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874 de 2019
Origem:
O fenômeno tem origem na experiência anglo-saxônica, especialmente no caso caso Salomon
vs. Salomon & Co., julgado na Inglaterra no final do século XIX.
CC. Art. 1024. Os bens particulares dos sócios não podem ser executados por dívidas da sociedade,
senão depois de executados os bens sociais.
Na mesma linha, confira-se a recente inserção do art. 49-A do Código Civil, que veio a reforçar
tal autonomia:
Art. 49-A. A pessoa jurídica não se confunde com os seus sócios, associados, instituidores ou
administradores. (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)
Entretanto, tal proteção do patrimônio dos sócios não é absoluta, havendo situações em que se
permite a desconsideração episódica da personalidade jurídica como forma de coibir o abuso
da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio em sua finalidade ou pela confusão
patrimonial (confusão de seu próprio patrimônio com o patrimônio das pessoas que compõem
a pessoa jurídica). Dessa forma, dispõe o art. 50 do CC, com redação dada pela Lei nº 13.874, de
2019:
Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou
pela confusão patrimonial, pode o juiz, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando
lhe couber intervir no processo, desconsiderá-la para que os efeitos de certas e determinadas
relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares de administradores ou de sócios da
pessoa jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso. (Redação dada pela Lei nº
13.874, de 2019)
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Assim, percebe-se claramente que o Código Civil de 2002 adotou a chamada “TEORIA MAIOR”
sobre a desconsideração da personalidade jurídica.
Maior, pois são exigidos mais requisitos para a sua viabilização, permitindo a penetração no
patrimônio das pessoas físicas que compõem a pessoa jurídica para o adimplemento de
obrigações desta. Veja o esquema que trouxemos para facilitar a compreensão desses
requisitos:
Vale destacar de a Lei nº 13.874, de 2019, a chamada “Lei da Liberdade Econômica”, veio a
especificar o que se entenderia por desvio de finalidade e confusão patrimonial. Neste
sentido, foi inserido um §1º no art. 50, prevendo que desvio de finalidade “é a utilização da
pessoa jurídica com o propósito de lesar credores e para a prática de atos ilícitos de qualquer
natureza.” Vale destacar que a MP exigia, em sua redação originária, o elemento DOLO para o
desvio de finalidade. Contudo, tal expressão foi suprimida no projeto de lei de conversão:
Conforme alerta Schreiber, “apesar do conectivo “e”, não se trata de requisitos cumulativos,
bastando o uso da pessoa jurídica em um ou outro sentido para que se caracterize o desvio de
finalidade.”
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Em relação à confusão patrimonial, o §2º conceitua tal forma de abuso como a ausência de
separação de fato entre os patrimônios do sócio e da PJ, listando alguns atos que poderiam
caracterizá-la.
Sobre o inciso III, Schreiber menciona que “o terceiro inciso refere-se genericamente a “outros
atos de descumprimento da autonomia patrimonial”, possibilitando ao intérprete identificar, a
partir de elementos do caso concreto, outras modalidades de confusão patrimonial, como a
prestação de garantia pela pessoa jurídica em negócio de interesse exclusivo do sócio (fiança da
sociedade em contrato de locação residencial do sócio etc.).
Vale ressaltar ainda que a alteração do caput do art. 50 passou a expressar o entendimento de
que a desconsideração da personalidade jurídica não pode estender as obrigações destas a
qualquer sócio, mas somente àqueles “beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso”.
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Sobre o tema, leciona Schreiber:
“Não obstante a desconsideração ter sido concebida para permitir que credores da
pessoa jurídica alcançassem o patrimônio dos sócios ou administradores, admite-se a
invocação da teoria para justificar o movimento inverso, especialmente naqueles casos
em que o sócio tenha desviado bens de seu próprio patrimônio para a sociedade”.
Art. 50, § 4º A mera existência de grupo econômico sem a presença dos requisitos de
que trata o caput não autoriza a desconsideração da personalidade da pessoa jurídica.
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da desconsideração deve alcançar apenas aqueles sócios ou diretores que efetivamente
participaram ou se beneficiaram com o ato ilícito ou abusivo. Isso porque a teoria da
desconsideração da personalidade não é instituto que impõe a solidariedade do sócio
em relação à sociedade, tampouco o responsabiliza de forma objetiva por atos ilícitos”.
(Fonte: REsp 1325663/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em
11/06/2013, DJe 24/06/2013).
A parte final do art. 50, caput, inserida pela Lei nº 13.874, de 2019, vai na linha deste
entendimento, conforme ressaltamos anteriormente.
Assim, ponderando a autonomia patrimonial da pessoa jurídica com outros valores importantes
para o ordenamento jurídico, como a tutela do consumidor e a proteção ao meio ambiente,
legislações como o Código de Defesa do Consumidor (CDC) e a Lei 9.605/98 (Lei dos Crimes e
Sanções Ambientais) trouxeram menos requisitos para a desconsideração da personalidade
jurídica nestes microssistemas. Vejamos:
CDC, Art. 28. O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando,
em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da
lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração
também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou
inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração.
§5º Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua
personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos
causados aos consumidores.”
L9605. Art. 4º Poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua
personalidade for obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados à qualidade do
meio ambiente.
De acordo com o STJ e a quase unânime doutrina, a Lei de Crimes Ambientais e o CDC adotaram
a “TEORIA MENOR” para a desconsideração da personalidade jurídica. Menor, pois são exigidos
menos requisitos para sua aplicação, uma vez que basta a demonstração de que a personalidade
jurídica da sociedade configura um obstáculo para a reparação de prejuízos ao consumidor ou
ao meio ambiente.
Desse modo, verificada a simples insuficiência de patrimônio da pessoa jurídica para a satisfação
do crédito de consumidor ou para a reparação do dano ao meio ambiente, é sim possível a
desconsideração da personalidade jurídica com base na “Teoria Menor”.
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Cabe desconsideração da PJ de associações?
Tem prevalecido o entendimento de que SIM, pois o art. 50 não limite às sociedades, aplicando-
se às PJs de um modo geral. Sobre o tema, Schreiber menciona caso concreto no TJRJ,
envolvendo um clube de futebol (Agravo de Instrumento 0065522-52.2012.8.19.0000):
“Registre-se que a desconsideração tem sido aplicada não apenas às sociedades, mas
também às associações. Em execução de título extrajudicial movida em face de um clube
de futebol, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro determinou a
desconsideração da personalidade jurídica da ré para atingir outra associação e duas
sociedades anônimas, todas pertencentes ao mesmo grupo econômico. Ao reconhecer o
abuso da personalidade jurídica, indagou o relator do feito: “qual a razão para a criação
da agravante e de suas sociedades anônimas senão o nítido propósito de dotar estas
pessoas jurídicas de patrimônio próprio que não venha a responder pelas inúmeras
dívidas da entidade esportiva de longas tradições e glórias?”
ATENÇÃO PARA NÃO CONFUNDIR: No informativo 602, o STJ entendeu que não se aplica a
desconsideração da PJ para as sociedades simples. Contudo, esse entendimento se deu pelo fato
de que a desconsideração não seria necessária, porque os sócios da SS já têm responsabilidade
ilimitada, já respondem com seu patrimônio. Pelo mesmo motivo, também não se aplica a
desconsideração ao empresário individual, tendo em vista a ausência de separação patrimonial
(Resp 1682989).
Destaque-se que, para uma segunda parte da doutrina, não haveria óbice para a
desconsideração da PJ em arbitragem. Nesse sentido, colham-se as lições de Haroldo Malheiros:
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“Considerando-se que o árbitro é juiz de fato e de direito quando assim investido (Lei
de Arbitragem, art. 18), da mesma forma que o juiz togado é obrigado a aplicar a regra
da desconsideração da personalidade jurídica - presentes os seus pressupostos -
estaria o primeiro também obrigado a tomar essa medida no processo arbitral.
Repetindo o que foi dito antes, tal instituto opera no campo da fraude e, neste caso, os
seus efeitos se dão segundo alguns dispositivos fundamentais do CC/02.
De plano, são anuláveis os negócios jurídicos quando o dolo for a sua causa, nos termos
do art. 145. Por sua vez, o art. 166 estabelece casos de nulidade do ato jurídico,
destacando-se o negócio ilícito; a fraude em relação a lei imperativa como objeto; e o
negócio simulado. Diz ainda o art. 171, inciso II, que também é anulável o negócio
jurídico, entre outros casos, por dolo, lesão ou fraude contra credores. Ou seja, as
mesmas situações presentes, no fundo, no art. 50 do CC/02.
Não se pode perder de vista, na forma do art. 168, parágrafo único, que tais nulidades
devem ser pronunciadas pelo juiz, quando conhecer do negócio jurídico ou dos seus
efeitos e as encontrar provadas, não lhe sendo permitido supri-las. Portanto, dentro de
tal cenário o juiz se encontra no campo de uma obrigação e não de uma faculdade.
Ora, se tais negócios devem ser anulados, decorre que os seus efeitos retroagem ao
estado anterior, sendo esse precisamente um dos resultados da desconsideração da
personalidade jurídica quando sua causa tiver sido a confusão patrimonial, que é uma
das suas marcas.
Essa nulidade, obrigatoriamente a ser reconhecida pelo árbitro, conforme visto acima,
muitas vezes alcançará o patrimônio de terceiros, que não foram parte da cláusula
compromissória e esse efeito não pode afastado, sob pena do esvaziamento dos
dispositivos do Código Civil acima apontados, aqui presentes como os fios principais
que ligam a teia ao tronco da árvore jurídica ao qual estão presos. Caso contrário, a teia
desmorona.
A cláusula compromissória não pode ser tomada como um habeas corpus, favor do
agente doloso e do terceiro, mesmo que este não tenha sido parte na conduta
dolosa. Há, portanto, um dever do árbitro de determinar essa medida.”
Ex: em uma licitação, seria possível estender os efeitos de uma sanção de declaração de
inidoneidade para uma outra empresa de fachada, criada para burlar a vedação à participação.
Art. 14. A personalidade jurídica poderá ser desconsiderada sempre que utilizada com
abuso do direito para facilitar, encobrir ou dissimular a prática dos atos ilícitos previstos
nesta Lei ou para provocar confusão patrimonial, sendo estendidos todos os efeitos das
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sanções aplicadas à pessoa jurídica aos seus administradores e sócios com poderes de
administração, observados o contraditório e a ampla defesa.
Art. 159. A personalidade jurídica poderá ser desconsiderada sempre que utilizada com
abuso do direito para facilitar, encobrir ou dissimular a prática dos atos ilícitos previstos
nesta Lei ou para provocar confusão patrimonial, e, nesse caso, todos os efeitos das
sanções aplicadas à pessoa jurídica serão estendidos aos seus administradores e sócios
com poderes de administração, à pessoa jurídica sucessora ou à empresa do mesmo
ramo com relação de coligação ou controle, de fato ou de direito, com o sancionado,
observados, em todos os casos, o contraditório, a ampla defesa e a obrigatoriedade de
análise jurídica prévia.