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MATERIAL DE ESTUDO (SEMINÁRIO DIREITO COMERCIAL) / AV 2

INTRODUÇÃO

Finalmente, após diversas tentativas frustradas de se introduzir no ordenamento


jurídico brasileiro alguma hipótese de constituição de pessoa jurídica por uma única
pessoa natural, a Lei 12.441/2011 foi publicada no Diário Oficial da União (DJU), que
circulou em 12/07/2011, e trata da empresa individual de responsabilidade limitada
ou, resumidamente, "EIRELI".

A nova possibilidade jurídica que autoriza determinada pessoa natural a constituir


pessoa jurídica para a exploração de empresa, sem a necessidade de se juntar a algum
sócio, é razoável e há muito tempo aguardada pelos empresarialistas.

Afinal de contas, antes da Lei 12.441/2011 o empresário individual não tinha escolha:
se quisesse explorar determinada empresa, sem a colaboração de sócios, estaria
arriscando todo o seu patrimônio pessoal e penhorável.

Porém, a Lei 12.441/2011 vai além e também admite que, sob a roupagem da EIRELI,
qualquer pessoa jurídica, isoladamente, constitua uma ou mais subsidiárias integrais,
alargando a faculdade que já era admitida, exclusivamente, para as sociedades
anônimas.

O presente artigo tem a singela pretensão de analisar, criticamente, alguns aspectos do


novo regime jurídico que entrará em vigor com a Lei 12.441/2011, mas sem o
compromisso de exaurir o tema, pois só com a análise do cenário fático após a sua
vigência é que será possível extrair as melhores conclusões. Trata-se, portanto, de um
ensaio com as primeiras impressões sobre as inovações da Lei 12.441/2011.

A vigência dessa novidade para o segmento empresarial, contudo, somente se dará


após vacatio legis de 180 dias, conforme previsto no art. 3º da Lei 12.441/2011. Apesar
da vigência postergada para o futuro, mas buscando facilitar a compreensão do tema,
no presente artigo utilizar-se-á tempo verbal como se já estivesse em vigor a Lei
12.441/2011.

1. EMPRESÁRIO INDIVIDUAL E UNIPESSOALIDADE NO EXERCÍCIO DA EMPRESA

Prudentemente, a expressão "empresário individual", em que pese a sua redundância,


costuma ser utilizada, "até porque a legislação, em algumas passagens, ao falar de
empresário, abarca o empresário individual e a sociedade empresária". [01]

Assim, a princípio, a utilização da expressão "empresário individual" para identificar a


pessoa natural que exerce empresa visa que tal empresário não seja confundido com a
pessoa jurídica que explora a empresa por intermédio de uma sociedade empresária,
mas agora também servirá para não confundi-lo com a EIRELI.
O empresário individual (art. 966 e ss. do Código Civil) pode ser definido como a
pessoa natural que, isoladamente, sem personalidade jurídica, não pode afetar ou
destacar parte do seu patrimônio para arriscá-lo no dia-a-dia empresarial e, assim,
coloca em risco todo o seu patrimônio penhorável.

Porém, a sistemática do empresário individual não é a única possibilidade legal de se


exercer e dirigir determinada empresa de forma unipessoal, isto é, sem a colaboração
de sócios. Com efeito, pois a unipessoalidade tem acepção mais ampla, abarcando
todas as possibilidades legais de que uma pessoa, natural ou jurídica, explore empresa,
individualmente, na condição de pessoa natural mesmo, ou mediante uma pessoa
jurídica que não seja formada por dois ou mais sócios.

Essa última situação – pessoa jurídica empresarial que não seja formada por dois ou
mais sócios – é rotineiramente nominada de "sociedade unipessoal". Porém, essa
expressão é criticável, haja vista que não há que se falar em sociedade sem sócios ou
de um único sócio.

A única hipótese em que se pode admitir a utilização da expressão "sociedade


unipessoal" é quando determinada sociedade que já opere venha a, posteriormente,
quedar-se com apenas um único sócio. Somente nesse caso, em razão de a
unipessoalidade ser superveniente e temporária, admitida em prol da preservação da
empresa (art. 1.033, inc. IV, do Código Civil ou art. 206 da Lei 6.404/76 ou Lei das
S/A’s), é que se poderia cogitar de chamá-la de "sociedade unipessoal".

Fora dessa situação, antes da vigência da Lei 12.441/2011, a legislação ainda admitia a
criação de "pessoa jurídica unipessoal" mediante a instituição da subsidiária integral de
determinada sociedade anônima (arts. 251 e 252 da Lei 6.404/76) e da empresa
pública unipessoal (art. 5º, inc. II, do Decreto-Lei 200/67).

Com a vigência da Lei 12.441/2011 surge uma nova modalidade de "pessoa jurídica
unipessoal": a EIRELI, regulamentada basicamente pelo novo art. 980-A do Código Civil
e objeto central de estudo no presente artigo.

2. RESPONSABILIDADE DO EMPRESÁRIO INDIVIDUAL

A sistemática do empresário individual não o possibilita limitar sua responsabilidade.


"É a própria pessoa física que será o titular da atividade. Ainda que seja atribuído um
CNPJ próprio, distinto do seu CPF, não há distinção entre a pessoa física em si e o
empresário individual". [02] Em outras palavras, apesar de o empresário individual ter
registro no CNPJ, não pode afetar ou separar parte do seu patrimônio para responder
pelas dívidas contraídas durante o exercício da empresa. [03]

Essa situação jurídica do empresário individual sempre foi alvo de duras críticas por
parte da doutrina já que, para buscar a limitação da responsabilidade patrimonial,
incentivava a formação de sociedades entre sócios que, na prática, não nutriam
affectio societatis (laço psicológico de reciprocidade na união em prol de finalidade
econômica).
Por óbvio, as sociedades de que se trata aqui devem ser do tipo que admita a limitação
da responsabilidade dos sócios, como no caso das sociedades limitadas e das
sociedades anônimas – as mais utilizadas na atualidade, conforme doutrina Paula A.
Forgioni:

Em outros tempos, os comerciantes ou industriais valiam-se de diversos tipos


societários para acomodação de seus interesses. Hoje, a realidade demonstra que as
opções resumem-se a praticamente duas: sociedades anônimas e sociedades limitadas.

Esses tipos societários viabilizam a limitação da responsabilidade do sócio,


possibilitando o cálculo do risco assumido por conta do investimento. O agente
econômico destaca de seu patrimônio parcela destinada a garantir as obrigações
contraídas em razão de atividade empresarial. Ao subtrair os bens particulares do sócio
do alcance dos credores da sociedade, estimula-se a inversão. [04]

Outra crítica que se faz é o estímulo ao nascimento de "sociedades de fachada", nas


quais um dos sócios detém 99,9% dos votos (ou outro percentual expressivo, próximo a
este), enquanto o outro sócio detém a parcela ínfima restante, servindo como mero
"sócio de fachada", "sócio laranja" ou "sócio testa-de-ferro". Segundo André Luiz Santa
Cruz Ramos, "trata-se, na verdade, de uma sociedade unipessoal disfarçada, de um
drible no atraso de nossa legislação societária". [05]

Sobre essa situação, Gladston Mamede afirma que "há muito o Direito e a realidade
social e mercantil brasileira convivem com a hipocrisia das sociedades contratuais que,
sendo de direito, não o são de fato", [06] além de ressaltar que:

[...] é preciso reconhecer haver um número expressivo das sociedades limitadas, no


Brasil, que não constituem sociedades de fato, mas apenas de direito. Nelas não se
afere, efetivamente, um encontro de investimentos e esforços de seus sócios; pelo
contrário, tem-se um sócio majoritário, que é aquele que efetivamente investiu na
constituição da pessoa jurídica e da empresa e que dela se ocupa, e um sócio
minoritário (esposa, irmão, filho, primo etc.) que nada investiu de fato, que sequer se
interessa pelo que se passa com a sociedade. Está ali apenas para garantir a pluralidade
de pessoas que, salvo exceções específicas, é necessária para que se tenha uma
sociedade (pessoa jurídica). E apenas por meio de uma sociedade o empreendedor
pode se beneficiar de um limite de responsabilidade entre a atividade empresarial e o
patrimônio pessoal dele. [07]

Por outro lado, há quem não veja problema em tais "sociedades de fachada",
chamando-as até de "sociedades etiquetas", pregando ainda ser desnecessária
limitação da responsabilidade do empresário individual, como o faz Waldírio Bulgarelli:

Temos para nós contudo, em tema de limitação da responsabilidade do empresário


individual, que o sistema atual tem sido suficiente, através da constituição de
sociedades ‘etiquetas’ de responsabilidade limitada. Entendido esse contrato societário
em relação à causa, como daqueles denominados por Tulio Ascarelli de negócio
jurídico indireto em que não há intenção de fraudar nem mesmo simulação, não vemos
razão maior para as constantes investidas contra essa situação, que não prejudica os
credores, já que a sociedade, dessa maneira constituída, ostenta a sua condição de
responsabilidade limitada dos sócios, portanto, não os enganando. E em caso de fraude
intencional ou não, sempre haverá o recurso à aplicação da teoria da desconsideração
da personalidade jurídica [...] ou a penhora das cotas para atender aos credores
particulares. [08]

Porém, as críticas às "sociedades de fachada" são merecidas, mormente porque o


inciso XX do art. 5º da Constituição Federal garante, como direito fundamental, que
"ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado", ao passo
que a legislação infraconstitucional, contraditoriamente, em razão de conveniência
prática, acaba compelindo os empresários individuais a formarem sociedades de algum
tipo que limite as suas responsabilidades – situação corriqueira na realidade brasileira,
pelo menos antes da vigência da Lei 12.441/2011.

Sobre a histórica injustiça feita com o empresário individual no Direito brasileiro,


Romano Cristiano ainda apresenta a seguinte reflexão fundada no princípio da
isonomia:

[...] O absurdo da situação me obriga a perguntar: ‘Os agentes empresariais associados


possuem porventura alguma qualidade, algum mérito ou algum direito que o
empresário individual não possua?’ Uma vez que a pergunta é apenas retórica, não me
parece ser possível resposta que não indique negação absoluta; o que me obriga a
perguntar de novo: ‘Por que então, os primeiros costumam ser premiados, ao passo
que o segundo castigado com insistência? Porventura os seres humanos não estão
lutando, com unhas e dentes, para que, em seus relacionamentos, em sua vida social,
existam igualdade e justiça cada vez maiores?’. [09]

Desde a vigência do atual Código Civil, alguns dispositivos que tratam do empresário
individual já vinham admitindo a afetação patrimonial pelo exercício da empresa. É o
que se percebe da possibilidade de alienação dos imóveis ligados ao exercício da
empresa, sem a necessidade de outorga conjugal (art. 978) ou da blindagem dos bens
que o incapaz já possuía, ao tempo da sucessão ou da interdição, desde que estranhos
ou não relacionados ao exercício da empresa (§ 2º do art. 974).

No caso do art. 978 do Código Civil, não há limitação da responsabilidade do


empresário individual, apesar de haver certa afetação patrimonial para facilitar as
negociações empresariais, ainda que em detrimento da preservação da meação do
cônjuge do empresário individual, haja vista ser dispensável a sua autorização para
alienação de imóveis relacionados ao exercício da empresa.

Já na hipótese do § 2º do art. 974 do Código Civil, há limitação da responsabilidade do


empresário individual que, por ser incapaz, obteve autorização judicial para continuar
exercendo determinada empresa. Nesse caso excepcional, visando proteger o
patrimônio do incapaz, o juiz autoriza que a empresa continue a operar, mas restringe
a possibilidade de que dívidas contraídas no seu exercício sejam pagas utilizando bens
de propriedade do incapaz que sejam estranhos ao acervo empresarial.

Contudo, só no caso do § 2º do art. 974 do Código Civil é que, além da afetação


patrimonial, há limitação da responsabilidade do empresário individual. Porém, por se
tratar de situação excepcional, pouco vista na prática, dependente de burocrática
autorização judicial, é possível afirmar que não foi capaz de corrigir a histórica
exposição patrimonial do empresário individual.
Com a vigência da Lei 12.441/2011, certamente será grande a quantidade de
empresários individuais que optarão por se transformar em EIRELI, visando limitar as
suas responsabilidades. Ademais, a tendência também é que deixem de ser registrados
novos empresários individuais.

3. EMPRESA INDIVIDUAL DE RESPONSABILIDADE LIMITADA

3.1 Natureza jurídica

A EIRELI não tem natureza jurídica de sociedade empresária, ao contrário do que


muitos podem imaginar, mas trata-se de uma nova categoria de pessoa jurídica de
direito privado, que também se destina ao exercício da empresa. Tanto que a Lei
12.441/2011 incluiu "as empresas individuais de responsabilidade limitada" no rol de
pessoas jurídicas de direito privado do art. 44 do Código Civil (inc. VI).

Ademais, a Lei 12.441/2011, ao inserir no Código Civil o art. 980-A, teve o cuidado de,
topograficamente, também criar um novo título (Título I-A: "Da Empresa Individual de
Responsabilidade Limitada"), situado entre os Títulos I e II, que tratam,
respectivamente, do empresário individual e das sociedades empresárias.

Outrossim, também não se afigura razoável atribuir à EIRELI a natureza jurídica de


"sociedade unipessoal", pois só há que se falar em sociedade se houver mais de um
sócio. A criação de uma nova modalidade de pessoa jurídica de direito privado não
impõe que seja classificada como "sociedade unipessoal".

É preciso não confundir os conceitos de pessoa jurídica e sociedade, pois nem toda
sociedade tem personalidade jurídica, tanto que o próprio Código Civil regulamentou
aspectos da sociedade em comum (art. 986 e ss.) e da sociedade em conta de
participação (art. 991 e ss.) que são espécies de sociedades não personificadas.
Outrossim, também é preciso ressaltar que nem toda pessoa jurídica que explora
empresa é classificada como sociedade empresária – e a EIRELI é o exemplo de tal
assertiva.

A EIRELI é simplesmente uma nova espécie de pessoa jurídica de direito privado


reconhecida pela legislação brasileira. E não há nenhum impedimento legal para a
atribuição de personalidade jurídica que não seja relacionada a uma coletividade de
pessoas. Além da "empresa individual de responsabilidade limitada", Gladston
Mamede lembra que a fundação também é um exemplo de pessoa jurídica que não é
criada por uma coletividade de pessoas, mas sim composta por uma coletividade de
bens destinados a determinado fim, in verbis:

A afirmação de que a pessoa jurídica corresponde a uma coletividade, embora


corriqueira, deve ser vista com certa reserva. No caso de bens, não se exige,
efetivamente, uma coletividade: uma fundação pode ser constituída a partir de um
único bem, desde que seja suficiente para atingir os fins a que se destina, como fica
claro dos artigos 62 a 64 do Código Civil. Em fato, a propriedade sobre uma única
fazenda pode ser destinada à constituição de uma fundação. [10]
Portanto, sem sombra de dúvida, pode-se afirmar que nem toda pessoa jurídica de
direito privado é criada por uma coletividade de pessoas. O Direito brasileiro atribui
personalidade jurídica a outras situações, mas ressalta ser indispensável o registro para
a existência legal de qualquer pessoa jurídica, nos termos do art. 45 do Código Civil.
Assim, conclui-se que sem o competente registro não há que se falar em pessoa
jurídica de direito privado. E, ademais, a EIRELI é uma nova espécie de pessoa jurídica
de direito privado que não se confunde com as sociedades que têm personalidade
jurídica.

3.2 CRÍTICA À NOMENCLATURA

O Legislador andou mal ao nominar de EIRELI a nova espécie de pessoa jurídica de


direito privado criada pela Lei 12.441/2011. É que essa nomenclatura confunde o
sujeito (empresário) com a atividade exercida (empresa).

Seguindo as lições de Waldírio Bulgarelli, expostas na clássica obra "Teoria Jurídica da


Empresa", publicada em 1985, e que continuam atuais, a acepção funcional da
empresa é aquela que melhor se relaciona com as demais categorias jurídicas que
envolvem e integram o fenômeno denominado empresarialidade.

Em sua acepção funcional, a empresa é considerada como uma especial atividade


(econômica, organizada, profissional e destinada à produção ou circulação de bens ou
serviços para o mercado), não se confundindo com o sujeito que a exerce (o
empresário), nem com os bens organizados para instrumentalizar o seu exercício (o
estabelecimento). Essa foi a idéia adotada pelo atual Código Civil brasileiro (Lei
10.406/2002), facilmente detectada pela análise conjunta dos arts. 966 e 1.142.

Empresa (atividade), empresário (sujeito de direito) e estabelecimento (conjunto de


bens organizados) têm conceitos e funções jurídicas específicas e não devem ser
confundidos entre si, sob pena de haver prejuízo para a segurança jurídico-
metodológica.

É bem verdade que, no ordenamento jurídico brasileiro, inúmeros são os casos de


menção à empresa que a confundem com o empresário ou com o estabelecimento.
Aliás, o art. 931 do próprio Código Civil equivocou-se e caiu em contradição ao fazer
menção à empresa. Porém, pelo menos esse dispositivo situa-se fora do Livro II da
Parte Especial do Código Civil, responsável pelo trato do Direito de Empresa. Por outro
lado, o novo art. 980-A, incluído pela Lei 12.441/2011, foi inserido justamente no bojo
do referido Livro II que trata do Direito de Empresa – situação que agrava, sem dúvida,
o seu equívoco.

Portanto, seria coerente que o Legislador tivesse optado pela expressão "empresário
individual de responsabilidade limitada" ou até mesmo por "empreendedor individual
de responsabilidade limitada". Aliás, essa última expressão foi a utilizada na Subseção
II, onde se localizaria o art. 69 da Lei Complementar 123/2006 (Estatuto Nacional da
Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte), caso não tivesse sido vetado pela
Presidência da República.

3.3 SEPARAÇÃO OU AFETAÇÃO PATRIMONIAL E RESPONSABILIDADE


Sem dúvida alguma, a limitação da responsabilidade é a grande vantagem em se
constituir uma pessoa jurídica de direito privado da espécie EIRELI.

Essa limitação da responsabilidade é possibilitada pela separação ou afetação do


patrimônio relacionado à referida pessoa jurídica, que com a criação desta não mais
será confundido com o patrimônio próprio da pessoa criadora. A criação da pessoa
jurídica, automaticamente, promove a separação dos patrimônios.

Ao contrário do vetado art. 69 da Lei Complementar 123/2006, que tentou instituir a


figura do "empreendedor individual de responsabilidade limitada", mas sem lhe
atribuir personalidade jurídica, o art. 980-A do Código Civil é louvável porque torna
mais fácil a identificação de qual o patrimônio afetado à empresa, já que deverá estar
vinculado a pessoa jurídica distinta e autônoma.

Destaque-se que a Lei 12.441/2011 teve um único dispositivo vetado pela Presidência
da República, qual seja, o § 4º que faria parte do art. 980-A do Código Civil, com a
seguinte redação:

§ 4º Somente o patrimônio social da empresa responderá pelas dívidas da empresa


individual de responsabilidade limitada, não se confundindo em qualquer situação com
o patrimônio da pessoa natural que a constitui, conforme descrito em sua declaração
anual de bens entregue ao órgão competente.

O veto se deu em razão da provável confusão interpretativa que daria ensejo à


impossibilidade de aplicação da desconsideração da personalidade jurídica quando
verificados seus pressupostos. Ademais, as razões do veto esclarecem que,
teleologicamente, deve ser conferido à EIRELI o mesmo tratamento dispensado às
sociedades limitadas, in verbis:

Não obstante o mérito da proposta, o dispositivo traz a expressão 'em qualquer


situação', que pode gerar divergências quanto à aplicação das hipóteses gerais de
desconsideração da personalidade jurídica, previstas no art. 50 do Código Civil. Assim,
e por força do § 6º do projeto de lei, aplicar-se-á à EIRELI as regras da sociedade
limitada, inclusive quanto à separação do patrimônio. [11]

Logo, verificados os pressupostos do art. 50 do Código Civil ou de outros permissivos


legais, a desconsideração da personalidade jurídica pode ser aplicada à EIRELI e,
eventualmente, responsabilizar e atingir o patrimônio pessoal de seu administrador ou
criador, mormente porque "Aplicam-se à empresa individual de responsabilidade
limitada, no que couber, as regras previstas para as sociedades limitadas" (§ 6º do art.
980-A do Código Civil).

3.4 RESTRIÇÃO AO "CAPITAL SOCIAL"

Nem toda pessoa poderá constituir uma EIRELI, haja vista que o caput do art. 980-A do
Código Civil exige que, no ato de constituição, no mínimo, seja afetado um patrimônio
não inferior a 100 (cem) salários mínimos, in verbis:
Art. 980-A. A empresa individual de responsabilidade limitada será constituída por uma
única pessoa titular da totalidade do capital social, devidamente integralizado, que não
será inferior a 100 (cem) vezes o maior salário-mínimo vigente no País.

[...]

É interessante notar o atraso do dispositivo, pois, atualmente, não há maior ou menor


salário-mínimo vigente no Brasil, já que existe um único salário-mínimo nacional.
Outrossim, a menção ao "capital social" foi infeliz, haja vista que não há coletividade de
pessoas ou sociedade in casu, mas apenas a atribuição de personalidade jurídica a
parte do patrimônio de uma única pessoa, o qual é afetado ao exercício da empresa.
Melhor seria que o Legislador tivesse optado por "capital separado", "capital afetado",
"capital integralizado", "capital inicial" ou algo semelhante.

Com a fixação de um piso para o capital inicial, o dispositivo parece ter visado evitar
que pequenos negócios gozassem da possibilidade de limitação de responsabilidade. O
raciocínio é que somente fazem jus à limitação da responsabilidade aqueles
empreendimentos que demandem capital inicial superior a 100 (cem) salários
mínimos.

Ademais, a fixação do capital inicial mínimo também visou dificultar que a EIRELI fosse
utilizada para fraudar a legislação trabalhista, tal como vem sendo utilizado o regime
jurídico do microempreendedor individual (MEI), previsto no art. 68 da Lei
Complementar 123/2006. É que, na prática, muitos empregadores, buscando diminuir
custos com mão-de-obra, têm demitido seus empregados e, logo, em seguida, os têm
recontratado, fraudulentamente, na condição de microempreededores individuais.
Com a fixação do piso inicial de 100 (cem) salários mínimos, espera-se que a EIRELI seja
desestimulada a servir de ferramenta para fraudes trabalhistas desse jaez.

Porém, a fixação desse capital inicial mínimo merece algumas críticas. Em primeiro
lugar, porque somente seria justificável caso também o fosse exigido na constituição de
sociedade empresária, sob algum tipo que limitasse a responsabilidade dos sócios.

Em segundo lugar, afigura-se estranho o estabelecimento somente do capital inicial


mínimo, tendo em conta que eventual subcapitalização material superveniente à
criação da EIRELI não tem o condão de provocar a sua desconsideração ou extinção.

Destaque-se que o capital declarado é sempre nominal, porque relativamente estável e


congelado no tempo. Já o patrimônio é volátil no tempo e serve para a elaboração do
balanço real da empresa, conforme ensina Ivens Henrique Hübert:

O patrimônio, é preciso reconhecer, traduz-se também em cifra, mas apenas para


efeito de inevitável elaboração de balanço. A cifra que ele representa não é mais que
uma fotografia de um dado momento, já modificado no momento seguinte. O capital
social, ao contrário, permanece o mesmo por períodos muito mais extensos, como que
se corporificando na própria cifra. [12]

Ademais, interessante notar que o patrimônio real somente se confunde com o capital
inicial no dia da criação do ente empresarial. Nesse sentido, em que pese o foco nas
sociedades, mas cujas lições se aplicam mutatis mutandis aqui, Alfredo de Assis
Gonçalves Neto doutrina:

A sociedade utiliza seu patrimônio para a realização de seus fins. Ao fazê-lo, esse
patrimônio oscila de valor e se modifica a todo momento: cresce e definha de
conformidade com as injunções do mercado ou com a expansão ou o encolhimento
das atividades sociais. Contrastando com ele, o capital social é um valor permanente,
uma cifra fixa que permanece como referencial do valor, não do patrimônio de cada
dia, mas da massa patrimonial que os sócios reputaram ideal para a sociedade poder
atuar.

Assim, no momento da constituição da sociedade, capital e patrimônio têm o mesmo


valor. Mas, iniciando-se a atividade social, o patrimônio oscila aumentando ou
encolhendo, segundo as vicissitudes da atividade exercida, enquanto o capital
mantém-se fixo, como um número, uma cifra constante e permanente. [13]

Segundo Ivens Henrique Hübert, na subcapitalização material superveniente o


patrimônio líquido (créditos subtraídas as dívidas) é inferior ao capital nominal – o que
se verifica em razão de eventuais perdas patrimoniais resultantes da normal exploração
da empresa. [14]

Ora, se a subcapitalização material superveniente que diminua o patrimônio líquido


para patamar inferior a 100 (cem) salários mínimos não tem como conseqüência a
desconsideração ou extinção da EIRELI, conclui-se que o estabelecimento desse piso
inicial no caput do art. 980-A do Código Civil traz pouca ou nenhuma serventia prática.

Em terceiro lugar, como se só não bastasse, é imperioso reconhecer que a real


integralização do capital inicial é difícil de ser fiscalizada, principalmente porque as
Juntas Comerciais não costumam ser rigorosas quanto à comprovação dessa
integralização, bastando uma mera declaração do interessado nesse sentido.

Aliás, é possível imaginar até que alguém, fraudulentamente, declare perante a Junta
Comercial que tem o capital mínimo necessário para a constituição de uma EIRELI e,
posteriormente, também declare tal capital como renda na sua declaração anual de
imposto de renda, pagando a correspondente exação tributária e, com isso, dando ares
de verdade a uma fantasia – a propósito, relembre-se que para o Poder Público "o
tributo não tem cheiro" (princípio non olet).

Outrossim, para impedir ou dificultar ainda mais o descobrimento da fraude, e


eventualmente até deixar de pagar o imposto de renda, basta que o interessado
"regularize" a subcapitalização material superveniente, fazendo constar da escrituração
contábil "maquiada" a ocorrência de graves perdas patrimoniais.

Se ao tempo da subcapitalização material superveniente não houver credor da EIRELI


que consiga provar a fraude, conclui-se que haverá burla à regra do caput do art. 980-A
do Código Civil sem maiores prejuízos àqueles que atuam no mercado, aos
empregados, ao Poder Público etc.

3.6 COMPATIBILIDADE COM A MICROEMPRESA E EMPRESA DE PEQUENO PORTE


A EIRELI, devidamente constituída, poderá se enquadrar como microempresa (ME) ou
empresa de pequeno porte (EPP), desde que preencha os respectivos pressupostos
exigidos pelo art. 3º da Lei Complementar 123/2006. Apesar de inexistir referência
expressa no caput do dispositivo, o § 6º do art. 980-A do Código Civil é claro ao
determinar que "Aplicam-se à empresa individual de responsabilidade limitada, no que
couber, as regras previstas para as sociedades limitadas", que é uma das espécies de
sociedades empresárias.

Noutro giro, independentemente da sua receita bruta, a EIRELI, por se tratar de pessoa
jurídica, não pode se beneficiar das regras específicas do microempreendedor
individual (MEI) a que se refere o art. 68 da Lei Complementar 123/2006, pois esse
último dispositivo tem aplicabilidade restrita a pessoas naturais.

3.7 APLICABILIDADE PRÁTICA

A imprensa tem ressaltado que a EIRELI será muito utilizada como alternativa à
exploração da empresa sob a roupagem jurídica do empresário individual. Porém, é
bom que fique claro que essa não é a única aplicabilidade prática de que se pode
cogitar.

O art. 980-A do Código Civil também abre a possibilidade para que determinada pessoa
jurídica constitua outra pessoa jurídica sob a forma de EIRELI. Essa conclusão pode ser
facilmente obtida mediante a constatação de que o caput do art. 980-A do Código Civil
não faz distinção entre pessoa natural e jurídica, ao passo que, mais à frente, no § 2º
do mesmo dispositivo, há menção expressa à pessoa natural, confira-se:

Art. 980-A. A empresa individual de responsabilidade limitada será constituída por uma
única pessoa titular da totalidade do capital social, devidamente integralizado, que não
será inferior a 100 (cem) vezes o maior salário-mínimo vigente no País.

[...]

§ 2º A pessoa natural que constituir empresa individual de responsabilidade limitada


somente poderá figurar em uma única empresa dessa modalidade.

[...]

Logo, não quis o Legislador restringir a criação da EIRELI apenas à pessoa natural, mas
quanto a essa resolveu limitar a possibilidade de criação para apenas uma pessoa
jurídica de tal modalidade.

A contrario sensu, como não há restrição semelhante quanto à pessoa jurídica criadora
de EIRELI, conclui-se que determinada pessoa jurídica pode instituir quantas EIRELI`s
desejar, desde que preenchidos os demais requisitos legais para tanto.

Pode-se dizer que a possibilidade de que dada pessoa jurídica constitua, isoladamente,
uma nova pessoa jurídica, sob a roupagem de EIRELI, equivale à autorização genérica
para a instituição da subsidiária integral. Em outras palavras, a partir da vigência da Lei
12.441/2011, a subsidiária integral também pode ser constituída por qualquer espécie
de pessoa jurídica, sendo que antes de tal marco somente as sociedades anônimas
eram autorizadas a fazê-lo (arts. 251 e 252 da Lei 6.404/76).

Marlon Tomazette, sobre a sistemática da subsidiária integral, afirma que "trata-se de


uma idéia similar à de uma filial, porém, dotada de personalidade jurídica própria e,
conseqüentemente, de direitos e obrigações próprios". [15] Assim, a instituição da
subsidiária integral é uma faculdade legal que poderá ser adotada quando se
vislumbrar a necessidade de melhorar a organização administrativa, seja para fins de
planejamento societário, familiar, sucessório ou tributário.

Para a pessoa jurídica que se dedica à execução de diversas atividades, relacionadas


com distintos segmentos mercadológicos, por vezes é importante separar ou fracionar
tais atividades, imputando-as a outras pessoas jurídicas autônomas, que podem ser
subsidiárias integrais caso inexistam sócios. [16]

Outrossim, mister destacar que a vedação de que determinada pessoa natural


constitua mais de uma EIRELI, constante do § 2º do art. 980-A do Código Civil, poderá
ser facilmente contornada. Com efeito, pois basta que a referida EIRELI, na condição de
pessoa jurídica, institua quantas outras pessoas jurídicas da mesma espécie que
entender ser conveniente, mas desde que sejam subsidiárias integrais daquela. Nessa
hipótese, diga-se de passagem, poderá a primeira EIRELI atuar como holding das
demais subsidiárias integrais.

Noutro giro, o § 5º do art. 980-A do Código Civil autoriza a constituição de EIRELI para a
prestação de serviços que envolvam a exploração da rentabilidade de direitos autorais
(regulados pela Lei 9.610/1998), cedidos ou que sejam do próprio autor-instituidor.
Segue o teor do dispositivo em comento:

Art. 980-A. omissis

[...]

§ 5º Poderá ser atribuída à empresa individual de responsabilidade limitada constituída


para a prestação de serviços de qualquer natureza a remuneração decorrente da
cessão de direitos patrimoniais de autor ou de imagem, nome, marca ou voz de que
seja detentor o titular da pessoa jurídica, vinculados à atividade profissional.

Porém, totalmente criticável a autorização específica contida no § 5º do art. 980-A,


porque sem sentido prático, haja vista que já existente em termos genéricos no
parágrafo único do art. 966, também do Código Civil.

É que o parágrafo único do art. 966 do Código Civil, a princípio, exclui as atividades
intelectuais, que podem ser de natureza científica, artística ou literária, do regime do
Direito de Empresa. Porém, o mesmo dispositivo autoriza a submissão ao Direito de
Empresa quando tais atividades intelectuais forem exercidas como "elemento de
empresa", senão veja-se:

Art. 966. Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica


organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços.
Parágrafo único. Não se considera empresário quem exerce profissão intelectual, de
natureza científica, literária ou artística, ainda com o concurso de auxiliares ou
colaboradores, salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa.

Independentemente da caracterização fática do "elemento de empresa", é interessante


notar que basta a mera declaração de que a atividade intelectual é exercida com esses
contornos para sujeitá-la ao regime do Direito de Empresa. Nesse exato sentido, o
Enunciado 54 das Jornadas de Direito Civil, organizadas pelo Conselho da Justiça
Federal, dispõe que: "É caracterizador do elemento empresa a declaração da atividade-
fim, assim como a prática de atos empresariais".

O mesmo posicionamento é comungado por Gladston Mamede, que aduz bastar a


mera declaração do "intuito de empresa", "intuito de empresário" ou "intenção de
empresa" para que seja aceito o registro empresarial na Junta Comercial,
independentemente de prova do exercício fático da empresa:

Ao registrar-se na Junta Comercial [...] ele [o empresário] assumiu esse intuito de


empresa, confessou essa empresarialidade, deu-lhe conformação jurídica, não sendo
lícito a ninguém pretender contestá-la, torná-la coisa controversa (res controversa):
uma ação declaratória negatória (ou negativa) de empresarialidade deve ser extinta
por impossibilidade jurídica do pedido. [...] Com o registro, ele exteriorizou o intuito
empresário, a intenção de empresa: disse do seu horizonte, que é estabelecer, ainda
que passo a passo, uma atividade econômica organizada, por mais que ínfima em seu
nascedouro. [17]

Portanto, quem exerce atividade intelectual, seja de natureza científica, artística ou


literária, incluindo atividades relacionadas à exploração econômica de direitos autorais
regulados pela Lei 9.610/1998, pode se registrar na Junta Comercial como empresário
individual, sociedade empresária ou EIRELI, independentemente da demonstração do
que se trata de "elemento de empresa". A única exceção feita a essa regra é quanto ao
exercício da advocacia, em razão da vedação legal extraída de diversos dispositivos da
Lei 8.906/1994 (Estatuto de Advocacia da OAB). Assim, afigura-se totalmente inócua a
autorização do § 5º do art. 980-A do Código Civil.

Na prática, à exceção do advogado, o profissional liberal que exerce atividade


intelectual (de natureza científica, artística ou literária) e que quiser limitar a sua
responsabilidade, poderá optar pela afetação patrimonial mediante a criação de
pessoa jurídica autônoma, da espécie EIRELI.

3.8 NOME EMPRESARIAL

Assim como no regime jurídico da sociedade limitada (art. 1.158 do Código Civil), o
nome empresarial da EIRELI poderá ser uma firma ou uma denominação. Porém, em
vez de consta ao final a expressão "limitada" ou sua abreviatura ("Ltda."), necessário
que conste a expressão "EIRELI", que é justamente a abreviatura de "empresa
individual de responsabilidade limitada". Nesse sentido, vide o teor do § 1º do art. 980-
A do Código Civil:

Art. 980-A. omissis


§ 1º O nome empresarial deverá ser formado pela inclusão da expressão "EIRELI" após
a firma ou a denominação social da empresa individual de responsabilidade limitada.

[...]

Destaque-se que andou mal o Legislador ao fazer referência à "denominação social",


haja vista que a EIRELI não é uma sociedade. Melhor teria sido se mencionasse apenas
"denominação".

Pois bem, considerando que o § 6º do art. 980-A do Código Civil determina a aplicação
das regras que tratam da sociedade limitada, quando compatíveis, conclui-se que a
firma somente poderá ser utilizada quando a EIRELI for instituída por pessoa natural e,
nesse caso, deverá ser composta pelo nome de tal pessoa natural (§ 1º do art. 1.158 do
Código Civil).

Já a denominação pode ser utilizada tanto pela EIRELI instituída por pessoa natural,
quanto por aquela instituída por pessoa jurídica (nominada de subsidiária integral).
Deve a denominação designar o objeto da empresa e, excepcionalmente, pode fazer
referência ao nome da pessoa que a instituiu (§ 2º do art. 1.158 do Código Civil). O
maior traço característico da denominação, contudo, é a necessária utilização de
alguma "expressão de fantasia", além dos demais elementos acessórios referidos
acima (objeto da empresa e expressão "EIRELI").

Para arrematar, é imperioso alertar que a utilização do nome empresarial da EIRELI,


com omissão da expressão "EIRELI" ao final, implica na responsabilidade solidária e
ilimitada do seu administrador (§ 3º do art. 1.158 do Código Civil).

3.9 ADMINISTRAÇÃO

A administração da EIRELI pode ser conferida a terceiro indicado pelo instituidor ou a


este último mesmo, desde que seja pessoa natural. Assim, não há que se falar em
pessoa jurídica administradora (inc. VI do art. 997 c/c caput do art. 1.053 c/c § 6º do
art. 980-A, todos do Código Civil).

O administrador deverá ter capacidade para tanto, isto é, deve ter capacidade civil e
não ser legalmente impedido de exercer essa função (art. 972 c/c § 1º do art. 1.011 c/c
§ 6º do art. 980-A, todos do Código Civil).

Sendo assim, afigura-se plenamente admissível que o incapaz, devidamente assistido


ou representado, institua EIRELI, com a nomeação de terceiro para exercer a sua
administração (§ 3º do art. 974 c/c §6º do art. 980-A do Código Civil).

Destaque-se que o incapaz não pode ser empresário individual, mas só continuar
empresa que já era antes exercida, desde que seja autorizado judicialmente (art. 974
do Código Civil). Porém, o incapaz pode constituir EIRELI, pois esta é uma pessoa
jurídica que necessita de ter um administrador, podendo ser indicado terceiros para
exercer tal função.

3.10 TRANSFORMAÇÃO
A partir da vigência da Lei 12.441/2011, a empresa pode ser exercida por empresário
individual, EIRELI ou sociedade empresária. E quem já exerce empresa sob alguma das
três estruturas jurídicas retro mencionadas pode, eventualmente, transformar-se em
alguma das outras. Por outro lado, também haverá transformação se determinada
sociedade altera o tipo societário, independentemente de dissolução ou liquidação.

Nesse sentido, destaque-se que o parágrafo único do art. 1.033 do Código Civil, com
nova redação conferida pela Lei 12.441/2011, esclarece que não há que se falar em
dissolução de sociedade quando houver concentração de todas as cotas sob a
titularidade de uma única pessoa, ainda que por prazo superior a 180 (cento e oitenta)
dias, desde que o único titular requeira a transformação da sociedade em empresário
individual ou EIRELI, senão veja-se:

Art. 1.033. Dissolve-se a sociedade quando ocorrer:

[...]

IV - a falta de pluralidade de sócios, não reconstituída no prazo de cento e oitenta dias;

[...]

Parágrafo único. Não se aplica o disposto no inciso IV caso o sócio remanescente,


inclusive na hipótese de concentração de todas as cotas da sociedade sob sua
titularidade, requeira, no Registro Público de Empresas Mercantis, a transformação do
registro da sociedade para empresário individual ou para empresa individual de
responsabilidade limitada, observado, no que couber, o disposto nos arts. 1.113 a
1.115 deste Código.

Ademais, o § 3º do art. 980-A do Código Civil é bem elucidativo ao dispor que: "A
empresa individual de responsabilidade limitada também poderá resultar da
concentração das quotas de outra modalidade societária num único sócio,
independentemente das razões que motivaram tal concentração".

Portanto, não resta dúvida quanto às amplas possibilidades de transformação na


estrutura dos sujeitos que exercem empresa. Por outro lado, em qualquer hipótese de
transformação, desde que preenchidos os requisitos legais para a manifestação da
vontade do sujeito, basta a alteração do registro na Junta Comercial para que produza
seus regulares efeitos (arts. 1.113 a 1.114 c/c § 6º do art. 980-A, todos do Código Civil,
e arts. 220 e 221 da Lei 6.404/76). Esses efeitos, contudo, não poderão promover
modificação ou prejudicar, em qualquer caso, os direitos dos credores pré-existentes
(art. 1.115 c/c § 6º do art. 980-A, ambos do Código Civil, e art. 222 da Lei 6.404/1976).

TÓPICO SEGUNDO
Quais são as conseqüências para o mercado da explícita previsão constitucional do
princípio de livre concorrência (CF, art. 173, § 4º)? Há no direito positivo alguma lei
ordinária que disciplina especialmente a matéria? Em caso afirmativo, descrever as sua
diretrizes básicas.

A Constituição Federal do Brasil é o alicerce e é o fundamento de validade de todo o


ordenamento jurídico pátrio. Seus comandos normativos supremos fixam todas as
diretrizes que o direito infraconstitucional deve seguir e determina de forma direta e
indireta a organização do Estado e da sociedade brasileiros.

O Direito Constitucional, como afirma ALEXANDRE DE MORAES, "é um ramo do Direito


Público, destacado por ser fundamental à organização e funcionamento do Estado, à
articulação dos elementos primários do mesmo e ao estabelecimento das bases de
estrutura política." [1]

Segundo DE PLÁCIDO E SILVA, "o Direito Constitucional, como o mais fundamental dos
Direitos Públicos, de ordem interna, enfeixa todos os princípios jurídicos,
indispensáveis à organização do próprio Estado, à constituição de seu governo, dos
poderes públicos, à declaração de direitos das pessoas, quer físicas, quer jurídicas,
traçando assim os limites de ação do Estado, na defesa de seus precípuos objetivos e
na defesa dos interesses da coletividade que o compõe. Firma, assim, todos os
princípios de ordem política e de ordem geral, seja em relação aos indivíduos, que
compõem a comunidade política, seja em relação a todas as instituições políticas em
que se baseia a sua própria organização, como entidade política e soberana." [2]

Princípios, como salienta DE PLÁCIDO E SILVA são "as normas elementares ou os


requisitos primordiais instituídos como base, como sustentáculo de alguma coisa.
Revelam o conjunto de regras ou preceitos, que se fixam para servir de norma a toda
espécie de ação jurídica, traçando assim, a conduta a ser tida em qualquer operação
jurídica. Deste modo exprimem sentido mais relevante que o da própria norma ou
regra jurídica. Mostram-se a própria razão fundamental de ser das coisas jurídicas,
convertendo-se em perfeitos axiomas. Sem dúvida, significam os pontos básicos, que
servem de ponto de partida ou de elementos vitais do próprio Direito." [3]

TÓPICO TERCEIRO

1.INTRODUÇÃO

Visa o presente estudo estabelecer as principais tendências da ordem jurídico


econômica brasileira, com a finalidade de demonstrar quais as formas efetivas de
controle jurídico Constitucional da iniciativa privada no Brasil.

Não temos a pretensão de esgotar a matéria, muito pelo contrário, apenas


pretendemos ofertar uma contribuição mínima ao tema, estabelecendo de forma clara,
quais os limites de atuação do setor privado na órbita econômica e como o controle
desta atividade pode ser feita.

Para isto, nos utilizamos de uma seqüência expositiva que entendemos mínima, como
necessária à apreensão do tema.
Inicialmente, exporemos o conceito e os limites imanentes à Ordem Econômica
Constitucional brasileira, definindo assim o âmbito de seu alcance , para depois,
fazermos uma explicação geral sobre a intervenção do estado no domínio econômico,
sua natureza e suas formas , procurando definir o âmbito de atuação próprio do Estado
e da iniciativa privada.

Logo em seqüência, nos detivemos na análise do papel do CADE na regulação dos


abusos contra a Ordem Econômica e a atuação do poder judiciário perante estes
abusos e diante do CADE, desenhando para tanto, os limites do mesmo.

Por fim, concluir-se a temática, sintetizando o tema trabalhado e delimitando por


completo o controle jurídico constitucional da iniciativa privada.

2.ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL BRASILEIRA

2.1.Conceito

A busca do conceito de ordem econômica no direito brasileiro tem sido pautada por
noções ambíguas, tendo se utilizado porém, desta expressão, para designar uma
parcela da Ordem jurídica, consoante as lições do professor Eros Grau. (1)

A nossa Carta Magna trata da matéria da ordem econômica em um título específico, o


VII, no cap. I, designando ali seus princípios e limites. Esta expressão - ordem
econômica - foi incorporada ao vocabulário jurídico a partir do início deste século,
traduzindo uma idéia de sistema voltado para regulação das relações econômicas em
um dado Estado, determinando seus limites e dotado de forte carga ideológica.

Extremamente elucidativas são as lições de Vital Moreira a cerca do tema,


reproduzidas pelo Profº Eros Grau (2):

" - em um primeiro sentido, "ordem econômica" é o modo de ser empírico de uma


determinada economia concreta; a expressão, aqui, é termo de um conceito de fato ( é
conceito do mundo do ser, portanto);o que o caracteriza é a circunstância de referir-se
não a um conjunto de regras ou a normas reguladoras de relações sociais, mas sim a
uma relação entre fenômenos econômicos e matérias, ou seja, relação entre fatores
econômicos concretos;conceito do mundo do ser, exprime a realidade de uma inerente
articulação do econômico como fato;

- em um segundo sentido, "ordem econômica"é expressão que designa o conjunto de


todas as normas (ou regras de conduta), qualquer que seja a sua natureza (jurídica,
religiosa, moral etc.), que respeitam à regulação do comportamento dos sujeitos
econômicos; é o sistema normativo (no sentido sociológico) da ação econômica;

- em um terceiro sentido, "ordem econômica"significa ordem jurídica da economia."

Neste sentido, não se pode tratar a ordem econômica, no seu aspecto jurídico, dentro
do primeiro sentido, no mundo do ser, devendo-se observá-lo como expressão
normativa, no mundo do dever ser, para aproximar o conceito de ordem constitucional
econômica ao conceito de Constituição econômica.

Sem dúvida, é necessário reafirmar que o conceito de constituição econômica vai,


indubitavelmente, prescindir de forte carga ideológica, refletindo, as tendências
históricas de um Estado. Utilizando-se do conceito do ilustre Prof. º Josaphat Marinho,
temos que, é "O complexo de normas básicas reguladoras do fato econômico e das
relações principais dele decorrentes é que forma a constituição econômica." (3)

Simplificando os conceitos, temos que, ordem econômica sob o manto do dever ser é a
parcela que regra normativamente as questões econômicas, que institucionalizam uma
determinada ordem econômica(mundo do ser).

A Constituição econômica engloba os preceitos e institutos reguladores de uma


determinada ordem econômica, sendo por isso que se aproxima do conceito de Ordem
econômica no mundo do dever ser, podendo-se conceituá-la também, conforme as
lições do preclaro Prof.º Edvaldo Brito, "A Constituição econômica é a parte da
Constituição Jurídica na qual se agasalha a disciplina normativa da vida econômica
privada e da ordem pública econômica" (4).

Portanto, a Ordem Econômica Constitucional é o conjunto de normas ou instituições


jurídicas que realizam uma determinada ordem econômica no sentido concreto,
regulando os limites da atuação do estado e da iniciativa privada.

2.2.PRINCÍPIOS REGENTES

A ordem constitucional brasileira, em seu art. 170, enuncia os princípios regentes da


ordem econômica. Sem dúvida, as disposições normativas, sejam de fundo
constitucional ou infraconstitucional devem pautar-se por seus princípios orientadores
na sua interpretação, haja vista serem os princípios pautas expressas ou implícitas que
denotam o ponto de partida de qualquer ordem jurídica.

Inicialmente, analisando o caput do art. 170 da Constituição percebemos ter ele


estabelecido dois princípios, quais sejam, o da valorização do trabalho humano e o da
livre iniciativa, que teriam como objetivo, assegurar a todos existência digna, conforme
os ditames da justiça social, pautando-se também pelos outros princípios que enumera
em nove incisos.

O princípio da valorização do trabalho humano vem corroborado como uma


conseqüência da evolução histórica, desde a época do trabalho escravo, passando pela
revolução industrial, até os dias de hoje , em que se pleiteia cada vez mais um
relacionamento capital-trabalho voltado para as necessidades do homem enquanto
indivíduo, procurando-se não retroagir à épocas passadas, de exploração injustificada
do trabalho humano.

Neste sentido é que a Constituição busca a valorização do trabalho humano, em


conjunto com o princípio da livre iniciativa, retrato de uma economia capitalista, que
funciona pelas leis do mercado, com uma intervenção moderada do estado, de forma
subsidiária.
Porém, este entendimento encontra-se contraditado em parte pelo eminente Jurista
Celso Ribeiro Bastos, que entende serem quatro os princípios enunciados no caput,
enunciando que, "encontramos no caput do artigo referência a quatro
princípios:valorização do trabalho humano, livre iniciativa, existência digna, conforme
os ditames da justiça social." (5)

Diferenciando-se do jurista acima, examina de outra forma este artigo o preclaro


Washington Peluso Albino de Souza, entendendo que as disposições do caput
configuram-se em fundamentos e objetivo da ordem constitucional e não em
princípios. Diz o eminente autor que, "Ao tratar dos ‘princípios gerais’, o legislador
situou, no primeiro artigo(art.170) do Cap. I, a preocupação para com os seus
‘fundamentos’ e os princípios a serem observados. Como fundamentos da ‘ordem
econômica’ nomeia ‘a valorização do trabalho humano e a livre iniciativa’. Como
objetivo indica o de ‘assegurar a todos existência digna conforme os ditames da justiça
social’, seguindo-se-lhes, então, os ‘princípios’a serem observados (6).

Observando-se a lição destes doutrinadores e o entendimento por nós exposto acima,


percebe-se também que não se trata o planejamento e a intervenção do estado no
domínio econômico como princípios, se configurando aquela – planejamento - apenas
como uma necessidade do estado para sua melhor organização, pautando-se na busca
do bem estar social, e esta – intervenção do estado no domínio econômico – como
forma subsidiária do Estado atuar, não podendo se configurar em regra num Estado de
direito voltado a um regime de livre concorrência e livre iniciativa.

A atuação do Estado irá se configurar neste ponto, o da intervenção, de forma


subsidiária e como limite de natureza constitucional à atuação abusiva da iniciativa
privada, conforme tanto já reiteramos e iremos demonstrar no prosseguir deste
trabalho.

O primeiro dos princípios enunciados é o princípio da soberania nacional, envolto hoje


em uma dimensão bem mais ampla que a protagonizada à época da promulgação de
nossa carta magna, qual seja, os seus limites perante o processo de globalização.

Não existe mais, no contexto do mundo moderno, Estado Soberano absoluto, se


incluirmos em sua noção o aspecto econômico. A soberania, sem dúvida alguma, não
se restringe mais somente ao âmbito militar, envolvendo hoje sua natureza a
compreensão do grau de dependência econômica de um país em relação à outros
Estados, para se compreender o seu grau de soberania.

A globalização surgiu de forma irremediável e trouxe questões relevantes para serem


resolvidas, quais sejam, a da defesa da concorrência e a da supranacionalidade das
regras direcionadoras do processo de formação dos blocos, que afetam, sobremaneira,
a noção clássica de soberania nacional.

O aprofundamento das relações econômicas no mundo moderno e a formação de


blocos econômicos, entre os quais o mercosul – mesmo com suas limitações
integrativas - , deverá levar-nos, conforme cita o eminente Prof.º Edvaldo Brito, à
"(...)propugnar-se por um redesenho da planta econômica brasileira,(...)" (7).
Em verdade, para enfrentar-se os desafios da globalização será necessário construir-se
novos instrumentos de interpretação jurídica, que possibilitem a interpenetração
econômica e preservem a livre concorrência no mercado nacional, não retirando do
país as suas possibilidades de sua autodeterminação.

Em artigo publicado na folha de São Paulo, Gesner Oliveira, ex-presidente do CADE,


expõe que, "(...)indaga-se até que ponto as legislações nacionais seriam suficientes
para controlar as operações globais. Vários países adotam a "doutrina dos efeitos"para
enfrentar essa questão. Assim, por exemplo, embora a compra da Kolynos pela Colgate
tenha sido realizada no exterior, o CADE tem jurisdição sobre a matéria na medida em
que a operação causa impacto no mercado brasileiro. Ou, na hipótese teórica de
mudança da Microsoft para o Canadá, as autoridades dos Estados Unidos ainda assim
teriam competência sobre condutas da empresa que afetassem o consumidor dos EUA"
(8).

Conforme visto, esta é uma proposição de como interpretar e aplicar a legislação


nacional à estes casos de fusão internacional, fruto da globalização, com reflexos no
âmbito da ordem econômica nacional, de forma a não afetar profundamente a nossa
soberania e a manter-se a livre concorrência.

Como segundo princípio, atrelado, sem dúvida, ao terceiro (9), temos o princípio da
propriedade privada, seguido da função social da propriedade, em que, assegura-se a
livre capacidade de uso, gozo e fruição da propriedade, contanto que esta tenha uma
utilidade coletivamente fruível.

Já no tocante ao quarto princípio, o da livre concorrência, observamos que ela é vital à


sobrevivência de uma economia de mercado que privilegie a valorização do trabalho
humano e a livre iniciativa, vindo este princípio a ser consagrado constitucionalmente
com esta função, a de proteger a economia de um país, seja no seu âmbito interno, ou
seja na sua relação com o mercado internacional e com o fenômeno da globalização,
dos oligopólios e monopólios que venham atravancar o seu crescimento, ou reduzir a
busca da justiça social.

Segundo o ilustre Celso Ribeiro Bastos, "(...)a livre concorrência hoje, portanto, não é
só aquela que espontaneamente se cria no mercado, mas também aquela outra
derivada de um conjunto de normas de política econômica. Existe, portanto, o que
pode ser chamado um regime normativo da defesa da concorr6encia voltada ao
restabelecimento das condições do mercado livre. O princípio constitucional autoriza
esta sorte de intervenção ativa no mercado, sem falar na negativa consistente na
eliminação das disfunções e imperfeições" (10).

Através da proteção da livre concorrência, o direito constitucional também está


protegendo o consumidor,que seria o sujeito imediatamente desfavorecido caso as
regras da livre concorrência fossem violadas.

Ademais, também é o consumidor protegido constitucionalmente através do princípio


insculpido no inciso V do art. 170, que possui clara ligação com o princípio do inciso
anterior e demonstra a preocupação do Ordem Econômica Constitucional brasileira de
privilegiar a livre iniciativa, porém, com respeito aos direitos daqueles que lhe dão
suporte, os consumidores.
Já o inciso VI também eleva a condição de princípio a proteção ao meio ambiente, o
que deixa claro que, a exploração dos recursos ambientais, necessária ao
desenvolvimento econômico do país deve ser pautado no que entendemos como
desenvolvimento sustentável, opondo-se à devastação ambiental.

O inciso VII vem consagrar o princípio da redução das desigualdades regionais,


depreendendo-se, portanto, desta disposição, que os benefícios do desenvolvimento
econômico e as estruturas normativas criadas para dar suporte à este crescimento,
devem estar voltadas também à redução das desigualdades em todas as regiões de
nosso país, procurando, através de políticas públicas e incentivos, reduzir as diferenças
entre estas regiões.

Por fim, tem-se o princípio da busca do pleno emprego e o do tratamento favorecido


para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham
sua sede e administração no país. Aquele coaduna-se com a meta desenvolvimentista e
redistributiva de renda, em que um Estado precisa se desenvolver, porém, buscando a
justiça social e uma melhor distribuição de renda, situação que, indubitavelmente, leva
à busca do pleno emprego como norma de caráter principiológico e, a última situação,
de favorecimento às pequenas empresas, revela a necessidade de se proteger os
organismos micro empresarias que possuem menores condições de competitividade
que as grandes empresas.

Constituem, sem dúvida, estes princípios, em normas cogentes, aos quais não só o
legislador brasileiro deve se pautar como também o judiciário, ao dirimir questões
postas à sua avaliação e decisão, sob pena de evidente inconstitucionalidade das
práticas que afrontarem estes princípios, ou, das leis que estabelecerem metas opostas
à eles.

3. INTERVENÇÃO DO ESTADO NO DOMÍNIO ECONÔMICO

3.1.Natureza

Intervir, na acepção do vocábulo, pode ser compreendido como atuar em área de


outrem. Isto nos leva à conclusão de que, se analisando pela ótica da interpretação
gramatical, o trato da matéria vem configurado no art. 173 da Constituição brasileira,
que declara que, "Ressalvados os casos previstos nesta constituição, a exploração
direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos
imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme
definidos em lei.", o que nos levará a analisar detidamente esta disposição.

O estado brasileiro, na forma plasmada pela constituição, atua em esfera própria e


esfera de terceiros, qual seja, a área de titularidade própria do setor privado.

Quando o Estado vêm a atuar em área de sua titularidade, diz-se que ele pratica
atuação estatal, que é ação do estado no campo da atividade econômica em sentido
amplo e, quando atua em área de titularidade da iniciativa privada, pratica
intervenção, que é atuação estatal no âmbito da atividade econômica em sentido
estrito, ou seja, intervenção do Estado no domínio econômico, conforme leciona Eros
Grau, ao dizer que, "Daí se verifica que o Estado não pratica intervenção quando presta
serviço público ou regula a prestação de serviço público. Atua, no caso, em área de sua
própria titularidade, na esfera pública. Por isso mesmo dir-se-á que o vocábulo
intervenção é no contexto, mais correto do que a expressão atuação estatal:
intervenção expressa atuação estatal em área de titularidade do setor privado;
atuação estatal, simplesmente, expressa significado mais amplo. Pois é certo que essa
expressão, quando não qualificada, conota inclusive atuação na esfera do público." (11)

É possível afirmar portanto que, pela natureza dos atos de intervenção do Estado no
domínio econômico serem próprios de uma atuação estatal em setor que não lhe é
próprio, cumpre ressaltar que esta forma de intervenção deve acontecer pautando-se
pelo princípio da subsidiariedade, tão evocado pela nossa doutrina.

A ilustre professora Zanella di Pietro, ao tratar do tema, expõe com clareza a função
subsidiária do Estado no âmbito da atividade econômica, aduzindo que, "Do mesmo
modo, João Paulo II, na Centesimus Annus, realça que o Estado deve respeitar a
autonomia dos indivíduos, das famílias, associações de classe, grupos econômicos,
partidos políticos, na busca do bem comum. No campo econômico, também o Estado
deve respeitar essa autonomia, somente agindo indiretamente e segundo o princípio
da subsidiariedade, quando necessário para criar as condições favoráveis ao livre
exercício da atividade econômica." (12) (grifo nosso).

Entende ainda a ilustre autora que existem várias tendências a serem apontadas para o
Estado Moderno, em decorrência da aplicação do princípio da subsidiariedade, entre
as quais podemos citar, "em primeiro lugar, a idéia de diminuir o tamanho do Estado,
pelo instrumento fundamental da privatização, ocorrida, especialmente a partir da
década de 80 e movida por fatores de ordem financeira, jurídica e política." (13)

Acrescentando mais outras conseqüências, designa a doutrinadora que, não se pode


mais falar de interesse público, mas sim, de vários interesses públicos, representativos
do vários setores da sociedade civil, a necessidade de ampliação da atividade
administrativa de fomento da iniciativa privada e que,a subsidiariedade, encontra-se
hoje, na base da desregulamentação estatal. (14)

Reputamos que, a designação deste art. 173, apesar de não agasalhar expressamente o
princípio da subsidiariedade, conforme fazia a Constituição anterior, se tem por
reputada a recepção deste princípio, bastando para tanto analisar-se a própria redação
do referido artigo.

Criticando veementemente a disposição atual do artigo, Toshio Mukai salienta que,


"Como se sabe, o art. 170 da emenda Constitucional nº 1/69 privilegiava a iniciativa
privada no que diz com a exploração das atividades econômicas e completava esse
posicionamento prevalente da iniciativa privada com a determinação da ação
suplementar do Estado no campo econômico por via direta, isto é, exigia a ausência da
iniciativa privada para a atuação estatal, o que consubstancia o sentido negativo do
princípio da subsidiariedade, cunhado pela doutrina social da Igreja Católica( cf.
Manoel Gonçalves Ferreira Filho). (15)

Completando o raciocínio destes brilhantes juristas, tem-se que, o princípio da


subsidiariedade deve nortear as atividades do Estado no âmbito do domínio
econômico, devendo o mesmo intervir apenas em função da realização do interesse
social, para coibir abusos econômicos e preservar a livre concorrência, somente nos
casos de segurança nacional e relevante interesse coletivo, conforme o art. 173 da
Magna Carta.

Ademais, faz-se necessário para a devida interpretação dos limites de intervenção do


Estado no domínio econômico, precisarmos o conceito de segurança nacional e
relevante interesse coletivo. A primeira vista deve-se, de pronto, conceitua-los como
conceitos jurídicos indeterminados, na medida em que estes são os denominados
conceitos vagos, plurisubjetivos, de amplitude indefinida conceitualmente.

Toshio Mukai revela este mesmo sentido ao dizer que, "(...)segurança nacional e
relevante interesse coletivo são, por natureza, conceitos jurídicos
indeterminados(determináveis em cada caso concreto, segundo a doutrina
comparada);(...)." (16) Neste diapasão, Zanella Di Pietro observa que, " ambos os
fundamentos são expressos por vocábulos indeterminados, que deixam grande
margem de discricionariedade para o legislador." (17)

Ainda sobre a noção deste instituto jurídico, Karl Engish, em obra clássica, analisa-o
detidamente, denotando, em um instante de suas lições que, "Por conceito
indeterminado entendemos um conceito cujo conteúdo e extensão são em larga
medida incertos". (18)

Não resta dúvida de que se tratam nesta hipótese, de conceitos jurídicos


indeterminados. Resta acrescentar que, eles oferecem uma margem de
discricionariedade não somente ao legislador, mas, também ao judiciário na
interpretação do conceito e na solução da lide.

3.2. Regime Jurídico do Art. 175 da Carta Magna – Atuação estatal.

Explicitada a natureza da intervenção do Estado no domínio econômico, como


atividade exercida pelo Estado em sentido estrito, cumpre ressaltar que, as atividades
de concessão, expostas ao regime do art. 175 da Constituição não se tratam de
intervenção do Estado no domínio econômico, mas sim de prestação de serviço
público, por conseqüência, detentora de regime jurídico distinto.

A distinção pode soar estapafúrdia, mas não o é, posto que, se tomarmos o exemplo de
uma sociedade de economia mista ou de uma empresa pública, exercendo uma
atividade de serviço público ou atividade econômica em sentido estrito, teremos, para
o caso de descumprimento do serviço, conseqüências diferentes, conforme lição
extremamente elucidativa do Prof.º Eros Grau, que merece a transcrição:
"(...)Exemplifico, para demonstra-lo, formulando a hipótese de entidade daquelas, que
preste serviço público, recusar o seu fornecimento a algum usuário. Poderá tal recusa,
então, ser juridicamente repelida:incumbe ao fornecedor do serviço prestar o devido
acatamento ao princípio da continuidade do serviço público; estamos, aí, em razão da
incidência do princípio, diante de hipótese de contrato a ser coativamente celebrado.
Já, no entanto, se a empresa pública ou a sociedade de economia mista explorar
atividade econômica em sentido estrito, a recusa do fornecimento do serviço há de ser
repelida com esteio em distinta fundamentação: ao recusa-lo, o agente
econômico( empresa pública ou sociedade de economia mista) estará a violar preceitos
normativos que o obrigam a contratar, a contratação coativa, no caso, contudo se
impõe não mercê da aplicação daquele princípio, porém de normas expressas que à
prática dessa conduta o vinculam."

Portanto, não se pode, sob vício de inconstitucionalidade, equiparar, tomando-se por


base o & 1º do art. 175 da Constituição, pois, vigora o princípio da subsidiariedade, e o
âmbito da atuação do estado no domínio econômico deve ser restrito. Na hipótese do
parágrafo supra citado, a Profª Zanella Di Pietro, em lição idêntica ao ilustre Eros Grau,
salientou que, "não se pode pretender igualar o regime jurídico das empresas estatais
prestadoras de serviços públicos com o das empresas estatais que exercem atividade
econômica à título de intervenção no domínio econômico, com base no art. 173, & 1º,
da Constituição. Nesse último caso, não se trata de serviço público no sentido estrito do
termo( atividade assumida pelo poder público para assegurar utilidades de interesse da
coletividade, sob regime jurídico total ou parcialmente público). Trata-se de atividade
própria da iniciativa privada, que o Estado só pode desempenhar quando necessário
"aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme
definidos em lei", nos expressos termos do art. 173, caput, da Constituição." (19)

Portanto, a intervenção do Estado no domínio econômico encontra-se regulada no art.


173 da Carta Magna e atuação estatal, na forma de serviço público, encontra-se
descrita no art. 175 da Constituição, que regula as concessões, sendo as leis 8987/95 e
9074/95 reguladoras da matéria em sede infraconstitucional.

3.3. Privatização

Deveras importante é analisarmos o conceito de privatização neste contexto, haja vista


estar o País, no atual momento histórico, passando ainda por uma série de
privatizações de setores anteriormente denominados estratégicos, e que hoje, diante
da necessidade de redimensionamento do Estado e de diminuição da interferência do
mesmo no âmbito do domínio econômico, passam ao controle da iniciativa privada.

Privatização, entendida em seu significado amplo por alguns, tem sido designada como
toda e qualquer forma de redução do tamanho do Estado.

A Prof.ª Zanella Di Pietro, esclarecendo este entendimento, entende que as medidas


inerentes à este conceito são, fundamentalmente, "a desregulação(diminuição da
intervenção do Estado no domínio econômico); a desmonopolização de atividades
econômicas; a venda de ações de empresas estatais ao setor
privado( desnacionalização ou desestatização); a concessão de serviços públicos( com a
devolução da qualidade de concessionário à empresa privada e não mais a empresas
estatais, como vinha ocorrendo); os contracting out ( como forma pela qual a
Administração Pública celebra acordos de variados tipos para buscar a colaboração do
setor privado, podendo-se mencionar, como exemplos, os convênios e os contratos de
obras e prestação de serviços); é nesta última fórmula que entra o instituto da
terceirização." (20)

Porém, o direito brasileiro consagra como privatização, uma forma mais restrita, qual
seja, a de transferência de ativos ou de ações de empresas estatais para os setor
privado, na forma da lei 8031/95.
Portanto, em face de necessidade de redução da atuação do Estado em atividades de
cunho econômico próprias do setor privado, tem-se recorrido constantemente ao
instituto da privatização, devendo-se apenas observar o interesse coletivo quando da
redução da atividade estatal, preservando-se a concorrência e os interesses do
consumidor.

Estes, os interesses do consumidor devem ser cuidadosamente preservados, sob pena


de serem os mais diretos prejudicados com qualquer processo de privatização regulado
de forma equivocada.

3.4. Modalidades de intervenção

A intervenção do Estado no domínio econômico, consoante os ensinamentos do Profº.


Eros Grau (21), ocorre de três formas, que são, a intervenção por absorção ou
participação, a intervenção por direção e a intervenção por indução.

A intervenção do Estado no domínio econômico, se dá por absorção quando ele toma


por completo o exercício da atividade naquele setor da economia, atuando em regime
de monopólio e, no regime de participação, o Estado está a competir com outras
empresas privadas do mesmo setor, mas, ocupa parcela importante de controle dos
meios de produção, sendo estas formas, típicas de intervenção do Estado no domínio
econômico.

Já as outras formas de intervenção, são formas típicas de intervenção do Estado sobre


o domínio econômico, sendo estas intervenção por direção ou por indução.

No caso da intervenção por direção, o Estado exerce influência na economia


estabelecendo mecanismos normativos de pressão para controle da atividade
econômica em sentido estrito e , na intervenção por indução, o Estado manipula os
mecanismos de intervenção conforme as leis de mercado.

Conforme Eros Grau, as normas voltadas à intervenção por direção são de natureza
cogente, imperativas, na medida em que são normas impositivas de comportamentos,
pois, "No caso das normas de intervenção por direção estamos diante de comandos
imperativos, dotados de cogência, impositivos de certos comportamentos a serem
necessariamente cumpridos pelos agentes que atuam no campo da atividade
econômica em sentido estrito – inclusive pelas próprias empresas estatais que a
exploram. Norma típica de intervenção por direção é a que instrumenta controle de
preços, para tabela-los ou congelá-los." (22)

Tratando das normas de intervenção por indução, diz o ilustre jurista que, "No caso das
normas de intervenção por indução, defrontamos-nos com preceitos que, embora
prescritivos(deônticos), não são dotados da mesma carga de cogência que afeta as
normas de intervenção por direção. Trata-se de normas dispositivas. Não, contudo, no
sentido de suprir a vontade dos seus destinatários, porém, na dicção de Modesto
Carvalhosa, no de levá-lo a uma opção econômica de interesse coletivo e social que
transcende os limites do querer individual." (23)

Estas são as modalidades de intervenção do Estado no e/ou sobre o domínio


econômico, restando salientar que, o planejamento é uma forma necessária e
qualificada de organização do Estado para Intervenção do Estado no e/ou sobre o
domínio econômico, refletindo um aspecto organizacional mais bem definido, melhor
coordenado destas atividades. Não se trata, portanto, o planejamento, de uma
modalidade de intervenção e sim de uma forma meramente qualificada de organizar o
processo interventivo.

4. Formas de Controle da Iniciativa Privada

4.1. CADE

4.1.1.Natureza e atribuições

O CADE – Conselho Administrativo de Defesa Econômica – é uma entidade autárquica ,


assim configurada após a lei 8884/94, que tem por finalidade prevenir e reprimir as
infrações contra a ordem econômica , aplicando para tanto as disposições da lei que a
instituiu e os princípios constitucionais da Ordem Econômica.

Em verdade, o CADE foi criado pela lei 4137/62, mas, conforme crítica da doutrina mais
autorizada, restava como um órgão inoperante, sem maior força, que sequer possuía
natureza de autarquia, conforme salientou Celso Ribeiro Bastos, ao dizer que, "O que é
certo é de fato a inoperância do órgão. A matéria está certamente a merecer revisão
de modo que a repressão contra os abusos do poder econômico se torne mais efetiva"
(24)

Atualmente não procede mais discussão absolutamente nenhuma sobre a natureza do


CADE e a importância e efetividade das funções exercidas por ele, pois, é esta
autarquia federal, vinculada ao Ministério da Justiça, consignado como órgão
Judicante, com jurisdição em todo território Nacional. (25)

Conforme observamos da dicção do caput do art. 1º da lei do CADE (26), deve este
órgão pautar-se pelos princípios que regem a Ordem Econômica Brasileira, pois, os
mesmos, direcionam a aplicação de todas as outras normas atinentes à matéria e
dispostas na lei 8884/94.

Afirmação esta – de que o CADE deve pautar-se pelos ditames constitucionais –


totalmente despicienda, pois, não é a legislação infraconstitucional que determina
quando ela própria deve orientar-se pelos princípios constitucionais e sim, a própria
Constituição que orienta as normas Constitucionais quando estabelece princípios para
o sistema. Esta afirmação não precisaria constar do texto de lei, pois, os princípios
constitucionais da Ordem Econômica estão consagrados no art. 170 da Carta Magna,
e , sob qualquer hipótese, se forem desrespeitados, os atos violadores estarão eivados
de inconstitucionalidade , não necessitando para isto de estarem consagrados em sede
infraconstitucional.

Deve o CADE, no exercício das atribuições que a lei lhe confere, exercer o controle
sobre a iniciativa privada quando da prática, por parte desta , de infrações à Ordem
Econômica, infrações estas carreadas no art. 20 da lei 8884/94, podendo o CADE, para
tanto, promover, através de sua procuradoria a execução judicial de seus julgados, ou ,
na forma do art. 12, em seu parágrafo único, solicitar ao Ministério Público Federal que
– também -promova a execução de seus julgados ou do compromisso de cessação,
bem como a adoção de medidas judiciais cabíveis na forma da lei, no exercício da
atribuição estabelecida pela alínea b do inciso XIV do art. 6ºda lei complementar nº 75
de 1993. (27)

Percebe-se claramente pelas disposições do art. 20 (28) da lei do CADE que, a principal
finalidade do mesmo é coibir condutas lesivas à ordem econômica brasileira,
reprimindo os atos abusivos à concorrência e ao exercício da livre iniciativa, podendo,
para tanto, impor penas às mais diversas , na forma do art.23 da lei retro-mencionada,
como multas,, proibição de contratar com instituições financeiras oficiais, participar de
licitações e tantas outras.

Na aplicação destas penalidades, porém , o CADE deverá observar os requisitos de


culpabilidade – podemos assim dizer, fazendo uma alusão à culpabilidade em matéria
penal, conquanto estas sanções não tenham esta natureza – do infrator, dispostas no
art. 27 de sua lei.

Função de extrema importância, no entanto, encontra-se designada no art. 54 da lei do


CADE, que define ser da competência deste apreciar todo e qualquer ato que, de
qualquer forma possa vir a limitar, prejudicar a livre concorrência ou resultar na
dominação de mercado relevante de bens e serviços, considerando-se , que o
percentual igual ou acima de 20% de dominação de um mercado é que é considerado
para efeitos de análise da referida autarquia.

Desta forma, percebe-se que qualquer ato de concentração econômica, proveniente de


fusões ou incorporações resultam a necessidade de uma análise do CADE para
verificação da manutenção das condições de concorrência e das demais previstas em
lei, como forma necessária de autorizar-se o funcionamento do grupo econômico
decorrente do ato de concentração sob análise.

Caso recente em nosso país, envolvendo a análise do CADE referiu-se ao ato de


concentração nº08012.005846/99-12, em que envolvia a operação de agrupamento
societário das empresas Companhia Antártica Paulista – Indústria Brasileira de Bebidas
e conexos ( Antartica) e Companhia Cervejaria Brahma ( BRAHMA), para constituição
da AMBEV no setor de bebidas e de malte.

O CADE, no parecer dado ao caso acima, recomendou que, para aprovação do ato,
fossem alienados todos os ativos tangíveis e intangíveis correspondentes à
integralidade do negócio de cervejas associados à marca Skol e a alienação de uma das
duas plantas localizadas em Cuiabá e uma das duas plantas localizadas em Manaus,
devendo estas exigências serem cumpridas em seis meses e que seja, também,
reexaminado o contrato celebrado entre a BRAHMA e a MILLER.

Porém, em decisão final, prevaleceram outras medidas de restrição, quais sejam , a


alienação dos ativos tangíveis e intangíveis da marca BAVARIA e a alienação de cinco
plantas, localizadas uma em cada região do país.

Esta análise do CADE, dentro dos limites de sua competência, tem como objetivo
resguardar a livre concorrência no setor de bebidas, para que a nova empresa não
acaba eliminando as concorrentes ou prejudicando os consumidores com aumentos
extorsivos de preço.
4.1.2. Controle do poder judiciário

A atuação da iniciativa privada na ordem econômica brasileira é consagrada pela nossa


ordem constitucional, porém, limitada pela mesma, no que diz respeito à
determinados princípios da Ordem Econômica, que ela tem de respeitar ao atuar no
âmbito econômico.

Ao mesmo tempo em que a Constituição se preocupou em propiciar condições de


atuação da iniciativa privada no âmbito econômico, restringindo a atuação do Estado –
princípio da subsidiariedade - , limitou sua atuação , não podendo esta ser exercida de
forma ilimitada, sem que se respeite a livre concorrência e os direitos dos
consumidores.

Sem dúvida o CADE tem competência para impor punições àqueles que, de qualquer
forma, praticarem atos lesivos à ordem econômica, na forma do que dispõe sua
legislação específica.

Porém, não pode o Judiciário se abster de examinar quaisquer pedidos, pelos órgãos
devidamente legitimados para tal, conforme o art. 29 da lei do CADE, (29) quando se
argüir ofensa à ordem econômica.

Traduz claramente este artigo que quaisquer prejudicados, por si ou pelos legitimados
pelo art. 82 da lei 8078/90, (30) poderão ingressar em juízo para defenderem seus
direitos ou interesses que julgarem ofendidos.

A Constituição, em seu art. 5º , inciso XXXV, dispõe que, "a lei não excluirá da
apreciação do poder judiciário lesão ou ameaça a direito." (31), conseqüentemente,
toda e qualquer lesão, ou ameaça de lesão à Ordem Econômica poderá ser apreciada
pelo poder judicário, independente de ter sido questionada em qualquer área
administrativa. Em última ratio, o juiz decide , pois, possui todos os poderes
constitucionais necessários a isto.

Podemos exemplificar da seguinte forma: Pode o Ministério Público Federal, na defesa


de direitos ou interesses difusos, e conforme o art.29 da lei 8884/94 e art. 82 da lei
8078/90, ajuizar qualquer ação de natureza preventiva, contra o ato de constituição da
AMBEV, com fundamentos pertinentes à defesa da ordem econômica constitucional
brasileira, mesmo que, porventura, esta cumpra rigorosamente as recomendações do
CADE.

Para acrescentar, iríamos mais adiante, colocando que, na forma do art. 29 da lei
8884/90, também possuiria legitimidade ativa para promover uma ação contra o ato de
concentração, a KAISER, diretamente interessada por fazer parte do mercado das
concorrentes da AMBEV.

Portanto, não resta dúvida de que, no confronto CADE x JUDICIÁRIO, em que pese o
CADE poder, por intermédio dos poderes que lhe foram conferidos, até executar suas
decisões, poderá o judiciário desconstituir qualquer decisão proveniente do mesmo, ou
ratificar, com base no art.5º, inciso XXXV da Carta Magna Brasileira.
Ademais, cumpre acrescentar que, o judiciário deverá sempre observar a
constitucionalidade dos atos promovidos pelo poder executivo, no tocante ao âmbito
de intenção no domínio econômico, como sendo próprio de sua esfera ou não. É desta
forma que ao judiciário caberá analisar quaisquer formas de intervenção do Estado no
domínio econômico, já que o Estado deve sempre dirigir-se, no tocante à atuação
estatal, pelo princípio da subsidiariedade, restringindo sua atuação ao necessário ao
desenvolvimento de funções relacionadas ao serviço público, ou, aos ditames do art.
173 da Constituição, devendo, se assim for necessário, decretar a inconstitucionalidade
destas interferências.

5. CONCLUSÃO

Diante de todo o exposto ao longo deste trabalho, podemos sintetizar alguns conceitos
básicos, quais sejam:

1- Ordem Econômica Constitucional brasileira pode ser designada como parcela da


ordem jurídica, do mundo do dever ser, tido como um complexo de normas
reguladoras do fato econômico,de suas relações e efeitos, norteados pelos princípios
da valorização do trabalho humano e o da livre iniciativa, da soberania nacional,
princípio da propriedade privada, seguido da função social da propriedade, da livre
concorrência, da defesa do consumidor, da defesa do meio ambiente, da redução das
desigualdades regionais e sociais, da busca do pleno emprego e do tratamento
favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que
tenham sua sede e a administração no país.

2- A atuação estatal na órbita econômica deve se dar na forma do art. 173 , caput da
Constituição, pautado pelo princípio da subsidiariedade, só podendo, a intervenção do
Estado no e/ou sobre o domínio econômico ocorrer sobre três prismas, quais sejam, o
da intervenção por absorção ou participação, a intervenção por direção e a intervenção
por indução, não se constituindo a privatização nem a concessão em formas de
intervenção do Estado no domínio econômico.

TÓPICO QUARTO.

A Constituição Federal de 1988 consagrou como princípio fundamental da livre


iniciativa (art. 1º, IV). O Título VII, Capítulo I da Constituição, que cuida dos princípios
gerais da atividade econômica, reafirma esse princípio da livre iniciativa, por sua vez,
fundado no princípio da livre concorrência, conforme se verifica do art. 170 e seu
parágrafo único da Carta Política.

É verdade que o princípio da livre iniciativa não é absoluto, sofrendo injunções do


poder público ante os interesses maiores da coletividade. O Estado detém o poder de
intervir na atividade econômica por meio de instrumentos normativos, elaborando leis
de combate ao abuso do poder econômico, de proteção ao consumidor, leis tributárias
de caráter ordinatório etc., conforme prescrito no art. 174 da CF. Tem o poder de
fiscalizar e regular a atividade econômica.
Porém, é certo que no conceito de livre iniciativa, que se extrai dos textos
constitucionais, está inserida a prevalência da propriedade privada na qual se assentam
a liberdade de empresa, a liberdade de contratação e a liberdade de lucro. São os
marcos mínimos que dão embasamento ao regime econômico privado.

Por isso, é bastante preocupante o crescente intervencionismo econômico que, hoje,


está mais acentuado do que à época do Regime Militar. São as leis ambientais, que
tornam muitas propriedades rurais improdutivas; as leis de uso e ocupação do solo que
praticamente confiscam a propriedade territorial urbano, ao cindir o espaço aéreo da
superfície correspondente; são as leis de incentivos fiscais que vestem um santo de
desvestem outro.

Agora, surge o intervencionismo nas relações do trabalho, por via do Judiciário como
fruto do agigantamento do Executivo, que faz com que os demais Poderes se
harmonizem com a diretriz governamental.

Como se sabe, ambas as Turmas do Supremo Tribunal Federal vêm decidindo que a
aposentadoria voluntária do empregado não extingue o vínculo empregatício,
conforme de verifica das ementas a seguir transcritas:

Em que pese a reconhecida inteligência e cultura jurídica dos eminentes Ministros da


Corte Suprema, a decisão incorreu, data vênia, em equívoco. Estaria correta se tratasse
de programa de demissão voluntária do empregado, que de voluntário só tem o nome.
Na verdade, a demissão é obrigatória em relação aos nomes inseridos no aludido
programa. Daí, a jurisprudência, determinando o pagamento de todos os direitos
trabalhista como se tratasse de demissão sem justa causa.

Entretanto, na aposentadoria voluntária o empregador não pratica qualquer ato de


demissão. O empregado, por sua livre e espontânea vontade exerce o seu direito ao
beneficio da aposentadoria, passando para a inatividade, abrindo o respectivo posto de
trabalho, dando oportunidade a quem não estiver empregado, tudo em harmonia
como o art. 170 caput da Constituição Federal e seu inciso VIII. Por isso, não há que se
falar em despedida arbitrária ou sem justa causa a que alude o inciso I, do art. 7º da CF.
Nem é razoável exigir que o empregador indenize o empregado, que voluntariamente
pede sua aposentadoria. A indenização só será cabível em caso de despedida sem justa
causa. E a readmissão do aposentado voluntariamente é faculdade do empregador.
Nunca uma obrigação.

O v. Acórdão proferido na Adin nº 1.721-DF encontra-se em confronto direto como o §


1º do mesmo art. 453 da CLT, não impugnado, até hoje, e que assim prescreve:

"§ 1º Na aposentadoria espontânea de empregados das empresas públicas e


sociedades de economia mista é permitida sua readmissão desde que atendidos aos
requisitos do art. 37, XVI, da Constituição, e condicionada à prestação de concurso
público".

Verifica-se do texto legal supratranscrito que a cessação do vínculo empregatício, com


a aposentadoria voluntária do empregado, está implícita, facultando-se a sua
readmissão. O § 1º acima reproduzido tem apenas a finalidade de exigir que a
readmissão de empregados de empresas estatais sujeite-se ao novo concurso público,
e ao mesmo tempo vedar o cômputo de acréscimos pecuniários ou sua acumulação
por ocasião da concessão de acréscimos ulteriores. É que o readmitido não poderia
ficar em situação mais vantajosa do que o empregado público originalmente
contratado.

Outrossim, por força do inciso II, do § 1º do art. 173 da CF as empresas públicas e as


sociedades de economia mista, que exploram atividades econômicas sujeitam-se ao
regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e
obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributárias.

Na realidade, a jurisprudência do STF força a readmissão do empregado que se


aposentou voluntariamente, sob pena de o empregador ter que efetuar o pagamento
de todos os direitos trabalhistas, inclusive, a multa do FGTS, como se tratasse de uma
despedida injusta.

Assim, confundem-se as hipóteses de cessão do vínculo empregatício por


aposentadoria voluntária, e de despedida sem justa causa.

Essa decisão da Corte Suprema, data venia, equivocada poderá acarretar transtornos
financeiros para muitas empresas que tiveremque enfrentar as reclamações
trabalhistas movidas por aposentados voluntariamente. Essa decisão jurisprudencial
interfere diretamente no direito à livre contratação de pessoal pela empresa, que
decorre do regime de livre iniciativa, acolhida pela Constituição Federal no que se
refere à exploração de atividade econômica.

Imagine-se a aplicação, por simetria, dessa jurisprudência no setor público.


Magistrados aposentados voluntariamente poderiam continuar proferindo sentenças;
militares que passaram voluntariamente para a reserva poderiam continuar
comandando as tropas; os servidores públicos em geral, que se aposentaram
voluntariamente poderiam continuar exercendo seus cargos ou funções.

É claro que todas essas situações gerariam um verdadeiro caos no serviço público,
além de impedir o acesso de servidores mais novos aos postos mais elevados da
hierarquia funcional, e de retirar a oportunidade de ingresso de novos servidores
públicos.

Por tudo isso, o posicionamento firmado pela Corte Suprema contraria o princípio da
razoabilidade, que representa uma limitação à própria atuação do legislador. Vai na
contramão dos princípios expressos no art. 170 e incisos da CF. Enfim, a jurisprudência
aqui analisada configura uma das decisões equivocadas da Corte Suprema, cujos
Ministros sofrem, como todas as pessoas, os efeitos da falibilidade humana.

TÓPICO QUINTO

I – INTRODUÇÃO

O interesse pelo desenvolvimento do presente tema – a proteção constitucional


da livre iniciativa e da concorrência – decorre, sobretudo, da sua compreensão como
instrumento, e não como um fim em si mesmo.
Os princípios constitucionais que serão brevemente abordados nesta
oportunidade devem ser vistos como instrumento para o alcance de algo ainda maior
que a livre iniciativa e a concorrência – devem ser vistos como instrumento para se
assegurar a "dignidade da pessoa humana", que é prevista pela Constituição de 1988
tanto como fundamento da República Federativa do Brasil, nos termos de seu art. 1º,
inc. III, quanto como finalidade da ordem econômica, conforme seu artigo 170, caput.

Preleciona o Professor da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco e


Ministro do E. Supremo Tribunal Federal Eros Grau "que o Brasil – República Federativa
do Brasil – define-se como entidade política constitucionalmente organizada, tal como
a constitui o texto de 1988, enquanto assegurada, ao lado da soberania, da cidadania,
dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e do pluralismo político, a dignidade
da pessoa humana. Por outro, significa que a ordem econômica mencionada pelo art.
170, caput do texto constitucional – isto é, mundo do ser, relações econômicas ou
atividade econômica (em sentido amplo) – deve ser dinamizada tendo em vista a
promoção da existência digna de que todos devem gozar" [01].

A Professora Paula Andréa Forgioni, também da Faculdade de Direito do Largo


de São Francisco, por sua vez, tratando mais especificamente da disciplina da
concorrência, assevera que essa surge, no Brasil, "em um contexto de proteção da
economia popular (cf. Decreto-lei 869, de 1938, e Decreto-lei 7.666, de 1945), o que,
sem sombra de dúvidas, já lhe atribui um caráter instrumental ainda que vinculado à
economia popular e ao consumidor. O caráter instrumental da proteção da
concorrência permanece na atual Constituição, que manda reprimir o abuso do poder
econômico que vise a dominação dos mercados e à eliminação da concorrência (art.
173, §4º), em atenção ao princípio da livre concorrência (art. 170, IV). Manda,
também, reprimir o aumento arbitrário de lucros (art. 173, §4º), conforme o princípio
da defesa do consumidor (art. 170, inc. V). Essa proteção, entretanto, vai inserta no fim
geral e maior, qual seja, "assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da
justiça social" [02].

Tal "fim geral e maior", nos termos do art. 170, caput, da Constituição da República,
pressupõe uma ordem econômica fundada na "valorização do trabalho humano" –
frise-se que "o valor social do trabalho" não apenas deve ser o fundamento da ordem
econômica, como também deve ser a base de sustentação da República Federativa do
Brasil, como entidade política constitucionalmente organizada, nos termos do artigo
1º, inc. IV, da Constituição de 1988.

Nessa linha, a "valorização do trabalho humano", acompanhada da "livre


iniciativa", que, em verdade, "é um modo de expressão do trabalho e, por isso mesmo,
corolária da valorização do trabalho" [03], ambas previstas no caput do art. 170 da
Constituição como fundamentos da ordem econômica, são condições para que se
assegure a "dignidade da pessoa humana".

A "livre concorrência", princípio que complementa o da "livre iniciativa", dessa


mesma forma, sendo princípio voltado à preservação do modo de produção capitalista,
através da tutela do consumidor – na medida em que a competitividade leva a uma
distribuição de recursos por um preço menor – e da garantia de oportunidades iguais a
todos os agentes do mercado, deve também ser encarada, em última análise, como
adiante se verá, como asseguradora da "dignidade da pessoa humana".

Essa é a perspectiva que se pretende dar nessa breve abordagem sobre o tema.

II – CONTEXTUALIZAÇÃO DA "LIVRE INICIATIVA" NA CONSTITUIÇÃO DE 1988

Os esclarecimentos introdutórios são necessários para que se tome o princípio


da "livre iniciativa" como expressão de algo inserto dentro de um contexto socialmente
valioso. Afinal de contas, é conhecida a lição de Eros Grau de que "jamais se aplica
uma norma jurídica, mas sim o direito, não se interpretam normas constitucionais,
isoladamente, mas sim a Constituição, no seu todo. Não se interpreta a Constituição
em tiras, aos pedaços" [04].

O ilustre José Afonso da Silva, nesse sentido, ensina que a livre iniciativa, "num
contexto de uma Constituição preocupada com a realização da justiça social (o fim
condiciona os meios), não pode significar mais do que ‘liberdade de desenvolvimento
da empresa no quadro estabelecido pelo poder público, e, portanto, possibilidade de
gozar das facilidades e necessidade de submeter-se às limitações postas pelo mesmo’. É
legítima, enquanto exercida no interesse da justiça social. Será ilegítima, quando
exercida com objetivo de puro lucro e realização pessoal do empresário." [05].

Na concepção de Celso Ribeiro Bastos, a livre iniciativa "é uma manifestação dos
direitos fundamentais e no rol daqueles devia estar incluída. De fato o homem não
pode realizar-se plenamente enquanto não lhe for dado o direito de projetar-se através
de uma realização transpessoal. Vale dizer, por meio da organização de outros homens
com vistas à realização de um objetivo. Aqui a liberdade de iniciativa tem conotação
econômica. Equivale ao direito de todos têm de lançarem-se ao mercado da produção
de bens e serviços por sua conta e risco. Aliás, os autores reconhecem que a liberdade
de iniciar a atividade econômica implica a de gestão e a de empresa." [06].

É importante que se diga, entretanto, que a "livre iniciativa", prevista pela


Constituição da República tanto no artigo 1º, inc. IV, como fundamento da República
Federativa do Brasil, quanto no artigo 170, caput, como fundamento da ordem
econômica, não se resume apenas à liberdade de desenvolvimento da empresa, sob
pena de se vislumbrar a "livre iniciativa" apenas e tão-somente como uma afirmação
do capitalismo.

A "livre iniciativa" é não só expressão de liberdade da empresa como também


do trabalho, abrangendo todas as formas de produção, individuais ou coletivas, como
por exemplo as iniciativas cooperativa, autogestionária e pública – no que diz respeito
à iniciativa pública, esclareça-se que a "livre iniciativa" não consistirá na livre atuação
da empresa privada no serviço público, mas sim que o Estado não deverá opor
empecilhos à liberdade humana [07].

O renomado mestre Tércio Sampaio Ferraz Jr. proferiu parecer [08], do qual se
fará, abaixo, parcial transcrição, no qual realizou detida análise sobre o tema, tratando
a liberdade de iniciativa como atributo inalienável do ser humano:
"Nestes termos, o art. 170, ao proclamar a livre iniciativa e a
valorização do trabalho humano como fundamentos da ordem
econômica está nelas reconhecendo a sua base, aquilo sobre o que ela
se constrói, ao mesmo tempo sua conditio per quam e conditio sine qua
non, os fatores sem os quais a ordem reconhecida deixa de sê-lo, passa
a ser outra, diferente, constitucionalmente inaceitável. Particularmente
a afirmação da livre iniciativa, que mais de perto nos interessa neste
passo, ao ser estabelecida como fundamento, aponta para uma ordem
econômica reconhecida então como contingente. Afirmar a livre
iniciativa como base é reconhecer na liberdade um dos fatores
estruturais da ordem, é afirmar a autonomia empreendedora do
homem na conformação da atividade econômica, aceitando a sua
intrínseca contingência e fragilidade; é preferir, assim, uma ordem
aberta ao fracasso a uma ‘estabilidade’ supostamente certa e eficiente.
Afirma-se, pois, que a estrutura da ordem está centrada na atividade
das pessoas e dos grupos e não na atividade do Estado. Isto não
significa, porém, uma ordem do ‘laissez faire’, posto que a livre iniciativa
se conjuga com a valorização do trabalho humano, mas a liberdade,
como fundamento, pertence a ambos. Na iniciativa, em termos de
liberdade negativa, da ausência de impedimentos e da expansão da
própria criatividade. Na valorização do trabalho humano, em termos de
liberdade positiva, de participação sem alienações na construção da
riqueza econômica. Não há, pois, propriamente, um sentido absoluto e
ilimitado na livre iniciativa, que por isso não exclui a atividade
normativa e reguladora do Estado. Mas há ilimitação no sentido de
principiar a atividade econômica, de espontaneidade humana na
produção de algo novo, de começar algo que não estava antes. Esta
espontaneidade, base da produção da riqueza, é o fator estrutural que
não pode ser negado pelo Estado. Se, ao fazê-lo, o Estado a bloqueia e
impede, não está intervindo, no sentido de normar e regular, mas está
dirigindo e, com isso, substituindo-se a ela na estrutura fundamental do
mercado".

Compreendida dessa forma a "livre iniciativa", não há que se cogitar dela como
afirmação constitucional do capitalismo, como pretendem muitos estudiosos do tema.
A consagração do sistema capitalista na Constituição de 1988 é decorrência não
exclusivamente do princípio da "livre iniciativa", mas sim desse princípio
complementado pelo princípio da "livre concorrência", que é corolário do capitalismo.
Cumpre-nos analisar, dessa feita, a "livre concorrência" e sua relação com a "livre
iniciativa", sem perder de vista a função instrumental de tais princípios.

III- A "LIVRE CONCORRÊNCIA" E SUA RELAÇÃO COM A "LIVRE INICIATIVA"

Acerca da relação entre a "livre concorrência" e a "livre iniciativa", preleciona


José Afonso da Silva [09] que "os dois dispositivos se complementam no mesmo objetivo.
Visam tutelar o sistema de mercado e, especialmente, proteger a livre concorrência,
contra a tendência açambarcadora da concentração capitalista. A Constituição
reconhece a existência do poder econômico. Este não é, pois, condenado pelo regime
constitucional. Não raro esse poder econômico é exercido de maneira anti-social. Cabe,
então, ao Estado intervir para coibir o abuso".

Carlo Barbieri Filho [10], a respeito especificamente do princípio da "livre


concorrência", previsto no artigo 170, inciso IV, da Constituição da República,
conceitua-o e demonstra sua importância numa economia de mercado, considerando a
concorrência como "elemento fundamental para o democrático desenvolvimento da
estrutura econômica. É ela a pedra de toque das liberdades públicas no setor
econômico. Concorrência é disputa, em condições de igualdade, de cada espaço com
objetivos lícitos e compatíveis com as aspirações nacionais. Consiste, no setor
econômico, na disputa entre todas as empresas para conseguir maior e melhor espaço
no mercado. O objetivo da legislação antitruste é proteger e amparar aqueles que
participam desse jogo".

Celso Ribeiro Bastos [11], por sua vez, também a esse respeito, afirma que "a livre
concorrência é indispensável para o funcionamento do sistema capitalista. Ela consiste
essencialmente na existência de diversos produtores ou prestadores de serviços. É pela
livre concorrência que se melhoram as condições de competitividade das empresas,
forçando-as a um constante aprimoramento dos seus métodos tecnológicos, dos seus
custos, enfim, da procura constante de criação de condições mais favoráveis ao
consumidor. Traduz-se portanto numa das vigas mestras do êxito da economia de
mercado. O contrário da livre concorrência significa o monopólio e o oligopólio, ambos
situações privilegiadora do produtor, incompatíveis com o regime de livre
concorrência".

Eros Roberto Grau [12], em suas lições, parte para uma análise mais acurada do
princípio da "livre concorrência":

"A afirmação, principiológica, da livre concorrência no texto


constitucional é instigante. De uma banda porque a concorrência livre –
não liberdade de concorrência, note-se – somente poderia ter lugar em
condições de mercado nas quais não se manifestasse o fenômeno do
poder econômico. Este, no entanto – o poder econômico – é não apenas
um elemento da realidade, porém um dado constitucionalmente
institucionalizado, no mesmo texto que consagra o princípio. (...) De
outra banda, é ainda instigante a afirmação do princípio porque o
próprio texto constitucional fartamente o confronta. A livre
concorrência, no sentido que lhe é atribuído – ‘livre jogo das forças de
mercado, na disputa de clientela’ -, supõe desigualdade ao final da
competição, a partir, porém, de um quadro de igualdade jurídico-formal.
Essa igualdade, contudo, é reiteradamente recusada (...). O que se
passa, em verdade, é que é outro, que não aquele lido no preceito por
quantos se dispõem a fazer praça do liberalismo econômico, o sentido
do princípio da livre concorrência. Deveras, não há oposição entre o
princípio da livre concorrência e aquele que se oculta sob a norma do §
4º do art. 173 do texto constitucional, princípio latente, que se expressa
como princípio da repressão aos abusos do poder econômico e, em
verdade – porque dele é fragmento –compõe-se no primeiro. É que o
poder econômico é a regra e não a exceção. Frustra-se, assim, a
suposição de que o mercado esteja organizado, naturalmente, em
função do consumidor. A ordem privada, que o conforma, é
determinada por manifestações que se imaginava fossem patológicas,
convertidas porém, na dinâmica de sua realidade, em um elemento
próprio a sua constituição natural. (...) Livre concorrência, então – e daí
porque não soa estranho nem é instigante a sua consagração como
princípio constitucional, embora desnecessária (bastava, nesse sentido,
o princípio da livre iniciativa) –, significa liberdade de concorrência,
desdobrada em liberdades privadas e liberdade pública".

Do que até aqui foi exposto, pode-se concluir que o princípio constitucional da
livre concorrência deve ser entendido como liberdade de concorrência enquanto
direito subjetivo a competir no mercado, sempre sob o manto da proteção da
legislação antitruste pátria, que garante a igualdade de oportunidade entre os players.

Por outras palavras, no princípio da livre concorrência se contém a crença de


que a competição entre os players e, paralelamente, a liberdade de escolha dos
consumidores, produzirão os melhores resultados sociais, promovendo a elevação da
qualidade dos bens e serviços ofertados, bem como a prática de preços justos. Os
players, entretanto, não têm apenas o direito subjetivo a competir no mercado, mas
também o dever jurídico de não adotarem práticas entendidas pela legislação
antitruste como anticoncorrenciais, sob pena de sobre eles recair a ação disciplinadora
e punitiva do Estado.

O princípio da "livre concorrência", entendido nesse sentido de liberdade de


concorrência, pode ser considerado como desdobramento do princípio da "livre
iniciativa". A "livre iniciativa", como visto, é atributo inalienável do ser humano, é a
liberdade "da expansão da própria criatividade", da "participação sem alienações na
construção da riqueza econômica"; é a liberdade, outrossim, da empresa, "da
organização de outros homens com vistas à realização de um objetivo".

A "livre concorrência", nesse contexto, nada mais é que uma extensão do


conceito de "livre iniciativa", desdobrando a liberdade de empresa na liberdade de
competição entre as empresas.

Por outro lado, o que se protege pela "livre iniciativa" e, em última análise, pela
"livre concorrência", é a liberdade de trabalho, de todas as formas de produção,
individuais ou coletivas, e por conseguinte, a "dignidade da pessoa humana".

Do exposto, pode-se concluir que a "livre iniciativa" é complementada pela


"livre concorrência" e ambas têm a finalidade de assegurar a "dignidade da pessoa
humana". A respeito dessa perspectiva da "livre concorrência", confira-se as lições do
mestre Tércio Sampaio [13]:

"A livre concorrência de que fala a atual Constituição como um


dos princípios da ordem econômica (art. 170, IV) não é a do mercado
concorrencial oitocentista de estrutura atomística e fluida, isto é,
exigência estrita de pluralidade de agentes e influência isolada e
dominadora de um ou uns sobre outros. Trata-se, modernamente, de
um processo comportamental competitivo que admite gradações tanto
de pluralidade quanto de fluidez. É este elemento comportamental – a
competitividade – que define a livre concorrência. A competitividade
exige, por sua vez, descentralização de coordenação como base da
formação dos preços, o que supõe livre iniciativa e apropriação privada
dos bens de produção. Neste sentido, a livre concorrência é forma de
tutela do consumidor, na medida em que competitividade induz a uma
distribuição de recursos a mais baixo preço. De um ponto de vista
político, a livre concorrência é garantia de oportunidades iguais a todos
os agentes, ou seja, é uma forma de desconcentração de poder. Por fim,
de um ângulo social, a competitividade deve gerar extratos
intermediários entre grandes e pequenos agentes econômicos, como
garantia de uma sociedade mais equilibrada".

Nesse mesmo sentido, Eros Grau [14] proferiu parecer:

"É que a liberdade de concorrência deve ser visualizada como


elemento moderador do princípio da liberdade de comércio e indústria,
e não como ratificador deste último. Não deve ser tomado, pois, como
princípio negativo. Este sentido já é coberto pelo princípio da liberdade
de comércio e indústria (não ingerência do Estado no domínio
econômico). A liberdade de concorrência é, fundamentalmente, uma
liberdade privada e se apresenta dotada de caráter positivo,
expressando-se como direito a que o abuso (deslealdade) da liberdade
de comércio e indústria não comprometa o funcionamento regular dos
mercados. Esse o sentido sob o qual o princípio é consagrado no plano
constitucional, no inc. IV do art. 170 da vigente Constituição".

Para que a "livre concorrência", nessa ordem de idéias, possa operar, na


expressão utilizada por Paula A. Forgioni [15], como "concorrência-instrumento" para se
"assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social", mostra-se
indispensável a existência de legislação apta a evitar "a ocorrência de práticas
desvirtuadoras da livre concorrência" que ferem "o direito subjetivo daqueles que, ao
lançarem-se no mercado, o fazem sob o manto certo da proteção dos princípios da
Constituição referente ao livre mercado" [16]. E é nesse sentido que atua a vigente lei
antitruste nacional, a Lei n.º 8.884, de 11de junho de 1994, que está voltada à
prevenção e repressão às infrações contra a ordem econômica, da qual adiante se fará
breve análise.

IV- REGULAÇÃO DA CONCORRÊNCIA NO BRASIL

O histórico da legislação antitruste brasileira consiste nas seguintes leis, que


antecederam à atual lei em vigor: Lei n.º 4.137/62, Lei n.º 8.137/90 Lei n.º 8.158/91.
Para o momento, entretanto, interessa-nos apenas abordar, brevemente, a Lei n.º
8.884, de 11.06.1994.

Em seu artigo 1º, a Lei n.º 8.884/1994 define a amplitude de seu conteúdo,
nestes termos: "esta lei dispõe sobre a prevenção e a repressão às infrações contra a
ordem econômica, orientada pelos ditames constitucionais de liberdade de iniciativa,
livre concorrência, função social da propriedade, defesa dos consumidores e repressão
ao abuso do poder econômico"; e completa o seu parágrafo único: "a coletividade é a
titular dos bens jurídicos protegidos por esta lei".

Ressalte-se que, orientada por tais princípios constitucionais, dentre eles os da


"livre iniciativa" e da "livre concorrência", e não exclusivamente no §4º do art. 173 da
Constituição da República, a Lei n.º 8.884/1994 não consiste simplesmente em um
diploma antitruste, mas se encontra voltada à preservação do modo de produção
capitalista.

Com efeito, uma vez que as regras da mencionada Lei "conferem concreção aos
princípios da liberdade de iniciativa, da livre concorrência, da função social da
propriedade, da defesa dos consumidores e da repressão ao abuso do poder
econômico, tudo em coerência com a ideologia constitucional adotada pela
Constituição de 1988" [17] e tendo em vista que tais princípios, em especial os da "livre
iniciativa" e da "livre concorrência", complementam-se e voltam-se à preservação do
modo de produção capitalista, através da tutela do consumidor e da garantia de
oportunidades iguais a todos os players do mercado, outra não poderia ser a
conclusão.

A "livre iniciativa" e a "livre concorrência", princípios preservadores do modo de


produção capitalista, são protegidos pela Lei n.º 8.884/1994, que estabelece, em seu
artigo 20, "que os atos de qualquer natureza que tenham o efeito, potencial ou real, de
limitar, falsear ou prejudicar a livre concorrência ou a livre iniciativa são definidos como
infração da ordem econômica" [18].

Três são, dessa feita, as condutas definidas como infração da ordem econômica: limitar,
falsear ou prejudicar a livre concorrência ou a livre iniciativa. Esclareça-se que, "se a
limitação, falseamento ou prejuízo atingiu a liberdade de concorrer" – livre
concorrência – "ou a liberdade de empreender" – livre iniciativa –, "as repercussões
jurídicas são rigorosamente idênticas" [19].

Fábio Ulhoa Coelho, em seu "Curso de Direito Comercial", define brevemente no


que consistem as condutas acima apontadas [20]:

I-"limitar a livre concorrência ou a livre iniciativa é barrar total ou


parcialmente, mediante determinadas práticas empresariais, a
possibilidade de acesso de outros empreendedores à atividade
produtiva em questão. Em geral, a obstaculização do acesso decorre do
aumento dos custos para novos estabelecimentos, provocado com vistas
a desencorajar eventuais interessados";

II-"falsear a livre concorrência ou iniciativa significa ocultar a


prática restritiva, através de atos e contratos aparentemente
compatíveis com as regras de estruturação do livre mercado". Frise-se,
entretanto, que "pode haver falseamento da concorrência, sem que o
negócio jurídico que o viabiliza se caracterize como simulado"; e

III-"prejudicar a livre concorrência ou iniciativa, por fim, significa


incorrer em qualquer prática empresarial lesiva às estruturas do
mercado, ainda que não limitativas ou falseadoras dessas estruturas.
Trata-se de conduta difícil de se exemplificar em nível conceitual. A
previsão normativa se explica como cautela do legislador, tendo em
conta as imprevisíveis e variadíssimas possibilidades abertas pelas
múltiplas formas de relacionamento entre empresas, de que podem
derivar restrições horizontais ou verticais".

O que se verifica é que a Lei n.º 8.884/1994 sistematiza a matéria antitruste, de


forma a aperfeiçoar o tratamento legislativo que lhe era dado anteriormente. Como
visto, mais do que sistematizar a matéria antitruste, o referido texto legal pretende a
manutenção do modo de produção capitalista, concretizando, dessa forma, os
princípios constitucionais analisados nesse estudo.

Mas o mais importante de tudo isso, conforme obtempera Paula A. Forgioni [21], é
que, de forma diversa da ocorrida com as leis que antecederam a que ora se analisa, a
Lei n.º 8.884/1994 não é mais aplicada apenas em "surtos":

"Não obstante a utilização da Lei Antitruste, pelo governo, com


fins populistas, a atuação do CADE, nos últimos quatro anos, vem-se
consolidando de forma a já não se vislumbrar ‘surtos’ de aplicação da
Lei Antitruste, mas sim uma linha contínua de atuação. Identifica-se um
novo interesse acadêmico pela matéria e o aumento do número de
monografias jurídicas publicadas. Os conselheiros do CADE, por sua vez,
têm proferido várias palestras, com o escopo de chamar a atenção do
empresariado para alguns dispositivos da Lei Antitruste,
desempenhando as funções educativas que estão previstas no inc. XVIII
do art. 7º da Lei Antitruste. (...) Espera-se que com o fortalecimento do
CADE perante o sistema político e a própria opinião pública uma maior
atenção seja dada, por parte das autoridades antitruste, às chamadas
condutas anticoncorrenciais dos agentes econômicos".

A aplicação da legislação antitruste, dessa feita, deve continuar, sem que por
"surtos". Ademais, tendo em vista que a legislação antitruste tem por escopo a
preservação do modo de produção capitalista através da proteção aos princípios
constitucionais da "livre iniciativa" e da "livre concorrência" – por outras palavras,
tendo em vista que tal legislação é instrumento para se "assegurar a todos existência
digna, conforme os ditames da justiça social" – "aparece clara", na lição de Paula A.
Forgioni [22], "conjuntamente com o aspecto instrumental desse tipo de norma, sua
aptidão para servir à implementação de políticas públicas, especialmente de políticas
econômicas entendidas como ‘meios de que dispõe o Estado para influir de maneira
sistemática sobre a economia’".

Ou seja, ainda conforme os ensinamentos da professora, "o antitruste já não é


visto apenas em sua função de eliminação dos efeitos autodestrutíveis do mercado,
mas passa a ser encarado como um dos instrumentos (...) de que dispõe o Estado para
conduzir o sistema".

Assim se dá, dessa feita, nos dias de hoje, a regulação da concorrência no Brasil
enquanto forma de proteção da "livre iniciativa" e da "livre concorrência" e, por
conseguinte, como forma de "assegurar a todos existência digna, conforme os ditames
da justiça social".

V - CONCLUSÕES

Por esse breve ensaio, restou esclarecido que a "valorização do trabalho


humano", acompanhada da "livre iniciativa", são condições para que se assegure a
"dignidade da pessoa humana". A "livre concorrência", princípio que complementa o
da "livre iniciativa", dessa mesma forma, deve ser vislumbrada como condição para
que se atinja o fim maior da dignidade humana.

Isso porque o princípio constitucional da "livre iniciativa" deve ser entendido


como atributo inalienável do ser humano, como a liberdade "da expansão da própria
criatividade", da "participação sem alienações na construção da riqueza econômica" e
"da organização de outros homens com vistas à realização de um objetivo", vale dizer,
da empresa. O princípio da "livre concorrência", por sua vez, deve ser entendido como
liberdade de concorrência, no sentido de direito subjetivo a competir no mercado,
observada a garantia de igualdade de oportunidade entre os players. Ou seja, "livre
concorrência" nada mais é que uma extensão do conceito de "livre iniciativa",
desdobrando a liberdade de empresa na liberdade de competição entre as empresas.

Assim sendo, para que, pela "livre iniciativa" e pela "livre concorrência",
princípios que se complementam e se voltam à preservação do modo de produção
capitalista, se possa "assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da
justiça social", indispensável a existência de legislação que estabeleça aos players o
dever jurídico de não adotarem práticas entendidas pela legislação antitruste como
anticoncorrenciais, sob pena de sobre eles recair a ação disciplinadora e punitiva do
Estado.

A atual lei antitruste nacional (Lei n.º 8.884, de 11 de junho de 1994), na medida
em que protege os princípios da "livre iniciativa" e da "livre concorrência", protege, em
verdade, o próprio modo de produção capitalista.

Mas o mais importante é que a Lei n.º 8.884/1994 vem sendo aplicada com
regularidade, não mais em "surtos", como eram as legislações antitruste anteriores,
possibilitando, dessa forma, a efetiva concretização dos princípios em comento. Dessa
feita, importante que se preserve constante a aplicação da Lei nesse sentido e,
sobretudo, que se passe à "implementação de políticas públicas, especialmente de
políticas econômicas entendidas como ‘meios de que dispõe o Estado para influir de
maneira sistemática sobre a economia’", tudo com o objetivo de se atingir o fim último
e maior de se assegurar a dignidade humana.

TÓPICO SEXTO

1. A Importância dos Pequenos Negócios

Temos nas micro e pequenas empresas um segmento dos mais importantes,


sustentáculo da livre iniciativa e da democracia, responsável pela esmagadora maioria
dos postos de trabalho e do total de empresas de qualquer país. No Brasil não é
diferente. Esse segmento teve, e tem, importante papel como maior fonte de
empregos, absorvendo a maior parte da mão de obra oriunda das demissões em massa
de grandes empresas, assoladas pelo alto índice de desestatização, abertura econômica
( globalização ) e políticas governamentais recessivas.

Esses empreendimentos se destacam, além de sua função social, pelo fato de se


moldarem mais fácil e rapidamente a novas situações econômicas, absorverem mais
facilmente inovações tecnológicas (servindo até mesmo como laboratórios), estimular
expoentes empreendedorísticos, criar empregos e promover desenvolvimento
regionalizado, dentre uma série de outros potenciais. John Naisbitt, guru do mundo
dos negócios, já vislumbrava bem o potencial desses empreendimentos quando dizia
que " As pequenas empresas terão mais chances de sucesso por serem mais ágeis que
as grandes para se mover no mercado e fazer inovações".(1)

Apenas a título de ilustração, no século XX temos notícia de vários produtos


criados por empresas de pequeno porte, como o ar condicionado, a lata de aerossol o
avião, o helicóptero, o scanner ótico, o marca-passo, o computador pessoal e a câmera
instantânea.

O número de micro e pequenos negócios, por tudo o que já se disse, serve de


parâmetro para medição do desenvolvimento social e econômico dos países. É
imperativo que haja um ambiente propício de crescimento para as micro e pequenas
empresas, que envolva política tributária e creditícia, dentre outras formas de
incentivo. Há que ser adotada uma política de tratamento realmente eficaz,
permanente e uniforme, que possa contemplar tanto as micro como as pequenas
empresas.

Superpondo-se às mega-corporações empresariais, evidencia-se a tendência de


fragmentação em empresas menores, mas com alto grau de autonomia e arrojo,
fatores condicionantes para o êxito empresarial. È um novo padrão de
desenvolvimento, permeado de peculiaridades legais, já que há um ambiente legal
criado para o desenvolvimento desse micro e pequenos negócios.

Seria justo contrapor esses pequenos negócios e as mega-corporações cruamente,


sem um mínimo de amparo àqueles, face ao poderio econômico destes, que
certamente sempre prevaleceria, se nenhuma medida fosse adotada para incentivar os
pequenos e micro negócios, tentando colocá-los em melhores condições para
enfrentar essa concorrência injusta? É claro que não.

O fomento aos micro e pequenos negócios tem se constituído em importante


meio de incrementar a competitividade nacional, fazendo com que os Estados
Nacionais se utilizem das mesmas em verdadeiras políticas de estado, inseridas em sua
estrutura institucional.

Atualmente, a série de dificuldades que recaem sobre a pequena e a


microempresa no Brasil, observada cada dia de forma mais contundente, retrata uma
realidade cada vez mais desestimulante para aqueles que vivem destes negócios.
2 O tratamento diferenciado no Brasil

Certo é que todo qualquer tratamento favorecido ao segmento das MPE´s é dado
com estribo na Constituição Federal de 1.988. As bases constitucionais do sistema
econômico nacional são balizadas pelo Capítulo I, Dos Princípios Gerais da Atividade
Econômica, inserido na parte que trata da Ordem Econômica e Financeira, mais
precisamente em seus artigos 170 e 179 :

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na


livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da
justiça social, observados os seguintes princípios:

I - soberania nacional;

II - propriedade privada;

III - função social da propriedade;

IV - livre concorrência;

V - defesa do consumidor;

VI - defesa do meio ambiente;

VII - redução das desigualdades regionais e sociais;

VIII - busca do pleno emprego;

IX - tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as


leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País. ( grifo nosso )

Neste mesmo sentido:

"Art. 179. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios dispensarão às


microempresas e às empresas de pequeno porte, assim definidas em lei, tratamento
jurídico diferenciado, visando a incentivá-las pela simplificação de suas obrigações
administrativas, tributárias, previdenciárias e creditícias, ou pela eliminação ou
redução destas por meio de lei. "

Essa regulamentação básica das atividades econômicas nacionais nos traz os


princípios fundamentais disciplinadores da Ordem Econômica, que fundamenta-se no
tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte aliado à valorização do
trabalho humano e à livre iniciativa, propiciando, então, plena justiça social.

A Constituição Federal consagra a iniciativa privada e a valorização do trabalho


humano como pilares da ordem econômica nacional, fazendo com que nossa economia
seja classificada, conforme José Afonso da Silva(2), "de mercado", de natureza típica
capitalista, uma vez que a iniciativa privada é um princípio básico da ordem capitalista.
De acordo, ainda, com o ilustre constitucionalista :
" A ordem econômica, segundo a Constituição, tem por fim assegurar a todos
existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os princípios
indicados no art. 170 (.. . ) A ordem econômica, configurada na Constituição, prevê
apenas algumas medidas e princípios que, bem lembrou Josaphat Marinho em termos
válidos ainda, ‘poderão sistematizar o campo das atividades criadoras e lucrativas e
reduzir desigualdades e anomalias diversas, na proporção em que as leis se
converterem em instrumentos reais de correção das contradições de interesses
privados."

O inciso IX do artigo 170 da Constituição é um princípio constitucional, que ao


lado dos princípios da livre iniciativa, da valorização do trabalho humano, da justiça
social, da soberania nacional econômica, da livre concorrência e da redução das
desigualdades regionais e sociais, balizam o tratamento diferenciado, favorecido e
simplificado aos micro e pequenos negócios.

Qualquer cidadão, desde que em ambiente favorável, pode criar seu micronegócio
e trabalhar para seu sustento e de seus familiares, consolidando, então, a livre
iniciativa, com a escolha livre de sua atividade econômica, e valorizando o trabalho
humano, com justiça social, pois, como sabemos, grande parte desses negócios é
implementado pelo empresário auxiliado por seus familiares. A capilaridade desse
empreendimentos por si só aguça a cadeia competitiva comercial, movimentando a
economia e fortalecendo a soberania nacional econômica.

Na esteira do inciso IX do artigo 170 da Constituição Federal há o artigo 179, que


nada mais é do que uma atuação do poder estatal na economia, uma intervenção no
domínio econômico, por meio da concessão de incentivos, normatizando e regulando a
atividade econômica, com o intuito de incentivar a economia. É o velho fomento,
conhecido dos nossos ancestrais, que consiste em proteger estimular, promover,
apoiar, favorecer e auxiliar, sem empregar meios coativos, as atividades particulares
que satisfaçam necessidades ou conveniências de caráter geral.(3)

Não se quer dizer que qualquer intervenção estatal depende de lei que autorize,
especificamente, mas sim que a lei terá o condão de limitar as ações estatais, bastando
que o Poder Público exerça suas atividades de incentivo por meio de atos
administrativos, utilizando-se para tanto do poder discricionário que lhe é inerente, ou
mesmo por lei ordinária, se assim o ordenamento legal o exigir.

Com isso, os Governos Brasileiros passaram a adotar medidas de incentivo ao


segmento das micro e pequenas empresas que passamos a analisar.

3 Considerações acerca de alguns princípios constitucionais e infraconstitucionais

Como sabemos, os princípios(4) ( do latim principium, principii ) são enunciados,


implícitos ou explícitos que norteiam a aplicação do Direito, quer em sede
constitucional, quer em sede legal, e até mesmo infralegal. Eles carregam a idéia de
origem, base, sem o status de lei. Servem, então, como pilares de sustentação das
demais normas jurídicas componentes de nosso Sistema Legal.
Os princípios constitucionais, analisaremos alguns deles, são especiais, por
dirigirem todas as normas jurídicas vigentes em nosso ordenamento, com vistas à
motivação e alteração da conduta social, iluminando a compreensão das demais
normas e, ao mesmo tempo, agregando-as em torno de si, ora com clareza e
determinação expressa, ora sujeitos à indução e interpretação de seus mandamentos.
São, sem exceção, de obediência obrigatória.

3.1 O Princípio da Isonomia

O Princípio da Isonomia é um dos pilares do arcabouço constitucional brasileiro,


sendo tratado em nosso ordenamento jurídico na Constituição Federal de 1.988, no
capítulo que trata dos direitos fundamentais, mais precisamente em seu artigo 5º:

"Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se
aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida,
à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes."

Mas, nosso trabalho procurará expor que essa igualdade não pode ser invocada
no mundo jurídico de forma indiscriminada como muitos querem fazer.

Celso Antônio Bandeira de Mello(5) tem a seguinte opinião :

"para que um discrímen legal seja convivente com a isonomia, merece destaque,
pela pertinência com o presente estudo, a de que ‘in concreto’, o vínculo de correlação
supra-referido seja pertinente em função dos interesses constitucionalmente
protegidos, isto é, resulte em diferenciação de tratamento jurídico fundada em razão
valiosa - ao lume do texto constitucional - para o bem público".

Essa concessão, plenamente aceitável do nosso ponto de vista, configura-se,


exemplarmente, no caso em análise, em obediência aos mandamentos dos artigos 170,
IX e 179 da Constituição Federal de 1.988, que tratam expressamente, como não nos
cansamos de repetir, do tratamento diferenciado, simplificado e favorecido a ser
dispensado ao segmento. Ressalte-se que esse tratamento deve obedecer aos
preceitos dos mandamentos constitucionais, não podendo o legislador infra, imprimir a
eles nova feição, sob pena de desvirtuá-los.

O grande dilema do legislador, porém, consiste em estabelecer o critério que


funcionará como parâmetro para a concessão do tratamento diferenciado.

Ao nosso ver não se configuraria espécie de dispositivo discriminatório viciado, já


que essa discriminação não incorre em arbitrariedade ou em escolhas fruto de
preferências pessoais e subjetivas do administrador público. Verifica-se a distinção que
deve haver entre os desiguais, que devem ser tratados desigualmente, na exata medida
dessa desigualdade, principalmente em relação às MPE´s, baseando-se nos preceitos
dos artigos 170 e 179, como valores jurídicos consagrados constitucionalmente, sendo,
portanto, uma distinção plenamente legal e vinculada.

Nesse mesmo diapasão, Marçal Justen Filho(6) nos traz o seguinte ensinamento:
"...será inválida a discriminação criada pela própria lei ou ato administrativo que
não retrate uma diferença efetiva no mundo real. Sob esse ângulo, o direito não cria a
diferença, mas a reflete. O direito apenas pode criar o tratamento jurídico
diferenciado. Mas a diferença, em si mesma, existe antes e fora do direito." ( grifo
nosso )

Conforme Alexandre de Moraes(7) que desfecha a questão em brilhante


passagem, o que importa é a finalidade almejada pela discriminação :

"(...) Dessa forma, o que se veda são as diferenciações arbitrárias, as


discriminações absurdas, pois, o tratamento desigual dos casos desiguais, na medida
em que se desigualam, é exigência tradicional do próprio conceito de justiça, pois o
que realmente protege são certas finalidades, somente se tendo por lesado o princípio
constitucional quando o elemento discriminador não se encontra a serviço de uma
finalidade acolhida pelo direito, sem que se esqueça, porém, como ressalvado por
Fábio Konder Comparato, que as chamadas liberdades materiais têm por objetivo a
desigualdade de conduções sociais, meta a ser alcançada, não só por meio de leis, mas
também pela aplicação de políticas ou programas de ação estatal."( grifo nosso ).

Já no âmbito estrito do Direito Tributário, a Constituição Federal dispõe o seguinte


em seu art. 150, II :

" é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios instituir
tratamento desigual entre os contribuintes que se encontrem em situação equivalente,
proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles
exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou
direitos".

Já está mais do que comprovado que os micro e pequenos negócios não se


encontram, em qualquer hipótese, na mesma situação dos grandes empreendimentos,
capazes de conseguir farto crédito, dispor de garantias e conseguir várias outras
vantagens pela economia de escala empreendida.

Misabel Derzi nos traz a seguinte contribuição(8) :

"Interessa, pois, muitas vezes, saber em que casos o princípio da igualdade


prescreve uma atuação positiva do legislador, sendo-lhe vedado deixar de considerar as
disparidades advindas dos fatos ( a que se ligam necessariamente as pessoas ) para
conferir-lhes diferenciação de tratamento. É necessário saber quais as desigualdades
existenciais que são também desigualdades jurídicas, na medida em que não se
sujeitam a uma ignorância legislativa.

(...)

Mas a isonomia, com relação ao Direito Tributário, deve ser formulada também,
necessariamente, de forma positiva.

(...)
A questão torna-se tanto mais importante quanto se sabe que, na ordem dos
fatos, a desigualdade econômica é dado inegável, com ela convive e dela se alimenta o
sistema capitalista, suporte e estrutura do atual regime jurídico."

Sacha Calmon conclui(9) :

" Pois bem, o princípio da igualdade da tributação impõe ao legislador :

a)discriminar adequadamente os desiguais, na medida de suas desigualdades;

b)não discriminar entre os iguais, que devem ser tratados igualmente."

Com o tratamento diferenciado sendo, como já dissemos, um mandamento


constitucional, podemos crer que o Estado deva cumprir com eficiência tal
ordenamento constitucional, implementando todas aquelas medidas que são
necessárias para a consecução desse tão almejado tratamento diferenciado,
simplificado e vantajoso, sem, entretanto, ferir o princípio da isonomia.

3.2 - O Princípio da Capacidade Contributiva

O Princípio da Capacidade Contributiva, da forma como é colocado hoje, tem sua


origem na Constituição Federal de 1.988, mas na Constituição de 1.946, em seu artigo
202, já havia a previsão expressa. Vejamos o que diz o artigo 145, §1º de nossa
Constituição :

"sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados


segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária,
especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os
direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades
econômicas do contribuinte".

À partir daí, a cobrança de impostos passa a obedecer à capacidade contributiva


do sujeito passivo, seja ele pessoa física ou jurídica. Vejamos o que diz o mestre Sacha
Calmon(10) acerca desse princípio :

"Em primeiro lugar, o mundo moderno elegeu a capacidade contributiva como um


valor muito caro, em tema de tributação, certo de que alguns sistemas a
constitucionalizaram e outros a positivaram em texto legislativo. Quando assim não é,
verifica-se que em inúmeras ocasiões a mens legislatoris orienta-se na feitura de leis
pelas determinações do princípio da capacidade contributiva.

No Brasil pós-88, de sobredobro, o princípio está expressamente consagrado no


corpo da Lei Maior. Assim, além de ser jurídico, o princípio é constitucional. Todo
debate, portanto, que se travar em torno da efetividade do princípio será pura perda
de tempo.

E mais, o princípio da isonomia tributária não tem condições de ser


operacionalizado sem a ajuda do princípio da capacidade contributiva, i.e., sem uma
referência à capacidade de contribuir das pessoas físicas e até jurídicas."
Ainda sobre esse princípio, Francisco Pinheiro tem a nos dizer o seguinte(11) :

"É de se ver, portanto, que a capacidade contributiva afigura-se como elemento


basilar do nosso Sistema Tributário Nacional, o qual deverá funcionar como um norte a
ser perseguido pelo legislador ao instituir o tributo, não somente naqueles casos em
que a própria Constituição já o fez, de forma expressa, mas sempre que o legislador
estiver em vias de inserir tributo previsto constitucionalmente, assim como em
qualquer das suas posteriores alterações."

Decorrente de tal instituto podemos nos valer de aspectos relevantes como a


valorização do contribuinte, pela personalização dos impostos. O fato gerador destes
passa a estar plenamente vinculado à condições individuais daqueles, fazendo com que
eles sejam tributados em maior ou menor monta, como as micro e pequenas empresas
optantes pelo Simples e pelo Micro Geraes, este último regime tributário válido apenas
para o Estado de Minas Gerais, dizendo respeito tão somente ao ICMS.

Vê-se com ênfase a aplicação do referido princípio quando da tributação sobre


produtos e serviços essenciais à população, que atingem a camada mais baixa da
população economicamente ativa. Essa tributação é consideravelmente mais branda,
ao contrário daquela que incide sobre os produtos supérfluos, sob o justo argumento
que somente os mais beneficiados economicamente poderão comprá-los e que, por
terem essa condição, devem contribuir com maior parcela de seus recursos aos cofres
públicos.

O próprio imposto de renda, com sua progressividade, é um notável exemplo da


aplicação do princípio da capacidade contributiva, quando determina que quem aufira
renda média de R$ 1.058,00 por mês não recolha nada, quem aufira rendimentos
compreendidos entre R$ 1.058,00 e R$ 2.115,00 recolha com base numa alíquota de
15% e quem recebe mais que isso recolha com base em uma alíquota maior, de 27,5 %.

Aliás, a maior parte dos países já se utiliza da progressividade como meio de


impor a justiça fiscal. Como exemplo trazemos a Constituição Federal italiana, que em
seu artigo 53 diz o seguinte(12) :

"Todos são obrigados a participar das despesas públicas em razão de sua


capacidade contributiva. O sistema tributário é informado pelo critério de
progressividade"

Como desfecho, trazemos à baila trecho de F. C. San Tiago Dantas(13), que se


calça como uma luva ao que se pretende e ao que merecem as micro e pequenas
empresas de nosso País :

"Quanto mais progridem e se organizam as coletividades, maior é o grau de


diferenciação a que atinge seu sistema legislativo. A lei raramente colhe no mesmo
comando todos os indivíduos, quase sempre atende a diferenças de sexo, de profissão,
de atividade, de situação econômica, de posição jurídica, de direito anterior; raramente
regula do mesmo modo a situação de todos os bens, quase sempre se distingue
conforme a natureza, a utilidade, a raridade, a intensidade de valia que ofereceu a
todos; raramente qualifica de um modo único as múltiplas ocorrências de um mesmo
fato, quase sempre os distingue conforme as circunstâncias em que se produzem, ou
conforme a repercussão que tem no interesse geral."

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