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INTRODUÇÃO
Afinal de contas, antes da Lei 12.441/2011 o empresário individual não tinha escolha:
se quisesse explorar determinada empresa, sem a colaboração de sócios, estaria
arriscando todo o seu patrimônio pessoal e penhorável.
Porém, a Lei 12.441/2011 vai além e também admite que, sob a roupagem da EIRELI,
qualquer pessoa jurídica, isoladamente, constitua uma ou mais subsidiárias integrais,
alargando a faculdade que já era admitida, exclusivamente, para as sociedades
anônimas.
Essa última situação – pessoa jurídica empresarial que não seja formada por dois ou
mais sócios – é rotineiramente nominada de "sociedade unipessoal". Porém, essa
expressão é criticável, haja vista que não há que se falar em sociedade sem sócios ou
de um único sócio.
Fora dessa situação, antes da vigência da Lei 12.441/2011, a legislação ainda admitia a
criação de "pessoa jurídica unipessoal" mediante a instituição da subsidiária integral de
determinada sociedade anônima (arts. 251 e 252 da Lei 6.404/76) e da empresa
pública unipessoal (art. 5º, inc. II, do Decreto-Lei 200/67).
Com a vigência da Lei 12.441/2011 surge uma nova modalidade de "pessoa jurídica
unipessoal": a EIRELI, regulamentada basicamente pelo novo art. 980-A do Código Civil
e objeto central de estudo no presente artigo.
Essa situação jurídica do empresário individual sempre foi alvo de duras críticas por
parte da doutrina já que, para buscar a limitação da responsabilidade patrimonial,
incentivava a formação de sociedades entre sócios que, na prática, não nutriam
affectio societatis (laço psicológico de reciprocidade na união em prol de finalidade
econômica).
Por óbvio, as sociedades de que se trata aqui devem ser do tipo que admita a limitação
da responsabilidade dos sócios, como no caso das sociedades limitadas e das
sociedades anônimas – as mais utilizadas na atualidade, conforme doutrina Paula A.
Forgioni:
Sobre essa situação, Gladston Mamede afirma que "há muito o Direito e a realidade
social e mercantil brasileira convivem com a hipocrisia das sociedades contratuais que,
sendo de direito, não o são de fato", [06] além de ressaltar que:
Por outro lado, há quem não veja problema em tais "sociedades de fachada",
chamando-as até de "sociedades etiquetas", pregando ainda ser desnecessária
limitação da responsabilidade do empresário individual, como o faz Waldírio Bulgarelli:
Desde a vigência do atual Código Civil, alguns dispositivos que tratam do empresário
individual já vinham admitindo a afetação patrimonial pelo exercício da empresa. É o
que se percebe da possibilidade de alienação dos imóveis ligados ao exercício da
empresa, sem a necessidade de outorga conjugal (art. 978) ou da blindagem dos bens
que o incapaz já possuía, ao tempo da sucessão ou da interdição, desde que estranhos
ou não relacionados ao exercício da empresa (§ 2º do art. 974).
Ademais, a Lei 12.441/2011, ao inserir no Código Civil o art. 980-A, teve o cuidado de,
topograficamente, também criar um novo título (Título I-A: "Da Empresa Individual de
Responsabilidade Limitada"), situado entre os Títulos I e II, que tratam,
respectivamente, do empresário individual e das sociedades empresárias.
É preciso não confundir os conceitos de pessoa jurídica e sociedade, pois nem toda
sociedade tem personalidade jurídica, tanto que o próprio Código Civil regulamentou
aspectos da sociedade em comum (art. 986 e ss.) e da sociedade em conta de
participação (art. 991 e ss.) que são espécies de sociedades não personificadas.
Outrossim, também é preciso ressaltar que nem toda pessoa jurídica que explora
empresa é classificada como sociedade empresária – e a EIRELI é o exemplo de tal
assertiva.
Portanto, seria coerente que o Legislador tivesse optado pela expressão "empresário
individual de responsabilidade limitada" ou até mesmo por "empreendedor individual
de responsabilidade limitada". Aliás, essa última expressão foi a utilizada na Subseção
II, onde se localizaria o art. 69 da Lei Complementar 123/2006 (Estatuto Nacional da
Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte), caso não tivesse sido vetado pela
Presidência da República.
Destaque-se que a Lei 12.441/2011 teve um único dispositivo vetado pela Presidência
da República, qual seja, o § 4º que faria parte do art. 980-A do Código Civil, com a
seguinte redação:
Nem toda pessoa poderá constituir uma EIRELI, haja vista que o caput do art. 980-A do
Código Civil exige que, no ato de constituição, no mínimo, seja afetado um patrimônio
não inferior a 100 (cem) salários mínimos, in verbis:
Art. 980-A. A empresa individual de responsabilidade limitada será constituída por uma
única pessoa titular da totalidade do capital social, devidamente integralizado, que não
será inferior a 100 (cem) vezes o maior salário-mínimo vigente no País.
[...]
Com a fixação de um piso para o capital inicial, o dispositivo parece ter visado evitar
que pequenos negócios gozassem da possibilidade de limitação de responsabilidade. O
raciocínio é que somente fazem jus à limitação da responsabilidade aqueles
empreendimentos que demandem capital inicial superior a 100 (cem) salários
mínimos.
Ademais, a fixação do capital inicial mínimo também visou dificultar que a EIRELI fosse
utilizada para fraudar a legislação trabalhista, tal como vem sendo utilizado o regime
jurídico do microempreendedor individual (MEI), previsto no art. 68 da Lei
Complementar 123/2006. É que, na prática, muitos empregadores, buscando diminuir
custos com mão-de-obra, têm demitido seus empregados e, logo, em seguida, os têm
recontratado, fraudulentamente, na condição de microempreededores individuais.
Com a fixação do piso inicial de 100 (cem) salários mínimos, espera-se que a EIRELI seja
desestimulada a servir de ferramenta para fraudes trabalhistas desse jaez.
Porém, a fixação desse capital inicial mínimo merece algumas críticas. Em primeiro
lugar, porque somente seria justificável caso também o fosse exigido na constituição de
sociedade empresária, sob algum tipo que limitasse a responsabilidade dos sócios.
Ademais, interessante notar que o patrimônio real somente se confunde com o capital
inicial no dia da criação do ente empresarial. Nesse sentido, em que pese o foco nas
sociedades, mas cujas lições se aplicam mutatis mutandis aqui, Alfredo de Assis
Gonçalves Neto doutrina:
A sociedade utiliza seu patrimônio para a realização de seus fins. Ao fazê-lo, esse
patrimônio oscila de valor e se modifica a todo momento: cresce e definha de
conformidade com as injunções do mercado ou com a expansão ou o encolhimento
das atividades sociais. Contrastando com ele, o capital social é um valor permanente,
uma cifra fixa que permanece como referencial do valor, não do patrimônio de cada
dia, mas da massa patrimonial que os sócios reputaram ideal para a sociedade poder
atuar.
Aliás, é possível imaginar até que alguém, fraudulentamente, declare perante a Junta
Comercial que tem o capital mínimo necessário para a constituição de uma EIRELI e,
posteriormente, também declare tal capital como renda na sua declaração anual de
imposto de renda, pagando a correspondente exação tributária e, com isso, dando ares
de verdade a uma fantasia – a propósito, relembre-se que para o Poder Público "o
tributo não tem cheiro" (princípio non olet).
Noutro giro, independentemente da sua receita bruta, a EIRELI, por se tratar de pessoa
jurídica, não pode se beneficiar das regras específicas do microempreendedor
individual (MEI) a que se refere o art. 68 da Lei Complementar 123/2006, pois esse
último dispositivo tem aplicabilidade restrita a pessoas naturais.
A imprensa tem ressaltado que a EIRELI será muito utilizada como alternativa à
exploração da empresa sob a roupagem jurídica do empresário individual. Porém, é
bom que fique claro que essa não é a única aplicabilidade prática de que se pode
cogitar.
O art. 980-A do Código Civil também abre a possibilidade para que determinada pessoa
jurídica constitua outra pessoa jurídica sob a forma de EIRELI. Essa conclusão pode ser
facilmente obtida mediante a constatação de que o caput do art. 980-A do Código Civil
não faz distinção entre pessoa natural e jurídica, ao passo que, mais à frente, no § 2º
do mesmo dispositivo, há menção expressa à pessoa natural, confira-se:
Art. 980-A. A empresa individual de responsabilidade limitada será constituída por uma
única pessoa titular da totalidade do capital social, devidamente integralizado, que não
será inferior a 100 (cem) vezes o maior salário-mínimo vigente no País.
[...]
[...]
Logo, não quis o Legislador restringir a criação da EIRELI apenas à pessoa natural, mas
quanto a essa resolveu limitar a possibilidade de criação para apenas uma pessoa
jurídica de tal modalidade.
A contrario sensu, como não há restrição semelhante quanto à pessoa jurídica criadora
de EIRELI, conclui-se que determinada pessoa jurídica pode instituir quantas EIRELI`s
desejar, desde que preenchidos os demais requisitos legais para tanto.
Pode-se dizer que a possibilidade de que dada pessoa jurídica constitua, isoladamente,
uma nova pessoa jurídica, sob a roupagem de EIRELI, equivale à autorização genérica
para a instituição da subsidiária integral. Em outras palavras, a partir da vigência da Lei
12.441/2011, a subsidiária integral também pode ser constituída por qualquer espécie
de pessoa jurídica, sendo que antes de tal marco somente as sociedades anônimas
eram autorizadas a fazê-lo (arts. 251 e 252 da Lei 6.404/76).
Noutro giro, o § 5º do art. 980-A do Código Civil autoriza a constituição de EIRELI para a
prestação de serviços que envolvam a exploração da rentabilidade de direitos autorais
(regulados pela Lei 9.610/1998), cedidos ou que sejam do próprio autor-instituidor.
Segue o teor do dispositivo em comento:
[...]
É que o parágrafo único do art. 966 do Código Civil, a princípio, exclui as atividades
intelectuais, que podem ser de natureza científica, artística ou literária, do regime do
Direito de Empresa. Porém, o mesmo dispositivo autoriza a submissão ao Direito de
Empresa quando tais atividades intelectuais forem exercidas como "elemento de
empresa", senão veja-se:
Assim como no regime jurídico da sociedade limitada (art. 1.158 do Código Civil), o
nome empresarial da EIRELI poderá ser uma firma ou uma denominação. Porém, em
vez de consta ao final a expressão "limitada" ou sua abreviatura ("Ltda."), necessário
que conste a expressão "EIRELI", que é justamente a abreviatura de "empresa
individual de responsabilidade limitada". Nesse sentido, vide o teor do § 1º do art. 980-
A do Código Civil:
[...]
Pois bem, considerando que o § 6º do art. 980-A do Código Civil determina a aplicação
das regras que tratam da sociedade limitada, quando compatíveis, conclui-se que a
firma somente poderá ser utilizada quando a EIRELI for instituída por pessoa natural e,
nesse caso, deverá ser composta pelo nome de tal pessoa natural (§ 1º do art. 1.158 do
Código Civil).
Já a denominação pode ser utilizada tanto pela EIRELI instituída por pessoa natural,
quanto por aquela instituída por pessoa jurídica (nominada de subsidiária integral).
Deve a denominação designar o objeto da empresa e, excepcionalmente, pode fazer
referência ao nome da pessoa que a instituiu (§ 2º do art. 1.158 do Código Civil). O
maior traço característico da denominação, contudo, é a necessária utilização de
alguma "expressão de fantasia", além dos demais elementos acessórios referidos
acima (objeto da empresa e expressão "EIRELI").
3.9 ADMINISTRAÇÃO
O administrador deverá ter capacidade para tanto, isto é, deve ter capacidade civil e
não ser legalmente impedido de exercer essa função (art. 972 c/c § 1º do art. 1.011 c/c
§ 6º do art. 980-A, todos do Código Civil).
Destaque-se que o incapaz não pode ser empresário individual, mas só continuar
empresa que já era antes exercida, desde que seja autorizado judicialmente (art. 974
do Código Civil). Porém, o incapaz pode constituir EIRELI, pois esta é uma pessoa
jurídica que necessita de ter um administrador, podendo ser indicado terceiros para
exercer tal função.
3.10 TRANSFORMAÇÃO
A partir da vigência da Lei 12.441/2011, a empresa pode ser exercida por empresário
individual, EIRELI ou sociedade empresária. E quem já exerce empresa sob alguma das
três estruturas jurídicas retro mencionadas pode, eventualmente, transformar-se em
alguma das outras. Por outro lado, também haverá transformação se determinada
sociedade altera o tipo societário, independentemente de dissolução ou liquidação.
Nesse sentido, destaque-se que o parágrafo único do art. 1.033 do Código Civil, com
nova redação conferida pela Lei 12.441/2011, esclarece que não há que se falar em
dissolução de sociedade quando houver concentração de todas as cotas sob a
titularidade de uma única pessoa, ainda que por prazo superior a 180 (cento e oitenta)
dias, desde que o único titular requeira a transformação da sociedade em empresário
individual ou EIRELI, senão veja-se:
[...]
[...]
Ademais, o § 3º do art. 980-A do Código Civil é bem elucidativo ao dispor que: "A
empresa individual de responsabilidade limitada também poderá resultar da
concentração das quotas de outra modalidade societária num único sócio,
independentemente das razões que motivaram tal concentração".
TÓPICO SEGUNDO
Quais são as conseqüências para o mercado da explícita previsão constitucional do
princípio de livre concorrência (CF, art. 173, § 4º)? Há no direito positivo alguma lei
ordinária que disciplina especialmente a matéria? Em caso afirmativo, descrever as sua
diretrizes básicas.
Segundo DE PLÁCIDO E SILVA, "o Direito Constitucional, como o mais fundamental dos
Direitos Públicos, de ordem interna, enfeixa todos os princípios jurídicos,
indispensáveis à organização do próprio Estado, à constituição de seu governo, dos
poderes públicos, à declaração de direitos das pessoas, quer físicas, quer jurídicas,
traçando assim os limites de ação do Estado, na defesa de seus precípuos objetivos e
na defesa dos interesses da coletividade que o compõe. Firma, assim, todos os
princípios de ordem política e de ordem geral, seja em relação aos indivíduos, que
compõem a comunidade política, seja em relação a todas as instituições políticas em
que se baseia a sua própria organização, como entidade política e soberana." [2]
TÓPICO TERCEIRO
1.INTRODUÇÃO
Para isto, nos utilizamos de uma seqüência expositiva que entendemos mínima, como
necessária à apreensão do tema.
Inicialmente, exporemos o conceito e os limites imanentes à Ordem Econômica
Constitucional brasileira, definindo assim o âmbito de seu alcance , para depois,
fazermos uma explicação geral sobre a intervenção do estado no domínio econômico,
sua natureza e suas formas , procurando definir o âmbito de atuação próprio do Estado
e da iniciativa privada.
2.1.Conceito
A busca do conceito de ordem econômica no direito brasileiro tem sido pautada por
noções ambíguas, tendo se utilizado porém, desta expressão, para designar uma
parcela da Ordem jurídica, consoante as lições do professor Eros Grau. (1)
Neste sentido, não se pode tratar a ordem econômica, no seu aspecto jurídico, dentro
do primeiro sentido, no mundo do ser, devendo-se observá-lo como expressão
normativa, no mundo do dever ser, para aproximar o conceito de ordem constitucional
econômica ao conceito de Constituição econômica.
Simplificando os conceitos, temos que, ordem econômica sob o manto do dever ser é a
parcela que regra normativamente as questões econômicas, que institucionalizam uma
determinada ordem econômica(mundo do ser).
2.2.PRINCÍPIOS REGENTES
Como segundo princípio, atrelado, sem dúvida, ao terceiro (9), temos o princípio da
propriedade privada, seguido da função social da propriedade, em que, assegura-se a
livre capacidade de uso, gozo e fruição da propriedade, contanto que esta tenha uma
utilidade coletivamente fruível.
Segundo o ilustre Celso Ribeiro Bastos, "(...)a livre concorrência hoje, portanto, não é
só aquela que espontaneamente se cria no mercado, mas também aquela outra
derivada de um conjunto de normas de política econômica. Existe, portanto, o que
pode ser chamado um regime normativo da defesa da concorr6encia voltada ao
restabelecimento das condições do mercado livre. O princípio constitucional autoriza
esta sorte de intervenção ativa no mercado, sem falar na negativa consistente na
eliminação das disfunções e imperfeições" (10).
Constituem, sem dúvida, estes princípios, em normas cogentes, aos quais não só o
legislador brasileiro deve se pautar como também o judiciário, ao dirimir questões
postas à sua avaliação e decisão, sob pena de evidente inconstitucionalidade das
práticas que afrontarem estes princípios, ou, das leis que estabelecerem metas opostas
à eles.
3.1.Natureza
Quando o Estado vêm a atuar em área de sua titularidade, diz-se que ele pratica
atuação estatal, que é ação do estado no campo da atividade econômica em sentido
amplo e, quando atua em área de titularidade da iniciativa privada, pratica
intervenção, que é atuação estatal no âmbito da atividade econômica em sentido
estrito, ou seja, intervenção do Estado no domínio econômico, conforme leciona Eros
Grau, ao dizer que, "Daí se verifica que o Estado não pratica intervenção quando presta
serviço público ou regula a prestação de serviço público. Atua, no caso, em área de sua
própria titularidade, na esfera pública. Por isso mesmo dir-se-á que o vocábulo
intervenção é no contexto, mais correto do que a expressão atuação estatal:
intervenção expressa atuação estatal em área de titularidade do setor privado;
atuação estatal, simplesmente, expressa significado mais amplo. Pois é certo que essa
expressão, quando não qualificada, conota inclusive atuação na esfera do público." (11)
É possível afirmar portanto que, pela natureza dos atos de intervenção do Estado no
domínio econômico serem próprios de uma atuação estatal em setor que não lhe é
próprio, cumpre ressaltar que esta forma de intervenção deve acontecer pautando-se
pelo princípio da subsidiariedade, tão evocado pela nossa doutrina.
A ilustre professora Zanella di Pietro, ao tratar do tema, expõe com clareza a função
subsidiária do Estado no âmbito da atividade econômica, aduzindo que, "Do mesmo
modo, João Paulo II, na Centesimus Annus, realça que o Estado deve respeitar a
autonomia dos indivíduos, das famílias, associações de classe, grupos econômicos,
partidos políticos, na busca do bem comum. No campo econômico, também o Estado
deve respeitar essa autonomia, somente agindo indiretamente e segundo o princípio
da subsidiariedade, quando necessário para criar as condições favoráveis ao livre
exercício da atividade econômica." (12) (grifo nosso).
Entende ainda a ilustre autora que existem várias tendências a serem apontadas para o
Estado Moderno, em decorrência da aplicação do princípio da subsidiariedade, entre
as quais podemos citar, "em primeiro lugar, a idéia de diminuir o tamanho do Estado,
pelo instrumento fundamental da privatização, ocorrida, especialmente a partir da
década de 80 e movida por fatores de ordem financeira, jurídica e política." (13)
Reputamos que, a designação deste art. 173, apesar de não agasalhar expressamente o
princípio da subsidiariedade, conforme fazia a Constituição anterior, se tem por
reputada a recepção deste princípio, bastando para tanto analisar-se a própria redação
do referido artigo.
Toshio Mukai revela este mesmo sentido ao dizer que, "(...)segurança nacional e
relevante interesse coletivo são, por natureza, conceitos jurídicos
indeterminados(determináveis em cada caso concreto, segundo a doutrina
comparada);(...)." (16) Neste diapasão, Zanella Di Pietro observa que, " ambos os
fundamentos são expressos por vocábulos indeterminados, que deixam grande
margem de discricionariedade para o legislador." (17)
Ainda sobre a noção deste instituto jurídico, Karl Engish, em obra clássica, analisa-o
detidamente, denotando, em um instante de suas lições que, "Por conceito
indeterminado entendemos um conceito cujo conteúdo e extensão são em larga
medida incertos". (18)
A distinção pode soar estapafúrdia, mas não o é, posto que, se tomarmos o exemplo de
uma sociedade de economia mista ou de uma empresa pública, exercendo uma
atividade de serviço público ou atividade econômica em sentido estrito, teremos, para
o caso de descumprimento do serviço, conseqüências diferentes, conforme lição
extremamente elucidativa do Prof.º Eros Grau, que merece a transcrição:
"(...)Exemplifico, para demonstra-lo, formulando a hipótese de entidade daquelas, que
preste serviço público, recusar o seu fornecimento a algum usuário. Poderá tal recusa,
então, ser juridicamente repelida:incumbe ao fornecedor do serviço prestar o devido
acatamento ao princípio da continuidade do serviço público; estamos, aí, em razão da
incidência do princípio, diante de hipótese de contrato a ser coativamente celebrado.
Já, no entanto, se a empresa pública ou a sociedade de economia mista explorar
atividade econômica em sentido estrito, a recusa do fornecimento do serviço há de ser
repelida com esteio em distinta fundamentação: ao recusa-lo, o agente
econômico( empresa pública ou sociedade de economia mista) estará a violar preceitos
normativos que o obrigam a contratar, a contratação coativa, no caso, contudo se
impõe não mercê da aplicação daquele princípio, porém de normas expressas que à
prática dessa conduta o vinculam."
3.3. Privatização
Privatização, entendida em seu significado amplo por alguns, tem sido designada como
toda e qualquer forma de redução do tamanho do Estado.
Porém, o direito brasileiro consagra como privatização, uma forma mais restrita, qual
seja, a de transferência de ativos ou de ações de empresas estatais para os setor
privado, na forma da lei 8031/95.
Portanto, em face de necessidade de redução da atuação do Estado em atividades de
cunho econômico próprias do setor privado, tem-se recorrido constantemente ao
instituto da privatização, devendo-se apenas observar o interesse coletivo quando da
redução da atividade estatal, preservando-se a concorrência e os interesses do
consumidor.
Conforme Eros Grau, as normas voltadas à intervenção por direção são de natureza
cogente, imperativas, na medida em que são normas impositivas de comportamentos,
pois, "No caso das normas de intervenção por direção estamos diante de comandos
imperativos, dotados de cogência, impositivos de certos comportamentos a serem
necessariamente cumpridos pelos agentes que atuam no campo da atividade
econômica em sentido estrito – inclusive pelas próprias empresas estatais que a
exploram. Norma típica de intervenção por direção é a que instrumenta controle de
preços, para tabela-los ou congelá-los." (22)
Tratando das normas de intervenção por indução, diz o ilustre jurista que, "No caso das
normas de intervenção por indução, defrontamos-nos com preceitos que, embora
prescritivos(deônticos), não são dotados da mesma carga de cogência que afeta as
normas de intervenção por direção. Trata-se de normas dispositivas. Não, contudo, no
sentido de suprir a vontade dos seus destinatários, porém, na dicção de Modesto
Carvalhosa, no de levá-lo a uma opção econômica de interesse coletivo e social que
transcende os limites do querer individual." (23)
4.1. CADE
4.1.1.Natureza e atribuições
Em verdade, o CADE foi criado pela lei 4137/62, mas, conforme crítica da doutrina mais
autorizada, restava como um órgão inoperante, sem maior força, que sequer possuía
natureza de autarquia, conforme salientou Celso Ribeiro Bastos, ao dizer que, "O que é
certo é de fato a inoperância do órgão. A matéria está certamente a merecer revisão
de modo que a repressão contra os abusos do poder econômico se torne mais efetiva"
(24)
Conforme observamos da dicção do caput do art. 1º da lei do CADE (26), deve este
órgão pautar-se pelos princípios que regem a Ordem Econômica Brasileira, pois, os
mesmos, direcionam a aplicação de todas as outras normas atinentes à matéria e
dispostas na lei 8884/94.
Deve o CADE, no exercício das atribuições que a lei lhe confere, exercer o controle
sobre a iniciativa privada quando da prática, por parte desta , de infrações à Ordem
Econômica, infrações estas carreadas no art. 20 da lei 8884/94, podendo o CADE, para
tanto, promover, através de sua procuradoria a execução judicial de seus julgados, ou ,
na forma do art. 12, em seu parágrafo único, solicitar ao Ministério Público Federal que
– também -promova a execução de seus julgados ou do compromisso de cessação,
bem como a adoção de medidas judiciais cabíveis na forma da lei, no exercício da
atribuição estabelecida pela alínea b do inciso XIV do art. 6ºda lei complementar nº 75
de 1993. (27)
Percebe-se claramente pelas disposições do art. 20 (28) da lei do CADE que, a principal
finalidade do mesmo é coibir condutas lesivas à ordem econômica brasileira,
reprimindo os atos abusivos à concorrência e ao exercício da livre iniciativa, podendo,
para tanto, impor penas às mais diversas , na forma do art.23 da lei retro-mencionada,
como multas,, proibição de contratar com instituições financeiras oficiais, participar de
licitações e tantas outras.
O CADE, no parecer dado ao caso acima, recomendou que, para aprovação do ato,
fossem alienados todos os ativos tangíveis e intangíveis correspondentes à
integralidade do negócio de cervejas associados à marca Skol e a alienação de uma das
duas plantas localizadas em Cuiabá e uma das duas plantas localizadas em Manaus,
devendo estas exigências serem cumpridas em seis meses e que seja, também,
reexaminado o contrato celebrado entre a BRAHMA e a MILLER.
Esta análise do CADE, dentro dos limites de sua competência, tem como objetivo
resguardar a livre concorrência no setor de bebidas, para que a nova empresa não
acaba eliminando as concorrentes ou prejudicando os consumidores com aumentos
extorsivos de preço.
4.1.2. Controle do poder judiciário
Sem dúvida o CADE tem competência para impor punições àqueles que, de qualquer
forma, praticarem atos lesivos à ordem econômica, na forma do que dispõe sua
legislação específica.
Porém, não pode o Judiciário se abster de examinar quaisquer pedidos, pelos órgãos
devidamente legitimados para tal, conforme o art. 29 da lei do CADE, (29) quando se
argüir ofensa à ordem econômica.
Traduz claramente este artigo que quaisquer prejudicados, por si ou pelos legitimados
pelo art. 82 da lei 8078/90, (30) poderão ingressar em juízo para defenderem seus
direitos ou interesses que julgarem ofendidos.
A Constituição, em seu art. 5º , inciso XXXV, dispõe que, "a lei não excluirá da
apreciação do poder judiciário lesão ou ameaça a direito." (31), conseqüentemente,
toda e qualquer lesão, ou ameaça de lesão à Ordem Econômica poderá ser apreciada
pelo poder judicário, independente de ter sido questionada em qualquer área
administrativa. Em última ratio, o juiz decide , pois, possui todos os poderes
constitucionais necessários a isto.
Para acrescentar, iríamos mais adiante, colocando que, na forma do art. 29 da lei
8884/90, também possuiria legitimidade ativa para promover uma ação contra o ato de
concentração, a KAISER, diretamente interessada por fazer parte do mercado das
concorrentes da AMBEV.
Portanto, não resta dúvida de que, no confronto CADE x JUDICIÁRIO, em que pese o
CADE poder, por intermédio dos poderes que lhe foram conferidos, até executar suas
decisões, poderá o judiciário desconstituir qualquer decisão proveniente do mesmo, ou
ratificar, com base no art.5º, inciso XXXV da Carta Magna Brasileira.
Ademais, cumpre acrescentar que, o judiciário deverá sempre observar a
constitucionalidade dos atos promovidos pelo poder executivo, no tocante ao âmbito
de intenção no domínio econômico, como sendo próprio de sua esfera ou não. É desta
forma que ao judiciário caberá analisar quaisquer formas de intervenção do Estado no
domínio econômico, já que o Estado deve sempre dirigir-se, no tocante à atuação
estatal, pelo princípio da subsidiariedade, restringindo sua atuação ao necessário ao
desenvolvimento de funções relacionadas ao serviço público, ou, aos ditames do art.
173 da Constituição, devendo, se assim for necessário, decretar a inconstitucionalidade
destas interferências.
5. CONCLUSÃO
Diante de todo o exposto ao longo deste trabalho, podemos sintetizar alguns conceitos
básicos, quais sejam:
2- A atuação estatal na órbita econômica deve se dar na forma do art. 173 , caput da
Constituição, pautado pelo princípio da subsidiariedade, só podendo, a intervenção do
Estado no e/ou sobre o domínio econômico ocorrer sobre três prismas, quais sejam, o
da intervenção por absorção ou participação, a intervenção por direção e a intervenção
por indução, não se constituindo a privatização nem a concessão em formas de
intervenção do Estado no domínio econômico.
TÓPICO QUARTO.
Agora, surge o intervencionismo nas relações do trabalho, por via do Judiciário como
fruto do agigantamento do Executivo, que faz com que os demais Poderes se
harmonizem com a diretriz governamental.
Como se sabe, ambas as Turmas do Supremo Tribunal Federal vêm decidindo que a
aposentadoria voluntária do empregado não extingue o vínculo empregatício,
conforme de verifica das ementas a seguir transcritas:
Essa decisão da Corte Suprema, data venia, equivocada poderá acarretar transtornos
financeiros para muitas empresas que tiveremque enfrentar as reclamações
trabalhistas movidas por aposentados voluntariamente. Essa decisão jurisprudencial
interfere diretamente no direito à livre contratação de pessoal pela empresa, que
decorre do regime de livre iniciativa, acolhida pela Constituição Federal no que se
refere à exploração de atividade econômica.
É claro que todas essas situações gerariam um verdadeiro caos no serviço público,
além de impedir o acesso de servidores mais novos aos postos mais elevados da
hierarquia funcional, e de retirar a oportunidade de ingresso de novos servidores
públicos.
Por tudo isso, o posicionamento firmado pela Corte Suprema contraria o princípio da
razoabilidade, que representa uma limitação à própria atuação do legislador. Vai na
contramão dos princípios expressos no art. 170 e incisos da CF. Enfim, a jurisprudência
aqui analisada configura uma das decisões equivocadas da Corte Suprema, cujos
Ministros sofrem, como todas as pessoas, os efeitos da falibilidade humana.
TÓPICO QUINTO
I – INTRODUÇÃO
Tal "fim geral e maior", nos termos do art. 170, caput, da Constituição da República,
pressupõe uma ordem econômica fundada na "valorização do trabalho humano" –
frise-se que "o valor social do trabalho" não apenas deve ser o fundamento da ordem
econômica, como também deve ser a base de sustentação da República Federativa do
Brasil, como entidade política constitucionalmente organizada, nos termos do artigo
1º, inc. IV, da Constituição de 1988.
Essa é a perspectiva que se pretende dar nessa breve abordagem sobre o tema.
O ilustre José Afonso da Silva, nesse sentido, ensina que a livre iniciativa, "num
contexto de uma Constituição preocupada com a realização da justiça social (o fim
condiciona os meios), não pode significar mais do que ‘liberdade de desenvolvimento
da empresa no quadro estabelecido pelo poder público, e, portanto, possibilidade de
gozar das facilidades e necessidade de submeter-se às limitações postas pelo mesmo’. É
legítima, enquanto exercida no interesse da justiça social. Será ilegítima, quando
exercida com objetivo de puro lucro e realização pessoal do empresário." [05].
Na concepção de Celso Ribeiro Bastos, a livre iniciativa "é uma manifestação dos
direitos fundamentais e no rol daqueles devia estar incluída. De fato o homem não
pode realizar-se plenamente enquanto não lhe for dado o direito de projetar-se através
de uma realização transpessoal. Vale dizer, por meio da organização de outros homens
com vistas à realização de um objetivo. Aqui a liberdade de iniciativa tem conotação
econômica. Equivale ao direito de todos têm de lançarem-se ao mercado da produção
de bens e serviços por sua conta e risco. Aliás, os autores reconhecem que a liberdade
de iniciar a atividade econômica implica a de gestão e a de empresa." [06].
O renomado mestre Tércio Sampaio Ferraz Jr. proferiu parecer [08], do qual se
fará, abaixo, parcial transcrição, no qual realizou detida análise sobre o tema, tratando
a liberdade de iniciativa como atributo inalienável do ser humano:
"Nestes termos, o art. 170, ao proclamar a livre iniciativa e a
valorização do trabalho humano como fundamentos da ordem
econômica está nelas reconhecendo a sua base, aquilo sobre o que ela
se constrói, ao mesmo tempo sua conditio per quam e conditio sine qua
non, os fatores sem os quais a ordem reconhecida deixa de sê-lo, passa
a ser outra, diferente, constitucionalmente inaceitável. Particularmente
a afirmação da livre iniciativa, que mais de perto nos interessa neste
passo, ao ser estabelecida como fundamento, aponta para uma ordem
econômica reconhecida então como contingente. Afirmar a livre
iniciativa como base é reconhecer na liberdade um dos fatores
estruturais da ordem, é afirmar a autonomia empreendedora do
homem na conformação da atividade econômica, aceitando a sua
intrínseca contingência e fragilidade; é preferir, assim, uma ordem
aberta ao fracasso a uma ‘estabilidade’ supostamente certa e eficiente.
Afirma-se, pois, que a estrutura da ordem está centrada na atividade
das pessoas e dos grupos e não na atividade do Estado. Isto não
significa, porém, uma ordem do ‘laissez faire’, posto que a livre iniciativa
se conjuga com a valorização do trabalho humano, mas a liberdade,
como fundamento, pertence a ambos. Na iniciativa, em termos de
liberdade negativa, da ausência de impedimentos e da expansão da
própria criatividade. Na valorização do trabalho humano, em termos de
liberdade positiva, de participação sem alienações na construção da
riqueza econômica. Não há, pois, propriamente, um sentido absoluto e
ilimitado na livre iniciativa, que por isso não exclui a atividade
normativa e reguladora do Estado. Mas há ilimitação no sentido de
principiar a atividade econômica, de espontaneidade humana na
produção de algo novo, de começar algo que não estava antes. Esta
espontaneidade, base da produção da riqueza, é o fator estrutural que
não pode ser negado pelo Estado. Se, ao fazê-lo, o Estado a bloqueia e
impede, não está intervindo, no sentido de normar e regular, mas está
dirigindo e, com isso, substituindo-se a ela na estrutura fundamental do
mercado".
Compreendida dessa forma a "livre iniciativa", não há que se cogitar dela como
afirmação constitucional do capitalismo, como pretendem muitos estudiosos do tema.
A consagração do sistema capitalista na Constituição de 1988 é decorrência não
exclusivamente do princípio da "livre iniciativa", mas sim desse princípio
complementado pelo princípio da "livre concorrência", que é corolário do capitalismo.
Cumpre-nos analisar, dessa feita, a "livre concorrência" e sua relação com a "livre
iniciativa", sem perder de vista a função instrumental de tais princípios.
Celso Ribeiro Bastos [11], por sua vez, também a esse respeito, afirma que "a livre
concorrência é indispensável para o funcionamento do sistema capitalista. Ela consiste
essencialmente na existência de diversos produtores ou prestadores de serviços. É pela
livre concorrência que se melhoram as condições de competitividade das empresas,
forçando-as a um constante aprimoramento dos seus métodos tecnológicos, dos seus
custos, enfim, da procura constante de criação de condições mais favoráveis ao
consumidor. Traduz-se portanto numa das vigas mestras do êxito da economia de
mercado. O contrário da livre concorrência significa o monopólio e o oligopólio, ambos
situações privilegiadora do produtor, incompatíveis com o regime de livre
concorrência".
Eros Roberto Grau [12], em suas lições, parte para uma análise mais acurada do
princípio da "livre concorrência":
Do que até aqui foi exposto, pode-se concluir que o princípio constitucional da
livre concorrência deve ser entendido como liberdade de concorrência enquanto
direito subjetivo a competir no mercado, sempre sob o manto da proteção da
legislação antitruste pátria, que garante a igualdade de oportunidade entre os players.
Por outro lado, o que se protege pela "livre iniciativa" e, em última análise, pela
"livre concorrência", é a liberdade de trabalho, de todas as formas de produção,
individuais ou coletivas, e por conseguinte, a "dignidade da pessoa humana".
Em seu artigo 1º, a Lei n.º 8.884/1994 define a amplitude de seu conteúdo,
nestes termos: "esta lei dispõe sobre a prevenção e a repressão às infrações contra a
ordem econômica, orientada pelos ditames constitucionais de liberdade de iniciativa,
livre concorrência, função social da propriedade, defesa dos consumidores e repressão
ao abuso do poder econômico"; e completa o seu parágrafo único: "a coletividade é a
titular dos bens jurídicos protegidos por esta lei".
Com efeito, uma vez que as regras da mencionada Lei "conferem concreção aos
princípios da liberdade de iniciativa, da livre concorrência, da função social da
propriedade, da defesa dos consumidores e da repressão ao abuso do poder
econômico, tudo em coerência com a ideologia constitucional adotada pela
Constituição de 1988" [17] e tendo em vista que tais princípios, em especial os da "livre
iniciativa" e da "livre concorrência", complementam-se e voltam-se à preservação do
modo de produção capitalista, através da tutela do consumidor e da garantia de
oportunidades iguais a todos os players do mercado, outra não poderia ser a
conclusão.
Três são, dessa feita, as condutas definidas como infração da ordem econômica: limitar,
falsear ou prejudicar a livre concorrência ou a livre iniciativa. Esclareça-se que, "se a
limitação, falseamento ou prejuízo atingiu a liberdade de concorrer" – livre
concorrência – "ou a liberdade de empreender" – livre iniciativa –, "as repercussões
jurídicas são rigorosamente idênticas" [19].
Mas o mais importante de tudo isso, conforme obtempera Paula A. Forgioni [21], é
que, de forma diversa da ocorrida com as leis que antecederam a que ora se analisa, a
Lei n.º 8.884/1994 não é mais aplicada apenas em "surtos":
A aplicação da legislação antitruste, dessa feita, deve continuar, sem que por
"surtos". Ademais, tendo em vista que a legislação antitruste tem por escopo a
preservação do modo de produção capitalista através da proteção aos princípios
constitucionais da "livre iniciativa" e da "livre concorrência" – por outras palavras,
tendo em vista que tal legislação é instrumento para se "assegurar a todos existência
digna, conforme os ditames da justiça social" – "aparece clara", na lição de Paula A.
Forgioni [22], "conjuntamente com o aspecto instrumental desse tipo de norma, sua
aptidão para servir à implementação de políticas públicas, especialmente de políticas
econômicas entendidas como ‘meios de que dispõe o Estado para influir de maneira
sistemática sobre a economia’".
Assim se dá, dessa feita, nos dias de hoje, a regulação da concorrência no Brasil
enquanto forma de proteção da "livre iniciativa" e da "livre concorrência" e, por
conseguinte, como forma de "assegurar a todos existência digna, conforme os ditames
da justiça social".
V - CONCLUSÕES
Assim sendo, para que, pela "livre iniciativa" e pela "livre concorrência",
princípios que se complementam e se voltam à preservação do modo de produção
capitalista, se possa "assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da
justiça social", indispensável a existência de legislação que estabeleça aos players o
dever jurídico de não adotarem práticas entendidas pela legislação antitruste como
anticoncorrenciais, sob pena de sobre eles recair a ação disciplinadora e punitiva do
Estado.
A atual lei antitruste nacional (Lei n.º 8.884, de 11 de junho de 1994), na medida
em que protege os princípios da "livre iniciativa" e da "livre concorrência", protege, em
verdade, o próprio modo de produção capitalista.
Mas o mais importante é que a Lei n.º 8.884/1994 vem sendo aplicada com
regularidade, não mais em "surtos", como eram as legislações antitruste anteriores,
possibilitando, dessa forma, a efetiva concretização dos princípios em comento. Dessa
feita, importante que se preserve constante a aplicação da Lei nesse sentido e,
sobretudo, que se passe à "implementação de políticas públicas, especialmente de
políticas econômicas entendidas como ‘meios de que dispõe o Estado para influir de
maneira sistemática sobre a economia’", tudo com o objetivo de se atingir o fim último
e maior de se assegurar a dignidade humana.
TÓPICO SEXTO
Certo é que todo qualquer tratamento favorecido ao segmento das MPE´s é dado
com estribo na Constituição Federal de 1.988. As bases constitucionais do sistema
econômico nacional são balizadas pelo Capítulo I, Dos Princípios Gerais da Atividade
Econômica, inserido na parte que trata da Ordem Econômica e Financeira, mais
precisamente em seus artigos 170 e 179 :
I - soberania nacional;
II - propriedade privada;
IV - livre concorrência;
V - defesa do consumidor;
Qualquer cidadão, desde que em ambiente favorável, pode criar seu micronegócio
e trabalhar para seu sustento e de seus familiares, consolidando, então, a livre
iniciativa, com a escolha livre de sua atividade econômica, e valorizando o trabalho
humano, com justiça social, pois, como sabemos, grande parte desses negócios é
implementado pelo empresário auxiliado por seus familiares. A capilaridade desse
empreendimentos por si só aguça a cadeia competitiva comercial, movimentando a
economia e fortalecendo a soberania nacional econômica.
Não se quer dizer que qualquer intervenção estatal depende de lei que autorize,
especificamente, mas sim que a lei terá o condão de limitar as ações estatais, bastando
que o Poder Público exerça suas atividades de incentivo por meio de atos
administrativos, utilizando-se para tanto do poder discricionário que lhe é inerente, ou
mesmo por lei ordinária, se assim o ordenamento legal o exigir.
"Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se
aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida,
à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes."
Mas, nosso trabalho procurará expor que essa igualdade não pode ser invocada
no mundo jurídico de forma indiscriminada como muitos querem fazer.
"para que um discrímen legal seja convivente com a isonomia, merece destaque,
pela pertinência com o presente estudo, a de que ‘in concreto’, o vínculo de correlação
supra-referido seja pertinente em função dos interesses constitucionalmente
protegidos, isto é, resulte em diferenciação de tratamento jurídico fundada em razão
valiosa - ao lume do texto constitucional - para o bem público".
Nesse mesmo diapasão, Marçal Justen Filho(6) nos traz o seguinte ensinamento:
"...será inválida a discriminação criada pela própria lei ou ato administrativo que
não retrate uma diferença efetiva no mundo real. Sob esse ângulo, o direito não cria a
diferença, mas a reflete. O direito apenas pode criar o tratamento jurídico
diferenciado. Mas a diferença, em si mesma, existe antes e fora do direito." ( grifo
nosso )
" é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios instituir
tratamento desigual entre os contribuintes que se encontrem em situação equivalente,
proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles
exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou
direitos".
(...)
Mas a isonomia, com relação ao Direito Tributário, deve ser formulada também,
necessariamente, de forma positiva.
(...)
A questão torna-se tanto mais importante quanto se sabe que, na ordem dos
fatos, a desigualdade econômica é dado inegável, com ela convive e dela se alimenta o
sistema capitalista, suporte e estrutura do atual regime jurídico."