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Desconsideração da personalidade jurídica e Lei nº 13.

874 de 2019

A “teoria da desconsideração da personalidade jurídica”, também conhecida


internacionalmente como “Disregard of legal entity” ou “disregard doctrine”, foi uma teoria
construída com o intuito de mitigar o dogma da autonomia absoluta entre o patrimônio de uma
pessoa jurídica e o patrimônio daqueles que a compõe. De acordo com Anderson Schreiber:

“A desconsideração da personalidade jurídica é instituto concebido na experiência anglo-


saxônica como forma de permitir o salto sobre a pessoa jurídica para alcançar
diretamente o patrimônio de seus sócios ou administradores. É chamada de disregard
doctrine, ou ainda de lifting the corporate veil, que consiste precisamente nisto: erguer
o véu da pessoa jurídica para atingir quem estiver por trás”

Origem:
O fenômeno tem origem na experiência anglo-saxônica, especialmente no caso caso Salomon
vs. Salomon & Co., julgado na Inglaterra no final do século XIX.

Autonomia patrimonial e base legal para a desconsideração:


De fato, o art. 1024 do CC nos traz a regra da autonomia patrimonial das sociedades, conforme
se depreende de sua leitura:

CC. Art. 1024. Os bens particulares dos sócios não podem ser executados por dívidas da sociedade,
senão depois de executados os bens sociais.

Na mesma linha, confira-se a recente inserção do art. 49-A do Código Civil, que veio a reforçar
tal autonomia:

Art. 49-A. A pessoa jurídica não se confunde com os seus sócios, associados, instituidores ou
administradores. (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)

Parágrafo único. A autonomia patrimonial das pessoas jurídicas é um instrumento lícito de


alocação e segregação de riscos, estabelecido pela lei com a finalidade de estimular
empreendimentos, para a geração de empregos, tributo, renda e inovação em benefício de
todos. (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)

Entretanto, tal proteção do patrimônio dos sócios não é absoluta, havendo situações em que se
permite a desconsideração episódica da personalidade jurídica como forma de coibir o abuso
da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio em sua finalidade ou pela confusão
patrimonial (confusão de seu próprio patrimônio com o patrimônio das pessoas que compõem
a pessoa jurídica). Dessa forma, dispõe o art. 50 do CC, com redação dada pela Lei nº 13.874, de
2019:

Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou
pela confusão patrimonial, pode o juiz, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando
lhe couber intervir no processo, desconsiderá-la para que os efeitos de certas e determinadas
relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares de administradores ou de sócios da
pessoa jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso. (Redação dada pela Lei nº
13.874, de 2019)

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Assim, percebe-se claramente que o Código Civil de 2002 adotou a chamada “TEORIA MAIOR”
sobre a desconsideração da personalidade jurídica.
Maior, pois são exigidos mais requisitos para a sua viabilização, permitindo a penetração no
patrimônio das pessoas físicas que compõem a pessoa jurídica para o adimplemento de
obrigações desta. Veja o esquema que trouxemos para facilitar a compreensão desses
requisitos:

“O art. 50 do Código Civil ocupa-se do tema, filiando-se à chamada teoria maior da


desconsideração, que exige, para que se atinja o patrimônio dos sócios ou
administradores, a configuração de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo
desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial. À teoria maior opõe-se a teoria menor
da desconsideração, que se contenta com a simples constatação de que a pessoa jurídica
funciona como obstáculo ao ressarcimento de danos. Para alguns autores, é a corrente
a que se teria filiado o art. 28 do Código de Defesa do Consumidor.” (SCHREIBER)

Vale destacar de a Lei nº 13.874, de 2019, a chamada “Lei da Liberdade Econômica”, veio a
especificar o que se entenderia por desvio de finalidade e confusão patrimonial. Neste
sentido, foi inserido um §1º no art. 50, prevendo que desvio de finalidade “é a utilização da
pessoa jurídica com o propósito de lesar credores e para a prática de atos ilícitos de qualquer
natureza.” Vale destacar que a MP exigia, em sua redação originária, o elemento DOLO para o
desvio de finalidade. Contudo, tal expressão foi suprimida no projeto de lei de conversão:

§ 1º Para fins do disposto neste artigo, desvio de finalidade é a utilização da pessoa


jurídica com o propósito de lesar credores e para a prática de atos ilícitos de qualquer
natureza.

Conforme alerta Schreiber, “apesar do conectivo “e”, não se trata de requisitos cumulativos,
bastando o uso da pessoa jurídica em um ou outro sentido para que se caracterize o desvio de
finalidade.”

Ademais, o § 5º expressa que “não constitui desvio de finalidade a mera expansão ou a


alteração da finalidade original da atividade econômica específica da pessoa jurídica.” Assim,
se a PJ passa a desempenhar certas atividades para além daquelas previstas originariamente em
seu estatuto ou contrato social, isto não poderá, por si só, justificar a desconsideração.

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Em relação à confusão patrimonial, o §2º conceitua tal forma de abuso como a ausência de
separação de fato entre os patrimônios do sócio e da PJ, listando alguns atos que poderiam
caracterizá-la.

§ 2º Entende-se por confusão patrimonial a ausência de separação de fato entre os


patrimônios, caracterizada por: (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)

I - cumprimento repetitivo pela sociedade de obrigações do sócio ou do administrador


ou vice-versa; (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)

II - transferência de ativos ou de passivos sem efetivas contraprestações, exceto os de


valor proporcionalmente insignificante; e (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)

III - outros atos de descumprimento da autonomia patrimonial. (Incluído pela Lei nº


13.874, de 2019)

Sobre o inciso III, Schreiber menciona que “o terceiro inciso refere-se genericamente a “outros
atos de descumprimento da autonomia patrimonial”, possibilitando ao intérprete identificar, a
partir de elementos do caso concreto, outras modalidades de confusão patrimonial, como a
prestação de garantia pela pessoa jurídica em negócio de interesse exclusivo do sócio (fiança da
sociedade em contrato de locação residencial do sócio etc.).

Vale ressaltar ainda que a alteração do caput do art. 50 passou a expressar o entendimento de
que a desconsideração da personalidade jurídica não pode estender as obrigações destas a
qualquer sócio, mas somente àqueles “beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso”.

“A alteração evita que a desconsideração venha a se dar em prejuízo de sócios ou


administradores que não se favoreceram com o abuso, como sócios minoritários que não
participam da administração da pessoa jurídica e podem não ter auferido qualquer
vantagem com a má administração. Cumpre registrar, todavia, que administradores e
sócios que participam da administração da pessoa jurídica (sócios-administradores)
têm, também eles, o dever de evitar o abuso da personalidade jurídica e, nesse
contexto, ainda que não tenham sido diretamente beneficiados pelo abuso, podem ser
chamados a responder como beneficiários indiretos, especialmente nos casos em que
os sócios e administradores diretamente beneficiados não tenham patrimônio
suficiente para arcar com os danos causados” (SCHREIBER)

Indo além, o §3º positivou a possibilidade de desconsideração INVERSA da personalidade


jurídica. Na desconsideração inversa, como o nome sugere, a personalidade jurídica da pessoa
é desconsiderada para que obrigações DO SÓCIO repercutam na esfera patrimonial da pessoa
jurídica. Em outras palavras, há uma inversão: a PJ, de forma episódica, responde por dívidas do
sócio. Normalmente, tal instituto é aplicável quando os bens pessoais do sócio são
fraudulentamente ocultados junto à pessoa jurídica, a fim de, por exemplo, retirar bens da
meação do cônjuge.

Art. 50, § 3º O disposto no caput e nos § 1º e § 2º também se aplica à extensão das


obrigações de sócios ou de administradores à pessoa jurídica. (Incluído pela Lei nº
13.874, de 2019)

Enunciado 283 do CJF – Art. 50. É cabível a desconsideração da personalidade jurídica


denominada “inversa” para alcançar bens de sócio que se valeu da pessoa jurídica para
ocultar ou desviar bens pessoais, com prejuízo a terceiros.

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Sobre o tema, leciona Schreiber:

“Não obstante a desconsideração ter sido concebida para permitir que credores da
pessoa jurídica alcançassem o patrimônio dos sócios ou administradores, admite-se a
invocação da teoria para justificar o movimento inverso, especialmente naqueles casos
em que o sócio tenha desviado bens de seu próprio patrimônio para a sociedade”.

Por fim, o §4º tratou da chamada “DESCONSIDERAÇÃO INDIRETA DA PERSONALIDADE


JURÍDICA”, quando há abuso da personalidade jurídica envolvendo pessoas jurídicas do mesmo
grupo econômico. De acordo com o referido dispositivo, não basta a mera existência de grupo
econômico para que uma sociedade seja afetada pelas obrigações de outra PJ do grupo, sendo
necessário que se verifiquem os requisitos do caput do art. 50 (abuso da personalidade jurídica,
caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial)

Art. 50, § 4º A mera existência de grupo econômico sem a presença dos requisitos de
que trata o caput não autoriza a desconsideração da personalidade da pessoa jurídica.

Sobre o dispositivo, pondera Schreiber:

“O § 4º do art. 50 do Código Civil afasta a possibilidade de desconsideração da


personalidade jurídica a partir da mera identificação de grupo econômico, exigindo,
também nesses casos, a presença dos requisitos do desvio de finalidade ou da confusão
patrimonial. Com efeito, aplicar a desconsideração da personalidade jurídica a partir da
mera configuração de grupo econômico significaria apagar as fronteiras entre as
diferentes personalidades jurídicas, transformando em regra aquilo que foi concebido
para ser exceção.”

A desconsideração da personalidade jurídica acarreta a extinção da pessoa jurídica?


NÃO. Conforme mencionamos, a desconsideração da personalidade é meramente episódica,
não acarretando a extinção da pessoa jurídica. Em uma linguagem figurada, apenas “se afasta o
véu” da autonomia patrimonial da PJ para penetrar no patrimônio dos sócios. Dessa forma, a
DESCONSIDERAÇÃO não se confunde a DESPERSONALIZAÇÃO, não produzindo efeitos no
estatuto da pessoa jurídica. Nesse sentido, importante transcrever as lições de Fabio Ulhoa
Coelho:

“A aplicação da teoria da desconsideração não implica a anulação ou o desfazimento do


ato constitutivo da sociedade empresária, mas apenas a sua ineficácia episódica. “(Curso
de Direito Comercial. Vol. 2. Direito de Empresa / Fábio Ulhôa Coelho. 16ª ed. São Paulo:
Saraiva, 2012, p. 64).

A condição de sócio majoritário é suficiente para a responsabilização perante as obrigações


da pessoa jurídica que teve sua personalidade desconsiderada?
NÃO. De acordo com o STJ, a desconsideração deve alcançar apenas os sócios ou diretores que
efetivamente participaram ou se beneficiaram com o ato ilícito ou abusivo, sendo irrelevante a
quantidade de quotas de cada um deles.

“A jurisprudência do STJ, em diversos precedentes, já se manifestou no sentido de não


ser suficiente a condição de sócio, ainda que majoritário ou controlador, para que contra
ele se imponha os efeitos da desconsideração da personalidade jurídica. (...) os efeitos

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da desconsideração deve alcançar apenas aqueles sócios ou diretores que efetivamente
participaram ou se beneficiaram com o ato ilícito ou abusivo. Isso porque a teoria da
desconsideração da personalidade não é instituto que impõe a solidariedade do sócio
em relação à sociedade, tampouco o responsabiliza de forma objetiva por atos ilícitos”.
(Fonte: REsp 1325663/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em
11/06/2013, DJe 24/06/2013).

A parte final do art. 50, caput, inserida pela Lei nº 13.874, de 2019, vai na linha deste
entendimento, conforme ressaltamos anteriormente.

No que consiste a teoria menor da desconsideração da personalidade jurídica?


Tudo que vimos até aqui se refere à TEORIA MAIOR, prevista no Código Civil, e que exige
requisitos mais severos para a sua implementação prática. Contudo, ainda que o STJ entenda
que a Teoria Maior seja a regra para a desconsideração da personalidade jurídica, isto não
impede a previsão de outros requisitos para a aplicação da “disregard doctrine” em outros
ramos do direito. No mesmo sentido, veja o Enunciado nº 51 do CJF:

Enunciado nº 51 – Art. 50: a teoria da desconsideração da personalidade jurídica –


disregard doctrine – fica positivada no novo Código Civil, mantidos os parâmetros
existentes nos microssistemas legais e na construção jurídica sobre o tema.

Assim, ponderando a autonomia patrimonial da pessoa jurídica com outros valores importantes
para o ordenamento jurídico, como a tutela do consumidor e a proteção ao meio ambiente,
legislações como o Código de Defesa do Consumidor (CDC) e a Lei 9.605/98 (Lei dos Crimes e
Sanções Ambientais) trouxeram menos requisitos para a desconsideração da personalidade
jurídica nestes microssistemas. Vejamos:

CDC, Art. 28. O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando,
em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da
lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração
também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou
inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração.

§5º Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua
personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos
causados aos consumidores.”

L9605. Art. 4º Poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua
personalidade for obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados à qualidade do
meio ambiente.

De acordo com o STJ e a quase unânime doutrina, a Lei de Crimes Ambientais e o CDC adotaram
a “TEORIA MENOR” para a desconsideração da personalidade jurídica. Menor, pois são exigidos
menos requisitos para sua aplicação, uma vez que basta a demonstração de que a personalidade
jurídica da sociedade configura um obstáculo para a reparação de prejuízos ao consumidor ou
ao meio ambiente.

Desse modo, verificada a simples insuficiência de patrimônio da pessoa jurídica para a satisfação
do crédito de consumidor ou para a reparação do dano ao meio ambiente, é sim possível a
desconsideração da personalidade jurídica com base na “Teoria Menor”.

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Cabe desconsideração da PJ de associações?
Tem prevalecido o entendimento de que SIM, pois o art. 50 não limite às sociedades, aplicando-
se às PJs de um modo geral. Sobre o tema, Schreiber menciona caso concreto no TJRJ,
envolvendo um clube de futebol (Agravo de Instrumento 0065522-52.2012.8.19.0000):

“Registre-se que a desconsideração tem sido aplicada não apenas às sociedades, mas
também às associações. Em execução de título extrajudicial movida em face de um clube
de futebol, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro determinou a
desconsideração da personalidade jurídica da ré para atingir outra associação e duas
sociedades anônimas, todas pertencentes ao mesmo grupo econômico. Ao reconhecer o
abuso da personalidade jurídica, indagou o relator do feito: “qual a razão para a criação
da agravante e de suas sociedades anônimas senão o nítido propósito de dotar estas
pessoas jurídicas de patrimônio próprio que não venha a responder pelas inúmeras
dívidas da entidade esportiva de longas tradições e glórias?”

ATENÇÃO PARA NÃO CONFUNDIR: No informativo 602, o STJ entendeu que não se aplica a
desconsideração da PJ para as sociedades simples. Contudo, esse entendimento se deu pelo fato
de que a desconsideração não seria necessária, porque os sócios da SS já têm responsabilidade
ilimitada, já respondem com seu patrimônio. Pelo mesmo motivo, também não se aplica a
desconsideração ao empresário individual, tendo em vista a ausência de separação patrimonial
(Resp 1682989).

Existe prazo para a postular a desconsideração da PJ?


Não há prazo para postulação. O pedido de desconsideração pode ser realizado a qualquer
tempo, vide STJ, Informativo 468.
No caso, Paulo penalva chegou a advogar a tese de que deveria ser aplicado o prazo da
revocatória (3 anos) ou da ação pauliana (4 anos), mas essa tese não prevaleceu. O
contrargumento é que esses prazos se referem ao próprio negocio jurídico, e não à
desconsideração da personalidade em si.

DPJ nos procedimentos de arbitragem:


Parte da doutrina entende que não cabe, pois traria para o juízo arbitral alguém que não quis
aderir ao juízo arbitral (necessidade de “consentimento formal”). Assim, o árbitro não poderia
se valer desse instituto porque estaria limitado nos seus efeitos pela cláusula compromissória,
da qual o terceiro atingido pelos seus efeitos não teria feito parte.
Mas em situações muito especificas seria possível (Ex: confusão patrimonial e fraudes em grupos
econômicos). O STJ tem um precedente nesse sentido (REsp 1698730): precisa identificar os
pressupostos da desconsideração e alguma espécie de consentimento tácito ou implícito (no
caso concreto, a convenção de arbitragem foi celebrada pela holding, mas não pelas sociedades
que compunham o grupo econômico -> o que se pretendia era atingir PJ que integrava o grupo
econômico daquela holding). E precisa também instaurar um IDPJ, de modo a garantir a ampla
defesa e o contraditório.

Destaque-se que, para uma segunda parte da doutrina, não haveria óbice para a
desconsideração da PJ em arbitragem. Nesse sentido, colham-se as lições de Haroldo Malheiros:

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“Considerando-se que o árbitro é juiz de fato e de direito quando assim investido (Lei
de Arbitragem, art. 18), da mesma forma que o juiz togado é obrigado a aplicar a regra
da desconsideração da personalidade jurídica - presentes os seus pressupostos -
estaria o primeiro também obrigado a tomar essa medida no processo arbitral.

Repetindo o que foi dito antes, tal instituto opera no campo da fraude e, neste caso, os
seus efeitos se dão segundo alguns dispositivos fundamentais do CC/02.

De plano, são anuláveis os negócios jurídicos quando o dolo for a sua causa, nos termos
do art. 145. Por sua vez, o art. 166 estabelece casos de nulidade do ato jurídico,
destacando-se o negócio ilícito; a fraude em relação a lei imperativa como objeto; e o
negócio simulado. Diz ainda o art. 171, inciso II, que também é anulável o negócio
jurídico, entre outros casos, por dolo, lesão ou fraude contra credores. Ou seja, as
mesmas situações presentes, no fundo, no art. 50 do CC/02.

Não se pode perder de vista, na forma do art. 168, parágrafo único, que tais nulidades
devem ser pronunciadas pelo juiz, quando conhecer do negócio jurídico ou dos seus
efeitos e as encontrar provadas, não lhe sendo permitido supri-las. Portanto, dentro de
tal cenário o juiz se encontra no campo de uma obrigação e não de uma faculdade.

Ora, se tais negócios devem ser anulados, decorre que os seus efeitos retroagem ao
estado anterior, sendo esse precisamente um dos resultados da desconsideração da
personalidade jurídica quando sua causa tiver sido a confusão patrimonial, que é uma
das suas marcas.

Essa nulidade, obrigatoriamente a ser reconhecida pelo árbitro, conforme visto acima,
muitas vezes alcançará o patrimônio de terceiros, que não foram parte da cláusula
compromissória e esse efeito não pode afastado, sob pena do esvaziamento dos
dispositivos do Código Civil acima apontados, aqui presentes como os fios principais
que ligam a teia ao tronco da árvore jurídica ao qual estão presos. Caso contrário, a teia
desmorona.

A cláusula compromissória não pode ser tomada como um habeas corpus, favor do
agente doloso e do terceiro, mesmo que este não tenha sido parte na conduta
dolosa. Há, portanto, um dever do árbitro de determinar essa medida.”

Cabe desconsideração da PJ pela Administração Pública?


SIM. A Administração Pública pode desconsiderar a personalidade jurídica sem necessidade de
previa autorização judicial, de acordo com o STJ (RMS 15166) e o STF (MS 32494). Fundamentos:
princípios da moralidade e indisponibilidade do interesse público.

Ex: em uma licitação, seria possível estender os efeitos de uma sanção de declaração de
inidoneidade para uma outra empresa de fachada, criada para burlar a vedação à participação.

Contudo, é necessário observar um procedimento administrativo devidamente instaurado, com


garantia de contraditório e ampla defesa. Ressalte-se que esse entendimento foi positivado na
Lei 12846 (Lei Anticorrupção):

Art. 14. A personalidade jurídica poderá ser desconsiderada sempre que utilizada com
abuso do direito para facilitar, encobrir ou dissimular a prática dos atos ilícitos previstos
nesta Lei ou para provocar confusão patrimonial, sendo estendidos todos os efeitos das

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sanções aplicadas à pessoa jurídica aos seus administradores e sócios com poderes de
administração, observados o contraditório e a ampla defesa.

No PL da nova lei de licitações e contratos, também é positivada a possibilidade de


desconsideração da personalidade jurídica para atacar empresas de “fachada”:

Art. 159. A personalidade jurídica poderá ser desconsiderada sempre que utilizada com
abuso do direito para facilitar, encobrir ou dissimular a prática dos atos ilícitos previstos
nesta Lei ou para provocar confusão patrimonial, e, nesse caso, todos os efeitos das
sanções aplicadas à pessoa jurídica serão estendidos aos seus administradores e sócios
com poderes de administração, à pessoa jurídica sucessora ou à empresa do mesmo
ramo com relação de coligação ou controle, de fato ou de direito, com o sancionado,
observados, em todos os casos, o contraditório, a ampla defesa e a obrigatoriedade de
análise jurídica prévia.

Incidente de desconsideração da Personalidade Jurídica (CPC):


No plano processual, o novo CPC15 veio a regular o chamado incidente de desconsideração da
personalidade jurídica como uma nova modalidade de intervenção de terceiros, tratada nos
arts. 133 a 137. Sobre o tema, confira-se trecho de Schreiber, com amparo nas lições de
Alexandre Câmara:

“Segundo a doutrina processualista, este incidente vem assegurar o pleno respeito ao


contraditório e ao devido processo legal no que diz respeito à desconsideração da
personalidade jurídica. É que sem a realização desse incidente o que se via era a
apreensão de bens de sócios (ou da sociedade, no caso de desconsideração inversa) sem
que fossem eles chamados a participar, em contraditório, do processo de formação da
decisão que define sua responsabilidade patrimonial, o que contraria frontalmente o
modelo constitucional de processo brasileiro, já que admite a produção de uma decisão
que afeta diretamente os interesses de alguém sem que lhe seja assegurada a
possibilidade de participar com influência na formação do aludido pronunciamento
judicial.” (SCHREIBER)

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