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ITER CRIMINIS

Fonte: ESTEFAM, A.; LENZA, P.; GONÇALVES, V. E. R. Direito


Penal Esquematizado - Parte Geral. 11. ed. São Paulo: Saraiva,
2022. E-book.

CONCEITO

Desde os momentos iniciais, quando o delito está apenas na mente


do sujeito, até sua consumação, quando o crime se concretiza
inteiramente, passa-se por todo um caminho, por um itinerário,
composto de várias etapas ou fases — o chamado iter criminis (ou
“caminho” do crime).

FASES DO ITER CRIMINIS

Fase interna (cogitação)

Trata-se do momento interno da infração.

Só há crime na esfera psíquica, na mente do sujeito, que ainda não


exteriorizou nenhum ato.
Essa fase é totalmente irrelevante para o Direito Penal, uma vez que
cogitationis poenam nemo patitur.

Lembre-se de que um dos elementos do fato típico é a conduta, que


pressupõe exteriorização do pensamento.

Enquanto a ideia criminosa não ultrapassar a esfera mental, por pior


que seja, não se poderá censurar criminalmente o ato.

Se uma pessoa, em momento de ira, deseja conscientemente matar


seu desafeto, mas nada faz nesse sentido, acalmando-se após, para
o Direito Penal a ideação será considerada irrelevante.

Pode-se falar, obviamente, em reprovar o ato do ponto de vista moral


ou religioso, nunca porém à luz do Direito Penal.

Mesmo quando a vontade de cometer o delito é verbalizada, não se


tem, como regra, ilícito penal algum, salvo se tal manifestação oral
puder violar ou periclitar algum bem jurídico, como se poderia
imaginar nos casos de injúria (art. 140), ameaça (art. 147) ou
incitação ao crime (art. 286).

Fase externa (preparação, execução e consumação)

Preparação

Os atos preparatórios ou conatus remotus verificam-se quando a


ideia extravasa a esfera mental e se materializa mediante condutas
voltadas ao cometimento do crime.
Este, portanto, sai da mente do sujeito, que começa a exteriorizar
atos tendentes à sua futura execução.

Nessa etapa, como regra, o Direito Penal não atua. Atos


considerados meramente preparatórios não são punidos
criminalmente.

Assim, o sujeito que, pretendendo matar seu inimigo (cogitação) e


possuindo porte de arma de fogo, apodera-se do instrumento bélico
(preparação) e, em seguida, desloca-se até as proximidades da
residência do ofendido, sendo surpreendido pela polícia antes de
sacar a arma ou mesmo de encontrar-se com a vítima visada, não
comete crime algum (não se aplica o Estatuto do Desarmamento,
uma vez que ele possui porte de arma).

É de ver, contudo, que eventualmente o legislador transforma em


crimes autônomos condutas que configuram meros atos
preparatórios de outros delitos.

Referida técnica legislativa, cada vez mais presente nos dias atuais,
denomina-se antecipação da tutela penal. Justifica-se sempre que os
atos representarem, em si mesmos, um perigo à ordem jurídica, ou,
ainda, quando pela suma relevância do bem jurídico que o agente
pretenda vulnerar, mostre-se necessária a intervenção precoce do
Direito Penal.

São exemplos de antecipação de tutela penal, dando-se a punição


como crimes autônomos de atos preparatórios de outras infrações
penais, o art. 291 (petrechos para falsificação de moeda - ato
preparatório do crime de moeda falsa (art. 289). Cite-se, também, o
art. 34 da Lei de Drogas (petrechos destinados à fabricação,
preparação, produção ou transformação de droga) e os arts. 12, 14
e 16 do Estatuto do Desarmamento, os quais tipificam a posse
irregular e o porte ilegal de arma de fogo.

Reitere-se que a punibilidade de atos preparatórios não se dá senão


mediante sua expressa tipificação, jamais pela extensão do caráter
punível do delito cogitado (meta optata).

Essa regra foi acolhida em nossa legislação penal, que, ao tratar do


delito tentado (art. 14, II), demanda, como requisito indispensável, a
presença do início de execução.

É bom lembrar, por fim, o disposto no art. 31 do CP, o qual dispõe


que “o ajuste, a determinação ou instigação e o auxílio, salvo
disposição expressa em contrário, não são puníveis, se o crime não
chega, pelo menos, a ser tentado”.

Vale dizer: se o agente não sai da fase de preparação, o partícipe,


que o induziu, instigou ou auxiliou, não será punido. Assim, por
exemplo, se uma mulher contrata um “matador de aluguel” para ceifar
a vida de seu esposo, mas este, mesmo depois de receber o preço e
planejar o crime, converte-se a determinada religião e desiste de
colocar em prática a trama delituosa, não chegando sequer a tentar
matar o marido (isto é, não comete nenhum ato executório), sua
conduta será atípica, qualidade da qual também será revestida a
ação do mandante, no caso, a esposa.

Execução

A terceira etapa do iter criminis se atinge com o primeiro ato de


execução (conatus proximus).

Cuida-se de uma das questões mais árduas em Direito Penal


estabelecer a exata fronteira entre os atos preparatórios e os
executórios.

Trata-se de problema de suma importância, pois, enquanto os atos


preparatórios são, como regra, penalmente irrelevantes, os
executórios são penalmente típicos, tanto que, se o sujeito os iniciar,
será punido ainda que haja a interrupção involuntária de seu agir
(dar-se-á, nesse caso, a tentativa — art. 14, II, do CP).

É certo que só será possível falar em execução se estivermos diante


de um ato idôneo e inequívoco tendente à consumação do crime. A
dificuldade está em estabelecer precisamente qual é esse ato. A
doutrina apresenta alguns critérios:

■ critério material: a execução se inicia quando a conduta do sujeito


passa a colocar em risco o bem jurídico tutelado pelo delito (Hungria);

■ critério formal-objetivo: só há início de execução se o agente


praticou alguma conduta que se amolda ao verbo núcleo do tipo.
(conatus proximus).
Nenhum dos critérios se mostra totalmente satisfatório. O primeiro,
por ser demasiado amplo, e o segundo, excessivamente restrito.

Damásio de Jesus, em função disso, sustenta deva ser adotada a


teoria individual-objetiva (de Hans Welzel), pela qual o início da
execução abarca todos os atos que, de acordo com a intenção
do sujeito, sejam imediatamente anteriores ao início do
cometimento da conduta típica.

Exemplos de atos executórios:

• disparar o tiro em direção à vítima;


• ministrar veneno no alimento do ofendido;
• sacar a faca e correr em direção à vítima;
• apoderar-se da coisa que pretende furtar;
• anunciar o roubo;
• agarrar a vítima do estupro e etc.

A jurisprudência pátria tem adotado uma diretriz semelhante àquela


proposta por Damásio de Jesus, consoante se extrai de caso
interessante, no qual o Superior Tribunal de Justiça reconheceu a
tentativa (e não meros atos preparatórios), em relação a uma
associação criminosa que adquiriu um imóvel próximo a agência
bancária e planejou a escavação de um túnel para acessar o cofre
da instituição e subtrair o dinheiro, mesmo não tendo sido o túnel
finalizado.
O STJ destacou que uma conjugação de critérios distingue atos
preparatórios e executórios, partindo-se da teoria objetivo-formal,
associada a parâmetros subjetivos, devendo o julgador avaliar e
definir se as condutas praticadas se aproximaram do início do tipo
penal de tal modo que colocaram em risco o bem jurídico tutelado ou
se os comportamentos periféricos externados evidenciam risco
relevante e já configuram início de execução do delito.

Consumação

Há consumação (ou summatum opus), de acordo com o Código


Penal, quando se fazem presentes todos os elementos da definição
legal do delito (art. 14, I).

Em outras palavras: total subsunção da conduta do sujeito com o


modelo legal abstrato. Pode-se dizer, ainda, que essa fase final do
iter criminis é atingida com a produção da lesão ao bem jurídico
protegido.

Igualmente importante é definir a linha divisória da consumação.


Esse momento é fundamental para determinar a quantidade da pena
imposta, o termo inicial da prescrição da pretensão punitiva (art. 111,
I, do CP) e o foro competente para o processo e julgamento da
infração (art. 70 do CPP).

O momento consumativo varia conforme a natureza do crime; assim:


■ os crimes materiais ou de resultado consumam-se com a
ocorrência do resultado naturalístico ou material (isto é, modificação
no mundo exterior provocada pela conduta);

■ os crimes de mera conduta consumam-se com a ação ou omissão


prevista e punida na norma penal incriminadora.

Nesses delitos, o tipo penal não faz alusão a nenhum resultado


naturalístico. Dessa forma, basta a conduta, positiva ou negativa,
para que haja consumação;

■ os crimes formais ou de consumação antecipada, apesar da alusão


ao resultado naturalístico no tipo penal, não exigem, para fins de
consumação, que ele ocorra, de tal modo que, praticada a conduta
prevista em lei, o delito estará consumado;

■ os crimes permanentes têm a característica de a fase consumativa


prolongar-se no tempo.

Isso tem relevância jurídica não só na competência territorial (art. 71


do CPP) e no termo inicial do prazo prescricional (art. 111, III, do CP),
como também na prisão em flagrante (art. 303 do CPP);

■ os crimes culposos, como crimes materiais, apenas estarão


consumados com a ocorrência do resultado naturalístico;
■ os crimes omissivos próprios: por serem infrações penais de mera
conduta, basta a inatividade do agente para que haja consumação,
sendo prescindível que à omissão se associe a ocorrência de algum
resultado;

■ impróprios: sempre são materiais ou de resultado, de modo que só


estarão consumados com a superveniência deste;

■ os crimes qualificados pelo resultado consumam-se com a


ocorrência do resultado agravador;

■ Exaurimento

Dá-se quando o agente, depois de consumar o delito e, portanto,


encerrar o iter criminis, pratica nova conduta, intensificando a
agressão ao bem jurídico penalmente tutelado.

De regra, o exaurimento apenas influi na quantidade da pena, seja


por estar previsto como causa especial de aumento (ex.: CP, art. 317,
§ 1º), seja por figurar como circunstância judicial desfavorável (pois
o juiz deve levar em conta na dosagem da pena-base as
consequências do crime — art. 59, caput, do CP).

■ CRIME TENTADO (CP, ART. 14)

A tentativa (ou conatus) constitui a realização imperfeita do tipo


penal. Dá-se quando o agente põe em prática o plano delitivo
engendrado e, iniciando os atos executórios, vê frustrado seu
objetivo de consumar o crime por motivos alheios a sua
vontade.
O Código Penal define-a no art. 14, II, quando diz que o crime se
considera tentado quando, iniciada sua execução, não se consuma
por circunstâncias alheias à vontade do agente.

Desdobrando o Texto Legal em requisitos, encontram-se os


seguintes:

■ início de execução;

■ não consumação;

■ por circunstâncias alheias à vontade do agente.

Punibilidade da tentativa

De acordo com o Estatuto Penal: “salvo disposição em contrário,


pune-se a tentativa com a pena correspondente ao crime
consumado, diminuída de um a dois terços” (art. 14, parágrafo único).

Note-se que a lei prevê um decréscimo em limites variáveis,


cumprindo ao juiz, na dosagem da reprimenda, considerar a
proximidade da consumação como critério para estabelecer a fração
pertinente.

Logo, a redução da pena deve ser inversamente proporcional à


distância da consumação. Assim, por exemplo, num caso de tentativa
branca (quando o objeto material não foi atingido), deve a sanção ser
diminuída de dois terços.
Há exceções, como se percebe da leitura do Código Penal.

Existem infrações nas quais não se pune a tentativa (caso das


contravenções penais) e, ainda, situações em que a lei equipara a
pena das formas consumada e tentada (como se dá nos delitos de
atentado ou empreendimento).

Cite-se, como exemplo, o art. 352 do Código Penal (evasão mediante


violência contra a pessoa), assim redigido: “evadir-se ou tentar
evadir-se o preso ou o indivíduo submetido a medida de segurança
detentiva, usando de violência contra a pessoa” (pena — detenção,
de três meses a um ano, além da pena correspondente à violência).

Espécies de tentativa

São várias:

■ perfeita (crime falho): o agente percorre todo o iter criminis que


estava à sua disposição, mas, ainda assim, por circunstâncias
alheias à sua vontade, não consuma o crime (ex.: o sujeito
descarrega a arma na vítima, que sobrevive e é socorrida a tempo
por terceiros). Apesar de ter esgotado a fase executória, não alcança
o resultado por circunstâncias alheias à sua vontade;

■ imperfeita: o agente não consegue, por circunstâncias alheias à


sua vontade, prosseguir na execução do crime (ex.: o sujeito entra
na residência da vítima e, quando começa a se apoderar dos bens,
ouve um barulho que o assusta, fazendo-o fugir);
■ branca (ou incruenta): quando o objeto material não é atingido (o
bem jurídico não chega a ser lesionado);

■ cruenta: o oposto da tentativa branca, ou seja, o objeto material é


atingido;

■ abandonada ou qualificada: nome dado por alguns doutrinadores à


desistência voluntária e ao arrependimento eficaz (CP, art. 15);

■ inadequada ou inidônea: corresponde ao crime impossível (CP, art.


17).

■ DESISTÊNCIA VOLUNTÁRIA E ARREPENDIMENTO EFICAZ


(CP, ART. 15)

Essas figuras também são chamadas de tentativa abandonada ou


qualificada.

Ocorrem quando o agente inicia a execução de um crime que


pretende consumar, porém não o faz por vontade própria (CP, art.
15).

Diferem da tentativa, porque nela o sujeito não logra consumar o


delito por circunstâncias alheias à sua vontade. Na tentativa,
portanto, o autor quer, mas não pode, ao passo que, na desistência
voluntária e no arrependimento eficaz, ele pode, mas não quer.

Desistência e arrependimento são figuras distintas. A desistência


pressupõe tenha o agente meios para prosseguir na execução, ou
seja, ele ainda não esgotou o iter criminis posto à sua disposição (ex.:
sua arma possui outros projéteis, mas ele desiste de dispará-los).
No arrependimento, subentende-se que o sujeito já tenha esgotado
todos os meios disponíveis e que, após terminar todos os atos
executórios (mas sem consumar o fato), pratica alguma conduta
positiva, tendente a evitar a consumação (ex.: o sujeito descarregou
sua arma e, diante da vítima agonizando, arrepende-se e a socorre,
evitando a morte).

■ ARREPENDIMENTO POSTERIOR (CP, ART. 16)

A figura em questão foi incorporada ao Código Penal com a Reforma


da Parte Geral de 1984. Tem como escopo incentivar o sujeito a
reparar os danos provocados pelo crime.

De acordo com o art. 16 do CP:

“Nos crimes cometidos sem violência ou grave ameaça à pessoa,


reparado o dano ou restituída a coisa, até o recebimento da denúncia
ou da queixa, por ato voluntário do agente, a pena será reduzida de
um a dois terços”.

Note-se que o instituto em apreço premia uma atitude praticada pelo


sujeito ativo da infração depois da consumação do delito (por esse
motivo, não se confunde com a desistência voluntária ou com o
arrependimento eficaz, nos quais o agente impede, voluntariamente,
a realização integral do tipo).

Essa causa obrigatória de diminuição de pena depende da presença


concomitante dos seguintes requisitos:
■ reparação integral do dano ou restituição da coisa como antes se
encontrava.

A ideia que norteia esse requisito é a preservação do status quo ante.


A reparação deve ser, desta forma, total e, no caso de devolução do
bem, há de se manter seu estado original.

Admite-se, porém, o reconhecimento do benefício diante de uma


reparação parcial ou da restituição da coisa em outro estado quando
a vítima expressamente se contenta com tal, dando quitação.

■ ato do sujeito

O benefício somente incidirá quando o ato for praticado pelo sujeito


ativo da infração. Caso a reparação ou restituição seja levada a efeito
por terceiro, como, por exemplo, o responsável civil (como o pai ou o
empregador), não se aplicará a benesse.

Quando o crime for cometido em concurso de pessoas, basta que


uma delas efetue a reparação integral ou a restituição do bem para
fazer jus à causa de diminuição da pena, que, por força do art. 30 do
CP (comunicabilidade das circunstâncias), beneficiará os demais
coautores ou partícipes. Tal circunstância é de caráter objetivo.

■ voluntariedade

A voluntariedade na ação do sujeito ativo é essencial para que se


justifique a aplicação do redutor da pena. Não terá direito ao prêmio,
destarte, aquele que efetuar a reparação ou devolução da coisa
depois de ordenado a tanto por determinação judicial.
Não é necessário que haja espontaneidade (vale dizer, que a
iniciativa seja do próprio sujeito ativo do crime). Assim, p. ex., fará jus
ao redutor o indivíduo que, aconselhado por terceiro, ressarcir o
ofendido.

■ crime sem violência ou grave ameaça à pessoa

Esse obstáculo está presente em outros benefícios legais, como a


substituição de prisão por pena alternativa na sentença condenatória
(CP, art. 44).

No caso do arrependimento posterior, se houve o emprego de grave


ameaça ou violência contra a pessoa, ainda que ocorra a reparação
do dano (material) ou a devolução do bem, não se recomporá, por
completo, o status quo ante, justamente porque em face da natureza
complexa do crime que, além de uma lesão patrimonial, produziu
ofensa à integridade corporal ou psíquica da vítima.

■ reparação ou restituição anterior ao recebimento da denúncia ou


da queixa

O Código assinalou um limite temporal para que o ato voluntário do


agente lhe propicie a redução da pena: recebimento da denúncia ou
queixa-crime.

Quando tal atitude se der posteriormente (no curso do processo, por


exemplo), poderá se aplicar uma atenuante genérica (art. 65, III, b,
do CP).
Ressalte-se que o juiz, ao definir o quantum da redução da pena (de
um a dois terços), deverá levar em conta a presteza na reparação do
dano ou restituição do bem.

Logo, quanto mais adiantada a persecução penal (v.g., a denúncia já


foi oferecida, embora não recebida), menor deverá ser a fração
aplicada.

É fundamental advertir que o benefício do art. 16 do CP, em que a


reparação do dano (ou restituição da coisa) conduz à redução de
pena, não será aplicado quando a lei previr efeito mais benéfico ao
agente.

É o que se dá nos diversos casos especiais nos quais o legislador


estipula que a reparação do dano conduz à extinção da punibilidade.
Citem-se, como exemplos, o crime de peculato culposo (CP, art. 312,
§§ 2º e 3º), a apropriação indébita previdenciária (CP, art. 168-A, §
2º).

CRIME IMPOSSÍVEL (CP, ART. 17)

■ Requisitos

O art. 17 do Código Penal contém o crime impossível que, baseado


na noção realística de crime, proclama a impunidade da tentativa
quando, ao se pôr em prática o plano delituoso, vê-se impossível a
consumação, em face da absoluta ineficácia do meio empregado ou
da absoluta impropriedade do objeto material.
Deve-se frisar que, no crime impossível (ou “tentativa inidônea”,
“quase crime” ou “tentativa inadequada”), a consumação é
completamente irrealizável.

O meio a que alude o Código Penal, cuja absoluta ineficácia é


prevista como condição para a impunidade da tentativa, é o meio
executório da infração.

Por exemplo: tentar matar alguém disparando tiros com pistola


d’água; ou portar arma de fogo totalmente inapta para disparar; tentar
abortar por intermédio de crendices populares (ou “simpatias”); usar
documento grosseiramente falsificado.

O objeto referido pela Lei é o objeto material da infração, ou seja, a


pessoa ou coisa sobre a qual recai a conduta.

Por exemplo: disparar com animus necandi contra quem já morreu;


ingerir medicamento abortivo para interromper a gravidez que, na
verdade, é meramente psicológica.

De ver que para o STJ: “Sistema de vigilância realizado por


monitoramento eletrônico ou por existência de segurança no interior
de estabelecimento comercial, por si só, não torna impossível a
configuração do crime de furto” (Súmula n. 567).

Impropriedade ou ineficácia relativas

Se a impropriedade ou ineficácia forem somente relativas, haverá


crime tentado (ex.: acionar o gatilho de arma de fogo sem que os
projéteis disparem ou tentar furtar levando as mãos ao bolso vazio
da vítima, que traz a carteira no outro bolso).
Serão relativas quando meramente acidentais, ocasionais ou
circunstanciais, e absolutas quando constantes, permanentes, ou
seja, quando total e irremediavelmente inviável a consumação do
delito.

O meio é relativamente ineficaz quando, embora normalmente apto


a macular o bem jurídico, falhou por razões acidentais (v.g., caso do
revólver eficaz e municiado que, no instante do disparo, apresenta
falha circunstancial).

O objeto material é relativamente inidôneo quando apresenta alguma


condição ocasional que obsta a ação danosa do agente (v.g.,
hipótese do atirador que dispara no peito da vítima que, precavida,
encontrava-se com colete à prova de balas oculto sob suas vestes).

Natureza jurídica

O crime impossível configura causa de exclusão da adequação típica


do crime tentado.

Teorias

Há diversas teorias que se ocupam do tratamento que se deve dar


ao sujeito que realiza um comportamento qualificado como crime
impossível.

São elas:
■ sintomática: por ter manifestado periculosidade, o sujeito recebe
uma medida de segurança (era adotada antes da Reforma de 1984);

■ subjetiva: equipara o crime impossível ao crime tentado, porque


também nele o agente demonstrou intenção de produzir o resultado,
embora não o consumasse;

■ objetiva: como não houve risco ao bem jurídico, o agente não é


punido.

Subdivide-se em objetiva pura, a qual aplica os princípios do crime


impossível a qualquer hipótese de ineficácia do meio ou inidoneidade
do objeto material (seja relativa, seja absoluta), e

objetiva temperada, que somente alcança as hipóteses de ineficácia


e inidoneidade absolutas (é a acolhida atualmente pelo Código
Penal).

Crime impossível por obra do agente provocador

Dá-se tal figura quando alguém induz ou instiga o sujeito a praticar o


crime e, ao mesmo tempo, se certifica de que será impossível
consumar a infração.

É como se o autor do delito caísse numa armadilha engendrada por


terceiro (a vítima ou a Polícia).

Entende-se que, em tais casos, ocorre o crime impossível, devendo


se aplicar o art. 17 do CP.
O Supremo Tribunal Federal sumulou esse entendimento: “não há
crime quando a preparação do flagrante pela polícia torna impossível
a consumação” (Súmula n. 145 do STF).

Fala-se, nesse caso, em delito putativo por obra do agente


provocador, também denominado delito de ensaio ou delito de
experiência.

Exigem-se dois requisitos para a aplicação da Súmula: a preparação


(ou induzimento) do flagrante pela polícia, somada à impossibilidade
(absoluta) de consumação do crime.

A incidência do entendimento sumular trará o seguinte reflexo penal:


a atipicidade do delito que se tentou praticar (o agente só responderá
pelos atos anteriores); processualmente, a consequência será: a
nulidade do flagrante (salvo se existir delito precedente já
consumado).

Cite-se, como exemplo, o caso frequente dos policiais que se fazem


passar por usuários de drogas e se aproximam de supostos
traficantes, oferecendo dinheiro para a aquisição da substância,
prendendo o sujeito em flagrante quando o entorpecente é exibido.

Há crime impossível e, portanto, fato atípico quanto à venda, mas o


delito já estava consumado antes disso (por meio das condutas
“guardar”, “trazer consigo”, “expor à venda” etc., previstas no art. 33
da Lei n. 11.343/2006), o que torna válida a prisão em flagrante.

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