Você está na página 1de 14

DIREITO CIVIL

CPI
1º PERÍODO 2023
TEMAS
Tema 02:
Pessoas naturais. Registro civil das pessoas naturais. Direitos da personalidade: início e fim.
Comoriência e efeitos. Declaração de morte presumida sem declaração de ausência. Posição
jurídica do nascituro: teoria natalista, condicionalista e concepcionista. Capacidade: de direito
e de fato. Incapacidade absoluta e relativa. Os atos praticados antes da curatela e o terceiro
de boa-fé. Representação, assistência e autorização. Emancipação. Controvérsias do Estatuto
da Pessoa com Deficiência. Lei nº 13.146/2015.

1ª QUESTÃO:
Maria Betânia ajuizou ação em que alega ter sofrido grave acidente automobilístico, que
interrompeu a sua gravidez de quatro meses. Assim, a autora requer indenização, sob o argumento
de que faz jus ao valor estabelecido em lei, por causa do traumático desfecho relatado.
Em defesa, a Seguradora sustenta que o caso não comporta indenização, porque o Código Civil não
concede personalidade jurídica a feto, embora conceda determinados direitos excepcionais. Dessa
forma, a parte ré aduz que, tendo em vista que não pode morrer aquele que nunca nasceu, não poderá,
consequentemente, a autora ser considerada herdeira para os efeitos legais, motivo pelo qual o
pedido de Maria Betânia deve ser julgado improcedente.
Decida a questão, explicando as três teorias relevantes que tratam da natureza jurídica do nascituro,
quanto ao início da personalidade.

RESPOSTA:
A resposta do aluno deve observar a posição adotada pelo STJ, no REsp 1.415.727-SC - reitera-se
que há outros julgados citados no mesmo sentido -, o qual segue a linha da teoria concepcionista, na
medida em que se defende que, embora alguns direitos só possam ser exercidos com o nascimento,
a personalidade tem início com a concepção.
Entende-se que o direito à vida é o direito mais importante. Direitos ou expectativas de direitos
concedidos ao nascituro só fariam sentido se também lhe fosse garantido o direito de nascer -
reconhecendo, pois, a sua personalidade -, que é anterior a qualquer outro direito. Logo, o aborto
causado pelo acidente de trânsito faz incidir o art. 3º da Lei 6.194/1974, uma vez que houve
verdadeira morte do nascituro, de modo que a mãe será considerada herdeira para todos os efeitos
legais e terá o pedido julgado procedente.
No que se refere à situação jurídica do nascituro, é preciso considerar a existência de três grandes
teorias, resumidas abaixo:
DIREITO CIVIL - CP02 - 01 - CPI - 1º PERÍODO 2023 1
a) Teoria natalista: a primeira corrente sustenta que o nascituro não é pessoa e, como resultado, não
possui personalidade, embora reconheça a ele certos direitos conferidos pelo ordenamento jurídico.
(J.M. Leoni Lopes de Oliveira, Curso de Direito Civil. Parte Geral. Atlas. Ed: 2019. Página. 30)

b) Teoria da personalidade condicional: a segunda corrente entende que a personalidade do nascituro


está condicionado ao seu nascimento com vida. (J.M. Leoni Lopes de Oliveira, Curso de Direito
Civil. Parte Geral. Atlas. Ed: 2019. Página. 30)

Diz Flávio tartuce:


"O grande problema dessa corrente doutrinária [da Teoria da personalidade condicional] é que ela
é apegada a questões patrimoniais, não respondendo ao apelo de direitos pessoais ou da
personalidade a favor do nascituro. Ressalte-se, por oportuno, que os direitos da personalidade não
podem estar sujeitos a condição, termo ou encargo, como propugna a corrente. Além disso, essa
linha de entendimento acaba reconhecendo que o nascituro não tem direitos efetivos, mas apenas
direitos eventuais sob condição suspensiva, ou seja, também mera expectativa de direitos.
Na verdade, com todo o respeito ao posicionamento em contrário, consideramos que a teoria da
personalidade condicional é essencialmente natalista, pois parte igualmente da premissa de que a
personalidade tem início com o nascimento com vida. Por isso, em uma realidade que prega a
personalização do Direito Civil, uma tese essencialmente patrimonialista não pode prevalecer."
Tartuce, Flávio. Direito Civil - Lei de Introdução e Parte Geral - Vol. 1. Disponível em: Minha
Biblioteca, (17th edição). Grupo GEN, 2021.

c) Teoria concepcionista: desde a concepção o nascituro já tem personalidade jurídica.


"A terceira corrente, que adotamos, entende que o nascituro, no Direito brasileiro, possui
personalidade jurídica."(J.M. Leoni Lopes de Oliveira, Curso de Direito Civil. Parte Geral. Atlas.
Ed: 2015. Página. 54).
"A primeira parte do art. 2º não somente contraria o princípio do respeito à dignidade da pessoa
humana, como também se mostra ineficaz como regra diante de tantas exceções admitidas no Direito
brasileiro, principalmente as de caráter existencial, com base na segunda parte. Confesso que fico
pasmo quando vejo autores que, apesar de defenderem com veemência os direitos fundamentais, a
repersonalização do direito civil, a incidência do princípio do respeitoà dignidade da vida humana
como norteador de todo o sistema jurídico, negam a personalidade do nascituro. Esses mesmos
autores reconhecem os direitos especificamente previstos no ordenamento pátrio acima elencados,
como também, muitos deles, opinam favoravelmente ao direito `aindenização por lesão sofrida na
fase pré-natal." (J.M. Leoni Lopes de Oliveira, Curso de Direito Civil. Parte Geral. Atlas. Ed: 2015.
Página. 58).
[...]
RECURSO ESPECIAL. DIREITO SECURITÁRIO. SEGURO DPVAT. ATROPELAMENTODE
MULHER GRÁVIDA. MORTE DO FETO. DIREITO À INDENIZAÇÃO.INTERPRETAÇÃO

DIREITO CIVIL - CP02 - 01 - CPI - 1º PERÍODO 2023 2


DA LEI Nº 6194/74.1 - Atropelamento de mulher grávida, quando trafegava de bicicletapor via
pública, acarretando a morte do feto quatro dias depois comtrinta e cinco semanas de gestação.2 -
Reconhecimento do direito dos pais de receberem a indenizaçãopor danos pessoais, prevista na
legislação regulamentadora do seguroDPVAT, em face da morte do feto.3 - Proteção conferida pelo
sistema jurídico à vida intra-uterina,desde a concepção, com fundamento no princípio da dignidade
dapessoa humana.4 - Interpretação sistemático-teleológica do conceito de danospessoais previsto na
Lei nº 6.194/74 (arts. 3º e 4º).5 - Recurso especial provido, vencido o relator, julgando-seprocedente
o pedido.
(STJ - REsp: 1120676 SC 2009/0017595-0, Relator: Ministro MASSAMI UYEDA, Data de
Julgamento: 07/12/2010, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 04/02/2011)
[...]

APELAÇÃO CÍVEL. COBRANÇA. SEGURO DPVAT. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA.


ACIDENTE DE TRÂNSITO ENVOLVENDO GESTANTE. MORTE DO NASCITURO. ART. 2º
DO CÓDIGO CIVIL/2002. PERSONALIDADE JURÍDICA QUE NASCE COM A
CONCEPÇÃO. INDENIZAÇÃO DEVIDA EM RAZÃO DO ÓBITO DO FETO. ART. 3º DA LEI
6.194/74. PRECEDENTES. DECISUM REFORMADO. RECURSO PROVIDO.
[. . .] A despeito da literalidade do art. 2º do Código Civil - que condiciona a aquisição de
personalidade jurídica ao nascimento -, o ordenamento jurídico pátrio aponta sinais de que não há
essa indissolúvel vinculação entre o nascimento com vida e o conceito de pessoa, de personalidade
jurídica e de titularização de direitos, como pode aparentar a leitura mais simplificada da lei.
3. As teorias mais restritivas dos direitos do nascituro - natalista e da personalidade condicional -
fincam raízes na ordem jurídica superada pela Constituição Federal de 1988 e pelo Código Civil de
2002. O paradigma no qual foram edificadas transitava, essencialmente, dentro da órbita dos direitos
patrimoniais. Porém, atualmente isso não mais se sustenta. Reconhecem-se, corriqueiramente,
amplos catálogos de direitos não patrimoniais ou de bens imateriais da pessoa - como a honra, o
nome, imagem, integridade moral e psíquica, entre outros.
4. Ademais, hoje, mesmo que se adote qualquer das outras duas teorias restritivas, há de se
reconhecer a titularidade de direitos da personalidade ao nascituro, dos quais o direito à vida é o
mais importante. Garantir ao nascituro expectativas de direitos, ou mesmo direitos condicionados
ao nascimento, só faz sentido se lhe for garantido também o direito de nascer, o direito à vida, que
é direito pressuposto a todos os demais. [...] (Resp. 1415727/SC, rel. Min. Luis Felipe Salomão, j.
4.9.2014).
(TJ-SC - AC: 20140324666 SC 2014.032466-6 (Acórdão), Relator: Sérgio Izidoro Heil, Data de
Julgamento: 21/01/2015,Quinta Câmara de Direito Civil Julgado)
[...]
DIREITO CIVIL. INDENIZAÇÃO REFERENTE AO SEGURO DPVAT EM DECORRÊNCIA
DE MORTE DE NASCITURO. A beneficiária legal de seguro DPVAT que teve a sua gestação
interrompida em razão de acidente de trânsito tem direito ao recebimento da indenização prevista
no art. 3º, I, da Lei 6.194/1974, devida no caso de morte. O art. 2º do CC, ao afirmar que a

DIREITO CIVIL - CP02 - 01 - CPI - 1º PERÍODO 2023 3


"personalidade civil da pessoa começa com o nascimento", logicamente abraça uma premissa
insofismável: a de que "personalidade civil" e "pessoa" não caminham umbilicalmente juntas. Isso
porque, pela construção legal, é apenas em um dado momento da existência da pessoa que se tem
por iniciada sua personalidade jurídica, qual seja, o nascimento. Conclui-se, dessa maneira, que,
antes disso, embora não se possa falar em personalidade jurídica - segundo o rigor da literalidade
do preceito legal -, é possível, sim, falar-se em pessoa. Caso contrário, não se vislumbraria qualquer
sentido lógico na fórmula "a personalidade civil da pessoa começa", se ambas - pessoa e
personalidade civil - tivessem como começo o mesmo acontecimento. Com efeito, quando a lei
pretendeu estabelecer a "existência da pessoa", o fez expressamente. É o caso do art. 6º do CC, o
qual afirma que a "existência da pessoa natural termina com a morte", e do art. 45, caput, da mesma
lei, segundo o qual "Começa a existência legal das pessoas jurídicas de direito privado com a
inscrição do ato constitutivo no respectivo registro". Essa circunstância torna eloquente o silêncio
da lei quanto à "existência da pessoa natural". Se, por um lado, não há uma afirmação expressa sobre
quando ela se inicia, por outro lado, não se pode considerá-la iniciada tão somente com o nascimento
com vida. Ademais, do direito penal é que a condição de pessoa viva do nascituro - embora não
nascida - é afirmada sem a menor cerimônia. É que o crime de aborto (arts. 124 a 127 do CP) sempre
esteve alocado no título referente a "crimes contra a pessoa" e especificamente no capítulo "dos
crimes contra a vida". Assim, o ordenamento jurídico como um todo (e não apenas o CC) alinhou-
se mais à teoria concepcionista - para a qual a personalidade jurídica se inicia com a concepção,
muito embora alguns direitos só possam ser plenamente exercitáveis com o nascimento, haja vista
que o nascituro é pessoa e, portanto, sujeito de direitos - para a construção da situação jurídica do
nascituro, conclusão enfaticamente sufragada pela majoritária doutrina contemporânea. Além disso,
apesar de existir concepção mais restritiva sobre os direitos do nascituro, amparada pelas teorias
natalista e da personalidade condicional, atualmente há de se reconhecer a titularidade de direitos
da personalidade ao nascituro, dos quais o direito à vida é o mais importante, uma vez que, garantir
ao nascituro expectativas de direitos, ou mesmo direitos condicionados ao nascimento, só faz sentido
se lhe for garantido também o direito de nascer, o direito à vida, que é direito pressuposto a todos
os demais. Portanto, o aborto causado pelo acidente de trânsito subsume-se ao comando normativo
do art. 3º da Lei 6.194/1974, haja vista que outra coisa não ocorreu, senão a morte do nascituro, ou
o perecimento de uma vida intrauterina. REsp 1.415.727-SC, Rel. Min. Luis Felipe Salomão,
julgado em 4/9/2014."

2ª QUESTÃO:
Camila Alves e Carlos Alves ajuizaram demanda em que pedem a revogação de emancipação de
Enzo Alves, filho do casal. Informam que, quando procederam à emancipação do menor, em janeiro
de 2022, estavam passando por terrível momento de turbulência psicológica e espiritual.
Aduzem que procuraram o líder da Igreja Fé Infinita para terem um direcionamento
espiritual, mas o pastor agiu de má-fé e os obrigou a praticarem tal ato jurídico, sob o argumento de
que isso os libertaria dos maus espíritos que os cercavam, além de também afastar uma maldição
hereditária da vida de Enzo Alves. Contudo, os autores alegam que, depois de terem recuperado a
saúde mental, perceberam que o pastor na verdade queria a emancipação para receber doações e
realizar outros atos financeiros duvidosos com o filho do casal - que, nos autos, manifesta-se
contrariamente ao pleito dos autores/pais.

DIREITO CIVIL - CP02 - 01 - CPI - 1º PERÍODO 2023 4


O caso foi julgado em primeira instância, e o juiz entendeu que, embora as provas
corroborem as alegações autorais, as questões em voga devem ser resolvidas por outras vias, haja
vista que o ato praticado é definitivo, irrevogável e irretratável. Argumenta que o instituto é
abordado por normas de natureza cogente, de modo que a vontade das partes é irrelevante quanto
aos efeitos e à possibilidade de desfazimento. Ademais, pontua que, após a emancipação, a pessoa
apenas retoma o status de incapaz por meio da interdição, por motivos de segurança jurídica.
As partes apresentaram recurso. Julgue o caso apresentado e responda se o recurso deve
receber provimento.

RESPOSTA:
O recurso deve receber provimento, na medida em que os fatos consubstanciam a hipótese de
coação, que está prevista no art. 151 do Código Civil. Dessa forma, em razão da causa de evidente
defeito de ato jurídico, conforme considerou o próprio juiz sentenciante, será devido reconhecer a
causa de anulabilidade.
Art. 151. A coação, para viciar a declaração da vontade, há de ser tal que incuta ao paciente
fundado temor de dano iminente e considerável à sua pessoa, à sua família, ou aos seus bens.
A coação, em síntese, pode ser explicada como pressão física ou moral, em que a vítima assume
uma obrigação que não é de sua vontade verdadeira. Depende do juiz apreciar as circunstâncias para
decidir a respeito. No panorama analisado, é certo que o casal estava passando por um momento de
séria fragilidade psíquica e foram ameaçados de receberem mal injusto, inclusive em relação ao
filho do casal, caso não viessem a praticar o ato jurídico.
Em relação à emancipação, como bem explica o professor Flávio Tartuce, embora seja
definitiva, irretratável e irrevogável, poderá ser desconstituída por vício de vontade.
Confira:
"A emancipação, regra geral, é definitiva, irretratável e irrevogável. De toda sorte, conforme se
depreende de enunciado aprovado na V Jornada de Direito Civil, de novembro de 2011, a
emancipação por concessão dos pais ou por sentença do juiz está sujeita a desconstituição por vício
de vontade (Enunciado n. 397). Desse modo, é possível a sua anulação por erro ou dolo, por
exemplo.
Trata-se, geralmente, de ato formal e solene, eis que o Código Civil de 2002 passou a exigir
instrumento público, como regra, sendo certo que a codificação anterior possibilitava a
emancipação por instrumento particular". (Tartuce, Flávio. Direito Civil - Lei de Introdução e
Parte Geral - Vol. 1. Disponível em: Minha Biblioteca, (17th edição). Grupo GEN, 2021.)

Nesse sentido:
Jornada
V Jornada de Direito Civil
Coordenador-Geral
DIREITO CIVIL - CP02 - 01 - CPI - 1º PERÍODO 2023 5
Ministro Ruy Rosado de Aguiar
Comissão de Trabalho
Parte Geral
Coordenador da Comissão de Trabalho
Gustavo Tepedino
Número
397
Enunciado
A emancipação por concessão dos pais ou por sentença do juiz está sujeitaà desconstituição por
vício de vontade.
Referência Legislativa
Norma: Código Civil 2002 - Lei n. 10.406/2002
<https://nam10.safelinks.protection.outlook.com/?url=http%3A%2F%2Fwww.planalto.gov.br%2F
ccivil_03%2FLeis%2F2002%2FL10406.htm&data=05%7C01%7C%7C76592d9a148a4bacf7a908
da9b8c1036%7Cce4e1164986f413285d11e3c17cf7d6e%7C0%7C1%7C637993323142277419%7
CUnknown%7CTWFpbGZsb3d8eyJWIjoiMC4wLjAwMDAiLCJQIjoiV2luMzIiLCJBTiI6Ik1ha
WwiLCJXVCI6Mn0%3D%7C2000%7C%7C%7C&sdata=Uj%2Bwhe2ogrYcN1E9UTVGMYm
w8rCKI2NqVpy852vYG%2FE%3D&reserved=0>
ART: 5;

Tema 03:
Dignidade da pessoa humana na jurisprudência do STJ e do STF. Direito à vida, ao corpo, ao
nome, à honra, à imagem e à intimidade. O uso do nome social. Proteção às pessoas com
transtornos mentais. Da remoção de órgãos, tecidos e partes do corpo humano para fins de
transplante. Representação, assistência e autorização. Legitimação.

1ª QUESTÃO:
Ermelinda e Arthur ajuizaram ação contra a Revista Acento Grave. Os autores, que são,
respectivamente, ex-cônjuge e filho de Sebastião José, narram que a ré tem conhecido quadro
quinzenal em que publica reportagens sobre homicídios e demais crimes que impactaram a
sociedade brasileira. Alegam que, em dezembro de 2021, a ré decidiu realizar uma matéria sobre
Sebastião José, já falecido, o qual ficou conhecido na década de 90, depois de ter assassinado quatro
pessoas da mesma família, no interior do Rio de Janeiro.
Os autores sustentam que o conteúdo publicado tem mais de 10 páginas, as quais abordam os
aspectos jurídicos dos crimes e as circunstâncias em que ocorreram, mas também retratam, sem
nenhum tipo de autorização, a atual rotina dos autores, especialmente no subtítulo "Saiba como
DIREITO CIVIL - CP02 - 01 - CPI - 1º PERÍODO 2023 6
vivem os herdeiros de Sebastião José". Sustentam, outrossim, que a reportagem traz fotos que
deixam perceptíveis o bairro onde moram e, inclusive, o colégio em que Arthur, menor
absolutamente incapaz, estuda.
Por esses motivos, Ermelinda e Arthur pedem que a ré retire de circulação todas as revistas, com
base no direito ao esquecimento, e pedem a condenação ao pagamento no valor de R$ 50.000,00,
para cada um, a título de reparação por danos morais.
A Revista Acento Grave, em contestação, afirma que os autores, que tiveram apenas os prenomes
publicados, não podem ser identificados nas fotos, uma vez que aparecem com razoável distância e
sem foco. Ademais, pontua que o bairro e o colégio só podem ser identificados por quem conhece
bem o local, porque não há nenhuma informação detalhada de endereço. Por derradeiro, pedem a
total improcedência dos pedidos, acrescentando que não há de se falar em direito ao esquecimento
e tampouco em dano moral, por causa do flagrante interesse público e da liberdade de imprensa.
Decida o caso apresentado. Resposta fundamentada.

RESPOSTA:
Os pedidos devem ser julgados procedentes. Conquanto não deva ser privilegiado, no caso, o direito
ao esquecimento, não há dúvida de que houve excessos que ultrapassam a liberdade de informação
e atingem a honra dos autores, de maneira a justificar a reparação por danos morais. Por esse mesmo
fundamento, é certo que as revistas devem ser retiradas de circulação para a preservação dos autores.
Observe que o STF, no RE 1.010.606/RJ, julgado em 11/02/2022, entendeu que o ordenamento
jurídico brasileiro não consagra tal pretensão:
É incompatível com a Constituição a ideia de um direito ao esquecimento, assim entendido como o
poder de obstar, em razão da passagem do tempo, a divulgação de fatos ou dados verídicos e
licitamente obtidos e publicados em meios de comunicação social analógicos ou digitais. Eventuais
excessos ou abusos no exercício da liberdade de expressão e de informação devem ser
analisados caso a caso, a partir dos parâmetros constitucionais - especialmente os relativos à
proteção da honra, da imagem, da privacidade e da personalidade em geral - e as expressas e
específicas previsões legais nos âmbitos penal e cível. STF. Plenário. RE 1010606/RJ, Rel. Min.
Dias Toffoli, julgado em 11/2/2021 (Repercussão Geral - Tema 786) (Info 1005). (grifou-se)

Compreende-se, portanto, que o STF recentemente afastou o direito ao esquecimento, mas ponderou
situações, em que podem existir excessos passíveis de indenização - como se vê na questão trazida
-, em conformidade com o conteúdo grifado acima.
Não se pode admitir, nesse sentido, a alegação quanto a um possível interesse público na rotina da
família daquele que praticou o crime. São pessoas que não vivem da imagem, que certamente já têm
uma outra dinâmica de existência e que estão buscando seguir normalmente com suas rotinas. A
proteção da intimidade e da imagem devem prevalecer no caso analisado, principalmente em se
tratando de menor absolutamente incapaz.

DIREITO CIVIL - CP02 - 01 - CPI - 1º PERÍODO 2023 7


Confira também trechos do seguinte julgado:
RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS CUMULADA COM
OBRIGAÇÃO DE FAZER E NÃO FAZER. MATÉRIA JORNALÍSTICA. REVISTA DE
GRANDE CIRCULAÇÃO. CRIME HISTÓRICO. REPORTAGEM. REPERCUSSÃO
NACIONAL. DIREITO À PRIVACIDADE. PENA PERPÉTUA. PROIBIÇÃO. DIREITO À
RESSOCIALIZAÇÃO DE PESSOA EGRESSA. OFENSA. CONFIGURAÇÃO. DIREITO AO
ESQUECIMENTO. CENSURA PRÉVIA. IMPOSSIBILIDADE. MEMÓRIA COLETIVA.
DIREITO À INFORMAÇÃO. LIBERDADE DE EXPRESSÃO. ESPOSO E FILHOS MENORES.
EXTENSÃO DOS EFEITOS DA CONDENAÇÃO. PRINCÍPIO DA PESSOALIDADE DA
PENA. DIREITO AO DESENVOLVIMENTO INTEGRAL. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO
ADOLESCENTE. DANO MORAL. VALOR DA INDENIZAÇÃO. REEXAME FÁTICO.
VEDAÇÃO.
1.Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de
1973 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ.
2. A controvérsia a ser dirimida no recurso especial reside em (i) analisar os limites do direito ao
esquecimento de pessoa condenada por crime notório, cuja pena se encontra extinta, e (ii) aferir o
eventual cabimento de majoração dos danos morais fixados em virtude da divulgação não autorizada
de imagem e de informações pessoais da autora do crime e de seus familiares em matéria jornalística
publicada mais de vinte anos após ocorrido o ato criminoso.
3. Enquanto projeção da liberdade de manifestação de pensamento, a liberdade de imprensa não se
restringe aos direitos de informar e de buscar informação, mas abarca outros que lhes são correlatos,
tais como os direitos à crítica e à opinião. Por não possuir caráter absoluto, encontra limitação no
interesse público e nos direitos da personalidade, notadamente, à imagem e à honra das pessoas
sobre as quais se noticia.
4. O interesse público deve preponderar quando as informações divulgadas a respeito de fato
criminoso notório forem marcadas pela historicidade, permanecendo atual e relevante à memória
coletiva, situação não configurada na hipótese dos autos em que houve exposição da vida íntima de
pessoa condenada por delito, cuja pena se encontra extinta, e sua família.
5. A publicação de reportagem com conteúdo exclusivamente voltado à divulgação de fatos privados
da vida contemporânea de pessoa previamente condenada por crime e de seus familiares revela
abuso do direito de informar, previsto pelo artigo 220, § 1º da Constituição Federal, e viola o direito
à privacidade, consolidado pelo artigo 21 do Código Civil, por representar indevida interferência
sobre a vida particular dos personagens retratados, dando ensejo ao pagamento de indenização.
6. No caso concreto, o Tribunal de origem fixou o entendimento de que a reportagem se limitou a
descrever hábitos rotineiros da autora do crime, de seu esposo e de seus filhos, utilizando o delito
como subterfúgio para expor o cotidiano da família, inclusive crianças e adolescentes, premissas
fáticas cujo reexame é vedado nos termos da Súmula nº 7/STJ.
7. A exploração midiática de dados pessoais de egresso do sistema criminal configura violação do
princípio constitucional da proibição de penas perpétuas, do direito à reabilitação e do direito de
retorno ao convívio social, garantidos pela legislação infraconstitucional nos artigos 41, VIII e 202
da Lei nº 7.210/1984 e 93 do Código Penal.

DIREITO CIVIL - CP02 - 01 - CPI - 1º PERÍODO 2023 8


8. Diante de evidente interesse social no cultivo à memória histórica e coletiva de delito notório,
incabível o acolhimento da tese do direito ao esquecimento para o fim de proibir qualquer veiculação
futura de matérias jornalísticas relacionadas ao fato criminoso, sob pena de configuração de censura
prévia, vedada pelo ordenamento jurídico pátrio.
9. A extensão dos efeitos da condenação a terceiros não relacionados com o delito configura
transgressão ao princípio da intranscendência ou da pessoalidade da pena, consagrado pelo artigo
5º, XLV, da Constituição Federal, sendo especialmente gravosaquando afetar crianças ou
adolescentes, os quais se encontram protegidos pela Lei nº 8.069/1990 (ECA), que assegura o direito
à proteção integral e o pleno desenvolvimento de forma sadia.
10. Na hipótese, a revisão da conclusão do aresto impugnado acerca do valor da indenização
arbitrada a título de danos morais encontra óbice no disposto na Súmula nº 7 do Superior Tribunal
de Justiça.
11. Recurso especial conhecido e não provido.
(REsp 1736803/RJ, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA,
julgado em 28/04/2020, DJe 04/05/2020)
O EXMO. SR. MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA (Relator):
2. Mérito
2.2. Da vedação à estigmatização e à pena perpétua
(...)
Fundado nessas razões fáticas, o acórdão concluiu:
"(...)
A partir de uma mera leitura superficial, pode se constatar que a matéria, na verdade, se
concentra na vida cotidiana da primeira Autora e daqueles que com ela convivem,
descrevendo rotinas e hábitos do dia a dia. (...) Como se pode notar, tanto a matéria
jornalística, como a própria manchete que a introduz, utilizam o delito praticado pela
primeira Autora há mais de 20 anos e pelo qual ela foi condenada e cumpriu pena como
subterfúgio para se imiscuir, de maneira abusiva e sensacionalista, em sua vida
contemporânea e de seus familiares, inclusive em relação aos filhos menores" (fls. 579-580, e-
STJ - grifou-se).

Assim, diante do vasto acervo probatório consolidado nos autos, conforme, inclusive, concluiu o
acórdão atacado, não há dúvidas de que a reportagem não apresenta conteúdo informativo ou de
interesse histórico acerca do crime aqui abordado, situação que, caso observada, seria acobertada
pela razoabilidade e pelos limites do direito à informação. De fato, a notícia, ao contrário, destina-
se exclusivamente a explorar a vida contemporânea dos autores, dificultando, assim, a superação de
episódio traumático.
A situação exposta remonta à análise de Ingo Sarlet e Arthur Neto para os quais "não mais se
justificará a divulgação e publicização de informações referentes ao cometimento de infrações por
DIREITO CIVIL - CP02 - 01 - CPI - 1º PERÍODO 2023 9
uma pessoa que já percorreu o trajeto da sanção-reabilitação-perdão". Ressaltam, nesse cenário, a
importância de diferenciar, em casos de egressos do sistema prisional, atos de vingança coletiva e
atos de efetiva justiça, de modo a permitir o transcurso das três etapas reconciliatórias propostas por
Paul Ricoeur (SARLET, I. W., NETO, A. M. F. O direito ao "esquecimento" na sociedade da
informação. PortoAlegre: Livraria do Advogado, 2019, pág. 204).
De acordo com os autos, a narrativa da reportagem dificulta a reintegração da primeira autora, pois
se insere em cenário de provocação de sensações de pretensa impunidade por meio da exploração
do sentimento de vingança coletiva e da comoção midiática perante o atual modo de vida da autora.
E essa percepção é possível devido às informações divulgadas, destacando-se, em especial, a ênfase
dada ao termo "assassinos famosos" e ao fato de que, após ter a autora cometido o crime por meio
de "tesouradas", atualmente circula "pelas ruas de Copacabana e Ipanema" (fl. 578, e-STJ).
Lamentavelmente, tal discurso, mobilizado pela imprensa em torno de uma suposta insuficiência
das punições aplicadas ao caso emblemático, retrata abordagem jornalística comum aos crimes
marcados pela repercussão social, ainda que, como se deu na espécie, tenha de fato ocorrido o
transcurso integral da punição imposta.
Ao se debruçar sobre o papel da mídia como mecanismo de atualização e reforço à sociedade
punitiva, o jurista e sociólogo David Garland afirma que "o discurso da mídia e da criminologia
popular apresenta os criminosos como "diferentes", e menos que totalmente humanos", apagando e
naturalizando dimensões relevantes da persecução penal e de suas consequências (GARLAND, D.
Punishment and modern society: a study in social theory. Oxford, Claredon Press, 1995, pág. 243).
Nesse contexto, o castigo corporal pela privação da liberdade não será capaz de satisfazer o clamor
público por punição, pois o ideal penal endossado pelos meios de comunicação, dentre outros
agentes, apela para uma junção entre a segregação social e perpetuidade da estigmatização
(GARLAND, David. As contradições da "sociedade punitiva": o caso britânico. Revista de
Sociologia e Política, Curitiba, nº 13, págs. 59-80, Novembro de 1999).
(...)

2ª QUESTÃO:
Edson Xavier ajuizou ação indenizatória contra Rodolfo Silva, requerendo a compensação por dano
moral. Alega o autor que o réu era seu companheiro de trabalho no Portimão Associação Atlética,
clube de futebol conhecido em todo o território nacional, onde juntos atuavam.
Afirma o autor que todos os atletas fazem parte de um grupo de WhatsApp, onde conversam sobre
assuntos pessoais e profissionais, e que, em determinado período do ano de 2020, o time acumulava
uma sequência de dez jogos sem vitória, situação que gerou forte cobrança. Nesse contexto, o autor
relata que, num momento de desabafo, escreveu no grupo uma mensagem com fortes críticas à
diretoria, em que reclamava de atraso de salário e descumprimento de contrato. No entanto, embora
as mensagens fossem destinadas exclusivamente a integrantes daquele grupo, o réu decidiu repassá-
las a terceiros. Consequentemente, no dia seguinte ao vazamento, o conteúdo foi divulgado na
íntegra em diversos veículos de comunicação, o que intensificou a cobrança da torcida e a crise
interna. O autor ressalta, enfim, que o desfecho ensejou a sua demissão.

DIREITO CIVIL - CP02 - 01 - CPI - 1º PERÍODO 2023 10


Em contestação, o réu argumenta que são todos profissionais de um clube de milhões de torcedores
e que, portanto, não há de se falar em sigilo das mensagens. Afirma que, além de não haver nenhum
contrato que estabeleça o sigilo, está presente o interesse público - o que ficou inegável perante as
alegações do próprio autor. Argumenta, outrossim, que as informações não eram de caráter privado,
mas profissional. Por derradeiro, o réu alega que a demissão foi motivada pelo baixo desempenho
do elenco e do autor, o qual não era querido pela torcida. Pede, pois, a total improcedência dos
pedidos.
Decida a questão apresentada. Aborde os interesses/direitos em conflito e aplique a fundamentação
pertinente ao caso.

RESPOSTA:
Resposta:
O réu deverá proceder à compensação por dano moral. O STJ, no REsp nº 1.903.273, de relatoria
da Min. Nancy Andrighi, entendeu em caso similar que, somente com o consentimento dos
participantes do grupo, terceiros poderiam ter acesso às conversas de whatsapp. Essa posição
privilegia a inviolabilidade das comunicações telefônicas, protegidas no art. 5º, X, da CRFB, e nos
arts. 21 e 21 do CC. Em razão de a mensagem ter ocorrido em grupo fechado e de ter sido
direcionada exclusivamente a este, não há de se falar em prevalência de interesse público.

Confira o seguinte julgado, publicado em 30/08/2021:


RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
RECURSO ESPECIAL Nº 1903273 - PR (2020/0284879-7)
EMENTA
CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE REPARAÇÃO POR DANOS
MORAIS. CERCEAMENTO DE DEFESA. AUSÊNCIA DE INDICAÇÃO DO DISPOSITIVO
LEGAL VIOLADO. PREQUESTIONAMENTO PARCIAL. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO
JURISDICIONAL. INOCORRÊNCIA. ÔNUS DA PROVA. PUBLICIZAÇÃO DE MENSAGENS
ENVIADAS VIA WHATSAPP. ILICITUDE. QUEBRA DA LEGÍTIMA EXPECTATIVA E
VIOLAÇÃO À PRIVACIDADE E À INTIMIDADE. JULGAMENTO: CPC/2015.
1. Ação de reparação de danos morais ajuizada em 29/10/2015, da qual foi extraído o presente
recurso especial interposto em 10/08/2020 e atribuído ao gabinete em 17/11/2020.
2. O propósito recursal consiste em decidir, além da ocorrência de negativa de prestação
jurisdicional, acerca do ônus da prova e se a divulgação pública de mensagens trocadas via
WhatsApp caracteriza ato ilícito apto a ensejar a responsabilização por eventuais danos decorrentes
da publicização.
3. O inconformismo relativo ao cerceamento de defesa encontra óbice no enunciado da Súmula
284/STF, devido à ausência de indicação do dispositivo legal supostamente violado.

DIREITO CIVIL - CP02 - 01 - CPI - 1º PERÍODO 2023 11


4. A ausência de decisão acerca de dispositivo legal indicado como violado impede o conhecimento
do recurso especial (Súmula 211/STJ).
5. É firme a jurisprudência do STJ no sentido de que não há ofensa ao art. 1.022 do CPC/15 quando
o Tribunal de origem, aplicando o direito que entende cabível à hipótese, soluciona integralmente a
controvérsia submetida à sua apreciação, ainda que de forma diversa daquela pretendida pela parte.
Ademais, devidamente analisadas e discutidas as questões de mérito, e fundamentado o acórdão
recorrido, de modo a esgotar a prestação jurisdicional, não há que se falar em violação ao art. 489
do CPC/2015.
6. O art. 373, incisos I e II, do CPC/2015 define a distribuição fixa do ônus da prova, de modo que
que ao autor incumbe provar o fato constitutivo de seu direito; ao réu, o fato impeditivo,
modificativo ou extintivo do direito do autor. Aplicando-se tal norma à espécie, tem-se que ao autor
(recorrido) cabia comprovar a divulgação indevida das mensagens trocadas no grupo de WhatsApp
e, segundo as instâncias de origem, desse ônus se desincumbiu.
7. O sigilo das comunicações é corolário da liberdade de expressão e, em última análise, visa a
resguardar o direito à intimidade e à privacidade, consagrados nos planos constitucional (art. 5º, X,
da CF/88) e infraconstitucional (arts. 20 e 21 do CC/02). No passado recente, não se cogitava de
outras formas de comunicação quenão pelo tradicional método das ligações telefônicas. Com o
passar dos anos, no entanto, desenvolveu-se a tecnologia digital, o que culminou na criação da
internet e, mais recentemente, da rede social WhatsApp, o qual permite a comunicação instantânea
entre pessoas localizadas em qualquer lugar do mundo. Nesse cenário, é certo que não só as
conversas realizadas via ligação telefônica, como também aquelas travadas através do WhatsApp
são resguardadas pelo sigilo das comunicações. Em consequência, terceiros somente podem ter
acesso às conversas de WhatsApp mediante consentimento dos participantes ou autorização judicial.
8. Nas hipóteses que em que o conteúdo das conversas enviadas via WhatsApp possa, em tese,
interessar a terceiros, haverá um conflito entre a privacidade e a liberdade de informação, revelando-
se necessária a realização de um juízo de ponderação. Nesse aspecto, há que se considerar que as
mensagens eletrônicas estão protegidas pelo sigilo em razão de o seu conteúdo ser privado; isto é,
restrito aos interlocutores. Ademais, é certo que ao enviar mensagem a determinado ou a
determinados destinatários via WhatsApp, o emissor tem a expectativa de que ela não será lida por
terceiros, quanto menos divulgada ao público, seja por meio de rede social ou da mídia. Assim, ao
levar a conhecimento público conversa privada, além da quebra da confidencialidade, estará
configurada a violação à legítima expectativa, bem como à privacidade e à intimidade do emissor,
sendo possível a responsabilização daquele que procedeu à divulgação se configurado o dano. A
ilicitude da exposição pública de mensagens privadas poderá ser descaracterizada, todavia, quando
a exposição das mensagens tiver o propósito de resguardar um direito próprio do receptor.
9. Na espécie, o recorrente divulgou mensagens enviadas pelo recorrido em grupo do WhatsApp
sem o objetivo de defender direito próprio, mas com a finalidade de expor as opiniões manifestadas
pelo emissor. Segundo constataram as instâncias ordinárias, essa exposição causou danos ao
recorrido, restando caracterizado o nexo de causalidade entre o ato ilícito perpetrado pelo recorrente
e o prejuízo experimentado pela vítima.
10. Entre os acórdãos trazidos à colação não há similitude fática, elemento indispensável à
demonstração da divergência, nos termos do art. 1029, §1º, do CPC/2015 e 255, § 1º, do RISTJ.

DIREITO CIVIL - CP02 - 01 - CPI - 1º PERÍODO 2023 12


11. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, desprovido.
[...]
Confira, ainda, os seguintes trechos do voto:
(...)
V. Do sigilo das conversas realizadas via WhatsApp.
15. A Constituição Federal assegura, no art. 5º, XII, a inviolabilidade das comunicações telefônicas,
com exceção das hipóteses previstas em lei para fins de investigação criminal ou instrução
processual penal. Fala-se, nesse caso, em reserva legal qualificada, tendo em vista a imposição de
parâmetros para a atuação do legislador infraconstitucional.
16. O sigilo das comunicações é corolário da liberdade de expressão e, em última análise, visa a
resguardar o direito à intimidade e à privacidade, consagrados nos planosconstitucional (art. 5º, X,
da CF/88) e infraconstitucional (arts. 20 e 21 do CC/02).
17. Com efeito, no passado recente, não se cogitava de outras formas de comunicação que não pelo
tradicional método das ligações telefônicas. Com o passar dos anos, no entanto, desenvolveu-se a
tecnologia digital, o que culminou na criação da internet. Em consequência, as informações são
transmitidas mais rapidamente e, principalmente nos últimos anos, surgiram novos mecanismos de
comunicação, entre eles a rede social WhatsApp.
18. O aplicativo WhatsApp viabiliza a comunicação instantânea entre pessoas localizadas em
qualquer lugar do mundo. Além do envio de mensagens, é possível o compartilhamento de vídeos,
fotos, áudios, a realização de chamadas de voz e a criação de grupos de bate-papo, seja por meio de
um aparelho celular ou de um computador.
19. Nesse cenário, é certo que não só as conversas realizadas via ligação telefônica, como também
aquelas travadas através do WhatsApp são resguardadas pelo sigilo das comunicações. Tanto é
assim que, conforme já decidiu esta Corte, "os dados armazenados nos aparelhos celulares - envio
e recebimento de mensagens via SMS, programas ou aplicativos de troca de mensagens, fotografias
etc. -, por dizerem respeito à intimidade e à vida privada do indivíduo, são invioláveis, nos termos
em que previsto no inciso X do art. 5º da Constituição Federal" (HC 609.221/RJ, Sexta Turma, DJe
22/06/2021).
20. Justamente com o propósito de fortalecer a privacidade dos usuários das redes sociais, foram
desenvolvidas novas técnicas, dentre as quais se destaca a criptografia. Essa tecnologia possibilita
o envio de mensagens seguras, já que consiste "na cifragem de mensagens em códigos com o
objetivo de evitar que elas possam ser decifradas por terceiros" (LEAL, Sheila do Rocio Cercal
Santos. Contratos eletrônicos: validade jurídica dos contratos via Internet. São Paulo: Atlas, 2007,
p. 160).
21. O aplicativo WhatsApp é conhecido por utilizar, desde 2016, criptografia de ponta a ponta, que
consiste na proteção dos dados tanto no polo do emitente quando no polo do destinatário. Conforme
explica a doutrina especializada, "criptografia ponto a ponto é um termo dado para descrever que
mesmo que a mensagem passe por um terceiro ou gerenciador, ela só é decifrada no receptor, ao
passo que os gerenciadores da troca de mensagens não possuem acesso às chaves para decifrá-las"
(KIM, David; SOLOMON, Michael G. Fundamentos de segurança de sistemas de informação.
DIREITO CIVIL - CP02 - 01 - CPI - 1º PERÍODO 2023 13
Tradução de Daniel Vieira e revisão técnica de Jorge Duarte Pires Valério. 1. ed. Rio de Janeiro:
LTC, 2014, p. 214).

DIREITO CIVIL - CP02 - 01 - CPI - 1º PERÍODO 2023 14

Você também pode gostar