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22 de May de 2023

MATERIAL DE APOIO

TEXTO PARA O PROJETO DIREITOS HUMANOS

FURTO FAMÉLICO
APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICANCIA AO
CRIME DE FURTO

Professora Juliana Maia


Email: juliana.maia@campus1.unig.br
22 de May de 2023

TEORIA GERAL DO CRIME

A teoria geral do crime trata-se de um alicerce ao Direito Penal, vez que, é ela quem traz os
diversos tipos de concepções, ideias, que se dá ao crime.

Vale ressaltar que antes da reforma do Código Penal em 1984, este adotava a teoria naturalista-
causal da ação, porém, atualmente, aplica-se a teoria finalista da ação, incluída pela Lei Ordinária
7.209/1984, o atual Código Penal Brasileiro.

O Direito Penal, de forma geral, é um conjunto de princípios e regras que são utilizadas como
base para conter o crime ou a contravenção penal. Somente os interesses primordiais são regidos pelo
Direito Penal.

A teoria geral do crime é considera extremamente importante ao Direito Penal, pois é ela quem
traça a adequada aplicação penal em razão da ação que foi praticada. Ela se divide em três status: norma,
crime e pena.

a) Norma: Proteção Jurídica que o legislador, em um Estado Democrático de Direito, visa os


bens que mais são relevantes à sociedade e as tutelam, resguardando-os, visando proteção.

b) Pena: Trata-se da consequência a quem viola o disposto em lei, a normal penal. A pena é uma
espécie de sanção que consiste na restrição ou privação aplicada pelo Estado. É desta forma em que o
Estado visa banir o crime, com punições a quem viola o que está estabelecido na norma penal.

c) Crime: Para Cleber Masson (Código Penal Comentado, 6ªEd. 2018, p.80) crime é toda ação ou
omissão humana que causa lesão aos bens jurídicos penalmente tutelados.

A LICP (Lei de Introdução ao Código Penal) se encarregou de trazer a definição de crime em seu
artigo 1º:

[...] Considera-se crime a infração penal a que a lei comina pena de reclusão ou detenção, quer
isoladamente, quer alternativa, quer cumulativamente com a pena de multa, ou ambas, alternativa ou
cumulativamente.[...]

Ou seja, somente haverá um crime quando a própria lei descrever a ação ou a omissão do agente,
e sua conduta se encaixar perfeitamente à tipificação, e como consequência haverá a sanção penal, que
poderá ser a pena de reclusão ou detenção, podendo estar ou não cumuladas com a pena de multa. Cleber
Masson (Código Penal Comentado, 6ª Ed. 2018, p.80) ainda ressalta:

[...] Se o preceito secundário que não apresentar a pena de reclusão ou detenção, estaremos
diante de uma contravenção penal, uma vez que a lei comina apenas prisão simples ou a pena de multa.
[...]

CONCEITO DE CRIME

Como já preceituado acima, crime é aquilo que a legislação traz de forma expressa, cominando
com as penas de reclusão ou/e detenção podendo haver cumulações com a pena de multa.

Toda vez que ocorrer uma ação ou omissão que vier a resultar dano à sociedade ou a um
indivíduo específico, e as condutas estiverem transcritas na lei penal, estaremos diante de um crime, que
haverá como consequência, a sanção penal prevista àquele ato.
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O Código Penal não possui a conceituação ou descrição da palavra "crime", mas a Lei de
Introdução ao Código Penal aborda logo no artigo 1º que crime é a infração penal que a lei comina pena
de reclusão ou de detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa,
e a contravenção, é a infração penal a que a lei comina, isoladamente, pena de prisão simples ou de multa,
ou ambas, alternativa ou cumulativamente.

1 Conceito Material De Crime

O conceito material de crime consiste na conduta humana descrita em Lei, em que ocorre a
violação de um bem penalmente tutelado, no sentido social. Podemos abordar um simples exemplo: no
caso do furto, é um tipo descrito em lei, cujo visa a proteção do patrimônio. Para Guilherme de Souza
Nucci (Manual de direito penal. 6.ed, 2010, p. 166) crime é a concepção da sociedade do que deve e pode
ser proibido, mediante aplicação penal. É, pois, a conduta que ofende um bem juridicamente tutelado,
merecedora de pena.”

Esta abordagem, é conhecida como “critério legal”, cuja informação é fornecida pelo legislador,
ou seja, é preceituada pela lei.

2 Conceito Formal de Crime

Já o conceito formal de crime está ligado a conduta humana proibida pela Lei sob a ameaça de
pena, no sentido jurídico, ou seja, sua punição. Neste caso, o exemplo abordado também será o crime de
furto, onde o agente subtrai coisa alheia móvel para si ou para outrem, e como consequência, haverá a
punição, no caso em tela, a reclusão do agente entre o período de 1 (um) a 4 (quatro) anos. Conforme
descreve também acerca do conceito formal de crime Guilherme de Souza Nucci (MANUAL DE
DIREITO PENAL. 6. ED, 2010, P. 167)

[...] é a concepção do direito acerca do delito, constituindo a conduta proibida por lei, sob
ameaça de aplicação de pena, numa visão legislativa do fenômeno [...]

3 Conceito Analítico de Crime

E por fim o conceito analítico consiste na união dos dois conceitos (material e formal), formando
um novo conceito, que define crime como sendo uma conduta típica, antijurídica e culpável, adotada pelo
Código Penal em vigor.

- Conduta Típica

De forma sucinta, a conduta típica é a ação ou omissão que está sendo tutelada, resguardada
diante da legislação em vigor, vez que, o réu não pode responder por algo que a lei deixa de considerar
crime, como preceitua o artigo 1º da Lei 2.848, Código Penal. Trata-se da Anterioridade da Lei.

A tipicidade se refere à conduta do agente e a descrição penal, desta forma, para que o fato seja
considerado como uma figura típica há a necessidade da própria legislação trazer a descrição, de forma
que o fato deve estar espelhado ao que define a lei. Os artigos 1º e 2º do Código Penal aduzem:

[...] Art. 1º - Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação
legal.

Art. 2º - Ninguém pode ser punido por fato que lei posterior deixa de considerar crime, cessando
em virtude dela a execução e os efeitos penais da sentença condenatória"[...]
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Desta forma, o indivíduo não poderá responder por um fato que não esteja tipificado ou que a lei
deixa de considerar crime, ou ainda, que venha a considerar posteriormente à realização do ato, em razão
do princípio "Indubio Pro Reo"– na dúvida, deverá ser julgado a favor do réu- e da Lei Penal no Tempo,
além do Princípio da Anterioridade Penal como vislumbramos à citação do artigo 2º do Código Penal, ou
seja, nada que venha prejudicar o réu, será admissível no âmbito jurídico penal.

- Antijuridicidade

Ocorre que, após a adequação da conduta na descrição legal, inicia-se a antijuridicidade, que
nada mais é do que a violação da conduta tipificada, ou seja, trata-se da desobediência à lei. Somente após
a comprovação da infração penal poderá dizer se houve ou não a violação do bem jurídico tutelado.

- Culpabilidade

De acordo com conceituação de Luiz Regis Prado (Curso de Direito Penal Brasileiro. Parte
Geral. 7ª ed, 2007, p.408)

[..] A culpabilidade é a reprovabilidade pessoal pela realização de uma ação ou omissão típica e
ilícita. Assim, não há culpabilidade sem tipicidade e ilicitude, embora possa existir ação típica e ilícita
inculpável. Devem ser levados em consideração, além de todos os elementos objetivos e subjetivos da
conduta típica e ilícita realizada, também, suas circunstâncias e aspectos relativos à autoria [...]

Guilherme de Souza Nucci aborda em sua obra Manual de Direito Penal (7ª Ed. 2011, p. 300),
que:

[...] Trata-se de um juízo de reprovação social, incidente sobre o fato e seu autor, devendo o
agente ser imputável, atuar com consciência potencial de ilicitude, bem como ter a possibilidade e a
exigibilidade de atuar de outro modo, seguindo as regras do direito (NUCCI, GUILHERME DE SOUZA.
7ª Ed. 2011, p. 300).

Neste aspecto abordado, a culpabilidade nada mais é do que a punição do agente em relação à
violação legal. Será a limitação do Jus Puniendi do Estado ao punir o agente para que não ocorra a
desproporcionalidade, seja ela acima ou abaixo do limite da culpabilidade, seguindo os requisitos como a
imputabilidade penal, a potencial consciência da ilicitude e a exigibilidade de conduta diversa.

DO FURTO

O objetivo deste trabalho é analisar até que ponto pode ser considerado o Princípio da
Insignificância ao agente que comete o Furto Famélico, mas para adentrarmos com especificidade ao
objetivo principal deste trabalho, necessário se faz a conceituação do tipo penal conhecido como FURTO.

Abordado no atual Código Penal Brasileiro, o artigo 155 descreve a conduta típica do agente que
comete tal delito.

[...] Art. 155 - Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel: Pena - reclusão, de um a
quatro anos, e multa [...]

O artigo citado acima descreve a conduta de o agente SUBTRAIR coisa que não lhe pertence
para que seja utilizado em seu proveito ou de outrem. Vale observar que o tipo penal não descreve a
utilização de violência ou grave ameaça ao sujeito ativo, pois, para isto, o legislador adotou o artigo 157
da mesma lei para cuidar desta determinada situação, pois o agente ao se utilizar da violência ou da grave
ameaça, estará enquadrado ao crime de ROUBO. In verbis:
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[...] Art. 157 - Subtrair coisa móvel alheia, para si ou para outrem, mediante grave ameaça ou
violência à pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido à impossibilidade de resistência:
Pena - reclusão, de quatro a dez anos, e multa. [...]

Ocorre que o objeto furtado deve ser móvel, ou seja, aquele que pode ser retirado de um local e
levado a outro, pouco importando se a coisa está ou não incorporada ao solo.

O tipo penal abordado possui como sujeito ativo (autor do delito) qualquer pessoa, desde que não
seja esta pessoa o próprio proprietário do objeto. Quando abordamos que pode ser realizado por “qualquer
pessoa”, quer dizer que se trata de crime próprio, isto é, que não exige qualidade especial do agente.

Já na condição de sujeito passivo, somente o proprietário ou o possuidor legítimo podem ser


vítimas do delito abordado, pois eles são os titulares reais do bem atingido. Esta situação não se estende
ao detentor do bem.

Masson (2018) menciona que esta condição não poderá ser estendida à configuração do sujeito
passivo, pois o crime não lhe atinge.

Do Elemento Subjetivo

O elemento subjetivo trata-se da forma em que o sujeito ativo agiu, se houve vontade ou não de
agir.

No caso em tela, o elemento subjetivo é o dolo, comumente utilizada por doutrinadores como
“animus furandi” que possui como significado a vontade, intenção de furtar.

O agente se apossa do bem e age como se proprietário fosse. Portanto, podemos concluir que não
há a possibilidade de se admitir que o furto ocorra como uma ação culposa, ou seja, sem que se tenha a
intenção de cometer o delito.

DO FURTO FAMÉLICO

É claro que, como já dito acima, qualquer objeto móvel pode ser furtado, no caso deste trabalho,
a intenção é abordar de forma mais intensiva a condição do Furto Famélico.

O furto famélico é aquele em que o agente furta alimentos ou medicamentos, ou materiais que
sejam capazes de garantir, mesmo que de forma momentânea, a sua subsistência ou de outrem. Trata-se
do Estado de Necessidade.

Ademais, o furto famélico foi criado pelos doutrinadores e tornou-se ainda mais conhecido,
embora não esteja de forma expressa no Código Penal, merece relevância no âmbito criminal, vez que faz
parte do tipo penal conhecido como furto.

O artigo 6º da Constituição Federal ressalta que é dever do Estado garantir alimentação, saúde e
educação, além de outros diversos fatores que são considerados como"base"para uma vida digna.

[...] São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o
lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos
desamparados, na forma desta Constituição. [...]
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Ora, aqui é notável que o dever é inteiramente do Estado, que encontra-se inerte ferindo desta
forma o Princípio da Dignidade Humana. Se o ser humano não possui quem possa lhe garantir o mínimo,
é fato que o indivíduo se tornará uma pessoa à margem da sociedade, aquele que se entrega ao crime,
visando, neste caso, a manutenção de sua sobrevivência alimentar, ou para manter o mínimo possível para
sua provisão.

A Defensoria do Estado de São Paulo impetrou um Habeas Corpus para que ocorresse a
concessão da liminar em decorrência da desproporcionalidade da pena. O caso abaixo se refere a uma
mãe que não possuía condições financeiras no momento para que pudesse comprar um pacote de fraldas,
sendo que, optou por cometer o de furto, cujo foi considerado como furto famélico já que visou a garantia
do mínimo para sua filha (o).

O Habeas Corpus foi considerado extinto pelo Ministro Luiz Fux, por considerar inadequado o
meio utilizado, mas concedeu de ofício, a ordem para trancar a ação, sendo seguido seu voto por
unanimidade. Transcreve-se parte do voto do Habeas Corpus nº 119672:

EMENTA. PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS IMPETRADO CONTRA


ATO DE MINISTRO DE TRIBUNAL SUPERIOR. INCOMPETÊNCIA DESTA CORTE.
TENTATIVA DE FURTO. ART. 155, CAPUT, C/C ART. 14, II, DO CP). REINCIDÊNCIA.
PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICABILIDADE. FURTO FAMÉLICO. ESTADO DE
NECESSIDADE X INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA. SITUAÇÃO DE NECESSIDADE
PRESUMIDA. ATIPICIDADE DA CONDUTA. HABEAS CORPUS EXTINTO POR INADEQUAÇÃO
DA VIA ELEITA. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO. 1. O princípio da insignificância incide quando
presentes, cumulativamente, as seguintes condições objetivas: (a) mínima ofensividade da conduta do
agente, (b) nenhuma periculosidade social da ação, (c) grau reduzido de reprovabilidade do
comportamento, e (d) inexpressividade da lesão jurídica provocada. 2. A aplicação do princípio da
insignificância deve, contudo, ser precedida de criteriosa análise de cada caso, a fim de se evitar que sua
adoção indiscriminada constitua verdadeiro incentivo à prática de pequenos delitos patrimoniais. 3. O
valor da res furtiva não pode ser o único parâmetro a ser avaliado, devendo ser analisadas as
circunstâncias do fato para decidir-se sobre seu efetivo enquadramento na hipótese de crime de bagatela,
bem assim o reflexo da conduta no âmbito da sociedade. (nosso grifo) (...). 6. Os fatos, no Direito Penal,
devem ser analisados sob o ângulo da efetividade e da proporcionalidade da Justiça Criminal. Na visão do
saudoso Professor Heleno Cláudio Fragoso, alguns fatos devem escapar da esfera do Direito Penal e
serem analisados no campo da assistência social, em suas palavras, preconizava que “não queria um
direito penal melhor, mas que queria algo melhor do que o Direito Penal (STF - HC: 119672 SP, Relator:
Min. LUIZ FUX, Data de Julgamento: 06/05/2014, Primeira Turma, Data de Publicação: DJe-106
DIVULG 02-06-2014 PUBLIC 03-06-2014)

Diante do Habeas Corpus citado acima, é possível vislumbrar a questão do princípio da


insignificância, a importância que deve ser dada a este princípio, pois ele pode ser a “resolução” de um
caso. O valor ínfimo do objeto, além do motivo que levou o agente ao cometimento de tal delito, não
deveria ocupar de tal forma o Poder Judiciário, claro que, analisando os diversos fatores que regem o
Princípio da Insignificância.

Ademais, no mesmo Habeas Corpus, o Ministro Roberto Barroso diz que o Direito Penal está
desarrumado, e de fato está, pois, muitas vezes, a proporcionalidade da aplicação da pena não é razoável à
conduta do agente, levando-se em consideração os requisitos subjetivos da aplicabilidade do Princípio da
Insignificância.

DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA

Conceito de Princípio
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A conceituação de princípio pode estar relacionada a duas hipóteses:

Ao início de algo; ponto de partida; fonte; causa primária;


Ou, preceito, regra;
O item b é o que abordar-se-á no presente estudo, pois é o mais cabível no tema. Aqui, o
princípio é uma base que norteia a sociedade ao seguimento de algo, às normas, por exemplo. Trata-se de
uma orientação à relação humana, que é responsável pela definição do sistema normativo.

Conceito de Insignificância

Insignificante é tudo aquilo que não possui valor, relevância ou qualquer importância, ou seja, o
crime insignificante, é o que não pode ser passível de causar dano relevante a vítima, mesmo que esteja
devidamente tipificado a conduta no tipo penal. Ora, é aquele em que mesmo que consumado, não foi
capaz de lesionar o patrimônio individual da vítima, ou, à sociedade.

Princípio da Insignificância

Conhecido como Princípio da Insignificância ou Crime de Bagatela, este princípio vem


ganhando força na doutrina e sendo utilizada em diversos crimes para atenuação ou até mesmo extinção
da pena; este princípio de modo simplório, nada mais é do que situações em que o Poder Judiciário não
pode e não deve se ater às condutas dos indivíduos que não possuem relevância no âmbito jurídico.

Tal preceito deve ser aplicado e analisado com o caso concreto, devendo o magistrado analisar
todos os detalhes, como por exemplo, se o agente feriu o bem jurídico de forma significativa a ponto de
lesioná-lo. Ademais juntamente com o nível da lesão, devem ser analisadas se as circunstâncias judiciais,
como a culpabilidade do agente, antecedentes, conduta social, personalidade, motivos do crime,
consequências, são favoráveis.

De acordo com Fernando Capez (2009, p 118):

[...] Segundo tal preceito, não cabe ao Direito Penal preocupar-se com bagatelas, do mesmo
modo que não podem ser admitidos tipos incriminadores que descrevam condutas totalmente inofensivas
ou incapazes de lesar o bem jurídico [...] Desse modo, o referido preceito deverá ser verificado em cada
caso concreto, de acordo com as suas especificidades. O furto, abstratamente, não é uma bagatela, mas a
subtração de um chiclete pode ser. [...]

Para Carlos Vico Manãs, em relatório da Apelação Criminal número 998.197, do Tribunal de
Alçada Criminal de São Paulo, em 1996:

[...] Ao realizar o trabalho de redação do tipo penal, o legislador apenas tem em mente os
prejuízos relevantes que o comportamento incriminado possa causar à ordem jurídica e social. Todavia,
não dispõe de meios para evitar que também sejam alcançados os casos leves. O princípio da
insignificância surge justamente para evitar situações dessa espécie, atuando como instrumento de
interpretação restritiva do tipo penal, com o significado sistemático e político-criminal de expressão da
regra constitucional do nullumcrimensine lege, que nada mais fez do que revelar a natureza subsidiária e
fragmentária do direito penal. [...]

Dos Requisitos para Admissibilidade do Princípio da Insignificância

Para a admissão do Princípio da Insignificância é necessário haver a observância dos requisitos


exigidos, tanto os requisitos objetivos quanto aos subjetivos.

Dos Requisitos Objetivos


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Segundo o STF (Supremo Tribunal Federal) é necessário conter os seguintes requisitos:

Mínima Ofensividade de Conduta: A atuação do agente não pode atacar a integridade física ou
moral da vítima e/ou sociedade;
Nenhuma Periculosidade da Conduta: Não se pode haver violência ou grave ameaça, por
exemplo, ao crime de Roubo tipificado no artigo 157 do Código Penal, esta regra não poderia ser
aplicada, uma vez que para a tipificação deste delito, há a necessidade de ocorrer a violência ou a grave
ameaça;
Reduzido Grau de Reprovabilidade da Conduta: Nesta hipótese, o delito não pode ter relevância
na sociedade, deve ser ínfimo.
Inexpressividade de lesão ou do perigo de lesão: A lesão ou o perigo de lesionar deve ser
consideravelmente pequeno, de forma que não seja possível causar dispêndio à vítima, como pessoa
individual, ou até mesmo à sociedade, coletividade.

Dos Requisitos Subjetivos

Os requisitos subjetivos é a situação em que se refere ao próprio sujeito ou que tenha relação a
ele, que pertence ao domínio de sua consciência. Desta forma, os requisitos subjetivos se subdividem de
acordo com o artigo 59 do Código Penal, além de outros abordados a seguir:

Antecedentes: Trata-se de registros de delitos anteriores presentes na esfera jurídica, como por
exemplo, as condenações ou absolvições;
Conduta Social: Neste item, há a observação do caráter comportamental do indivíduo em meio a
sociedade; convivência em relação as pessoas próximas, familiares, amigos e até mesmo vizinhos.
Personalidade do agente: Aqui, há a análise do perfil moral e psicológico do agente, se ele possui
ou não algum problema que possa afetá-lo de forma a cometer o delito;
Motivos: Trata da situação, do fato, que fez com que a pessoa fosse levada a realizar a ação
tipificada, por exemplo, o estado de necessidade;
O motivo possui forma dinâmica cuja pode haver variações a cada indivíduo, seja relacionado
aos seus interesses ou sentimentos em relação a um caso concreto.

Circunstâncias: Trata-se do modo de execução utilizado pelo agente, tais como o instrumento do
crime.
Segundo Masson (2018)

[...] As circunstâncias do crime vinculam-se ao aumento da pena, poisas circunstâncias


favoráveis ao réu devem ser aceitas como atenuantes genéricas inominadas, na forma do artigo 66 do
Código Penal (MASSON, Cleber. Código Penal Comentado, p 359, 6ª. Ed. São Paulo: Editora Método,
2018)

Comportamento da vítima: Neste caso, o que conta é a atitude da vítima, se ela contribuiu de
alguma forma para que ocorresse o evento danoso. Desta forma, é uma circunstância judicial favorável ao
réu.

DA APLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA AO FURTO


FAMÉLICO

Na abordagem deste tópico, é de extrema necessidade verificarmos um breve diferença entre o


produto de pequeno valor e o de valor insignificante; ora, pequeno valor é a que não ultrapassa um salário
mínimo, atualmente ao valor de R$ 1.045,00 (um mil e quarenta e cinco reais), em vigor desde o dia 01
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de Fevereiro de 2020, conhecido como Furto Privilegiado. Já o valor insignificante, é o que causa a
exclusão da tipicidade, abordado pelo princípio da insignificância.

A aplicabilidade do princípio da insignificância ao furto famélico há a necessidade de analisar a


proporcionalidade do que foi furtado, por exemplo, se o agente possui apenas um filho e seu objetivo em
Estado de Necessidade, é saciar a fome dele, não há o porquê de se furtar uma quantidade superior de
alimentos, sendo que o mínimo seria o suficiente para suprir a necessidade.

O furto famélico é apenas para suprir as necessidades básicas de sobrevivência imediata. Há de


se ressaltar, que o Estado de Necessidade só poderá se configurar quando não houver outro modo de
solucionar a solução.

Ora, se o genitor da criança tinha onde deixar a criança, por exemplo, em uma creche que serve
refeições, e não o deixou, preferindo desta forma cometer o delito, não há de se falar em Estado de
Necessidade, uma vez que a situação poderia ter sido solucionada de outra forma, que não de forma
delituosa.

Para que ocorra a aplicabilidade deste princípio, é necessário que ocorra a cumulação dos
requisitos objetivos já citados a esta pesquisa; cita a jurisprudência que sua aplicabilidade não deve
limitar-se somente à análise do valor material do bem, sendo que há outras formas de se auferir a
desvalorização da conduta. Assim entende a jurisprudência:

APELAÇÃO CRIMINAL. FURTO SIMPLES TENTADO. PRINCÍPIO DA


INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. FURTO FAMÉLICO. HIPÓTESE NÃO
CARACTERIZADA. DOSIMETRIA DA PENA. PENA-BASE. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS.
PONDERAÇÕES DE ORDEM GENÉRICA. REDUÇÃO. PRIVILÉGIO. INCIDÊNCIA. ACUSADO
PRIMÁRIO E DE BONS ANTECEDENTES. - A aplicação do princípio da insignificância não deve se
limitar à análise da expressão monetária do objeto, sendo descabida quando há outros elementos que
indicam a desvaloração do resultado da conduta, máxime quando praticado em um contexto de
criminalidade contínua, encontrando-se o acusado envolvido em outros delitos da mesma natureza. - A
excepcional figura do furto famélico aplica-se apenas àquelas hipóteses em que o agente age para saciar a
forme, em situação de nítida emergência, comprovada a insuficiência de recursos ou incapacidade para o
labor. - Ponderações de ordem genérica não autorizam a elevação da pena-base. - Comprovadas a
primariedade do apelante e o pequeno valor da 'res furtiva', deve ser reconhecida em seu favor a benesse
prevista no artigo 155, § 2º, do Código Penal. - Constatado, depois da reestruturação da reprimenda, que o
acusado já cumpriu integralmente a sanção que lhe foi imposta, impõe-se o reconhecimento da extinção
da punibilidade. (TJ-MG - APR: 10707140191750001 MG, Relator: Renato Martins Jacob, Data de
Julgamento: 02/07/2015, Câmaras Criminais / 2ª CÂMARA CRIMINAL, Data de Publicação:
13/07/2015).

DA CONSEQUÊNCIA JURÍDICA DO FURTO FAMÉLICO

Como já abordado, o furto famélico é o delito cometido em Estado de Necessidade. O artigo 24


do Código Penal descreve os requisitos necessários para a consideração e aplicação do delito realizado em
Estado de Necessidade. In verbis:

[...] Art. 24 - Considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para salvar de perigo
atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo
sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se [...]

Este princípio poderá ser utilizado para exclusão da ilicitude quando o bem jurídico protegido
possuir relevância igual ou superior ao bem sacrificado. Neste caso, quando ocorre a violação do
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patrimônio alheio, visa-se garantir a subsistência humana, seja dela própria ou de terceiro, conforme a
Teoria Unitária

Desta forma, o estado de necessidade pode ser aplicado, no caso do furto famélico, para excluir a
ilicitude do fato, junto à aplicabilidade do princípio da insignificância, levando, como consequência, à
exclusão do crime.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O tipo penal abordado, possui de fato, a necessidade do reconhecimento do Princípio da


Insignificância. Princípio este que é utilizado como base ao Direito Penal, devendo o nosso Poder
Judiciário analisar cada caso conforme a situação, levando-se em consideração a colisão de princípios
sociais e morais, além da desconsideração da criminalização quando ocorrer em Estado de Necessidade.

Os doutrinadores e as jurisprudências têm se baseado neste princípio, por entender que o valor
material é ínfimo e não afeta de forma relevante o bem jurídico tutelado, ocorrendo assim, a atipicidade
de conduta.

Vale ressaltar, que o agente que sofre com a fome, ou vê seu ente querido nesta situação, já
possui uma espécie de punição, e a aplicação de uma penalidade branda, poderia resultar em dupla
punição do indivíduo, primeiro diante da inércia do Estado e depois, diante da penalidade trazida pelo
Poder Judiciário.

Resta evidente que no Furto Famélico o agente não procura abranger seu patrimônio, mas
sim, suprir uma necessidade imediata de si, de seu filho, de sua esposa, sendo que fica ainda mais
claro, que o Estado não tem sido garantidor de direitos básicos, em que pese estejam elencados na
Carta Magna.

Desta forma, a única maneira de ao menos diminuir a ocorrência desses fatos, seria com a ação
do Poder Público, de forma que fizessem valer o pactuado na Constituição Federal, garantindo além da
segurança, além do patamar social, a vida digna dos seres humanos com oportunidade de emprego e
educação acessível a todos. Afinal, é o que prevê a Carta Magna, no artigo 5º, cujo trata dos Direitos
Fundamentais.

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