese para a desconsideração inversa da personalidade jurídica pode ser
verificada nos casos em que o sócio obtém o absoluto controle dos bens da sociedade, ou seja, é
constituída uma sociedade para a guarnição do ativo, ficando o passivo na responsabilidade da
pessoa do sócio. Diante disso, terceiros que contratam o sócio poderão deduzir de acordo com a
teoria da aparência, que por residir em endereço luxuoso e possuir carros de alto valor, o sócio seja
pessoa merecedora de crédito, porém, estes bens, que aparentemente poderiam ser de sua
propriedade, pertencem à pessoa jurídica."
Assevera que é "necessário apontar, ainda, que foi decretada pelo Banco Central do Brasil a
liquidação extrajudicial do Banco Morada S/A, em 27/02/2011. Devido a isto, todas as execuções
em curso devem ser suspensas, a teor do art. 18 da lei 6.024/74, como é o caso da presente demanda,
proposta em 06/02/2014, ou seja, posteriormente ao termo legal de liquidação extrajudicial. Vale
ressaltar que qualquer ato que vise ao recebimento de valores, neste caso, deverá ser pleiteado no
bojo do processo de liquidação extrajudicial, uma vez que relacionados aos interesses da massa ativa
e passiva do Banco Morada."
Quanto à sua responsabilidade e a do sócio executado, acrescenta que "cada sócio cotista apenas é
responsável pela integralização total do capital da sociedade, ou, no máximo, sua responsabilidade
se estende até o limite deste capital social. Destarte, requer, subsidiariamente aos pedidos anteriores,
que a responsabilidade da empresa seja limitada ao valor das cotas subscritas unicamente pelo sócio
Luis Paulo de Souza Lobo."

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Pede "Inicialmente, requer-se seja deferido a concessão do efeito suspensivo para que seja suspensa
a execução até o julgamento final do Agravo de instrumento.
Requer-se, por estarem em apenso, sejam os autos do procedimento eletrônico nº 0260869-
49.2014.8.19.0001 juntados aos autos do presente agravo. Diante o exposto, resta claro que a
decisãoproferida pelo juízo da 01ª Vara Cível da Comarca da Capital não merece prosperar, pelo
que deve ser a mesma cassada. Assim, requer-se a reforma da decisão do juízo da 01ª Vara Cível da
Comarca da Capital, para que seja o incidente de desconsideração da personalidade jurídica inversa
julgado improcedente."
Decisão de e-fls. 17/22, indeferindo o efeito suspensivo postulado.
Às 40/44, a agravante interpôs agravo interno contra a decisão desta Relatora que indeferiu o efeito
suspensivo por ela postulado.
Em suas razões, a agravante reproduz parte das alegações deduzidas nas razões do agravo de
instrumento, conferindo destaque ao fato de "que a empresa fora intimada para efetuar o pagamento
da condenação, uma vez que já foi expedido mandado de citação para execução pelo juízo a quo,
tendo sua juntada ocorrido em 19/07/2018 e pelo qual o prazo para Embargos à Execução se encerra
em 08/08/2018 (quarta-feira), e que, dessa forma, os requisitos previstos no art. 300 do Código de
Processo Civil estão presentes, posto que a verossimilhança da alegação e o periculum in mora já
foram devidamente comprovados em sede de Agravo de Instrumento." Requer o provimento do
recurso, para que seja deferido o efeito suspensivo pretendido. Contrarrazões ao agravo de
instrumento, às e-fls. 56/74, pelo não conhecimento do agravo de
instrumento, pela falta de peças obrigatórias, notadamente comprovação da tempestividade, ou,
subsidiariamente, pelo desprovimento do recurso.
Contrarrazões ao agravo interno, às e-fls. 76/86, requerendo, preliminarmente, o não conhecimento
do recurso, pela não observância do art. 1.021, § 1.º, do Código de Processo Civil, ou,
subsidiariamente, pelo seu desprovimento, pugnando, ainda, pela aplicação da multa inserta no § 4.º
do já citado artigo 1.021 do CPC.
Decisão de e-fls. 91, revogando, em parte, a decisão de e-fls. 17, no tocante à determinação de
remessa do feito ao Ministério Público.
É o Relatório.

Cinge-se a controvérsia recursal ao inconformismo da agravante contra a decisão que acolheu


incidente de desconsideração inversa da personalidade jurídica proposto nos autos de execução de
título executivo extrajudicial (cédula de crédito bancário) na qual figura como executado sócio da
ora recorrente. Rejeita-se, de plano, a pretensão de suspensão da execução em curso, com esteio no
artigo 18 da Lei 6.024/74, que dispõe: ................................................................................................
Art . 18. A decretação da liquidação extrajudicial produzirá, de imediato, os seguintes efeitos: a)
suspensão das ações e execuções iniciadas sobre direitos e interesses relativos ao acervo da entidade
liquidanda, não podendo ser intentadas quaisquer outras, enquanto durar a liquidação; - sem grifos
no original. ................................................................................................ Destarte, não há motivo
para a suspensão da execução no que toca à recorrente, porque o dispositivo por ela invocado se

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aplica às entidades que se encontram em processo de liquidação extrajudicial. Sendo que à agravante
não se aplica tal dispositivo. Nesse sentido, a Jurisprudência destaCorte:

................................................................................................ 0002315-06.2017.8.19.0000 -
AGRAVO DE INSTRUMENTO Des(a). HELENO RIBEIRO PEREIRA NUNES - Julgamento:
21/03/2017 - QUINTA CÂMARA CÍVEL AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE
INDENIZAÇÃO ORA EM FASE DE CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. DECRETAÇÃO DE
LIQUIDAÇÃOEXTRAJUDICIAL DE UM DOS RÉUS. INDICE DE CORREÇÃO MONETÁRIA
APLICÁVEL AOS DÉBITOS JUDICIAIS. JUROS DE MORA SOBRE O VALOR DA PENSÃO
VITALÍCIA. TERMO INICIAL. 1) O pedido de suspensão da execução formulado pelo segundo
agravado em função da decretação da sua liquidação extrajudicial deve ser dirigido ao juiz de
primeiro grau no qual tramita a execução do julgado, o qual deverá analisar, por primeiro, a questão
envolvendo a sujeição do referido executado às regras da Lei nº 6.024/74(diploma legal este que
trata da pretendida suspensão e regula os consectários das dívidas das entidades em liquidação
extrajudicial), sob pena de supressão de instância. 2) Por outro lado, não há óbice à apreciação do
recurso envolvendo o suposto equívoco no cálculo realizado pelo contador judicial, seja porque a
decretação da liquidação extrajudicial do segundo executado não constitui óbice ao prosseguimento
da execução em relação ao primeiro, seja porque a pretendida retificação na incidência dos
consectários legais não envolve atos de constrição patrimonial, destacando o entendimento
jurisprudencial prevalente de que são devidos os juros de mora, mesmo por entidade em liquidação
extrajudicial, sendo vedado apenas seu pagamento até que a massa liquidanda tenha satisfeito o
valor principal devido a todos os seus credores, assim como é devida a correção monetária, em
virtude do disposto no art. 46 do ADCT. 3) Nos termos do disposto no artigo 1º do Provimento nº
03/93, da Egrégia Corregedoria Geral da Justiça deste Estado: "para efeito de cálculo, os débitos
judiciais apurados ou apurar, enquanto pendentes os processos, deverão ser corrigidos e atualizados,
a partir de 01.06.1993, com base na variação percentual da UFIR acumulada mensalmente,
convertendose, ao final, o valor encontrado em unidades do índice referido". 4) Por sua vez, no
concernente aos juros de mora, estes devem corresponder ao percentual de 1% ao mês, conforme
previsto no art. 406 do Código Civil c/c art. 161, §1º do CTN. 5) Com relação à atualização do valor
da indenização por dano moral, os cálculos do contador judicial se mostram em consonância com o
título judicial, vez que converteu o valor principal de R$20.000,00 em UFIR/RJ(unidade fiscal de
referência do Estado do Rio de Janeiro), com base no Índice de 2,4066, em vigor na época da
prolação e publicação do julgado exequendo(setembro de 2013 -- Resolução SEFAZ 563/2012),
encontrando o equivalente a 8.310,47 UFIRs, e, posteriormente, promoveu a sua conversão para
moeda através da multiplicação do referido equivalente de 8.310,47 UFIRs pelo índice de 2,5473,
em vigor na data da do depósito judicial(mai/2014 - Resolução SEFAZ 700/2013), apurando-se,
assim, em R$21.169,28 o respectivo valor atualizado da referida verba indenizatória na data do
depósito judicial. 6) Também osjuros legais de 1% ao mês incidentes sobre a indenização por dano
moral, fixados a partir do evento danoso, foram calculados na forma correta, tomando por base o
período de setenta e quatro meses e os dias proporcionais entre o acidente e o deposito judicial para
efeito de apuração do percentual aplicável sobre o valor principal corrigido(de R$21.169,28x
74,30%), alcançando-se, então, o montante de R$15.728,78 referente ao aludido consectário legal.
7) Contudo, o mesmo não se pode afirmar com relação às parcelas vencidas da pensão vitalícia, vez
que embora seu valor - R$500,00 - tenha sido estabelecido no julgado exequendo como devido desde
o evento danoso, a planilha de cálculo do contador judicial considerou como termo inicial da
DIREITO CIVIL - CP02 - 01 - CPI - 1º PERÍODO 2023 10
correção monetária a data do acórdão que a fixou, equivoco esse que compromete a exatidão da
apuração da diferença existente, impondo-se, assim, o retorno dos autos à contadoria judicial para
nova apuração, desta feita, observando que a pensão mensal vitalícia fixada em R$500,00
(quinhentos Reais) é devida desde o evento danoso. 8) Sendo omisso o referido acórdão a respeito
do termo inicial dos juros de mora sobre as prestações correspondentes à pensão vitalícia em atraso,
decorre como lógica a aplicação na espécie do teor da Sumula nº 54 do STJ, segundo a qual, "os
juros moratórios fluem a partir do evento danoso, em caso de responsabilidade extracontratual", tal
qual constou da planilha de cálculo apresentada pelo contador judicial. 9) A constituição do capital
garantidor se aperfeiçoa mediante depósito em conta para tal destinada, tendo, portanto, na
realidade, natureza de obrigação de fazer, cabendo ao credor valer-se dos mecanismos próprios
previstos na lei com vistas a assegurar seu cumprimento, pelo que tal valor não deve integrar a
planilha de cálculo da execução, mormente considerando que a quantia constituída a tal título não
pertencerá à credora, prestando-se tão somente a possibilitar o pagamento das pensões mensais
vincendas devidas pelos executados através do produto de seu rendimento. 10) Recurso ao qual se
dá parcial provimento. - sem grifos no original.
................................................................................................

No que concerne à desconsideração da personalidade jurídica, Nelson Nery Junior e Rosa Maria de
Andrade Nery, elucidam que "O requerimento de desconsideração deverá demonstrar que os
pressupostos materiais para tanto estão devidamente preenchidos, esclarecendo a presença do abuso
da personalidade jurídica por desvio de finalidade ou confusão material." (in Código de Processo
Civil Comentado, 16.ª ed., 2016, RT, pp. 626/627).

Com efeito, "Com a desconsideração inversa da personalidade jurídica, busca-se impedir a prática
de transferência de bens pelo sócio para a pessoa jurídica sobre a qual detém controle, afastando-se
momentaneamente o manto fictício que separa o sócio da sociedade para buscar o patrimônio que,
embora conste no nome da sociedade, na realidade, pertence ao sócio fraudador.
- RECURSO ESPECIAL Nº 1.647.362 - SP (2017/0004072-0) RELATORA : MINISTRA NANCY
ANDRIGHI" - Fonte: http://corpus927.enfam.jus.br/legislacao/cpc-15. Nessa linha de raciocínio,
importante frisar que resta comprovado que o sócio executado, Luis Paulo de Souza Lobo, sequer
éadministrador da sociedade, conforme se constata da cláusula nona do Contrato Social juntado às
e-fls. 747 (e-fls. 751) dos autos originários: (...)
Releva ainda salientar que a indisponibilidade dos bens do sócio executado data de 02 de maio de
2011, o que, o inviabiliza qualquer transmissão contemporânea de propriedade à sociedade ora
agravante. Veja-se: Assim, embora extensivamente discorrido pelo Juízo a quo acerca da
desconsideração inversa da personalidade jurídica, fato é que não restou demonstrado pela agravada
o preenchimento dos requisitos para o acolhimento do incidente, vez que a transferência de
propriedade constante de e-fls. 301 (fls. 306), utilizada como embasamento pela decisão recorrida,
data de 1982, consoante, ora se verifica:

DIREITO CIVIL - CP02 - 01 - CPI - 1º PERÍODO 2023 11


Logo, impõe-se reformar-se a decisão agravada para rejeitar o incidente de desconsideração.
Pondere-se, apenas por amor ao debate, que em virtude de os autos originários serem eletrônicos,
não se faz mister a juntada de peças, como arguido nas contrarrazões ao agravo de instrumento.
Ademais, não há, como ventilado na aludida petição, eventual intempestividade do recurso, porque
o mandado de citação da ora agravante foi juntado em 19 de julho de 2018 (e-fls. 819 dos autos
originários), e o presente recurso foi interposto em 20 de julho de 2018.

Diante de todo o explanado acima, certo concluir que fica prejudicado o Agravo Interno de e-fls.
40/44, e, consequentemente, o enfrentamento das suas contrarrazões. À conta de tais fundamentos,
voto no sentido de dar provimento ao recurso, para o fim de reformar a decisão agravada e rejeitar
o incidente de desconsideração, invertendo-se o ônus da sucumbência, com honorários em 10% (dez
por cento) sobre o valor do débito, prejudicado o agravo interno de e-fls. 40/44. Rio de Janeiro, na
data da assinatura digital.

Desembargadora
MARIA ISABEL PAES GONÇALVES
Relatora

Tema 07:
Dos bens e das coisas. Noção e importância jurídica do patrimônio. Universalidade de direito
e de fato. Divisão em classes. Bens móveis e imóveis, fungíveis e infungíveis, divisíveis e
indivisíveis, singulares e coletivos, consumíveis e inconsumíveis. Bens principais e acessórios.
Frutos. Produtos. Benfeitorias e Pertenças. Bens Públicos e Privados. Lei nº 8009/90. Bem de
família legal e convencional.

1ª QUESTÃO:
Em execução judicial, o exequente requer a penhora do único imóvel do executado, mesmo tendo
ciência de que serve de residência para o devedor e sua família.
O exequente alega, invocando o princípio da vedação ao enriquecimento sem causa, que o bem em
questão não deve ser catalogado como bem de família legal, porque é luxuoso e, portanto, tem valor
nitidamente acima da média. Assim sendo, o exequente argumenta que a quantia oriunda do leilão
tornaria possível não apenas quitar a dívida existente, mas também possibilitaria ao executado a
compra de outro imóvel de padrão médio, em bairro vizinho, o que decerto atenderia o direito
fundamental a moradia digna.
O magistrado indefere o pedido sob o fundamento de que as exceções à regra de impenhorabilidade
do bem de família dispostas no art. 3º da Lei nº 8.009/1990 não trazem nenhuma indicação no
sentido proposto pelo exequente.
Decidiu o magistrado de acordo com os ditames legais?
DIREITO CIVIL - CP02 - 01 - CPI - 1º PERÍODO 2023 12
Resposta fundamentada.

RESPOSTA:
REsp 1726733 / SP RECURSO ESPECIAL 2017/0239594-2 Relator(a) Ministro MARCO
AURÉLIO BELLIZZE (1150) Órgão Julgador T3 - TERCEIRA TURMA Data do Julgamento
13/10/2020 Data da Publicação/Fonte DJe 16/10/2020
Ementa
RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. OMISSÃO DO
ACÓRDÃO RECORRIDO. INEXISTÊNCIA. PENHORA DE DIREITOS DO DEVEDOR
SOBRE IMÓVEL GRAVADO COM ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA. IMÓVEL
DE ALTO PADRÃO. IRRELEVÂNCIA. APLICAÇÃO DA REGRA DA
IMPENHORABILIDADE. POSSIBILIDADE. RECURSO DESPROVIDO.
1. A discussão versa em saber se os direitos econômicos do devedor fiduciante sobre o imóvel objeto
do contrato de alienação fiduciária em garantia podem receber a proteção da impenhorabilidade do
bem de família em execução de título extrajudicial (contrato de confissão de dívida) promovido por
terceiro.
2. Nos termos do art. 1.022, I, II e III, do CPC/2015, destinam-se os embargos de declaração a
expungir do julgado eventual omissão, obscuridade ou contradição, ou ainda a corrigir erro material,
não se caracterizando via própria ao rejulgamento da causa.
3. Segundo a orientação jurisprudencial desta Corte, para efeito da proteção do art. 1º da Lei n.
8.009/1990, basta que o imóvel sirva de residência para a família do devedor, sendo irrelevante o
valor do bem. Isso porque as exceções à regra de impenhorabilidade dispostas no art. 3º do referido
texto legal não trazem nenhuma indicação nesse sentido. Logo, é irrelevante, a esse propósito, que
o imóvel seja considerado luxuoso ou de alto padrão.
4. A intenção do devedor fiduciante, ao oferecer o imóvel como garantia ao contrato de alienação
fiduciária, não é, ao fim e ao cabo, transferir para o credor fiduciário a propriedade plena do bem,
diversamente do que ocorre na compra e venda, mas apenas garantir o adimplemento do contrato de
financiamento a que se vincula, objetivando que, mediante o pagamento integral da dívida, a
propriedade plena do bem seja restituída ao seu patrimônio.
5. Por isso, em se tratando do único imóvel utilizado pelo devedor fiduciante ou por sua família,
para moradia permanente, tais direitos estarão igualmente protegidos como bem de família, em ação
de execução movida por terceiro estranho ao contrato garantido por
alienação fiduciária, razão pela qual, enquanto vigente essa condição, sobre ele deve incidir a
garantia da impenhorabilidade a que alude o art. 1º da Lei 8.009/1990.
6. No caso, sendo o recorrido possuidor direto do imóvel dado em garantia do contrato de alienação
fiduciária firmado para aquisição do próprio imóvel e constatado pelo Tribunal de origem que o bem

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destina-se à residência do executado e de sua família, há de ser oposta ao terceiro exequente a
garantia da impenhorabilidade do bem de família, no que tange aos direitos do devedor fiduciário.

2ª QUESTÃO:
O que são frutos? Como se dividem quanto à sua origem e quanto ao seu estado?

RESPOSTA:
A respeito do assunto confira a seguinte passagem de Pablo Stolze:

Espécies de bens acessórios, os frutos podem ser definidos como utilidades que a coisa principal
periodicamente produz, cuja percepção não diminui a sua substância (ex.: a soja, a maçã, o bezerro,
os juros, o aluguel).
Se a percepção da utilidade causar a destruição total ou parcial da coisa principal, não há que se
falar, tecnicamente, em frutos.
A matéria é da mais alta significação, uma vez que, no campo dos direitos reais, por exemplo, o
possuidor de boa-fé tem direito aos frutos colhidos e percebidos, devendo restituir os pendentes, ao
tempo em que cessar a boa-fé. Vale dizer: o estudo deste tópico de teoria geral é indispensável para
a correta aplicação das normas da parte especial do Código Civil (cf. arts. 1.214 e s. do CC/2002).

Nesse contexto, a doutrina classifica os frutos da seguinte forma:


Quanto à sua natureza:
a) naturais - são gerados pelo bem principal sem necessidade da intervenção humana direta.
Decorrem do desenvolvimento orgânico vegetal (laranja, soja) ou animal (crias de um rebanho);
b) industriais - são decorrentes da atividade industrial humana (bens manufaturados);
c) civis - são utilidades que a coisa frugífera periodicamente produz, viabilizando a percepção de
uma renda (juros, aluguel).

Como a doutrina, talvez por amor à sistematização, reserva tratamento autônomo, em categoria
própria, para os rendimentos, deixaremos para ex-plicitá-los a seguir, mas sem deixar de registrar
que não há diferença técnica entre eles e os frutos civis.
Quanto à ligação com a coisa principal:
a) colhidos ou percebidos - são os frutos já destacados da coisa principal, mas ainda existentes;
b) pendentes - são aqueles que ainda se encontram ligados à coisa principal, não tendo sido, portanto,
destacados;

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c) percipiendos - são aqueles que deveriam ter sido colhidos mas não o foram;
d) estantes - são os frutos já destacados, que se encontram estocados e armazenados para a venda;
e) consumidos - são os que não mais existem.
Gagliano, Pablo, S. e Rodolfo Mário Veiga Pamplona Filho. NOVO CURSO DE DIREITO CIVIL
1 - PARTE GERAL. (23ª edição). Editora Saraiva, 2021.

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