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A desconsideração da personalidade

jurídica no direito do trabalho e sua


fundamentação
Análise quanto à aplicação da Desconsideração da
Personalidade Jurídica no âmbito trabalhista e os
fundamentos que devem ser apresentados para tanto
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Publicado por Marcela Faraco

há 5 anos

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Hoje vou apresentar um artigo mais voltado aos


empregados do que às empresas, porém, é essencial
que os empresários tenham conhecimento do que será
explanado aqui para que evitem possíveis ônus quanto
ao tema. A desconsideração da personalidade jurídica
é um assunto de suma importância para o processo do
trabalho, uma vez que, muitas vezes é necessário
atingir o patrimônio dos sócios das empresas para dar
eficácia às decisões judiciais, garantindo, assim, o
pagamento dos créditos trabalhistas (os quais
possuem natureza alimentar).
Desconsideração da personalidade jurídica é a medida
processual em que o juiz determina a inclusão dos sócios ou
administradores da pessoa jurídica no polo passivo da
demanda, para que estes respondam com seu patrimônio
particular pelas dívidas da empresa no caso de insolvência.
Muitos doutrinadores e juristas afirmam não haver,
na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), uma previsão
quanto à desconsideração da personalidade jurídica e
entendem que, para que esta ocorra no bojo de uma ação
trabalhista, devem ser aplicadas ao processo do trabalho uma
das teorias existentes no âmbito civil. Porém, conforme será
demonstrado neste artigo, há uma teoria própria do Direito do
Trabalho, com previsão na CLT, apta a fundamentar a
desconsideração.
As teorias externas ao Direito do Trabalho, muitas vezes
aplicadas a este de maneira subsidiária com fulcro no
artigo 8º da CLT, são duas: a Teoria Maior da Desconsideração
e a Teoria Menor da Desconsideração.
A Teoria Maior da Desconsideração é aquela segundo a
qual deve ser provado um motivo para que seja decretada a
desconsideração, não bastando a simples insuficiência
patrimonial da pessoa jurídica. Esta teoria é a adotada
pelo Código Civil (CC) e pelo caput do artigo288 doCódigo
de Defesa do Consumidorr (CDC):
Código Civil, 10 de janeiro de 2002.
Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica,
caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão
patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou
do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo,
que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações
sejam estendidos aos bens particulares dos administradores
ou sócios da pessoa jurídica.
Código de Defesa do Consumidor, 11 de setembro de 1990.
Art. 28. O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica
da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver
abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato
ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A
desconsideração também será efetivada quando houver
falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade
da pessoa jurídica provocados por má administração.
Como se vê, o CC exige, para desconsideração da personalidade
jurídica, o abuso da personalidade, caracterizado quando há
desvio de finalidade ou confusão patrimonial. Nesta última
hipótese pode-se falar até em vedação ao comportamento
contraditório (venire contra factum proprium non potest),
pois, se o sócio não separa o seu patrimônio pessoal do
patrimônio da pessoa jurídica, por que o seu credor deveria
fazê-lo?
Deve-se salientar que, apesar da inexistência de previsão pelo
CC, a jurisprudência continua reconhecendo a fraude
como motivo para desconsideração da personalidade
jurídica. Este confronto entre o CC e a jurisprudência ocorre
porque o Código Civil de 2002 demorou a ser promulgado,
fazendo com que a jurisprudência e a doutrina se
apresentassem em patamar superior frente ao mesmo, quanto
à análise do tema (lacuna ontológica*).
Lado outro, a Teoria Menor da
Desconsideração apresenta o entendimento de que basta a
insuficiência patrimonial da pessoa jurídica para que seja
decretada a desconsideração da sua personalidade. Esta teoria
foi adotada pelo parágrafo 5º do artigo 28 do CDC:
Código de Defesa do Consumidor, 11 de setembro de 1990.
Art. 28. § 5º Também poderá ser desconsiderada a pessoa
jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma,
obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos
consumidores.
É importante destacar que o Superior Tribunal de Justiça
(STJ) já decidiu ser possível a aplicação autônoma do §
5º, em relação ao caput do artigo 28 do CDC.
No processo do trabalho, quando comprovada a existência
da relação de emprego, os juízes tem optado pela aplicação, por
analogia, do artigo 28, § 5º do CDC, ou seja, da Teoria Menor
da Desconsideração. O fundamento para essa opção consiste
no Princípio da Igualdade Substancial, base, tanto
da CLT, quanto do CDC, ou seja, aplica-se uma norma
jurídica protetiva a uma parte, em função da
sua hipossuficiência existente no plano dos fatos, uma vez
que, a princípio, o empregado é hipossuficiente frente ao
empregador, assim como o consumidor é hipossuficiente
quanto ao fornecedor. Já quando não há relação de emprego,
mas sim, relação de trabalho (ex.: trabalhador avulso ou
autônomo), é mais aplicada a Teoria Maior da Desconsideração
(art. 50, CC e 28, caput, CDC).
Porém, parte da doutrina e da jurisprudência aponta a
existência de uma teoria própria do Direito do Trabalho que
possibilita a desconsideração da personalidade jurídica. Trata-
se da Teoria do Risco da Atividade Econômica.
Quando o empregado ajusta, no contrato individual de
trabalho, o recebimento de salário, ele renuncia ao resultado
do seu trabalho, ou seja, o salário é o pagamento pela força de
trabalho do empregado, que gera um resultado (lucro) que será
“propriedade” do empregador. Sendo, o lucro do
empreendimento, propriedade do empregador, este assume,
por consequência, o eventual prejuízo advindo daquele, o que
é próprio do sistema capitalista de produção.
Assim, no Direito do Trabalho, por força do artigo 2º da CLT, o
empregador assume o risco da atividade econômica, não
podendo transferi-la ao empregado, esta é a Teoria do Risco da
Atividade Econômica:
Consolidação das Leis do Trabalho, 1º de maio de 1943.
Art. 2º - Considera-se empregador a empresa, individual ou
coletiva, que, assumindo os riscos da atividade
econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal
de serviço.
Assim, ao exercer uma atividade econômica, é natural que o
empregador (sócio proprietário) se beneficie com o resultado
positivo do empreendimento. O empregado, por outro lado,
não tem crescimento do seu patrimônio pessoal devido ao
sucesso do empreendimento*, pois salário não é participação
no resultado do empreendimento, mas contraprestação ao
trabalho realizado.
No caso de insolvência, se não houvesse a
desconsideração da personalidade jurídica, o empregador
(que teve acréscimo patrimonial quando houve o resultado
positivo do empreendimento) teria o seu patrimônio pessoal
protegido. Já o empregado (que não participou do resultado
positivo) teria diminuição de seu patrimônio pessoal, diante
do não pagamento da contraprestação pelo trabalho que ele já
realizou. Portanto, ocorreria uma inversão da Teoria do Risco
da Atividade Econômica, já que quem estaria suportando os
riscos da atividade seria o empregado e não o empregador.
Seguindo este entendimento, no Direito do Trabalho, sendo
caracterizada a insolvência da empresa, a teoria da
desconsideração da personalidade jurídica deve ser aplicada
mesmo quando não haja desvio de finalidade e ainda que a
pessoa jurídica seja utilizada nos termos da lei.

Conclui-se, portanto, que não há necessidade de se utilizar das


fundamentações cíveis para aplicação da desconsideração da
personalidade jurídica no processo do trabalho, pois a
própria CLT traz, em seu artigo 2º, uma fundamentação coesa
para isso, podendo-se embasar a desconsideração na Teoria do
Risco da Atividade Econômica.
Para complementação do artigo, apresenta-se
algumas características da Desconsideração da
Personalidade Jurídica:
 em regra, a desconsideração deve atingir o patrimônio dos
sócios ou administradores que praticaram o ato irregular
que ensejou a insolvência, porém, se as condutas não
puderem ser individualizadas, a desconsideração deve
atingir o patrimônio de todos;
 a medida não promove a extinção, dissolução, liquidação
ou anulação da pessoa jurídica;
 a desconsideração de pessoas jurídicas sem fins lucrativos
é possível e atingirá, em regra, o patrimônio de seus
administradores;
 a própria pessoa jurídica pode requerer a decretação de
desconsideração da sua personalidade, como uma medida
para a sua preservação (função social da empresa);
 tendo-se por base o CC, a desconsideração não pode ser
decretada de ofício, devendo haver requerimento da parte
interessada ou do Ministério Público para que haja a
desconsideração;
 tendo-se por base o CDC, pode haver decretação de ofício
pelo juiz;
 tendo-se por base a CLT, apesar de ainda não haver
entendimento consolidado quanto a esta característica, o
meu entendimento pessoal é o de que, considerando o
Princípio da Proteção Processual existente no Direito
Processual do Trabalho, poderá haver a decretação de
ofício, já que este entendimento é mais benéfico ao
empregado.
* Lacuna ontológica ocorre quando a lei existe, mas não
corresponde à realidade social, ou seja, a lei está desatualizada
frente ao cotidiano.
* Necessário fazer uma ressalva quanto ao pagamento de PLR
(Participação nos Lucros e Resultados) aos empregados: neste
caso, o resultado positivo é parcialmente repassado ao
empregado. Porém, ainda que exista a PLR, o ganho do
empregado por meio dela não é proporcional ao ganho do
empregador, não sendo suficiente para fazê-lo suportar os
riscos da atividade, ou seja, a PLR não transforma o
empregado em sócio do empregador. A PLR trata-se, na
verdade, de um mecanismo para incentivar o aumento da
produção que, por fim, reverte-se em um benefício ainda maior
para o empregador.

Bases Jurídicas:
Código Civil, 10 de janeiro de 2002.
Código de Defesa do Consumidor, 11 de setembro de 1990.
Consolidação das Leis do Trabalho, 1º de maio de 1943.
Este artigo e as imagens nele incluídas são de autoria
de Marcela Faraco e estão protegidos pela Lei
nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998. Havendo sua
utilização como citação, a fonte deverá ser exibida, da
seguinte maneira:
Faraco, Marcela. A Desconsideração da Personalidade Jurídica
no Direito do Trabalho e sua fundamentação. Disponível em:
<http://marcelafaraco.jusbrasil.com.br/publicacoes >.

Marcela Faraco
Advogada, Consultora, Fundadora do escritório Faraco Advocacia.
Advogada, Consultora de Direito, Fundadora/Proprietária do escritório Faraco Advocacia
(Advocacia Empresarial e Particular) e Membro da Organização Internacional BNI (Business
Network International). Atuante, há mais de 08 anos, na carreira jurídica, nas áreas do Direito Civil,
Direito do Trabalho, Direito Empresarial e Direito do Consumidor.

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