Generalidades
Em princípio, os crimes são tidos como tal sejam consumados. A parte especial do código,
se desdobra em caracterizar os comportamentos que se mostram ilícitos a luz de uma
conduta devidamente começada ate a sua finalização.
Mas na caracterização do tipo criminoso, se devem também ter em conta os actos que
mediam o mero pensamento da prática do acto criminal ate a sua consumação. A esse
conjunto de actos se chama iter criminis.
Assim o longo processo da que separa a fase do pensamento criminoso dos actos de
execução, inicia com o que juridicamente se tem designado por nuda cogitatio.
Nuda cogitatio
Este é o primeiro estágio do iter criminis. Que em traços gerais consiste o mero
pensamento criminoso. Antes do agente passar pela fase dos actos externos (que a luz do
nosso sistema jurídico-penal não são puníveis), passa necessariamente por um processo
de cogitação da sua vontade e ate mesmo da melhor forma da qual vai levar as suas
actividades futuras.
1
CORREIA, Eduardo, Direito Criminal II, Porto: Livraria Almedina, p. 225.
como função punir os comportamentos e não os pensamentos. Os actos externos,
propriamente ditos iniciam nos actos preparatórios.
Actos preparatórios
São actos preparatórios, todos aqueles actos que estejam para alem da nuda cogitatio,
portanto, externos, mas que não constituam começo da tentativa ou actos de execução.
Por regra os actos preparatórios não são puníveis, tal como a nuda cogitatio, todavia estes
só podem excepcionalmente ser punidos quando disposição expressa assim o declarar 2.
Isto quer dizer que vai ser na parte especial deste código onde se ira definir quais os
crimes que são punidos os seus actos preparatórios. Vão ser necessariamente as razoes de
politica criminal que irão determinar os crimes que merecem tal tutela ao ponto de se
punir os actos preparatórios – segurança interna e externa do Estado 3, fé publica dos
documentos e das moedas do banco nacional, entre outros.
Tentativa
Em direito penal deve ser considerada tentativa a interrupção involuntária dos actos de
execução. O código penal não define o que são os actos de execução e encarrega essa
tarefa a doutrina.
Assim verifica-se a tentativa quando um individuo que pretende matar outrem, depois de
transportar uma arma em sua posse (na cintura, porventura) e vai ao local de trabalho do
suposto alvo, e lá chegado depara o alvo que no momento se encontrava sozinho, retira a
pistola da cintura, aponta para a cabeça da vitima há uma certa distancia e quando vai
premir o gatilho para efectuar o disparo, aparece uma viatura da policia no local, fazendo
2
Cfr. artigo 17 do código penal.
3
Cfr. nr 3 do artigo 383 do Código Penal.
uma patrulha rotineira, o que impede o agente de prosseguir com a sua acção com vista a
preservar a sua impunidade.
Por regra, só é punível a tentativa nos crimes puníveis com a pena maior (igual ou superior
a 2 anos) ou nos casos em que a lei especialmente estabelecer nos casos de penas
correccionais. Não se verifica a tentativa nos crimes meramente culposos.
Tentativa impossível
Frustração
Punição da tentativa
Para que a tentativa seja punível é naturalmente, antes de mais necessário um preceito
que determine a sua punição e outro que preveja o respectivo tipo legal de crime
consumado (nullum crimem sine lege): o primeiro terá assim um sentido extensivo ou
alargador da punição do segundo. Para além disto deve porém exigir-se como particulares
condições externas de punibilidade, que o agente tenha actuado com dolo e, no
ensinamento geral das legislações, que salvo disposições legais em contrário, vise um
crime que é punido com uma pena de certa gravidade4.
4
O código penal moçambicano estabelece no artigo 131 a punição da tentativa, do qual este artigo remete
para os moldes de punição do crime frustrado, no artigo 130.
criminosa independentemente do resultado - v.g. o crime de Atentado contra Chefe de
Estado se consuma independentemente dos resultados do atentado. A punibilidade opera-
se bastando o simples facto de alguém produzir actos que atentem contra a vida ou
integridade física de um Chefe de Estado.
Crime Consumado
Dosimetria da Pena
Generalidades
Reincidência
Nos termos do art. 38° C.P. deve ser considerada reincidência toda a
infracção da mesma natureza que a infracção anterior, cometida dentro
dos 8 anos depois de julgada e condenada pela primeira infracção, e se já tenha transitado
em julgado.
A reincidência tem ainda algumas nuances a considerar pelo que não devem ser
consideradas para o efeito quando a primeira e a segunda infracção não forem dolosas ou
o agente ter participado qualidade de na autoria numa e cumplicidade ou encobrimento
noutra. Deve-se também ter em conta que as sentenças estrangeiras e os crimes militares
não contam para efeitos de reincidência.
Sucessão de crimes
Acumulação de crimes
Torna-se concurso ideal de infracções quando o agente com um único acto consegue
ferir mais de um bem jurídico v. g. exemplo de escola do homem que com um único tiro
que desfere contra uma mãe que se encontrava a transportar o seu filho no colo que e a
mesma bala acaba perfurando o peito da mão e atravessa o mesmo corpo até perfurar o
abdómen do filho que vinha nas costas. (um único acto de execução, que foi simplesmente
premir o gatilho).
Pode-se ainda falar de concurso homogéneo de infracções, nos casos em que o bem
jurídico ferido seja da mesma natureza, no caso de alguém matar um guarda de uma
residência e depois matar uma testemunha no mesmo local (i. é, vida=vida).
No que se refere a punição da acumulação as regras estão plasmadas no art. 127 C.P.
Na primeira parte do n.° a) dita o seguinte... No concurso de crimes puníveis com a mesma
pena, será aplicada a pena imediatamente superior, se aquela for alguma das indicadas
nas alineas. b), c) d) e e) do artigo 61°... o que quer dizer o seguinte:
Depois de falarmos dos casos de punição quando os crimes são punidos com penas iguais,
vamos apreciar os casos em que as penas são diferentes. Partindo sempre da letra da lei
aferimos que o n.° a), do arto 127 C.P. dita que ... Quando os crimes sejam puníveis com
penas diferentes será aplicada a pena mais grave, agravada segundo as regras gerais, em
atenção à acumulação de crimes. O mesmo se observará quando um
das penas for a do alínea a) do artigo 61°...o que quer dizer que nos casos de na
acumulação se verificarem crimes punidos com penas diferentes (sejam
penas maiores e menores cumuladas ou então penas maiores mas diferentes entre si) a lei
determina que se deve aplicara a punição mais grave e que as demais deverão servir como
agravantes gerais. O que significa que não se verifica, nestes casos, uma agravação
especial mas sim nos termos gerais de direito penal.
E todas as regras de cúmulo jurídico não se aplicam para as penas de multa uma vez que
as mesmas seguem a regra do cúmulo material.
Concurso aparente
Muitas normas do direito criminal - como aliás as de outros ramos de direito estão umas
para com as outras em relação de hierarquia, ( no sentido precisamente de que a
aplicação de algumas delas exclui, sob certas circunstâncias, a possibilidade de eficácia
cumulativa de outras.) De onde resulta que a pluralidade de tipos que se podem considerar
preenchidos quando se toma isoladamente cada uma das respectivas disposições penais,
vem no fim de contas em muitos casos, olhadas tais relações de mútua exclusão e
subordinação, a revelar-se inexistente. Neste sentido se afirma que se estará então perante
um concurso legal ou aparente de infracções.
Quando, porém, se procuram determinar quais as relações de subordinação e hierarquia
entre as diversas disposições do direito criminal não se encontra unanimidade entre os
autores.
5Exemplos claros de consunção serão a exclusão das regras que punem o dano e as ofensas corporais pela
aplicação das que punem o fogo posto e homicídio.
eficácia se apoia numa certa relação lógica entre as normas criminais
(subsidiariedade tácita)6
Não parece, porém, que toda a construção tenha qualquer utilidade. No que
toca à subsidiariedade expressa, por ser evidente nada se adianta com ela para
o problema do concurso; quanto à tácita porque ela vem afinal, quando válida,
a coincidir com o princípio da consunção.
d) Alternatividade - estando longe de serem unânimes os ensinamentos dos
autores sobre o conteúdo desta relação, HONIG define-a para o que aqui pode
interessar - como a que nasce entre preceitos que se comportam, relativamente
à protecção do mesmo bem jurídico, como meios diferentes para alcançar o
mesmo fim, correspondendo a uma tal diversidade
de meios a incompatibilidade dos elementos constitutivos dos tipos de crimes7.
Ora esta relação, assim definida, poderá auxiliar sem dúvida a interpretação de
cada norma, mas não pode actuar como processo de exclusão de uma de
diversas normas que, isoladamente consideradas, são efectivamente
infringidas e só isto constitui o problema do concurso aparente de leis e
correspondentemente de crimes.
e) Consunção impura - as relações acima apontadas não são as únicas por força
das quais a aplicação de um ou alguns preceitos exclui a eficácia cumulativa
de outro ou outros. Casos há por exemplo -como BINDING apontou -em que
a lei descreve um tipo de crime que só se distingue doutro por uma
circunstância tal que apenas se pode admitir tê-la querido o legislador como
circunstância qualificativa agravante verificando-se todavia que a pena para
ele cominada é inferior à do tipo fundamental.
Ora, em hipóteses tais, se não pode falar-se de especialidade, também não pode
dizer-se verificada uma relação de consunção pura. Significará isto, porém,
que se o tipo fundamental é neste caso aplicável, deve também considerar-se
cumulativamente realizado o tipo correspondente ao crime especial? Cremos
que não. E isto porque, entre deixar de considerar uma circunstância só
qualificativa e violar profundamente o princípio me bis in idem», sofrerá muito
6 Assim, por força dela, só quando o duelo não viesse a ter lugar é que subsidiariamente se aplicaria a
disposição que pune a provocação em duelo.
7 Este seria o caso p ex. da relação do furto com o abuso de confiança ou a qualquer destes com a burla.
menos o direito com a primeira solução. Neste sentido poderá falar-se de uma
consunção impura.
De resto, a noção poderá alargar-se a todos os casos em que dois tipos se
comportam entre si, na protecção de bens jurídicos, como dois círculos que
coincidem na sua parte mais importante e valiosa8. Assim concebida, a
consunção impura permitirá, normativamente, do ponto de vista do devido
equilíbrio de valores, tomar em conta certos casos-limite que a construção
naturalística do concurso só arbitrariamente considera, constituindo como que
uma válvula de segurança de todo o sistema do concurso aparente.
Crime continuado
O núcleo do problema reside em que, como já dissemos, se está por vezes perante uma
série de actividades que, devendo em regra segundo os princípios até agora expostos ser
tratada nos quadros da pluralidade de infracções, tudo parece aconselhar nomeadamente
a justiça e a processual crime só. Ora, para resolver o problema duas vias fundamentais
de solução podem ser trilhadas: ou, a partir dos princípios gerais da teoria do crime,
procurar deduzir os elementos que poderiam explicar a unidade inscrita no crime
continuado, e teremos então uma construção lógico-jurídica do conceito ou atender antes
à gravidade diminuída que uma tal situação revela em face do concurso real de infracções
e procurar assim encontrar no menor grau de culpa do agente a chave do problema –
intentando, desta forma, uma construção teleológica.
Este último é, sem dúvida, o caminho mais legítimo, do ponto de vista metodológico, para
resolução do problema. Pois, quando bem se atente, ver-se-á preenchem o mesmo tipo
legal de crime ou mesmo diversos tipos legais de crime, mas que fundamentalmente
protegem o mesmo bem jurídico – e às quais presidiu uma pluralidade de resoluções (que,
portanto, em princípio atiraria a situação para o campo da pluralidade de infracções),
todavia devem ser aglutinadas numa só infracção, na medida em que revelam uma
considerável diminuição da culpa do agente.
8Um exemplo claro, é a relação entre os crimes de furto e roubo. Pois, na verdade, em certos casos a pena
aplicável ao furto simples, e especialmente ao furto qualificado, é mais pesada do que aquela com que se
ameaça o roubo.
E quando se investiga o fundamento desta diminuição da culpa ele deve ir encontrar-se,
como pela primavera claramente o formulou KRAUSHAAR, nó momento exógeno das
condutas, na disposição exterior das coisas para o facto. Pelo que pressuposto da
continuação criminosa será, verdadeiramente, a existência de uma relação que, de fora,
de maneira diferente, facilitou a repetição da actividade criminosa tornando cada vez
menos exigível ao agente que se comporte de maneira diferente, isto é, de acordo com o
direito.
Não deve porém esquecer-se que, com a tipificação de esgota o domínio da continuação,
legitimado para o alargar ou corrigir, situações que deixamos esquematizada, nem por um
lado se nem por outro se fica
a afirmá-lo sem mais: sempre será necessário, recorrer à ideia fundamental que, como
começámos por pôr em relevo, em última instância o legitima: a diminuição considerável
do grau de culpa do agente.
Restará acentuar que a exigência pela doutrina naturalística- de uma qualquer conexão no
espaço e no tempo das actividades continuadas mal pode, do ponto de vista expendido,
assumir qualquer relevo especial. Certo que deve existir uma conexão interior entre os
diversos actos, derivada de a motivação de cada um estar ligada à dos outros; daqui
resulta, porém, que a conexão de espaço e tempo só poderá ter relevância na medida em
que afaste aquela conexão interior.
Decisivo é, pelo contrário, que as diversas actividades preencham o mesmo tipo legal de
crime, ou, pelo menos, diversos tipos legais de crime que fundamentalmente protejam o
mesmo bem jurídico: este será o limite de toda a construção. Sem esquecer que de o
mesmo bem jurídico se não pode falar quando se esteja perante tipos legais que protejam
bens eminentemente pessoais; caso em que, havendo um preenchimento plúrimo de um
tipo legal desta natureza, estará excluída toda a possibilidade de se falar em continuação
criminosa.