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FORMAS DE APARECIMENTO DO CRIME

Generalidades

Em princípio, os crimes são tidos como tal sejam consumados. A parte especial do código,
se desdobra em caracterizar os comportamentos que se mostram ilícitos a luz de uma
conduta devidamente começada ate a sua finalização.

Mas na caracterização do tipo criminoso, se devem também ter em conta os actos que
mediam o mero pensamento da prática do acto criminal ate a sua consumação. A esse
conjunto de actos se chama iter criminis.

Assim o longo processo da que separa a fase do pensamento criminoso dos actos de
execução, inicia com o que juridicamente se tem designado por nuda cogitatio.

Nuda cogitatio

Este é o primeiro estágio do iter criminis. Que em traços gerais consiste o mero
pensamento criminoso. Antes do agente passar pela fase dos actos externos (que a luz do
nosso sistema jurídico-penal não são puníveis), passa necessariamente por um processo
de cogitação da sua vontade e ate mesmo da melhor forma da qual vai levar as suas
actividades futuras.

Quando ao fim da consumação do delito tem lugar, toda a problemática da valoração


jurídica destes actos prévios, através dos quais se desenrola o iter criminis, se esbate e
desaparece, já que tudo é absorvido pelo crime consumado. Quando, porem tal não
sucede, surge então a problemática de saber como tratar aqueles actos que mais ou menos
fortemente revelarem a vontade criminosa do agente, que mais ou menos directamente
puserem em perigo a violação de bens jurídicos-criminais 1.

Vários autores se debruçam acerca da punibilidade da nuda cogitatio (mero pensamento


criminoso) mas as conclusões foram na sua maioria pela não punibilidade desses actos –
por todos Cavaleiro de Fereira – que advoga que a perigosidade do delinquente se atesta
através dos actos exteriores. Os pensamentos criminosos não têm dignidade legal e se
limitam na ilicitude moral. Por isso que se tem dito que as normas de direito penal tem

1
CORREIA, Eduardo, Direito Criminal II, Porto: Livraria Almedina, p. 225.
como função punir os comportamentos e não os pensamentos. Os actos externos,
propriamente ditos iniciam nos actos preparatórios.

Actos preparatórios

São actos preparatórios, todos aqueles actos que estejam para alem da nuda cogitatio,
portanto, externos, mas que não constituam começo da tentativa ou actos de execução.

Por regra os actos preparatórios não são puníveis, tal como a nuda cogitatio, todavia estes
só podem excepcionalmente ser punidos quando disposição expressa assim o declarar 2.
Isto quer dizer que vai ser na parte especial deste código onde se ira definir quais os
crimes que são punidos os seus actos preparatórios. Vão ser necessariamente as razoes de
politica criminal que irão determinar os crimes que merecem tal tutela ao ponto de se
punir os actos preparatórios – segurança interna e externa do Estado 3, fé publica dos
documentos e das moedas do banco nacional, entre outros.

Podem constituir actos preparatórios a compra de uma pistola, para um crime de


homicídio; a importação de material idóneo para a fabricação de moeda falsa, nos crimes
de falsificação de moeda; a digitação de um texto no computador para um crime de abuso
de imprensa; ou ainda o uso de preservativo ou consumo de viagra antes de a vítima
chegar ao local em que o crime se pretende consumar nos casos de um crime de violação
ou estupro.

Tentativa

Em direito penal deve ser considerada tentativa a interrupção involuntária dos actos de
execução. O código penal não define o que são os actos de execução e encarrega essa
tarefa a doutrina.

Assim verifica-se a tentativa quando um individuo que pretende matar outrem, depois de
transportar uma arma em sua posse (na cintura, porventura) e vai ao local de trabalho do
suposto alvo, e lá chegado depara o alvo que no momento se encontrava sozinho, retira a
pistola da cintura, aponta para a cabeça da vitima há uma certa distancia e quando vai
premir o gatilho para efectuar o disparo, aparece uma viatura da policia no local, fazendo

2
Cfr. artigo 17 do código penal.
3
Cfr. nr 3 do artigo 383 do Código Penal.
uma patrulha rotineira, o que impede o agente de prosseguir com a sua acção com vista a
preservar a sua impunidade.

Por regra, só é punível a tentativa nos crimes puníveis com a pena maior (igual ou superior
a 2 anos) ou nos casos em que a lei especialmente estabelecer nos casos de penas
correccionais. Não se verifica a tentativa nos crimes meramente culposos.

Tentativa impossível

Um dos complexos e debatidos problemas da teoria da tentativa é o saber se, em que


medida, a inidoneidade dos meios ou carência do objecto a que a acção se dirige (tentativa
impossível) excluem a tentativa ou a sua punibilidade.

Considera-se impossível a tentativa quando há carência do objecto ou a não idoneidade


do meio empregado para o fim predeterminado. Ex. tirar a vida de outrem usando somente
uma minúscula esponja lançada contra a vitima a longa distancia. Ou ainda tirar a vida de
alguém que já não tem vida (disparar contra cadáver não faz preencher o homicídio ou
ofensas corporais.

Frustração

A legislação brasileira e a portuguesa abandonaram esta designação passando a designar


tentativa frustada e somente tentativa respectivamente. É considerado crime frustrado,
todo o acto em que o agente com intenção de cometer um determinado crime (homicídio)
pratica todos os actos conducentes (v.g. pancadas fortes nas zonas vitais; tiro na cabeça)
ao alcance do resultado típico (morte de vitima) mas que este não se verifica por
circunstâncias alheias a vontade deste mesmo agente (porque a vitima resistiu a bala na
cabeça ou aos golpes contra ele desferidos). Outro exemplo, pode se dar no caso de um
crime de abuso de imprensa quando alguém com intenção de difamar uma certa pessoa
pública num jornal um artigo com teor difamatório mas que esse jornal por problemas
não chega a ser publicado na referida semana ou dia dependendo do caso de se tratar de
diário ou semanário.

Só podem ser sujeitos ao regime de frustração crimes dolosos. Os crimes meramente


culposos (negligentes) não podem ser praticados na forma frustada porque um dos
requisitos desta modalidade é a intenção do agente.
E doutrinalmente discutida a questão do ónus probandi em relação a intenção do agente.
A melhor doutrina vela no sentido de que pelo critério da normalidade os crimes são
praticados com dolo e que cabe ao agente provar a negligência uma vez que a normalidade
é presumível e não carece de prova.

Punição da tentativa

Para que a tentativa seja punível é naturalmente, antes de mais necessário um preceito
que determine a sua punição e outro que preveja o respectivo tipo legal de crime
consumado (nullum crimem sine lege): o primeiro terá assim um sentido extensivo ou
alargador da punição do segundo. Para além disto deve porém exigir-se como particulares
condições externas de punibilidade, que o agente tenha actuado com dolo e, no
ensinamento geral das legislações, que salvo disposições legais em contrário, vise um
crime que é punido com uma pena de certa gravidade4.

Punição autónoma dos actos que constituem a tentativa e frustração

O iter criminis é um conjunto de actos separados que visam a consumação do crime. É


todo o processo de execução desde a nuda cogitatio a consumação. Mas estes actos
mesmo não levando a consumação do crime, os actos já praticados de per si, podem ser
punidos. Caso de um cidadão que pretendendo matar outrem mune-se de uma arma, sem
a devida licença, e não chega a matar. Neste caso não se consumou o crime de homicídio
mas consuma-se o crime de armas proibidas, uma vez que neste exemplo o indivíduo não
tinha licença de porte de arma de fogo. Em suma, quer neste dispositivo que, mesmo o
crime preordenado (homicídio) não seja punível por não se ter consumado ou então se
trata de uma tentativa, também não punível – nos casos de crime consumado ser punível
com pena correccional e que a lei não prevê a sua punição – os actos isolados que
constituem a tentativa ou frustração serão sempre puníveis, desde que estes em si
constituem crimes autónomos.

Impossibilidade da Tentativa ou Frustração nas infracções uniexecutivas

São infracções uniexecutivas as que não se mostram susceptíveis de cometimento nas


formas de tentativa ou frustração porquanto estas se consumam por uma única actividade

4
O código penal moçambicano estabelece no artigo 131 a punição da tentativa, do qual este artigo remete
para os moldes de punição do crime frustrado, no artigo 130.
criminosa independentemente do resultado - v.g. o crime de Atentado contra Chefe de
Estado se consuma independentemente dos resultados do atentado. A punibilidade opera-
se bastando o simples facto de alguém produzir actos que atentem contra a vida ou
integridade física de um Chefe de Estado.

Crime Consumado

São consumados todas as actividades criminalmente censuráveis das


quais todos os processos prescritos na lei foram completados pelo agente
sem ter havido qualquer interrupção no processo de execução. Assim,
salvo algumas excepções, o código penal, na sua parte especial, pune por
regra os crimes consumados, portanto, praticados na sua forma perfeita
no sentido da prática de todos conducentes ao alcance do resultado e que
o resultado de facto se verifica. Assim serão considerados actos praticados
na forma imperfeita os casos em que os actos conducentes a verificação do
crime são interrompidos involuntariamente.

Isto quer dizer que quando a na parte especial do Código Penal é


prevista e punida uma certa conduta, deve a mesma entender-se que está a
punir a mesma conduta dos crimes consumados, salvo se a norma dispuser em sentido
contrário.

Nem todos os crimes podem ser interrompidos na sua execução, como


o caso dos crimes formais. Estes não dependem da verificação do resultado para sua
consumação, como o exemplo de escola do crime de envenenamento.

Dosimetria da Pena

Generalidades

Quando o legislador na parte especial do código determina que para


um crime deve ser aplicada uma certa pena, há necessidade de o aplicador
da norma punitiva aplicar a referida pena respeitando aqueles limites em
respeito do princípio da legalidade outrora expendido. Todavia os limites
constantes no código podem sofrer algumas alterações sem no entanto,
aliás, em respeito do princípio da legalidade. Há, pois, situações em que o
agente deve sofrer especialmente uma agravação da pena anteriormente
determinada atendendo a sua perigosidade penal, determinada objectivamente por
circunstâncias anteriores ao cometimento do crime, que passaremos então a ver algumas
dessas situações.

Reincidência

Nos termos do art. 38° C.P. deve ser considerada reincidência toda a
infracção da mesma natureza que a infracção anterior, cometida dentro
dos 8 anos depois de julgada e condenada pela primeira infracção, e se já tenha transitado
em julgado.

A reincidência tem ainda algumas nuances a considerar pelo que não devem ser
consideradas para o efeito quando a primeira e a segunda infracção não forem dolosas ou
o agente ter participado qualidade de na autoria numa e cumplicidade ou encobrimento
noutra. Deve-se também ter em conta que as sentenças estrangeiras e os crimes militares
não contam para efeitos de reincidência.

Note-se ainda que não se pode verificar a reincidência nas contravenções.

A punição da reincidência opera-se nos termos do art. 125 C.P.

Nos termos do mesmo artigo deve-se se diferenciar entre os crimes de


pena de prisão simples e os crimes puníveis com pena de prisão maior. No
caso de a segunda infracção ser punida com prisão maior deve a mesma
pena (ex. crime de violação de menores nos termos do art. 218 C.P. punido
com 2 a 8 anos de prisão maior) ser agravada nos seguintes termos: uma
vez que literalmente se diz que... Se a pena aplicável for de prisão maior
a agravação correspondente à reincidência será igual a metade da diferença.
entre os limites máximo e mínimo da pena... isto significa que se
deve saber qual é o limite máximo (no nosso caso, 8 anos) e qual é o
limite mínimo (no nosso caso 2 anos). Depois achar a diferença (neste
caso seria 8-2=6). Depois de achada a diferença é necessário saber qual é
a metade dessa diferença (metade de 6=6/2=3). Daí deve-se acrescentar
esse resultado no limite mínimo (3+2=5). E assim se mostra agravada a
moldura penal aplicável ao segundo crime praticado em reincidência (a
moldura penal de 5 anos a 8 anos de prisão maior). Porém, se intervierem circunstancias
de grande valor atenuativo (ex. cometidos com baixo grau de consciência da ilicitude )
pode a mesma pena ser agravada em medida igual a da pana anterior desde que se mostre
mais favorável ao delinquente.

No caso da pena de prisão simples ou correccional, e atendendo-se a explicação anterior


pode-se dizer que dita o n.° 5 do art. 125° C.P. O seguinte: Se a pena aplicável for de
prisão, a agravação consistirá em agravação consistira em aumentar o mínimo da pena
de metade da duração máxima da pena aplicável. Neste caso a moldura sofre uma
alteração nos dois limites, tanto o mínimo como o máximo. O que quer dizer, que ao
contrário da agravação no que se refere a moldura penal quando se trata de infracções
puníveis com penas maiores em que só se vai alterar a moldura mínima
neste caso (penas correccionais) deve-se igualmente «mexer» na moldura máxima. Assim
no caso de um crime de lenocínio nos termos do art. 227° C.P. punível com uma pena de
1 ano a 2 anos de prisão, deve-se neste caso achar a referida diferença entre os limites
máximos e mínimos (2-1=1) e acrescentar essa diferença em cada um dos limites da pena,
que no entanto seria (mínimo 1+1=2; e o máximo 2+1=3) a moldura
de 2 a 3 anos de prisão.

No caso da segunda reincidência (terceiro crime cometido pelo mesmo


agente) deve-se ter em consideração o cálculo feito para a primeira reincidência e
acrescentar um ano no limite mínimo (ex. havíamos partido da moldura penal de 2 a 8
anos e para a primeira reincidência chegamos a conclusão de que se devia aplicar ao
agente uma moldura penal de 5 a 8 anos depois de alguns cálculos feitos. Porém na
segunda reincidência porque dissemos que se adiciona mais um ano deverá então se
proceder a 5+1=6 mínimo e 8 máximo, este último se mantendo inalterável) o que
faz com que a moldura final deverá ser de pena de prisão maior de 6 a 8
anos.

Sucessão de crimes

É considerada Sucessão de Crimes quando o agente, comete mais de


um crime depois de ser condenado com sentença passada em julgado por uma anterior,
volta a cometer uma outra infracção, não necessariamente da mesma natureza que a
anterior, mas que se for da mesma natureza, que entre esta e a anterior tenham passado
mais de 8 anos, nos termos do art. 40 С.Р.

A punição da reincidência opera-se nos termos do art. 125 C.P.

Nestes termos, quando ao segundo crime se aplicar uma pena maior


são válidas as regras supra enunciadas para a primeira reincidência e tendo em conta que
só se deverá fazer na moldura a alteração do limite mínimo. Mas quando se trate de pena
punível com pena correccional ou pena de prisão simples, a agravação opera-se nos
termos gerais, i. é., não se deve aplicar qualquer das regras enunciadas supra, mas deve o
aplicador se basear nas demais circunstancias que acompanharam o crime e com base nas
mesmas (agravantes, atenuantes, grau de culpa etc. v. art
120 C.P.) dosear a pena tendo sempre em conta as molduras penais do próprio crime (que
constam da parte especial do Cód. Pen.).

Acumulação de crimes

Esta verifica-se quando um mesmo agente prática mais de um crime


na mesma ocasião, ou então o mesmo pratica um crime e depois um outro, antes de ser
condenado por sentença passada em julgado (cfr. art. 41). Todavia se deve ter em atenção
que não computam para a acumulação os casos em que uma única infracção fere duas
normas jurídico-penais, pelo que nesses casos se devem designar apenas concurso
aparente e não real.

Designa-se concurso real de infracções quando o mesmo agente


fere dois bens jurídicos diferentes v.g. Furto de Viatura e depois Roubo a um banco. Neste
caso o agente praticou várias acções criminalmente relevantes (ex. acto de furtar uma
viatura acto de roubar a um banco).

Torna-se concurso ideal de infracções quando o agente com um único acto consegue
ferir mais de um bem jurídico v. g. exemplo de escola do homem que com um único tiro
que desfere contra uma mãe que se encontrava a transportar o seu filho no colo que e a
mesma bala acaba perfurando o peito da mão e atravessa o mesmo corpo até perfurar o
abdómen do filho que vinha nas costas. (um único acto de execução, que foi simplesmente
premir o gatilho).
Pode-se ainda falar de concurso homogéneo de infracções, nos casos em que o bem
jurídico ferido seja da mesma natureza, no caso de alguém matar um guarda de uma
residência e depois matar uma testemunha no mesmo local (i. é, vida=vida).

Ou ainda falar de concurso heterogéneo de infracções, nos casos


em que o bem jurídico ferido seja de natureza diferente, nos casos em que a pessoa
primeiro difama a outra pessoa e logo a seguir agride-a com um ferro no braço da mesma
ou de outra vítima (i. é, honra # integridade física).

No que se refere a punição da acumulação as regras estão plasmadas no art. 127 C.P.

Na primeira parte do n.° a) dita o seguinte... No concurso de crimes puníveis com a mesma
pena, será aplicada a pena imediatamente superior, se aquela for alguma das indicadas
nas alineas. b), c) d) e e) do artigo 61°... o que quer dizer o seguinte:

• Que nos casos em que as penas a aplicar forem todas as de prisão


maior de 16 a 20 anos de prisão maior nos termos da parte especial do Código
Penal, devem ao mesmos crimes aplicar-se uma moldura penal de 20 a 24 anos de
prisão maior;
• Nos casos em que as penas a aplicar forem todas as de prisão maior
de 12 a 16 anos de prisão maior nos termos da parte especial do Código Penal,
devem ao mesmos crimes aplicar-se uma moldura penal de 16 a 20 anos de prisão
maior;
• Nos casos em que as penas a aplicar forem todas as de prisão maior de 8 a 12 anos
de prisão maior nos termos da parte especial do Código Penal, devem ao mesmos
crimes aplicar-se uma moldura penal de 12 a 16 anos de prisão maior;

Nos casos em que a pena a aplicar for a de prisão maior de 2 a 8 anos


de prisão maior nos termos da parte especial do Código Penal, deve ao
mesmo crime aplicar-se uma moldura penal de 6 a 8 anos de prisão maior,
nos termos da parte final do artº 127 n.° 1, uma vez que dita o mesmo comando legal
que.... se for qualquer outra pena, соm еxcepҫão do artigo 62°, aplicar-se-á a mesma pena,
agravada em medida não inferior a metade da sua duração máxima; o que a expressão
qualquer outra pena significa que engloba não só a pena maior variável (prisão maior de
2 a 8 anos) mas também as penas de prisão simples (ex. 3 dias
a 2 anos) e que nestes casos é mister fazer o cálculo da metade do limite máximo e
acrescenta-lo no limite mínimo para se obter a moldura agravada.

Depois de falarmos dos casos de punição quando os crimes são punidos com penas iguais,
vamos apreciar os casos em que as penas são diferentes. Partindo sempre da letra da lei
aferimos que o n.° a), do arto 127 C.P. dita que ... Quando os crimes sejam puníveis com
penas diferentes será aplicada a pena mais grave, agravada segundo as regras gerais, em
atenção à acumulação de crimes. O mesmo se observará quando um
das penas for a do alínea a) do artigo 61°...o que quer dizer que nos casos de na
acumulação se verificarem crimes punidos com penas diferentes (sejam
penas maiores e menores cumuladas ou então penas maiores mas diferentes entre si) a lei
determina que se deve aplicara a punição mais grave e que as demais deverão servir como
agravantes gerais. O que significa que não se verifica, nestes casos, uma agravação
especial mas sim nos termos gerais de direito penal.

Ademais, vimos que para muitas das regras anteriormente ilustradas


não se vislumbra a regra para alínea a) do art. 61 i. é, para as penas de prisão
maior de 20 a 24 anos. Nos termos do mesmo número, para estes casos deve-se aplicar a
regra da agravação geral tendo em conta o disposto na parte inicial da alínea b) do art.
127 C.P.

E todas as regras de cúmulo jurídico não se aplicam para as penas de multa uma vez que
as mesmas seguem a regra do cúmulo material.

Concurso aparente

Muitas normas do direito criminal - como aliás as de outros ramos de direito estão umas
para com as outras em relação de hierarquia, ( no sentido precisamente de que a
aplicação de algumas delas exclui, sob certas circunstâncias, a possibilidade de eficácia
cumulativa de outras.) De onde resulta que a pluralidade de tipos que se podem considerar
preenchidos quando se toma isoladamente cada uma das respectivas disposições penais,
vem no fim de contas em muitos casos, olhadas tais relações de mútua exclusão e
subordinação, a revelar-se inexistente. Neste sentido se afirma que se estará então perante
um concurso legal ou aparente de infracções.
Quando, porém, se procuram determinar quais as relações de subordinação e hierarquia
entre as diversas disposições do direito criminal não se encontra unanimidade entre os
autores.

Vejamos como do nosso ponto de vista, se apresentam as


geralmente apontadas pela doutrina.

a) Especialidade - traduz-se na relação que se estabelece entre dois ou mais


preceitos, sempre que na «lex specialis» se contêm já todos os elementos duma
«lex generalis», isto é daquilo que chamamos ainda, certos elementos
especializadores. Esta relação terá como efeito, evidentemente, a exclusão da
lei geral pela aplicação da lei especial: «lex specialis derogat legi generali» - e
isto, contra o um tipo fundamental de crime, e. que pensava HONIG,
independentemente da referência de ambos os preceitos a uma só conduta.
Ponto será só que a realização de um tipo especial de crime esgote a valoração
jurídica da situação; sob pena, de outra forma, de se violar o princípio «ne bis
in idem».
b) Consunção - entre os valores protegidos pelas normas criminais verificam-se
por vezes relações de mais e menos: uns contêm-se já nos outros, de tal
maneira, que uma norma consome já a protecção que a outra visa. Daí que,
ainda com fundamento na regra «ne bis idem», se tenha de concluir que
«lex consumens derogat legi consumtae». O que, porém, ao contrário do que
sucede com a especialidade, só em concreto se poderá afirmar, através da
comparação dos bens jurídicos violados, e não, como queria HONIG, através
da diversidade de pontos de vista a partir dos quais a lei concede protecção.
ao mesmo bem jurídico5.
c) Subsidiariedade -segundo HONIG, neste grupo se englobariam não só as
relações que entre certos preceitos se estabelecem pelo facto de uns
condicionarem expressamente a sua eficácia ao facto de outros se não
aplicarem (subsidiariedade expressa) ', mas também aquelas outras cuja

5Exemplos claros de consunção serão a exclusão das regras que punem o dano e as ofensas corporais pela
aplicação das que punem o fogo posto e homicídio.
eficácia se apoia numa certa relação lógica entre as normas criminais
(subsidiariedade tácita)6

Não parece, porém, que toda a construção tenha qualquer utilidade. No que
toca à subsidiariedade expressa, por ser evidente nada se adianta com ela para
o problema do concurso; quanto à tácita porque ela vem afinal, quando válida,
a coincidir com o princípio da consunção.
d) Alternatividade - estando longe de serem unânimes os ensinamentos dos
autores sobre o conteúdo desta relação, HONIG define-a para o que aqui pode
interessar - como a que nasce entre preceitos que se comportam, relativamente
à protecção do mesmo bem jurídico, como meios diferentes para alcançar o
mesmo fim, correspondendo a uma tal diversidade
de meios a incompatibilidade dos elementos constitutivos dos tipos de crimes7.
Ora esta relação, assim definida, poderá auxiliar sem dúvida a interpretação de
cada norma, mas não pode actuar como processo de exclusão de uma de
diversas normas que, isoladamente consideradas, são efectivamente
infringidas e só isto constitui o problema do concurso aparente de leis e
correspondentemente de crimes.
e) Consunção impura - as relações acima apontadas não são as únicas por força
das quais a aplicação de um ou alguns preceitos exclui a eficácia cumulativa
de outro ou outros. Casos há por exemplo -como BINDING apontou -em que
a lei descreve um tipo de crime que só se distingue doutro por uma
circunstância tal que apenas se pode admitir tê-la querido o legislador como
circunstância qualificativa agravante verificando-se todavia que a pena para
ele cominada é inferior à do tipo fundamental.
Ora, em hipóteses tais, se não pode falar-se de especialidade, também não pode
dizer-se verificada uma relação de consunção pura. Significará isto, porém,
que se o tipo fundamental é neste caso aplicável, deve também considerar-se
cumulativamente realizado o tipo correspondente ao crime especial? Cremos
que não. E isto porque, entre deixar de considerar uma circunstância só
qualificativa e violar profundamente o princípio me bis in idem», sofrerá muito

6 Assim, por força dela, só quando o duelo não viesse a ter lugar é que subsidiariamente se aplicaria a
disposição que pune a provocação em duelo.
7 Este seria o caso p ex. da relação do furto com o abuso de confiança ou a qualquer destes com a burla.
menos o direito com a primeira solução. Neste sentido poderá falar-se de uma
consunção impura.
De resto, a noção poderá alargar-se a todos os casos em que dois tipos se
comportam entre si, na protecção de bens jurídicos, como dois círculos que
coincidem na sua parte mais importante e valiosa8. Assim concebida, a
consunção impura permitirá, normativamente, do ponto de vista do devido
equilíbrio de valores, tomar em conta certos casos-limite que a construção
naturalística do concurso só arbitrariamente considera, constituindo como que
uma válvula de segurança de todo o sistema do concurso aparente.

Crime continuado

O núcleo do problema reside em que, como já dissemos, se está por vezes perante uma
série de actividades que, devendo em regra segundo os princípios até agora expostos ser
tratada nos quadros da pluralidade de infracções, tudo parece aconselhar nomeadamente
a justiça e a processual crime só. Ora, para resolver o problema duas vias fundamentais
de solução podem ser trilhadas: ou, a partir dos princípios gerais da teoria do crime,
procurar deduzir os elementos que poderiam explicar a unidade inscrita no crime
continuado, e teremos então uma construção lógico-jurídica do conceito ou atender antes
à gravidade diminuída que uma tal situação revela em face do concurso real de infracções
e procurar assim encontrar no menor grau de culpa do agente a chave do problema –
intentando, desta forma, uma construção teleológica.

Este último é, sem dúvida, o caminho mais legítimo, do ponto de vista metodológico, para
resolução do problema. Pois, quando bem se atente, ver-se-á preenchem o mesmo tipo
legal de crime ou mesmo diversos tipos legais de crime, mas que fundamentalmente
protegem o mesmo bem jurídico – e às quais presidiu uma pluralidade de resoluções (que,
portanto, em princípio atiraria a situação para o campo da pluralidade de infracções),
todavia devem ser aglutinadas numa só infracção, na medida em que revelam uma
considerável diminuição da culpa do agente.

8Um exemplo claro, é a relação entre os crimes de furto e roubo. Pois, na verdade, em certos casos a pena
aplicável ao furto simples, e especialmente ao furto qualificado, é mais pesada do que aquela com que se
ameaça o roubo.
E quando se investiga o fundamento desta diminuição da culpa ele deve ir encontrar-se,
como pela primavera claramente o formulou KRAUSHAAR, nó momento exógeno das
condutas, na disposição exterior das coisas para o facto. Pelo que pressuposto da
continuação criminosa será, verdadeiramente, a existência de uma relação que, de fora,
de maneira diferente, facilitou a repetição da actividade criminosa tornando cada vez
menos exigível ao agente que se comporte de maneira diferente, isto é, de acordo com o
direito.

Importará agora uma vez conhecido o fundamento da unidade criminosa da continuação


- determinar as situações exteriores típicas que, preparando as coisas para a repetição da
actividade criminosa, diminuem consideravelmente o grau de culpa do agente:

a) Assim, desde logo, a circunstância de se ter criado, através da primeira actividade


criminosa, uma certa relação, um acordo entre os seus sujeitos.
b) A circunstância de voltar a verificar-se uma oportunidade favorável à prática do
crime, que já foi aproveitada ou que arrastou o agente para a primeira conduta
criminosa.
c) A circunstância da perduração do meio apto para realizar um delito, que se criou
ou adquiriu com vista a executar a primeira conduta criminosa.
d) A circunstância de o agente, depois de executar a resolução que tomara, verificar
que se lhe oferece a possibilidade de alargar o âmbito da sua actividade criminosa.

Não deve porém esquecer-se que, com a tipificação de esgota o domínio da continuação,
legitimado para o alargar ou corrigir, situações que deixamos esquematizada, nem por um
lado se nem por outro se fica
a afirmá-lo sem mais: sempre será necessário, recorrer à ideia fundamental que, como
começámos por pôr em relevo, em última instância o legitima: a diminuição considerável
do grau de culpa do agente.

Restará acentuar que a exigência pela doutrina naturalística- de uma qualquer conexão no
espaço e no tempo das actividades continuadas mal pode, do ponto de vista expendido,
assumir qualquer relevo especial. Certo que deve existir uma conexão interior entre os
diversos actos, derivada de a motivação de cada um estar ligada à dos outros; daqui
resulta, porém, que a conexão de espaço e tempo só poderá ter relevância na medida em
que afaste aquela conexão interior.

Decisivo é, pelo contrário, que as diversas actividades preencham o mesmo tipo legal de
crime, ou, pelo menos, diversos tipos legais de crime que fundamentalmente protejam o
mesmo bem jurídico: este será o limite de toda a construção. Sem esquecer que de o
mesmo bem jurídico se não pode falar quando se esteja perante tipos legais que protejam
bens eminentemente pessoais; caso em que, havendo um preenchimento plúrimo de um
tipo legal desta natureza, estará excluída toda a possibilidade de se falar em continuação
criminosa.

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