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A possibilidade da desconsideração
da personalidade jurídica inversa no
âmbito da holding familiar
14–19 minutos

No ramo do direito empresarial nos deparamos cada vez mais


com empresas familiares desenvolvendo atividades de
holdings.

A expressão, advém do verbo inglês to hold, que significa em


tradução livre “controlar”, “manter” ou “guardar”. Importada dos
Estados Unidos[1], a palavra é utilizada no Brasil para
caracterizar empresas que desenvolvem atividades não
operacionais e que, em linhas gerais, controlam e participam de
outras sociedades, “segurando” ou “mantendo” a administração
de bens, como quotista ou acionista.

Nas palavras do jurista Modesto Carvalhosa “são constituídas


ou para o exercício do poder de controle ou para a participação
relevante em outras companhias, visando nesse caso, constituir
a coligação. Em geral, essas sociedades de participação
acionária não praticam operações comerciais, mas apenas a
administração de seu patrimônio”[2].

Como visto, não se trata de tipo societário, mas do objeto social


da atividade empresária, legalmente permitido através da Lei
das Sociedades Anônimas (Lei n. 6.404/1976), que dispõem em
seu artigo 2º, § 3º “a companhia pode ter por objeto a

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participação de outras sociedades”.

Caracterizando-se como objeto social a holding pode assumir


qualquer tipo societário previsto na legislação nacional, desde
uma sociedade simples até uma sociedade anônima, sendo a
escolha vinculada à destinação para a qual foi constituída.

Ainda, a depender do modelo societário é possível escolher o


tipo de holding, o qual, de acordo com a classificação de
Gladston Mamede e Eduarda Cotta Mamede, poderá ser: a)
pura: possui como objetivo ser titular de quotas/ações de outra
sociedade; b) mista: além de deter participação em outras
sociedades, também desenvolve determinada atividade
produtiva; c) de controle: criada apenas para deter o controle
acionário de outras sociedades; d) de participação: apenas
detém participações, não realiza o controle de outras
sociedades; e) de administração: centraliza a administração de
outras sociedades; f) patrimonial: constituída para ser
proprietária de determinado patrimônio; e g) imobiliária:
constituída para ser proprietária de imóveis. [3]

A figura, apesar de restar prevista no ordenamento pátrio há


algum tempo, ainda se mostra em iminente crescimento no
país, e vem se mostrando, como dito acima, cada vez mais
presente no direito empresarial, inclusive no âmbito de famílias
que desenvolvem algum tipo de atividade produtiva, pois além
de contribuírem para o planejamento patrimonial, podem trazer
benefícios no âmbito fiscal e sucessório. Gladston Mamede e
Eduarda Cotta Mamede assim lecionam:

Sua marca característica é o fato de se enquadrar no âmbito de


determinada família, e, assim, servir ao planejamento
desenvolvido por seus membros, considerando desafios como
organização do patrimônio, administração de bens, organização

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fiscal, sucessão hereditária etc.[4]

Neste sentido, é comum encontrar atualmente holdings


familiares que realizam a gestão ou a administração do
patrimônio imobiliário do núcleo familiar (holding imobiliária ou
patrimonial) ou, ainda, a participação em outras sociedades
empresárias da mesma família (holding de participação).[5]

Ressalta-se que, nos casos em que a pessoa jurídica é criada


para gestão ou administração do patrimônio, o que se verifica é
uma alteração de propriedade em relação ao patrimônio
integralizado, ou seja, a sociedade passa a ser proprietária dos
bens e o sócio, geralmente os patriarcas e seus filhos, titulares
das quotas ou ações. Cria-se, assim, uma situação jurídica
peculiar, pois embora a pessoa natural não seja mais
proprietária, poderá usufruir do patrimônio como se seu fosse,
aproveitando economicamente e dele podendo dispor,
considerando que é o próprio administrador dessa sociedade.[6]

A aplicação para estes fins se mostra totalmente lícita. No


entanto, não raras às vezes, a constituição e desenvolvimento
da holding se dá com o fim de desvincular o patrimônio idôneo
do núcleo familiar, das dívidas e obrigações contraídas pelos
seus sócios, geralmente os genitores, caracterizando uma
verdadeira ocultação patrimonial e um abuso da personalidade
jurídica.

Essa situação acarreta aos credores particulares da sociedade


familiar e ao próprio mercado financeiro diversos prejuízos
econômicos, o que enseja a utilização de mecanismos jurídicos
que coíbam tal prática.

Sabe-se que, no ordenamento jurídico pátrio vigora o princípio


da autonomia patrimonial[7], do qual se extrai que o patrimônio
da pessoa jurídica não se confunde com o da pessoa física,

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motivo pelo qual os bens particulares dos sócios não poderão


ser executados, em eventual dívida da sociedade, por exemplo.

No entanto, quando se está presente a chamada disfunção do


uso da personalidade jurídica no âmbito das relações jurídicas
reguladas pelo Direito Civil, o qual consagra a utilização da
teoria maior[8], poder-se-á mitigar a autonomia patrimonial.

Essa mitigação poderá se dar através do instituto da


desconsideração da personalidade jurídica, apresentando junto
ao artigo 50 do Código Civil, com redação atual dada pela Lei n.
13.874/2019, que assim dispõe:

Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica,


caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão
patrimonial, pode o juiz, a requerimento da parte, ou do
Ministério Público quando lhe couber intervir no processo,
desconsiderá-la para que os efeitos de certas e determinadas
relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares
de administradores ou de sócios da pessoa jurídica
beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso.

§ 1º Para os fins do disposto neste artigo, desvio de finalidade é


a utilização da pessoa jurídica com o propósito de lesar
credores e para a prática de atos ilícitos de qualquer natureza.

§ 2º Entende-se por confusão patrimonial a ausência de


separação de fato entre os patrimônios, caracterizada por:

I - cumprimento repetitivo pela sociedade de obrigações do


sócio ou do administrador ou vice-versa;

II - transferência de ativos ou de passivos sem efetivas


contraprestações, exceto os de valor proporcionalmente
insignificante; e

III - outros atos de descumprimento da autonomia patrimonial.

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§ 3º O disposto no caput e nos §§ 1º e 2º deste artigo também


se aplica à extensão das obrigações de sócios ou de
administradores à pessoa jurídica.

§ 4º A mera existência de grupo econômico sem a presença


dos requisitos de que trata o caput deste artigo não autoriza a
desconsideração da personalidade da pessoa jurídica.

§ 5º Não constitui desvio de finalidade a mera expansão ou a


alteração da finalidade original da atividade econômica
específica da pessoa jurídica.

Na exegese de tal artigo, tem-se a possibilidade, dentre outras,


de utilização de três modalidades de desconsideração:

1. a ortodoxa, prevista no caput do dispositivo, que busca transpor


o véu da personalidade jurídica atingindo o patrimônio dos
sócios[9];

2. a inversa, descrita no § 3º, em que o objetivo é alcançar o


patrimônio de pessoas jurídicas, no qual o sócio ou
administrador cometeu determinado abuso[10].

3. a indireta, apresentada no § 4º, a partir da qual se atinge


determinada sociedade integrante de grupo econômico, quando
os componentes deste coletivo se valem da personalidade
jurídica para praticar abusos[11].

Frisa-se que, além das possibilidades apresentadas de forma


expressa na lei[12], admite-se também, atualmente, por força
da doutrina e da jurisprudência[13], a modalidade expansiva,
em que se busca atingir a personalidade do sócio oculto que
atua com abuso da personalidade jurídica. Ou seja, trata-se de
ente – no caso seria o devedor – que normalmente não figura
formalmente como sócio de empresa, mas que exerce
efetivamente atos de administração nas empresas.

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Assim, tomando por base as modalidades admitidas atualmente


e o exemplo de abuso da personalidade citado acima, o credor
que se ver lesado pelo ilícito praticado por sócio devedor,
poderá se utilizar da modalidade de desconsideração inversa, a
fim de que a holding familiar responda, de forma solidária e com
todo o seu patrimônio, pelas dívidas contraídas pelo titular da
obrigação.

Nesta linha, cita-se a título de exemplo, julgado oriundo do


Tribunal do Estado de São Paulo, em que se reconheceu a
confusão patrimonial entre os bens do sócio e da holding
familiar, declarando a responsabilidade solidária da empresa
pelas dívidas contraídas pelo sócio devedor:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. INCIDENTE DE


DESCONSIDERAÇÃO INVERSA DA PERSONALIDADE
JURÍDICA. DECISÃO INTERLOCUTÓRIA QUE DEFERIU O
RESPECTIVO PEDIDO. INCONFORMISMO. PEDIDOS DE
IMPENHORABILIDADE DE BENS E DE NULIDADE DO
PROCESSO DE EXECUÇÃO. NÃO CONHECIMENTO, DADO
QUE EXTRAPOLAM O DEDIDO EM PRIMEIRO GRAU.
EXECUÇÃO MOVIDA PELA AGRAVADA CONTRA O
AGRAVANTE PESSOA FÍSICA TENDO COMO FUNDAMENTO
CONTRATO DE PROMESSA E DE CESSÃO E AQUISIÇÃO
DE DIREITOS CREDITÓRIOS FUTUROS E OUTRAS
AVENÇAS. PESSOA FÍSICA QUE É SÓCIO DE HOLDING
FAMILIAR, CUJO OBJETO SOCIAL COMPREENDE A (I)
ADMINISTRAÇÃO DE BENS PRÓPRIOS, BEM COMO A (II)
PARTICIPAÇÃO EM OUTRAS SOCIEDADES, COMO SÓCIA,
ACIONISTA OU QUOTISTA. EXECUTADO PESSOA FÍSICA
QUE EFETUOU O PAGAMENTO DE GUIA DE CUSTAS DE
RECURSO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO INTERPOSTO
PELA HOLDING FAMILIAR NOS AUTOS Nº

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2145182-27.2016.8.26.0000. EXECUÇÃO DE COTAS


CONDOMINIAIS MOVIDA CONTRA A HOLDING FAMILIAR,
TENDO COMO OBJETO IMÓVEL CUJA PROPRIEDADE FOI-
LHE TRANSFERIDA PELO SÓCIO E ORA AGRAVANTE EM
08/11/2010, A FIM DE INTEGRALIZAR AS QUOTAS DO
CAPITAL SOCIAL. ATA DE ASSEMBLEIA GERAL
EXTRAORDINÁRIA DE 10/11/2016 DAQUELE CONDOMÍNIO
(EXEQUENTE DE DÍVIDAS CONDOMINIAIS REFERENTE AO
IMÓVEL DE DOMÍNO DA HOLDING FAMILIAR) EM QUE
FIGURA COMO SÍNDICO O SÓCIO E ORA AGRAVANTE
PESSOA FÍSICA. FORTES INDÍCIOS DE CONFUSÃO
PATRIMONIAL ENTRE OS BENS DO SÓCIO E ORA
AGRAVANTE PESSOA FÍSICA E AQUELES PERTENCENTES
À HOLDING FAMILIAR, O QUE CONFIGURA ABUSO DA
PERSONALIDADE JURÍDICA E AUTORIZA A
DESCONSIDERAÇÃO INVERSA DESTA PARA ATINGIR
VALORES DA SOCIEDADE, NOS TERMOS DO ART. 50. CC
C/C ART. 133, §2º, CPC. RECURSO PARCIALMENTE NÃO
CONHECIDO E, NA PARTE RESTANTE, DESPROVIDO.
(TJSP, AI n. 2081492-19.2019.8.26.0000, 22.ª Câmara de
Direito Privado, Rel.: Alberto Gosson, J.: 11.06.2019)

Em que pese, portanto, a constituição de holding familiar seja


uma alternativa positiva no que diz respeito ao planejamento
patrimonial e sucessório do núcleo familiar, deve-se ter em
mente que, a transferência do patrimônio realizado com o fim
de ocultação ou blindagem patrimonial pode ser considerada
um ilícito passível de coibição através da desconsideração da
personalidade jurídica, instituto que vem sendo cada vez mais
utilizado no âmbito judicial pelos credores, a fim de atingir o
patrimônio de devedores que, de forma ilícita, ocultam o seu
patrimônio.

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[1] Indica-se, desde já, que o conceito de uma holding vai muito
além da tradução livre apresentada neste trabalho. Autores
americanos como Oscar Hardy e Walter E. Lagerquist a
conceituam apenas com a sua finalidade controladora,
caracterizando o que conhecemos a partir da realidade
brasileira como honding pura. No entanto, na prática brasileira
existem diversos tipos possíveis de holdings, suplantando os
conceitos outrora importados, como indicado por Edna Pires
Lodi e João Bosco Lodi. (Ver mais em: LODI, Edna Pires; LODI,
João Bosco. Holding. 4. ed. rev. atual. São Paulo: Cengage,
2012, p. 20-21. Disponível em: <https://issuu.com/cengagebrasil
/docs/holding_4ed>. Acesso em: 12 mar. 2022.)

[2] CARVALHOSA, Modesto. Comentários à Lei de


Sociedades Anônimas. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 14.

[3]. MAMEDE, Gladston; MAMEDE, Eduarda Cotta. Blindagem


Patrimonial e Planejamento Jurídico. 5. ed., São Paulo: Atlas,
2015. p. 15.

[4] MAMEDE, Gladston; MAMEDE, Eduarda Cotta. Holding


familiar e suas vantagens. São Paulo: Atlas, 2017. p. 16.

[5] REZENDE, Elcio Nacur; OLIVEIRA, Marcelle Mariá Silva de.


A fraude como elemento subjetivo essencial à aplicação da
desconsideração inversa da personalidade jurídica nas
“holdings” familiares. Scientia Iuris. Londrina, v. 23, n.2, p.
110-126, jul. 2019. DOI: 10.5433/2178-8189.2019v23n2p110.

[6] SILVA, Fernando Henrique Becker; ROWEDER, Nickolas


Peters. Desconsideração inversa da personalidade jurídica e as
administradoras de bens próprios. Revista Jurídica UNIGRAN.
Dourados, v. 16, n. 32, p. 149-164, jul./dez. 2014, p. 160.

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[7] COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. vol. 2.


13. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 146,

[8] A teoria maior da desconsideração da personalidade


jurídica, transcrita junto ao artigo 50 do Código Civil autoriza
que o Poder judiciário mitigue o princípio da autonomia
patrimonial, quando verificado o abuso da personalidade, seja
por desvio de finalidade ou por confusão patrimonial. Já a teoria
menor da desconsideração da personalidade jurídica, transcrita
no artigo 28, do Código de Defesa do Consumidor e no artigo
4.º da Lei n. 9.605/1998 (Lei de Crime Ambientais), permite que
o patrimônio dos sócios seja atingido quando há tão somente a
prova de insolvência da pessoa jurídica, no pagamento de suas
obrigações. (COELHO, Fábio Ulhôa. Teoria maior e teoria
menor da desconsideração da personalidade jurídica. Revista
de Direito Bancário e do Mercado de Capitais. v. 65, jul.-
set./2014. p. 21-30).

[9] Neste sentido: TJSP, AI n. 2037340-46.2020.8.26.0000; 11.ª


C. de Direito Privado, Rel.: Renato Rangel Desinano, J.:
26.01.2021.

[10] Na mesma linha: TJPR, AI n. 0060306-79.2021.8.16.0000,


11.ª C.Cível, Rel.: Desembargador Fabio Haick Dalla Vecchia,
J.: 31.01.2022.

[11] Da mesma forma: TJSP, AI n. 2263960-77.2021.8.26.0000,


38.ª C. de Direito Privado, Rel.: Spencer Almeida Ferreira,
J.:07.03.2022.

[12] A possibilidade de desconsideração inversa também se


encontra disposta junto ao artigo 133, § 2.º do Código de
Processo Civil.

[13] Neste sentido: FARIAS, Cristiano Chaves de;


ROSENVALD, Nelson. Direito Civil: teoria geral. 9. ed. Rio de

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Janeiro: Lumen Juris, 2015, p. 455; STF, MC em MS n. 32.494,


rel. Min. Celso de Mello, j. 11.11.2013.

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