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Embora a pessoa jurídica seja um instrumento de realização de interesses econômicos e sociais

relevantes, é possível que em determinadas situações seus sócios adotem comportamento


abusivo, disso derivando prejuízo para as pessoas que se relacionam juridicamente com a
pessoa jurídica.

Para reprimir o abuso na utilização da pessoa jurídica, o Código Civil trata no artigo 50 da
Desconsideração da Personalidade da pessoa jurídica. É isto que vamos discutir agora:

Desconsideração da Personalidade Jurídica

A personalidade jurídica é, como se sabe, a prerrogativa conferida pela lei ao sujeito de direito
para que ele adquira direitos e deveres na ordem jurídica. Enquanto a pessoa natural adquire
personalidade jurídica ao nascer com vida, a pessoa jurídica de direito privado depende do
arquivamento de seus atos constitutivos em órgão registrador especificado nos arts. 114 a 121,
da Lei de Registros Públicos.

Assim, se a pessoa jurídica de direito privado é uma associação, partido político, organização
religiosa, ou fundação, seus atos constitutivos devem ser arquivados no Serviço de Pessoa
Jurídica.

Se a pessoa jurídica é uma sociedade empresária, os atos constitutivos devem ser arquivados
na Junta Comercial; se a sociedade é de advogados, ela deve ser arquivada na Seção local da
OAB.

Perceba-se que a pessoa jurídica nasce com a elaboração de seus atos constitutivos, mas a
personalidade jurídica apenas é adquirida com o arquivamento dos atos constitutivos em
registro próprio.

Se o ato constitutivo não for arquivado e ainda assim a pessoa jurídica funcionar, estará ela em
situação irregular, o que significa dizer que se os bens da pessoa jurídica não forem suficientes
para pagar suas dívidas, as pessoas naturais que integram seus quadros têm o dever de
contribuir com seus bens particulares para liquidação das dívidas.
Se não houver arquivamento dos atos constitutivos da pessoa jurídica, haverá confusão das
personalidades e dos patrimônios, a ela não se aplicando a teoria da despersonalização da
pessoa jurídica.

Com o arquivamento dos atos constitutivos, a personalidade jurídica das pessoas naturais se
torna distinta da personalidade da pessoa jurídica, fato que garante a autonomia patrimonial
da pessoa jurídica, o que pode, em algumas hipóteses, levar a pessoa jurídica a ser usada como
instrumento de fraudes e abusos de direito contra os credores da pessoa jurídica.

Não se pode confundir a despersonalização da pessoa jurídica com a desconsideração da


pessoa jurídica. Na hipótese de despersonalização, a decisão judicial põe fim à pessoa jurídica
com a cassação de sua autorização para funcionamento.

Na hipótese da desconsideração da pessoa jurídica, a decisão judicial apenas suspende, em


determinada situação, a autonomia patrimonial, mantendo a personalidade jurídica para
outros fins.

Assim, a desconsideração da personalidade jurídica prevista no art. 50, CC suspende a


autonomia patrimonial da pessoa jurídica quando ela é usada, pelos integrantes de seu quadro
constitutivo, para a prática de atos que se desviam da finalidade estampada no ato
constitutivo ou quando há confusão entre o patrimônio da pessoa jurídica e o patrimônio das
pessoas naturais que a compõem.

De acordo com o art. 50, do Código Civil nos casos em que houver abuso da personalidade
jurídica, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe
couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações
sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.

O abuso da personalidade jurídica se caracteriza, nos termos do referido artigo quando houver
desvio de finalidade para a qual foi constituída a pessoa jurídica ou quando houver confusão
entre o patrimônio da pessoa jurídica e o patrimônio dos integrantes dos quadros associativos.

Quando o juiz determina a desconsideração da pessoa jurídica, as pessoas naturais que a


compõem é que respondem com seu patrimônio particular pelos danos e prejuízos causados a
terceiros que contrataram com a pessoa jurídica.
A regra do art. 50, do Código Civil é um mecanismo que busca impedir que a pessoa jurídica
seja usada como instrumento de fraude, como no caso de os sócios, por exemplo, se tornarem
credores da pessoa jurídica a fim de retirando dela o patrimônio, evitar que ela cumpra as
obrigações que ajustou com terceiros.

As hipóteses em que é possível o requerimento da desconsideração da pessoa jurídica são: a)


desvio de finalidade e b) confusão patrimonial.

O desvio de finalidade ocorre quando a pessoa jurídica é usada para fins diversos para os quais
ela foi constituída. Constatado o mau uso da pessoa jurídica de direito privado e o prejuízo
decorrente do desvio de finalidade, o juiz pode obrigar os sócios a suportarem os encargos
econômicos.

A confusão patrimonial se dá quando o patrimônio da pessoa jurídica se mistura ao patrimônio


dos sócios, não sendo possível estabelecer os limites entre os patrimônios. Em qualquer caso,
o pedido de desconsideração da personalidade jurídica pode ser formulado a qualquer tempo,
não estando sujeito a prazo de prescrição ou de decadência, pois que se tratando de direito
meramente potestativo, a lei não lhe fixou prazo específico.

Outro ponto, importante, em se tratando da desconsideração da personalidade da pessoa


jurídica é que seu reconhecimento judicial apenas afeta os sócios responsáveis pelo desvio de
finalidade ou pelo estabelecimento da confusão patrimonial. Não atinge, portanto, a
desconsideração os sócios inocentes.

A desconsideração, nos casos apontados, vincula a pessoa dos sócios, de modo que a
personalidade da pessoa jurídica deixa de produzir efeitos, tornando-se, para o caso em que
foi reconhecida a desconsideração, ineficaz. A desconsideração é mecanismo que busca evitar
a fraude e o prejuízo para terceiros que se relacionam juridicamente com a pessoa jurídica.

O Código de Defesa do Consumidor também reconhece a figura da desconsideração da


personalidade jurídica. Contudo, a hipóteses estabelecidas no art. 28 são mais amplas do que
aquelas fixadas pelo art. 50, do Código Civil, diante da especialidade da relação jurídica
protegida, que é a relação de consumo, cujos interesses estão para além das pessoas
envolvidas concretamente na situação jurídica.
De acordo com o CDC, o juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica, quando houver: a)
abuso de direito; b) excesso de poder; c) infração da lei; d) fato ou ato ilícito; e) violação dos
estatutos ou contrato social; f) falência; g) estado de insolvência; h) encerramento provocado
por má administração e i) inatividade provocada por má administração.

Mais recentemente, a doutrina e a jurisprudência vêm admitindo a possibilidade da


desconsideração da personalidade jurídica invertida, que se opera nas hipóteses em que o
sócio esvazia seu patrimônio pessoal, transferindo-o para a pessoa jurídica. A lei não disciplina
essa situação.

A 3ª Turma do STJ, no REsp 948.117-MS, julgado em 22.06.2010, por meio da Ministra Nancy
Andrighi afirmou que:

"considerando-se que a finalidade da disregard doctrine é combater a utilização indevida do


ente societário por seus sócios, o que pode ocorrer também nos casos em que o sócio
controlador esvazia o seu patrimônio pessoal e o integraliza na pessoa jurídica, conclui-se, de
uma interpretação teleológica do art. 50 do CC/02, ser possível a desconsideração inversa da
personalidade jurídica, de modo a atingir bens da sociedade em razão de dívidas contraídas
pelo sócio controlador, conquanto preenchidos os requisitos previstos na norma". (3ª Turma
do STJ, no REsp 948.117-MS, julgado em 22.06.2010, por meio da Ministra Nancy Andrighi)

É importante observar que tecnicamente não ocorre a desconsideração da personalidade


jurídica nessas situações, opera-se, antes, uma transferência fraudulenta de bens por parte do
devedor, que é o sócio a terceiro, que é a pessoa jurídica.

Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade,
ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério
Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas
relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios
da pessoa jurídica.
Enunciado 07 – Art. 50: só se aplica a desconsideração da personalidade jurídica quando
houver a prática de ato irregular, e limitadamente, aos administradores ou sócios que nela
hajam incorrido.

Enunciado 146 – Art. 50: Nas relações civis, interpretam-se restritivamente os parâmetros de
desconsideração da personalidade jurídica previstos no art. 50 (desvio de finalidade social ou
confusão patrimonial). (Este Enunciado não prejudica o Enunciado n. 7).

Enunciado 281 – Art. 50. A aplicação da teoria da desconsideração, descrita no art. 50 do


Código Civil, prescinde da demonstração de insolvência da pessoa jurídica.

Enunciado 283 – Art. 50. É cabível a desconsideração da personalidade jurídica denominada


“inversa” para alcançar bens de sócio que se valeu da pessoa jurídica para ocultar ou desviar
bens pessoais, com prejuízo a terceiros.

Observação: Desconsideração Inversa da Personalidade Jurídica da Pessoa Jurídica

A conveniência do instituto surge se o devedor esvazia o seu patrimônio, transferindo os seus


bens para a titularidade da pessoa jurídica da qual é sócio. É artimanha comum, por exemplo,
aos cônjuges ardilosos que, antecipando-se ao divórcio, retiram do patrimônio do casal bens
que deveriam ser objeto de partilha, alocando-os na pessoa jurídica da qual é sócio,
pulverizando assim os bens deslocados.

Em tais circunstâncias, pode o juiz desconsiderar a autonomia patrimonial da pessoa jurídica,


alcançando bens que estão em seu próprio nome, entretanto, para responder por dívidas que
não são suas e sim de um ou mais de seus sócios.

Enunciado 284 – Art. 50. As pessoas jurídicas de direito privado sem fins lucrativos ou de fins
não-econômicos estão abrangidas no conceito de abuso da personalidade jurídica.

Enunciado 285 – Art. 50. A teoria da desconsideração, prevista no art. 50 do Código Civil, pode
ser invocada pela pessoa jurídica em seu favor.

Enunciado 406 - Art. 50. A desconsideração da personalidade jurídica alcança os grupos de


sociedade quando presentes os pressupostos do art. 50 do Código Civil e houver prejuízo para
os credores até o limite transferido entre as sociedades

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