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CPI
1º PERÍODO 2023
TEMAS
Tema 02:
Pessoas naturais. Registro civil das pessoas naturais. Direitos da personalidade: início e fim.
Comoriência e efeitos. Declaração de morte presumida sem declaração de ausência. Posição
jurídica do nascituro: teoria natalista, condicionalista e concepcionista. Capacidade: de direito
e de fato. Incapacidade absoluta e relativa. Os atos praticados antes da curatela e o terceiro
de boa-fé. Representação, assistência e autorização. Emancipação. Controvérsias do Estatuto
da Pessoa com Deficiência. Lei nº 13.146/2015.
1ª QUESTÃO:
Maria Betânia ajuizou ação em que alega ter sofrido grave acidente automobilístico, que
interrompeu a sua gravidez de quatro meses. Assim, a autora requer indenização, sob o argumento
de que faz jus ao valor estabelecido em lei, por causa do traumático desfecho relatado.
Em defesa, a Seguradora sustenta que o caso não comporta indenização, porque o Código Civil não
concede personalidade jurídica a feto, embora conceda determinados direitos excepcionais. Dessa
forma, a parte ré aduz que, tendo em vista que não pode morrer aquele que nunca nasceu, não poderá,
consequentemente, a autora ser considerada herdeira para os efeitos legais, motivo pelo qual o
pedido de Maria Betânia deve ser julgado improcedente.
Decida a questão, explicando as três teorias relevantes que tratam da natureza jurídica do nascituro,
quanto ao início da personalidade.
RESPOSTA:
A resposta do aluno deve observar a posição adotada pelo STJ, no REsp 1.415.727-SC - reitera-se
que há outros julgados citados no mesmo sentido -, o qual segue a linha da teoria concepcionista, na
medida em que se defende que, embora alguns direitos só possam ser exercidos com o nascimento,
a personalidade tem início com a concepção.
Entende-se que o direito à vida é o direito mais importante. Direitos ou expectativas de direitos
concedidos ao nascituro só fariam sentido se também lhe fosse garantido o direito de nascer -
reconhecendo, pois, a sua personalidade -, que é anterior a qualquer outro direito. Logo, o aborto
causado pelo acidente de trânsito faz incidir o art. 3º da Lei 6.194/1974, uma vez que houve
verdadeira morte do nascituro, de modo que a mãe será considerada herdeira para todos os efeitos
legais e terá o pedido julgado procedente.
No que se refere à situação jurídica do nascituro, é preciso considerar a existência de três grandes
teorias, resumidas abaixo:
DIREITO CIVIL - CP02 - 01 - CPI - 1º PERÍODO 2023 1
a) Teoria natalista: a primeira corrente sustenta que o nascituro não é pessoa e, como resultado, não
possui personalidade, embora reconheça a ele certos direitos conferidos pelo ordenamento jurídico.
(J.M. Leoni Lopes de Oliveira, Curso de Direito Civil. Parte Geral. Atlas. Ed: 2019. Página. 30)
2ª QUESTÃO:
Camila Alves e Carlos Alves ajuizaram demanda em que pedem a revogação de emancipação de
Enzo Alves, filho do casal. Informam que, quando procederam à emancipação do menor, em janeiro
de 2022, estavam passando por terrível momento de turbulência psicológica e espiritual.
Aduzem que procuraram o líder da Igreja Fé Infinita para terem um direcionamento
espiritual, mas o pastor agiu de má-fé e os obrigou a praticarem tal ato jurídico, sob o argumento de
que isso os libertaria dos maus espíritos que os cercavam, além de também afastar uma maldição
hereditária da vida de Enzo Alves. Contudo, os autores alegam que, depois de terem recuperado a
saúde mental, perceberam que o pastor na verdade queria a emancipação para receber doações e
realizar outros atos financeiros duvidosos com o filho do casal - que, nos autos, manifesta-se
contrariamente ao pleito dos autores/pais.
RESPOSTA:
O recurso deve receber provimento, na medida em que os fatos consubstanciam a hipótese de
coação, que está prevista no art. 151 do Código Civil. Dessa forma, em razão da causa de evidente
defeito de ato jurídico, conforme considerou o próprio juiz sentenciante, será devido reconhecer a
causa de anulabilidade.
Art. 151. A coação, para viciar a declaração da vontade, há de ser tal que incuta ao paciente
fundado temor de dano iminente e considerável à sua pessoa, à sua família, ou aos seus bens.
A coação, em síntese, pode ser explicada como pressão física ou moral, em que a vítima assume
uma obrigação que não é de sua vontade verdadeira. Depende do juiz apreciar as circunstâncias para
decidir a respeito. No panorama analisado, é certo que o casal estava passando por um momento de
séria fragilidade psíquica e foram ameaçados de receberem mal injusto, inclusive em relação ao
filho do casal, caso não viessem a praticar o ato jurídico.
Em relação à emancipação, como bem explica o professor Flávio Tartuce, embora seja
definitiva, irretratável e irrevogável, poderá ser desconstituída por vício de vontade.
Confira:
"A emancipação, regra geral, é definitiva, irretratável e irrevogável. De toda sorte, conforme se
depreende de enunciado aprovado na V Jornada de Direito Civil, de novembro de 2011, a
emancipação por concessão dos pais ou por sentença do juiz está sujeita a desconstituição por vício
de vontade (Enunciado n. 397). Desse modo, é possível a sua anulação por erro ou dolo, por
exemplo.
Trata-se, geralmente, de ato formal e solene, eis que o Código Civil de 2002 passou a exigir
instrumento público, como regra, sendo certo que a codificação anterior possibilitava a
emancipação por instrumento particular". (Tartuce, Flávio. Direito Civil - Lei de Introdução e
Parte Geral - Vol. 1. Disponível em: Minha Biblioteca, (17th edição). Grupo GEN, 2021.)
Nesse sentido:
Jornada
V Jornada de Direito Civil
Coordenador-Geral
DIREITO CIVIL - CP02 - 01 - CPI - 1º PERÍODO 2023 5
Ministro Ruy Rosado de Aguiar
Comissão de Trabalho
Parte Geral
Coordenador da Comissão de Trabalho
Gustavo Tepedino
Número
397
Enunciado
A emancipação por concessão dos pais ou por sentença do juiz está sujeitaà desconstituição por
vício de vontade.
Referência Legislativa
Norma: Código Civil 2002 - Lei n. 10.406/2002
<https://nam10.safelinks.protection.outlook.com/?url=http%3A%2F%2Fwww.planalto.gov.br%2F
ccivil_03%2FLeis%2F2002%2FL10406.htm&data=05%7C01%7C%7C76592d9a148a4bacf7a908
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ART: 5;
Tema 03:
Dignidade da pessoa humana na jurisprudência do STJ e do STF. Direito à vida, ao corpo, ao
nome, à honra, à imagem e à intimidade. O uso do nome social. Proteção às pessoas com
transtornos mentais. Da remoção de órgãos, tecidos e partes do corpo humano para fins de
transplante. Representação, assistência e autorização. Legitimação.
1ª QUESTÃO:
Ermelinda e Arthur ajuizaram ação contra a Revista Acento Grave. Os autores, que são,
respectivamente, ex-cônjuge e filho de Sebastião José, narram que a ré tem conhecido quadro
quinzenal em que publica reportagens sobre homicídios e demais crimes que impactaram a
sociedade brasileira. Alegam que, em dezembro de 2021, a ré decidiu realizar uma matéria sobre
Sebastião José, já falecido, o qual ficou conhecido na década de 90, depois de ter assassinado quatro
pessoas da mesma família, no interior do Rio de Janeiro.
Os autores sustentam que o conteúdo publicado tem mais de 10 páginas, as quais abordam os
aspectos jurídicos dos crimes e as circunstâncias em que ocorreram, mas também retratam, sem
nenhum tipo de autorização, a atual rotina dos autores, especialmente no subtítulo "Saiba como
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vivem os herdeiros de Sebastião José". Sustentam, outrossim, que a reportagem traz fotos que
deixam perceptíveis o bairro onde moram e, inclusive, o colégio em que Arthur, menor
absolutamente incapaz, estuda.
Por esses motivos, Ermelinda e Arthur pedem que a ré retire de circulação todas as revistas, com
base no direito ao esquecimento, e pedem a condenação ao pagamento no valor de R$ 50.000,00,
para cada um, a título de reparação por danos morais.
A Revista Acento Grave, em contestação, afirma que os autores, que tiveram apenas os prenomes
publicados, não podem ser identificados nas fotos, uma vez que aparecem com razoável distância e
sem foco. Ademais, pontua que o bairro e o colégio só podem ser identificados por quem conhece
bem o local, porque não há nenhuma informação detalhada de endereço. Por derradeiro, pedem a
total improcedência dos pedidos, acrescentando que não há de se falar em direito ao esquecimento
e tampouco em dano moral, por causa do flagrante interesse público e da liberdade de imprensa.
Decida o caso apresentado. Resposta fundamentada.
RESPOSTA:
Os pedidos devem ser julgados procedentes. Conquanto não deva ser privilegiado, no caso, o direito
ao esquecimento, não há dúvida de que houve excessos que ultrapassam a liberdade de informação
e atingem a honra dos autores, de maneira a justificar a reparação por danos morais. Por esse mesmo
fundamento, é certo que as revistas devem ser retiradas de circulação para a preservação dos autores.
Observe que o STF, no RE 1.010.606/RJ, julgado em 11/02/2022, entendeu que o ordenamento
jurídico brasileiro não consagra tal pretensão:
É incompatível com a Constituição a ideia de um direito ao esquecimento, assim entendido como o
poder de obstar, em razão da passagem do tempo, a divulgação de fatos ou dados verídicos e
licitamente obtidos e publicados em meios de comunicação social analógicos ou digitais. Eventuais
excessos ou abusos no exercício da liberdade de expressão e de informação devem ser
analisados caso a caso, a partir dos parâmetros constitucionais - especialmente os relativos à
proteção da honra, da imagem, da privacidade e da personalidade em geral - e as expressas e
específicas previsões legais nos âmbitos penal e cível. STF. Plenário. RE 1010606/RJ, Rel. Min.
Dias Toffoli, julgado em 11/2/2021 (Repercussão Geral - Tema 786) (Info 1005). (grifou-se)
Compreende-se, portanto, que o STF recentemente afastou o direito ao esquecimento, mas ponderou
situações, em que podem existir excessos passíveis de indenização - como se vê na questão trazida
-, em conformidade com o conteúdo grifado acima.
Não se pode admitir, nesse sentido, a alegação quanto a um possível interesse público na rotina da
família daquele que praticou o crime. São pessoas que não vivem da imagem, que certamente já têm
uma outra dinâmica de existência e que estão buscando seguir normalmente com suas rotinas. A
proteção da intimidade e da imagem devem prevalecer no caso analisado, principalmente em se
tratando de menor absolutamente incapaz.
Assim, diante do vasto acervo probatório consolidado nos autos, conforme, inclusive, concluiu o
acórdão atacado, não há dúvidas de que a reportagem não apresenta conteúdo informativo ou de
interesse histórico acerca do crime aqui abordado, situação que, caso observada, seria acobertada
pela razoabilidade e pelos limites do direito à informação. De fato, a notícia, ao contrário, destina-
se exclusivamente a explorar a vida contemporânea dos autores, dificultando, assim, a superação de
episódio traumático.
A situação exposta remonta à análise de Ingo Sarlet e Arthur Neto para os quais "não mais se
justificará a divulgação e publicização de informações referentes ao cometimento de infrações por
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uma pessoa que já percorreu o trajeto da sanção-reabilitação-perdão". Ressaltam, nesse cenário, a
importância de diferenciar, em casos de egressos do sistema prisional, atos de vingança coletiva e
atos de efetiva justiça, de modo a permitir o transcurso das três etapas reconciliatórias propostas por
Paul Ricoeur (SARLET, I. W., NETO, A. M. F. O direito ao "esquecimento" na sociedade da
informação. PortoAlegre: Livraria do Advogado, 2019, pág. 204).
De acordo com os autos, a narrativa da reportagem dificulta a reintegração da primeira autora, pois
se insere em cenário de provocação de sensações de pretensa impunidade por meio da exploração
do sentimento de vingança coletiva e da comoção midiática perante o atual modo de vida da autora.
E essa percepção é possível devido às informações divulgadas, destacando-se, em especial, a ênfase
dada ao termo "assassinos famosos" e ao fato de que, após ter a autora cometido o crime por meio
de "tesouradas", atualmente circula "pelas ruas de Copacabana e Ipanema" (fl. 578, e-STJ).
Lamentavelmente, tal discurso, mobilizado pela imprensa em torno de uma suposta insuficiência
das punições aplicadas ao caso emblemático, retrata abordagem jornalística comum aos crimes
marcados pela repercussão social, ainda que, como se deu na espécie, tenha de fato ocorrido o
transcurso integral da punição imposta.
Ao se debruçar sobre o papel da mídia como mecanismo de atualização e reforço à sociedade
punitiva, o jurista e sociólogo David Garland afirma que "o discurso da mídia e da criminologia
popular apresenta os criminosos como "diferentes", e menos que totalmente humanos", apagando e
naturalizando dimensões relevantes da persecução penal e de suas consequências (GARLAND, D.
Punishment and modern society: a study in social theory. Oxford, Claredon Press, 1995, pág. 243).
Nesse contexto, o castigo corporal pela privação da liberdade não será capaz de satisfazer o clamor
público por punição, pois o ideal penal endossado pelos meios de comunicação, dentre outros
agentes, apela para uma junção entre a segregação social e perpetuidade da estigmatização
(GARLAND, David. As contradições da "sociedade punitiva": o caso britânico. Revista de
Sociologia e Política, Curitiba, nº 13, págs. 59-80, Novembro de 1999).
(...)
2ª QUESTÃO:
Edson Xavier ajuizou ação indenizatória contra Rodolfo Silva, requerendo a compensação por dano
moral. Alega o autor que o réu era seu companheiro de trabalho no Portimão Associação Atlética,
clube de futebol conhecido em todo o território nacional, onde juntos atuavam.
Afirma o autor que todos os atletas fazem parte de um grupo de WhatsApp, onde conversam sobre
assuntos pessoais e profissionais, e que, em determinado período do ano de 2020, o time acumulava
uma sequência de dez jogos sem vitória, situação que gerou forte cobrança. Nesse contexto, o autor
relata que, num momento de desabafo, escreveu no grupo uma mensagem com fortes críticas à
diretoria, em que reclamava de atraso de salário e descumprimento de contrato. No entanto, embora
as mensagens fossem destinadas exclusivamente a integrantes daquele grupo, o réu decidiu repassá-
las a terceiros. Consequentemente, no dia seguinte ao vazamento, o conteúdo foi divulgado na
íntegra em diversos veículos de comunicação, o que intensificou a cobrança da torcida e a crise
interna. O autor ressalta, enfim, que o desfecho ensejou a sua demissão.
RESPOSTA:
Resposta:
O réu deverá proceder à compensação por dano moral. O STJ, no REsp nº 1.903.273, de relatoria
da Min. Nancy Andrighi, entendeu em caso similar que, somente com o consentimento dos
participantes do grupo, terceiros poderiam ter acesso às conversas de whatsapp. Essa posição
privilegia a inviolabilidade das comunicações telefônicas, protegidas no art. 5º, X, da CRFB, e nos
arts. 21 e 21 do CC. Em razão de a mensagem ter ocorrido em grupo fechado e de ter sido
direcionada exclusivamente a este, não há de se falar em prevalência de interesse público.