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DIREITO DAS EMPRESAS APLICADO

UNIDADE 1 - DIREITO SOCIETÁ RIO GERAL

Saulo Bichara Mendonça


Introdução
Este capítulo se destina ao estudo do direito societário geral, conceituando a sociedade empresária,
distinguindo-a da sociedade simples, identificando discriminadamente os requisitos e procedimentos
registrais necessários para a consolidação da personalidade jurídica da sociedade.
Sejam simples (associaçõ es, fundaçõ es, cooperativas, dentre outras) ou empresárias (aquelas que
desenvolvem atividade pró pria de empresário), o registro em ó rgão competente é imprescindível para a
consolidação da personalidade jurídica.
A compreensão da definição da personalidade jurídica e seus efeitos proporcionará cognitivamente a distinção
dos limites patrimoniais da sociedade regularmente constituída e dos só cios que dela participam.
Com o estudo deste capítulo, você poderá compreender o propó sito de se constituir o patrimô nio da
sociedade a partir da consolidação do capital social como parte essencial e específica do patrimô nio da
sociedade, caracterizado por ser uno, indivisível e intangível, compreendendo respostas de questõ es como: o
que é uma sociedade, juridicamente falando? Em que consiste a personalidade jurídica? Quais os efeitos da
desconsideração da personalidade jurídica?
A partir da compreensão dessas distinçõ es e conceitos, você entenderá os objetivos do incidente de
desconsideração da personalidade jurídica, hoje regulamentado pelo Có digo de Processo Civil e não mais
tratado como mera teoria jurídica. 
Vamos começar? Acompanhe e bons estudos!

1.1 Direito Societário Geral


O estudo do Direito Societário exige compreensão do conceito de pessoas jurídicas, conhecidas como uma
espécie de ficção jurídica, ou seja, instituiçõ es com capacidade atribuída pela ordem jurídica, compostas por
pessoas físicas, mas distintas destas em existência, patrimô nio, responsabilidades e atribuiçõ es. 
Diz-se ficção jurídica, de acordo com a teoria da ficção, segundo a qual a pessoa jurídica não detém existência
social, mas somente existência ideal, ou seja, é um produto da técnica jurídica com fim de viabilizar negó cios
jurídicos variados de acordo com o objeto social de cada instituição criada.
As sociedades regularmente constituídas são pessoas jurídicas, unidades jurídicas com finalidade pró pria de
acordo com seu objeto social, dotada de capacidade de organização de pessoas e bens (capital) com
responsabilidades e direitos.
Figura 1 - Pessoas jurídicas são ideias sendo concretizadas; no caso das sociedades regularmente
constituídas, as pessoas jurídicas representam, na prática, a sistematização do encontro de vontades.
Fonte: SIphotography, iStock, 2019.

As pessoas jurídicas podem ser de direito pú blico e de direito privado. As primeiras compreendem os entes
pú blicos, mas não são objeto desta disciplina. Já as pessoas jurídicas de direito privado são definidas pelo
Có digo Civil (BRASIL, 2002, on-line):

Art. 44. São pessoas jurídicas de direito privado:


I - As associaçõ es;
II - As sociedades;
III - As fundaçõ es.
IV - As organizaçõ es religiosas; 
V - Os partidos políticos. 
VI - As empresas individuais de responsabilidade limitada. 

Os incisos I, II, III e VI são objetos de estudo no Direito das Empresas, partindo, em regra, do conceito de
sociedade, a exceção da empresa individual de responsabilidade limitada – EIRELI que é uma pessoa jurídica
singular.
VOCÊ QUER LER?
A EIRELI foi regulamentada pela Lei nº 12.441/11, que instituiu o art. 980-A no
Código Civil, e representa espé cie de pessoa jurídica destinada ao desenvolvimento
individual de atividade econômica, empresarial ou nã o, por apenas uma pessoa. Para
saber mais, leia o artigo “A inobservâ ncia dos termos fundamentais da teoria da
empresa por normas positivadas: Estudo de caso da EIRELI constituída para fins nã o
empresariais” (MENDONÇA; ARRUDA, 2016).

Ressalta-se, por oportuno, que as disposiçõ es concernentes às associaçõ es se aplicam subsidiariamente às


sociedades, objeto do Livro II da Parte Especial do Có digo Civil. 

1.1.1 Conceito de sociedade


O estudo do direito societário se inicia a partir do conceito legal de sociedade, determinado pelo art. 981 do
Có digo Civil.
VOCÊ SABIA?
O direito de empresa é regulado em sua base pelo Código Civil, mas nã o por isso
perde sua autonomia teórica, principiológica, didá tica e jurídica. Ocorre que o
advento do Código Civil, em 2002, se deu a derrogaçã o do Código Comercial
brasileiro de 1850 que ainda tem vigente a parte relacionada ao direito marítimo.
Vá rias sã o as críticas a esta tentativa de unificaçã o dos institutos jurídicos em um
ú nico diploma legal, o que deve sofrer nova alteraçã o se o Projeto de Lei do
Senado n° 487, de 2013, for aprovado e sancionado. Havia outro projeto de lei
com objeto semelhante na Câ mara dos Deputados, PL 1.572, de 2011, mas foi
arquivado.

Percebe-se que o Direito brasileiro adota o princípio da pluralidade societária, segundo o qual as sociedades
são compostas por, pelo menos, duas pessoas, podendo ser pessoas físicas e/ou jurídicas. As sociedades
unipessoais são exceçõ es compreendidas como unipessoalidade societária (art. 1033, inciso IV, do Có digo
Civil) ou subsidiária integral (art. 251 da Lei nº 6.404/76), sendo a pluralidade de só cios a regra.
Apó s a união dos interesses dos só cios, constituindo a sociedade em si, parte-se a compreensão da sociedade
personificada ou não personificada, neste sentido, lê-se Rizzardo (2014, p. 27), segundo o qual:

No pertinente às sociedades, presentemente há duas grandes classes: as não personificadas, isto é,


aquelas que, embora com estatutos ou contrato social, não tem o registro; e as personificadas, ou
seja, as com ato constitutivo e o registro. As personificadas, que se subdividem em simples e
empresárias, de modo geral substituem as antigas sociedades civis e comerciais – as primeiras
ficando subsumidas nas simples e as segundas nas empresárias.

Ou seja, a despeito do art. 967 do Có digo Civil determinar a inscrição do empresário ou sociedade empresária
no Registro Pú blico de Empresas Mercantis a cargo das Juntas Comerciais do estado da respectiva sede, antes
do início da atividade, reconhece-se a prática da atividade econô mica empresarial antes mesmo da realização
do registro.
VOCÊ QUER VER?
As Juntas Comerciais sã o vinculadas administrativamente ao Departamento Nacional
de Registro Empresarial e Integraçã o – DREI, órgã o federal ligado ao Ministé rio da
Indú stria e Comé rcio. Assista ao vídeo (2017) para saber mais sobre as Juntas
Comerciais:
https://www.youtube.com/watch?v=XHD3xDRKV8U
(https://www.youtube.com/watch?v=XHD3xDRKV8U).

E, muito embora, o referido dispositivo legal se reporte ao registro de empresa, ele se aplica às sociedades
simples, considerando que o ato de registro tem fins fiscais relevantes para o Estado enquanto titular de
tributos.
Dessa forma, para fins fiscais, o registro da sociedade, seja simples ou empresária, é essencial para que se
constitua formalmente a pessoa jurídica e para que se possa exigir desta, pelo Estado, a satisfação pelas
responsabilidades fiscais.

1.1.2. Sociedades simples e empresária


A lei distingue a sociedade empresária da simples por exclusão, o art. 982 do Có digo Civil determina que
empresária são as sociedades que desenvolvem atividades pró prias de empresários nos termos do art. 966,
do referido Có digo, sendo simples as demais.
Dessa forma, independentemente do tipo de estrutura societária que se adote, dentre os modelos
regulamentados no Có digo Civil, seu enquadramento como simples ou empresária, em regra, dependerá do
objeto social descriminado, salvo as sociedades por açõ es (sociedades anô nimas ou companhias) que sempre
serão empresárias (art. 2º da Lei nº 6.404/76).
Ou seja, os tipos societários a saber: sociedade em comum, sociedades em conta de participação, sociedade
em nome coletivo, sociedade em comandita simples, sociedade em comandita por açõ es e sociedade limitada
podem desenvolver atividades econô micas empresariais ou simples, de acordo com o disposto, como seu
objeto social, já as sociedades por açõ es serão sempre sociedades empresárias.
Por essa razão, se justifica o presente no art. 1.150 do Có digo Civil que trata do registro empresarial,
determinando que o registro da sociedade empresária se realize no Registro Pú blico de Empresas Mercantis a
cargo das Juntas Comerciais e das sociedades simples no Registro Civil das Pessoas Jurídicas, se a sociedade
simples adotar um dos tipos de sociedade empresária.

1.1.3. Sociedades de direito e sociedades de fato


Então, temos as sociedades a partir da união de vontades de duas ou mais pessoas dispostas a contribuírem
para um propó sito em comum, partilhando lucros ou prejuízos proporcionais aos valores com os quais
contribuíram para a formação da sociedade em si.
Essa intenção dos só cios em compor a sociedade deve ser reduzida a termo em um documento chamado de
contrato social que, embora tenha parâmetros dispostos em lei, deve refletir a intenção, a perspectiva e as
metas dos só cios na idealização do negó cio jurídico a ser desenvolvido a partir da relação societária.
Entabulado os termos do contrato social, este deve ser levado a registro no ó rgão competente de acordo com a
natureza jurídica da sociedade que se formou, momento a partir do qual se verifica a existência regular da
pessoa jurídica, conforme os termos do art. 985 do Có digo Civil, passando, dessa forma, a representar uma
pessoa jurídica de direito privado, com direitos e obrigaçõ es distintos dos direitos e obrigaçõ es pessoais dos
seus só cios.
Ressalta-se que o registro das sociedades empresárias, tal como o registro dos empresários individuais e das
EIRELIs, tem objeto social pró prio de empresário nos termos do art. 966 do Có digo Civil, e deve ser realizado
nas Juntas Comerciais do Estado onde for a sede da atividade empresária, conforme regulamenta a Lei nº
8.934/94 que trata do Registro Pú blico de Empresas Mercantis e atividades afins.
Registrada a sociedade, o compromisso dos só cios para com esta se limita ao valor das suas quotas (ou
açõ es, no caso das sociedades por açõ es), parcelas representativas de fraçõ es do capital social, que, por sua
vez, é representativo do nú cleo do patrimô nio da sociedade ora constituída. 
Assim, tudo começa com a vontade dos só cios de unirem-se para desenvolver determinado negó cio jurídico,
de cunho empresarial ou não, para o qual contribuem com valores em espécie ou bens suscetíveis de
avaliação pecuniária destinados à formação do capital social em troca da titularidade de quotas que conferem
aos investidores o status de só cios, detentores de direitos e obrigaçõ es nos termos da lei, reconhecidos e
exigíveis no estrito molde do contrato social devidamente registrado em ó rgão competente de acordo com a
natureza da sociedade constituída, se simples ou empresária.
A inexistência do registro do ato constitutivo da atividade empresária, seja desenvolvida através de uma
sociedade ou individualmente como empresário individual, relega os titulares da atividade econô mica à
informalidade e as consequências desta, ou seja, a exposição integral do seu patrimô nio ao risco do negó cio, a
assunção total pelos resultados negativos que a atividade empresária eventualmente obtiver. O registro da
empresa não apenas institui regularmente a pessoa jurídica, mas distingue, delimita o patrimô nio da
sociedade (instituída em pessoa jurídica) e o distingue do patrimô nio pessoal dos só cios que, em regra, não
responde pelos resultados econô micos da atividade empresária desenvolvida pela sociedade empresária
(instituição).

1.2 Conceito de Sociedade Empresarial: noção de sociedade


como contrato, patrimônio e pessoa jurídica
A sociedade empresária representa um negó cio jurídico consolidado pelos só cios que a instituem
contratualmente, de maneira formal e regulamentar, permitindo que, a partir do desenvolvimento das
atividades empresariais, a sociedade em si amplie o seu patrimô nio, sendo assim mais nítida a distinção
jurídica entre a sociedade empresária e seus só cios.
Observe que o desenvolvimento da atividade empresária por meio de sociedade exige atenção quanto ao tipo
societário a ser adotado, o que envolve, inclusive, a decisão por desenvolver a referida atividade formal ou
informalmente e verificar se a atividade empresária se enquadrará ou não como pequena empresa.
A pequena empresa é um conceito amplo com vinculação fiscal sobre a atividade econô mica desenvolvida, tal
como se verifica na leitura do art. 3º da Lei Complementar nº 123/06, conhecida como Estatuto da Pequena
Empresa, que a define a partir dos resultados econô micos auferidos.
Então, as atividades econô micas (inclusive as simples, não empresárias) podem ser enquadradas como
pequenas empresas desde que sua receita bruta anual se encontre no patamar legal determinado.
Têm-se as pequenas empresas como gênero dos quais são espécies:

a) Microempreendedores individuais – MEI,


assim definidos como os empreendedores que
exerçam as atividades de industrializaçã o,
comercializaçã o e prestaçã o de serviços no
â mbito rural, através da qual tenha auferido
receita bruta, no exercício social anterior, de até
R$ 81.000,00, que seja optante pelo Simples
Nacional e que nã o esteja impedido de optar pela
sistemá tica nos termos do art. 18-A, §1º da Lei
Complementar nº 123/06;

b) Microempresas, que aufiram, em cada


exercício social, receita bruta igual ou inferior a
R$ 360.000,00;

c) Empresa de pequeno porte, que aufiram, em


cada exercício social, receita bruta superior a R$
360.000,00 e igual ou inferior a R$ 4.800.000,00.

Assim, independentemente do tipo jurídico de sociedade adotado e da espécie de atividade econô mica
desenvolvida (simples ou empresária), o enquadramento como pequena empresa pode se dar verificando a
receita bruta anual auferida.
VAMOS PRATICAR?
Um grupo de empreendedores informais, composto por jovens que produ
forma artesanal materiais para entretenimento de animais domé sticos, des
ao comé rcio eletrônico (e-commerce), vê a procura por seus produtos
vertiginosamente depois que fazem promoçã o em uma rede social n
registraram um feedback positivo. O fato os levou a serem procurados p
grande empresa do segmento de pets que desejava consolidar parceria
venda dos produtos com exclusividade por um determinado tempo.
Por essa razã o, o grupo opta por regularizar o negócio, mesmo acreditan
apesar das perspectivas positivas, ainda se enquadram como pequena e
Os jovens, entã o, buscam por conhecimentos té cnicos para conhecerem m
procedimentos legais necessá rios para se registrarem como pequena e
Eles solicitam um parecer fundamentado que elucide as dú vidas existente
o tema. 
Redija o parecer a partir da aná lise do Estatuto da Pequena Empresa e
sobre as espé cies que compõem este gê nero, de forma a dissociar as PM
pessoas jurídicas elencadas em lei, enaltecendo o crité rio objetivo que o le
adotou para definir as PMEs.

A partir desses conceitos, pode-se compreender melhor a sociedade empresária e suas idiossincrasias.

1.2.1. Sociedade empresária


A sociedade empresária, como se viu, é aquela que desenvolve atividade pró pria de empresário.

O empresário é identificado a partir do conceito insculpido no caput do artigo 966 do Có digo


Civil, inspirado no artigo 2.082 do Codice Civile italiano [...]. O conceito derivado da legislação
pátria considera o empresário como agente econô mico dedicado profissionalmente ao exercício
da empresa (MENDONÇA, 2017, p. 50).

Nesse sentido, a sociedade empresária deve se dedicar, formalmente, à prática da atividade profissional e
economicamente organizada de produção e/ou circulação de bens e/ou serviços, tendo nesta atividade intuito
de auferir lucro a partir do capital investido, da gestão dos colaboradores da empresa e de atividades de
marketing. 
A sociedade empresária é aquela que tem por objeto a exploração habitual de atividade econô mica
organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços, sempre com escopo de lucro.
Explora, pois, de forma profissional a empresa, resultado de ordenação do trabalho, capital e, por
que não, tecnologia (CAMPINHO, 2016, p. 50).

Mas o desenvolvimento dessa atividade empresarial prescinde uma relação jurídica contratual. O ato que
constitui formalmente a sociedade, denominado contrato social, é uma relação plurilateral, haja vista que
todos os só cios se encontram no mesmo lado da relação jurídica, como se verificará na sequência.

1.2.2. Sociedade como contrato


As relaçõ es jurídicas consolidadas por meio de contrato têm como escopo a previsão de alternativas e
soluçõ es ante eventuais futuros impasses.
Ao considerar os termos da legislação, quando define a sociedade nos termos do art. 981 do Có digo Civil, o
legislador idealiza uma relação jurídica pacífica em que as partes envolvidas estão focadas na realização de
atividades em comum que beneficiarão a todos com o resultado alcançado.
Mas, inevitavelmente, pessoas envolvidas em relaçõ es jurídicas que se protraem no tempo e no espaço terão
que enfrentar imprevistos e desentendimentos sempre que não for possível equalizar os interesses ante as
demandas e oportunidades que se apresentarem.
Dessa forma, o contrato tem por fim equilibrar a relação entre os signatários evitando que as soluçõ es sejam
buscadas caso a caso, prevendo hipó teses de deslindes para variados e previsíveis impasses de forma a evitar
que a urgência da demanda impeça que se chegue a um consenso, vicie ou leve uma das partes a duvidar da
credibilidade da alternativa encontrada, ensejando um sentimento de injustiça.

Figura 2 - O contrato é um acordo motivado pela vontade autô noma expressa pelos só cios, signatários do
negó cio jurídico.
Fonte: Yurii Andreichyn, Shutterstock, 2019.

Por isso se diz que os contratos são como leis entre as partes que o celebram, porque, tal como as leis, suas
cláusulas são imperativas, abstratas e impessoais, especificamente no contrato social firmado por só cios em
uma sociedade, pois, neste caso, um signatário não está em condição de hipossuficiência em relação ao outro.
Segundo Posner (2010, p. 216), “a razão disso fica clara se compreendermos que a função econô mica do
direito contratual moderno é facilitar transaçõ es nas quais uma ou ambas as partes levam tempo considerável
para cumprir sua obrigação”. 
Dessa forma, o art. 997, do Có digo Civil, ao determinar que o contrato social pelo qual a sociedade se constitui
seja escrito, particular ou pú blico, autoriza os signatários a estipularem cláusulas de acordo com suas
expectativas ante ao negó cio que estão por empreender. O rol de elementos que o citado artigo determina que
exista no contrato social não é taxativo.
A partir dessas consideraçõ es, se compreende a razão pela qual se diz que o contrato social é um contrato
plurilateral, pois seus signatários não almejam contraprestaçõ es recíprocas uns contra os outros, como nos
contratos bilaterais, nem se colocam na condição de ceder algo sem contraprestação, como nos contratos
unilaterais. 

VAMOS PRATICAR?
O estudante de direito percebe, logo no começo do curso, que os conceito
nã o raras vezes, encontram exemplos dissonantes na prá tica, o que pode
a pensar que, na prá tica, a teoria talvez seja outra. Assim, considere suas v
com instituições empresariais, seja como consumidor, colaborador da e
(empregado), prestador de serviço autônomo, ou talvez como em
propriamente dito, sócio ou mesmo outra forma específica de vínculo q
possa ter com uma atividade empresá ria. A partir da sua experiê ncia
apresente um resumo acerca dos conceitos de sociedade e emp
considerando os termos té cnicos e as normas vigentes estudadas. Dissert
do conceito de sociedade empresá ria indicando exemplos prá ticos de soc
empresariais, construindo um paralelo entre teoria e prá tica. 

No contrato social, os só cios se unem, conforme determina a lei, e se obrigam, espontaneamente, a contribuir
para o exercício de atividade empresária, visando partilhar, entre si, os resultados auferidos, então se põ em
lado a lado e consolidam a estrutura de uma pessoa jurídica representativa da sociedade que instituíram com
o encontro de suas vontades.
Assim, firmado o contrato social, com as cláusulas indicadas pela lei e com as que os só cios entendem que
são necessárias, tão logo seja registrado na Junta Comercial (no caso das sociedades empresárias) a pessoa
jurídica recém-instituída já detém titularidade patrimonial sobre os bens que se compõ em a partir do capital
social subscrito e/ou integralizado pelos só cios.
Ao firmarem o contrato social, os só cios definiram o valor do capital social, bem como em quantas quotas ele
se dividirá e qual será o valor de cada quota; ao subscreverem o contrato social, os só cios se comprometem a
integralizar as quotas nos termos firmados no referido contrato social, integralizando-as efetivamente,
passam a ser titulares das quotas e a sociedade titular do patrimô nio registrado em seu nome.
Perceba que a constituição formal da sociedade, por meio de contrato social registrado em ó rgão competente,
institui uma pessoa jurídica diferente dos só cios, autô noma em relação a eles, detentora de responsabilidade
civil, patrimonial e capacidade jurídica.

1.2.3 Patrimônio societário 


O patrimô nio societário, ou o patrimô nio da sociedade, se constitui a partir do aporte de capital realizado
pelos só cios tão logo integralizem as quotas que subscreveram nos termos do contrato social. Compondo o
capital social, a sociedade é, reconhecidamente, titular de bens, consequentemente titular de obrigaçõ es legais
de natureza fiscal, cível, trabalhista, ambiental e administrativa, bem como responsável cível e criminalmente
por atos que praticar em prejuízo de terceiros.
A partir da integralização do capital social, a sociedade detém condiçõ es de desenvolver as atividades
descritas na cláusula objeto social e ampliar patrimô nio a partir dos resultados verificados.
A proposta da sociedade empresária como uma pessoa jurídica que desenvolva atividade pró pria de
empresário é que o capital investido no desenvolvimento de sua atividade retorne com acréscimo, daí a ideia
de lucro, que representa o retorno remunerado do capital investido e sua persecução por parte dos titulares da
atividade empresária corrobora com o efetivo desenvolvimento da função social da empresa (MENDONÇA,
2012).
Assim, tudo o que for consolidado a partir do efetivo desenvolvimento pela sociedade empresária da
atividade profissional e economicamente organizada destinada à produção e/ou circulação de bens e/ou
serviços corresponderá ao patrimô nio da sociedade em si, não se confundindo com o patrimô nio pessoal dos
só cios; estes, tão logo integralizem suas quotas, terão direito de participar nos dividendos na proporção de
seus investimentos e nos moldes determinados no contrato social, isso porque as pessoas físicas distinguem-
se das pessoas jurídicas.

1.2.4. Sociedade a partir da pessoa jurídica


A distinção entre os só cios e a sociedade que constituem se deve porque a instituição societária regular
registra o surgimento da pessoa jurídica representativa da sociedade em si.
Como se verificou no art. 985 do Có digo Civil, o registro em ó rgão competente dos atos constitutivos da
sociedade institui a pessoa jurídica que, classicamente, é definida como entidade ou instituição “a quem a
ordem jurídica atribui capacidade para titular direitos e obrigaçõ es” (MONTORO, 2008, p. 563).
A despeito de qual teoria se filie para definir a pessoa jurídica, o importante é compreender que o objetivo da
pessoa jurídica é tornar impessoal as relaçõ es jurídicas obrigacionais, de forma que possam ser exigíveis
mesmo quando a pessoa física que instituiu a pessoa jurídica não mais responda por ela (seja por ter exercido
direito de retirada da sociedade ou por ter vindo a ó bito).
VOCÊ SABIA?
Pela Teoria da Ficçã o, segundo a qual só o homem é uma pessoa real, as
instituições sã o consideradas pessoas por uma ficçã o jurídica; já a Teoria
Organista considera que o homem só existe como é por viver em sociedade, de
forma que as pessoas jurídicas seriam també m organismos reais. A Teoria da
Instituiçã o explica a realidade objetiva da sociedade sem sacrificar a
personalidade própria dos indivíduos, assim teríamos a realidade própria do ser
humano concomitante à realidade objetiva das instituições.

Dessa forma, as obrigaçõ es assumidas quando do desenvolvimento da atividade empresarial por meio de
uma sociedade empresária são exigíveis mesmo que seu quadro societário tenha sido alterado, mesmo que
seus instituidores já não mais respondam pelas atividades praticadas. A ideia é que as instituiçõ es, as pessoas
jurídicas, sejam atemporais e os produtos ou serviços por elas proporcionados sirvam aos anseios dos
consumidores e de fomento econô mico mesmo que seus idealizadores já não mais estejam entre nó s.
Compreendendo a importância das pessoas jurídicas no contexto da celebração de negó cios jurídicos de
cunho socioeconô micos, se entende a permanência em funcionamento de instituiçõ es seculares e a
manutenção pelo tempo do comprometimento com as obrigaçõ es patrimoniais assumidas ao longo do
desenvolvimento da atividade empresarial.

1.3 Sociedade como patrimônio: Capital social e


patrimônio. Distinção patrimonial. Distinção entre
Sociedade Simples e Empresarial. Distinção entre
Sociedade, Associação e Fundação. Distinção entre
Sociedade e Empresa
O patrimô nio societário se constitui a partir do capital social, mas não se restringe a ele; compõ e o
patrimô nio da sociedade todo o seu ativo e passivo, correspondente a bens em universalidade de fato, como
traz o art. 90 do Có digo Civil (BRASIL, 2002).

1.3.1. Capital social e patrimônio 


A legislação se refere ao capital social por via transversa, referindo-se às quotas que os só cios que investem
na sociedade têm direito tão logo integralizem o capital social, neste sentido lê-se o art. 1.055 do Có digo Civil.
Portanto, pode-se definir o capital social, grosso modo, como o montante de contribuiçõ es dos
só cios para a sociedade, a fim de que ela possa cumprir seu objeto social.
O capital social deve ser sempre expresso em moeda corrente nacional, e pode compreender
dinheiro ou bens suscetíveis de avaliação pecuniária (bens moveis, imó veis ou semoventes;
materiais ou imateriais) (RAMOS, 2017, p. 283).

Subscrito o capital social na celebração do contrato social, impõ e-se ao só cio a exigência de sua efetiva
integralização, no caso das sociedades limitadas, a lei impõ e responsabilidade solidária a todos os só cios
pelo prazo de cinco anos a contar da data do registro da sociedade no respectivo ó rgão competente (Junta
Comercial se empresárias e Registro Civil de Pessoas Jurídicas se simples), vendando ainda sua integralização
por prestação de serviços.
A proibição contida no art. 1.055, § 2º, do Có digo Civil se deve ao fato de ser impossível quantificar, valorizar
os serviços de alguém para fins de integralização do capital social; aceitar ou exigir de alguém que integralize
capital social com serviços corresponde exigir que esta pessoa trabalhe sem contraprestação pecuniária por
um lapso temporal sobre o qual não se encontraria consenso em delimitar.
Assim, integralizado o capital social, logrando êxito a sociedade no desenvolvimento eficaz do seu objeto
social, inevitavelmente seu patrimô nio perceberá um crescimento substancial e seus registros contábeis
demonstrarão lucros a serem partilhados entre os só cios na proporção de suas quotas.

Figura 3 - Representação, de forma ilustrativa e hipotética, que o capital social pode ser fracionado na
medida da capacidade dos só cios de contribuírem para a composição inicial da sociedade. O capital social
poderia ser dividido entre quatro só cios na proporção de: 60%, 20%, 10 % e 10%.
Fonte: Elaborada pelo autor, 2019.

Acaso a sociedade venha a ser dissolvida, total ou parcialmente, caberá o liquidante apurar os haveres para
partilhar entre os só cios o patrimô nio líquido, na mesma proporção das quotas que integralizaram, ou seja,
em caso de dissolução da sociedade, deve o responsável pela liquidação patrimonial apurar as obrigaçõ es
vencidas e vincendas a quitar, registrar os pagamentos, verificar o saldo patrimonial remanescente e dividir
entre os só cios de forma equivalente ao total de quotas pertencentes a cada um, registrando o histó rico das
operaçõ es em ata de assembleia de dissolução para fins de dar baixa no registro da pessoa jurídica,
extinguindo-a de pleno direito.
Perceba que o procedimento ora apresentado não encontra distinção entre sociedades simples e empresárias;
a despeito da distinção natural entre as espécies societárias ambas desenvolvem atividade econô mica, sendo
que a primeira têm propó sitos filantró picos e a ú ltima objetiva auferir lucros, porém ambas exigem
investimentos e movimentação financeira, ambas desenvolvem atividades econô micas, com propó sitos
distintos,  mas ainda assim uma atividade econô mica.
Dessa forma, mesmo as sociedades simples, que não desenvolvem atividade empresária, devem integralizar
seu capital social a partir do investimento dos só cios em quotas sociais.

1.3.2. Sociedade simples e empresária


Ao que se verifica, as sociedades simples e empresárias distinguem-se pela natureza do seu objeto social,
conquanto, ambas, como se verificou, em regra, exigem um investimento financeiro para sua consolidação.
O gênero sociedades simples possui variadas espécies, dentre as quais podem ser citadas: partidos políticos,
sindicatos, associaçõ es e fundaçõ es, organizaçõ es não governamentais, institutos, instituiçõ es religiosas, em
regra, são por natureza constituídas sobre os moldes de uma das espécies jurídicas de sociedades
regulamentadas pelo Có digo Civil.
Nesse instante, as associaçõ es e fundaçõ es merecem atenção especial ante a regulamentação determinada por
lei.

1.3.3. Associações
As associaçõ es são um dos melhores exemplos de sociedades simples, pois se constituem pela união de
pessoas que se organizem para fins não econô micos. Mesmo assim, é inegável o caráter econô mico da
atividade, considerando a existência deste em todas as atividades humanas em que se verifique a
movimentação patrimonial.
Por mais que os fins da associação não sejam econô micos, e isso se comprova, inclusive pela inexistência
entre os associados, de direitos e obrigaçõ es recíprocos, as atividades que a associação venha a desenvolver,
de alguma forma, exigirá movimentação patrimonial, consequentemente, econô mica.
A regulamentação desse instituto em lei registra a liberdade dos associados em delimitar os termos e moldes
da associação, mesmo assim a lei impõ e que o seu estatuto social (ato constitutivo da associação) contenha:
sua denominação, os fins e a sede da associação; os requisitos para a vinculação e desvinculação dos
associados do quadro institucional; os direitos e deveres dos associados; as fontes de recursos para sua
manutenção das atividades institucionais (elemento de existência essencial que reforça a tese de que, embora
não tenha fim econô mico, ainda assim desenvolve atividade de cunho patrimonial); o modo de constituição e
de funcionamento dos ó rgãos deliberativos e a forma de gestão administrativa e de aprovação das respectivas
contas, nos termos determinados pela Lei nº 11.127, de 2005; e as condiçõ es para a alteração das disposiçõ es
estatutárias e dissolução da associação.
Muito embora os associados devam ter direitos iguais, o estatuto social poderá instituir categorias com
vantagens especiais, assim idealizadas e aprovadas pelos associados em assembleia.
Liberdade semelhante à lei garante aos associados disporem sobre a possibilidade de transmitir a qualidade
de associado a outrem, a princípio intransmissível, mas o estatuto social pode dispor em contrário.
Contudo, em caso de transferência da condição de associado, sendo este titular de quota ou fração ideal do
patrimô nio da associação, a transferência daquela condição não importará, de per si, na atribuição da
qualidade de associado ao adquirente ou ao herdeiro, salvo disposição em contrário constante no estatuto
social.
Ao contrário da transferência da condição de associado, sua exclusão só será admissível quando houver justa
causa. E, tendo esta um conceito genérico, seu reconhecimento deve se dar em procedimento que assegure
direito de defesa e de recurso, nos termos previstos no estatuto social. 
Em se tratando de uma sociedade sem fins lucrativos, simples por natureza, a lei garante ao associado defesa
no exercício de direitos ou funçõ es que lhe tenha sido legitimamente conferido no estatuto social, salvo
exceçõ es previstas no pró prio ato constitutivo.
Uma vez dissolvida a associação, eventual patrimô nio líquido remanescente será destinado à entidade de fins
não econô micos designada no estatuto social; sendo este omisso será necessário que os associados
deliberem sobre qual instituição municipal, estadual ou federal, de fins idênticos ou semelhantes será
destinatária dos referidos bens e valores.
Poderá, porém, o estatuto social, ou mesmo no silêncio deste, por deliberação dos associados, antes da
destinação dos bens e valores remanescente a outra instituição de fins semelhantes, deliberar por receber
restituição, com atualização do respectivo valor, das contribuiçõ es que tiver prestado ao patrimô nio da
associação.
Por fim, se não houver no Município, Estado ou Distrito Federal no qual a associação tiver sua sede,
instituição semelhante, o saldo remanescente do seu patrimô nio será direcionado à Fazenda Pú blica do
Estado, Distrito Federal ou da União.

1.3.4. Fundações
No que tange às fundaçõ es, sua instituição deve ser realizada por escritura pú blica ou testamento, dotação
especial de bens livres, especificando o fim a que se destina, e declarando, se quiser, a maneira de administrá-
la. Clique abaixo para saber como pode ser constituída sua instituição.

Fundações podem ser constituídas para fins de:

assistência social; cultura, defesa e conservação do patrimô nio histó rico e artístico; educação;
saú de; segurança alimentar e nutricional; defesa, preservação e conservação do meio ambiente e
promoção do desenvolvimento sustentável; pesquisa científica, desenvolvimento de tecnologias
alternativas, modernização de sistemas de gestão, produção e divulgação de informaçõ es e
conhecimentos técnicos e científicos; promoção da ética, da cidadania, da democracia e dos
direitos humanos e atividades religiosas.

Se os bens destinados à constituição da fundação forem insuficientes, estes poderão ser incorporados por
outra fundação que se proponha a fim igual ou semelhante, salvo se de outro modo dispuser o instituidor.
Uma vez constituída a fundação por negó cio jurídico entre vivos, será o instituidor obrigado a transferir-lhe a
propriedade, ou outro direito real, sobre os bens dotados, do contrário serão registrados em nome da
fundação por mandado judicial.
Aqueles a quem o instituidor declinar a aplicação do patrimô nio, tão logo tome ciência do encargo, deverão
formular o estatuto social da fundação e submetê-lo à aprovação da autoridade competente. Se o estatuto
social não for elaborado no prazo assinado pelo instituidor, ou não havendo prazo por ele determinado não o
for elaborado em 180 dias, esta incumbência caberá ao Ministério Pú blico do Estado onde for a sede da
fundação.
Alteraçõ es no estatuto social da fundação exigirão deliberação por dois terços dos competentes para gerir e
representar a fundação; não se verifique contrariedade ou desvirtuação dos fins desta; e aprovação pelo
Ministério Pú blico, no prazo máximo de 45 dias, findo o qual ou no caso de o Ministério Pú blico denegar,
poderá o juiz supri-la, a requerimento do interessado. 
Tornando-se ilícita, inexequível ou inú til a finalidade da fundação, ou vencido o prazo de sua existência, o
Ministério Pú blico, ou qualquer interessado, poderá promover sua extinção, incorporando-se o seu
patrimô nio em outra fundação designada pelo juiz, desde que se proponha a fim igual ou semelhante a
fundação extinta, salvo disposição em contrário no ato estatuto social.

1.4 Personalidade Jurídica: Noção, Efeitos, Limitação de


responsabilidade, Teorias, Desconsideração, Hipóteses no
Direito brasileiro
A personalidade jurídica, como se verificou no tó pico 1.2.4, consiste em uma criação jurídica destinada a
viabilizar negó cios jurídicos a médio e longo prazo, proporcionando garantias e tutelando direitos de terceiros
de boa-fé que entabulem contratos variados com as pessoas jurídicas através de seus representantes legais.
Dessa forma, quando se procede ao registro do ato constitutivo da sociedade (simples ou empresária)
tornamos as relaçõ es impessoais e passamos a exigir a satisfação dos direitos e cumprimento dos deveres de
forma institucional, o que representa melhor tutela dos interesses das partes, haja vista que as instituiçõ es
transcendem seus instituidores e a lei não permite, em regra, que os responsáveis legais se desvinculem sem
o efetivo cumprimento de suas obrigaçõ es regulamentares e legais.
Assim, uma vez que se procede na forma do art. 985 do Có digo Civil, atentando ao art. 1.150 do mesmo
diploma legal, institui-se a limitação patrimonial em favor dos instituidores e só cios da sociedade e passa-se
a exigir desta a responsabilidade pelos negó cios jurídicos entabulados em seu nome e sob sua
responsabilidade, uma vez que a pessoa jurídica goza de autonomia patrimonial, responsabilidade civil e
penal e capacidade processual.
Figura 4 - Uma das maiores relevâncias em se constituir regularmente uma sociedade é instituir a limitação
do patrimô nio pessoal dos só cios ante aos compromissos financeiros a serem assumidos pela atividade
desenvolvida pela sociedade em si.
Fonte: arka38, Shutterstock, 2019.

Contudo, apesar de autô noma em relação aos seus só cios, a pessoa jurídica ainda representa uma ficção
jurídica, uma criação do sistema jurídico para viabilizar determinadas relaçõ es negociais.
Tal fato pode proporcionar o uso indevido da pessoa jurídica, em descordo com a lei ou com o ato
constitutivo, em detrimento do interesse de terceiros de boa-fé, acarretando o locupletamento ilícitos de
só cios ou administradores. Em razão desse fato, pensou-se na possibilidade de desconsiderar a personalidade
jurídica.

1.4.1. Desconsideração da personalidade jurídica


A então teoria da desconsideração da personalidade jurídica (disregard doctrine) tinha como objetivo coibir a
fraude contra credores, terceiros de boa-fé, sem pô r em dú vida a regra de separação dos patrimô nios da
pessoa jurídica (sociedades e EIRELI) e dos só cios (ou instituidor da EIRELI). Assim, o intuito da teoria é
preservar a pessoa jurídica de seus membros, sem, contudo, deixar de valorizar o interesse de terceiros.
A referida teoria era conhecida e aplicada de duas formas. Clique abaixo para conhecê-las:

a) teoria maior segundo a qual exige-se
requisitos específicos para a desconsideraçã o da
personalidade jurídica: abuso caracterizado pelo
desvio de finalidade ou confusã o patrimonial
praticado por algum (ou todos) dos só cios.

b) teoria menor pela qual basta que haja o


inadimplemento para que o juiz possa
determinar a desconsideraçã o da personalidade
jurídica e, consequentemente, acessar aos bens
dos só cios.

VOCÊ QUER LER?


Leia a jurisprudê ncia RMS 12872/SP (STJ-RMS, 2002) e REsp 63652/SP (STJ - REsp,
2001) e compreenda como os magistrados aplicam a temá tica estudada.

Há ainda a teoria invertida que visa a coibir o desvio de bens, em que o devedor é controlador de uma
sociedade para a qual transfere seus bens pessoais visando fraudar seus credores pessoais.

1.4.2. Desconsideração da personalidade jurídica no Direito Brasileiro:


incidente de desconsideração da personalidade jurídica
A princípio, quando o incidente de desconsideração da personalidade jurídica era tratado como teoria da
desconsideração da personalidade jurídica, tínhamos o art. 28 da Lei nº 8.078/90 (Có digo de Defesa e
Proteção do Consumidor) que tratava o tema de forma restrita às relaçõ es de consumo.
O revogado art. 18, Lei n° 8.884/94, também tratou do tema, até ser revogado pela Lei nº 12.529/11, que
mencionou a possibilidade de desconsideração da personalidade jurídica no seu art. 34, sempre que fosse
necessário proteger a ordem econô mica.
O art. 4°, Lei n° 9.605/98, por sua vez, não apresenta simbiose com os parâmetros da teoria maior, considera
que não basta que a personalidade jurídica constitua mero obstáculo, é imperioso o abuso e a fraude para
aplicação da desconsideração da personalidade jurídica com meio de tutelar direitos ambientais.

VOCÊ O CONHECE?
Nancy Andrighi é ministra do Superior Tribunal de Justiça e ex-corregedora nacional
do Conselho Nacional de Justiça e subscreve vá rios julgados sobre o tema da
desconsideraçã o da personalidade jurídica que podem ser pesquisados no Superior
Tribunal de Justiça.

Em 2002, o Có digo Civil no seu art. 50 incorporou efetivamente a teoria da desconsideração da personalidade
jurídica ao direito brasileiro. 
De 1990 a 2002, a variedade de leis e interpretaçõ es não permitiram uma aplicação muito efetiva do instituto,
fato que parece ter inspirado o legislado em 2015, quando da atualização do Có digo de Processo Civil, que em
seu capítulo IV, regulamentou o incidente de desconsideração da personalidade jurídica.
Desde então, o incidente de desconsideração da personalidade jurídica poderá ser instaurado a pedido da
parte ou do Ministério Pú blico, quando lhe couber intervir no processo, observando os pressupostos
previstos em lei.
VAMOS PRATICAR?
Faça uma pesquisa nos Tribunais sobre jurisprudê ncias relacion
desconsideraçã o da personalidade jurídica e, a partir dos resultados enco
disserte sobre os pontos principais verificados nos precedentes encontra
pesquisa pode ser facilitada ao acessar este link que concentra todos os Tr
do país dentre outros acervos jurídicos: 
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(https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/?ref=navbar).

A nova regra aplica-se também nas hipó teses de desconsideração inversa da personalidade jurídica, motivada
pelas mesmas razõ es.
Agora, resta nítido que o incidente de desconsideração é cabível em todas as fases do processo de
conhecimento, tal como no cumprimento de sentença e na execução fundada em título executivo extrajudicial,
a despeito de poder ser requerida na petição inicial, hipó tese em que será citado o só cio ou a pessoa jurídica
em si.
Exige-se que o requerimento demonstre o preenchimento dos pressupostos legais específicos para
desconsideração da personalidade jurídica: abuso da autonomia da personalidade jurídica e confusão
patrimonial.
Instaurado o incidente, o só cio ou a pessoa jurídica será citado para manifestar-se e requerer as provas
cabíveis no prazo de 15 dias, concluída a instrução, se necessária, o incidente será resolvido por decisão
interlocutó ria, cabendo agravo interno, se a decisão for proferida pelo relator.
CASO
“Suponhamos que, em um determinado segmento de mercado, competem quatro
sociedades anônimas, cada qual com sua própria composiçã o societá ria. Nã o há
nenhum acionista de uma delas que possua qualquer participaçã o no capital de
outra. Imaginemos, entã o, que o controlador da empresa mais forte, Darcy,
proponha aos controladores das concorrentes um acordo, mediante o qual ele
passe a ter o direito de escolher seus administradores, e ofereça, em troca, a
garantia de rentabilidade mínima da empresa. Quer dizer, se a sociedade nã o
gerar pelo menos determinado patamar de dividendos, Darcy pagará a diferença.
Feito o acordo, sã o escolhidos administradores diferentes para cada companhia.
Nã o há , portanto, venda de ações, permanecendo o mesmo quadro de acionistas
de todas as concorrentes. Nesse cená rio, considerar as sociedades como pessoas
jurídicas distintas, em obediê ncia ao princípio da autonomia, importa identificar,
no referido segmento de mercado, mais de uma sociedade empresá ria em
competiçã o. Quer dizer, se há quatro concorrentes, descabe cogitar monopólio.
Contudo, é inegável que Darcy, por meio de acordo com os controladores, domina
o mercado, podendo, por exemplo, determinar aos administradores que indicou
para cada companhia a majoraçã o concertada dos preços, sem risco de perda de
clientela” (COELHO, 2015, p. 58).

Acolhido o pedido de desconsideração da personalidade jurídica, a alienação ou a oneração de bens, havida


em fraude de execução, será ineficaz em relação ao requerente.
Recentemente, foi aprovada a lei nº 13.8747/19 em relação ao art. 50 do Có digo Civil, o teor da
desconsideração da personalidade jurídica constante no Có digo Civil está ajustado com o incidente de
desconsideração da personalidade jurídica regulamentado pelo Có digo de Processo Civil, o que facilita a
melhor interpretação e consequente aplicação da norma jurídica.

Síntese
Concluímos a unidade introdutó ria da disciplina Direito das Empresas Aplicado. Agora você já consegue
compreender a natureza jurídica das pessoas jurídicas e sociedades e tem noção da atividade empresarial a
partir dos parâmetros legais.
Nesta unidade você teve a oportunidade de:
Nesta unidade, você teve a oportunidade de:

• compreender o conceito de pessoas jurídicas e as limitações


patrimoniais existente entre seus instituidores e a pessoa jurídica
em si;
• compreender o conceito de sociedade, distinguindo a sociedade
simples da sociedade empresária a partir dos parâmetros legais;
• compreender as diferenças patrimoniais em se desenvolver a
atividade empresária por meio de sociedade e como empresário
individual ou EIRELI;
• compreender que a personalidade jurídica possui limites legais e
patrimoniais que, se desrespeitados pelos sócios ou
administradores da sociedade, podem levar à consequências
jurídicas a partir da incidência da desconsideração da
personalidade jurídica.

Bibliografia
BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Có digo Civil. Brasília, DF, 2002. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm
(http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm). Acesso em: 8 jul. 2019. 
BRASIL, LEI Nº 13.874, DE 20 DE SETEMBRO DE 2019, Institui a Declaração de Direitos de Liberdade
Econô mica; estabelece garantias de livre mercado; altera as Leis nos 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Có digo
Civil), 6.404, de 15 de dezembro de 1976, 11.598, de 3 de dezembro de 2007, 12.682, de 9 de julho de 2012,
6.015, de 31 de dezembro de 1973, 10.522, de 19 de julho de 2002, 8.934, de 18 de novembro 1994, o Decreto-
Lei nº 9.760, de 5 de setembro de 1946 e a Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei nº
5.452, de 1º de maio de 1943; revoga a Lei Delegada nº 4, de 26 de setembro de 1962, a Lei nº 11.887, de 24 de
dezembro de 2008, e dispositivos do Decreto-Lei nº 73, de 21 de novembro de 1966; e dá outras providências.
CAMPINHO, S. Curso de direito comercial: Direito de empresa. 14. ed. rev. e atual. Saraiva: São Paulo, 2016.
COELHO, F. U. Curso de direito comercial: Direito de empresa. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2015. 2 v. 
ITÁ LIA. Il Codice Civile Italiano. 2019. Disponível em: 
http://www.jus.unitn.it/Cardozo/Obiter_Dictum/codciv/Lib5.htm
(http://www.jus.unitn.it/Cardozo/Obiter_Dictum/codciv/Lib5.htm). Acesso em: 19 jun. 2019.
MENDONÇA, S. B. Função social da empresa. Análise pragmática. Revista de Estudos Jurídicos, a. 16, n. 23,
2012. Disponível em: https://ojs.franca.unesp.br/index.php/estudosjuridicosunesp/article/view/479/643
(https://ojs.franca.unesp.br/index.php/estudosjuridicosunesp/article/view/479/643). Acesso em: 19 jun.
2019. 
MENDONÇA, S. B. Empresa: Atividade econô mica organizada. Multifoco: Rio de Janeiro, 2017.
MENDONÇA, S. B.; ARRUDA, P. G. e. A inobservância dos termos fundamentais da teoria da empresa por
normas positivadas: Estudo de caso da EIRELI constituída para fins não empresariais. Revista Jurídica.
Curitiba, v. 4, n. 45, p.586-608, 2016. Disponível em:
http://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/documentacao_e_divulgacao/doc_biblioteca/bibli_servicos_pro
dutos/bibli_informativo/bibli_inf_2006/Rev-Juridica-UNICURITIBA_n.45.25.pdf
(http://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/documentacao_e_divulgacao/doc_biblioteca/bibli_servicos_pr
odutos/bibli_informativo/bibli_inf_2006/Rev-Juridica-UNICURITIBA_n.45.25.pdf). Acesso em: 19 jun. de
2019.
MONTORO, A. F. Introdução à ciência do direito. 27. ed. rev. e atual. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2008.
O QUE faz a Junta Comercial? 2017. 1 vídeo (3 min 55 segs.). Publicado pelo canal Martins Sociedade
Individual de Advocacia. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=XHD3xDRKV8U
(https://www.youtube.com/watch?v=XHD3xDRKV8U). Acesso em: 19 jun. 2019. 
POSNER, R. A. A econômica da justiça. Trad. Evandro Ferreira e Silva. Rev. da trad. Aníbal Mari. São Paulo:
Martins Fontes, 2010.
RAMOS, A. L. S. C. Direito empresarial. 7. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2017.
RIZZARDO, A. Direito de empresa. 5. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2014. 
STJ-REsp: 63652 SP 1995/0017378-6, Relator: Ministro Barros Monteiro, Data de Julgamento: 13/06/2000, T4
– Quarta Turma, Data de Publicação: DJ 21/08/2000, p. 134 RMP, vol. 15, p. 522 RSTJ vol. 140, p. 396.
JusBrasil. Disponível em: https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/8195452/recurso-especial-resp-63652-
sp-1995-0017378-6 (https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/8195452/recurso-especial-resp-63652-sp-
1995-0017378-6). Acesso em: 19 jun. 2019. 
STJ-RMS 12872 SP 2001/0010079-1. Relator: Ministra Nancy Andrighi, Data de Julgamento: 24/06/2002, T3
terceira Turma, Data Publicação: DJ 16 dez. 2002, p. 306. JusBrasil.  Disponível em:
https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/275822/recurso-ordinario-em-mandado-de-seguranca-rms-
12872-sp-2001-0010079-1/inteiro-teor-100207997
(https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/275822/recurso-ordinario-em-mandado-de-seguranca-rms-
12872-sp-2001-0010079-1/inteiro-teor-100207997). Acesso em: 19 jun. 2019.
TJ-DF  07021984120168070000 0702198-41.2016.8.07.0000. Relator: JOÃ O EGMONT, Data do
Julgamento:16/03/2017, 2ª Turma Cível. Publicado no DJE: 22/03/2017. JusBrasil. Data de publicação:
22/03/2017. Disponível em: https://tj-
df.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/441777280/7021984120168070000-0702198-4120168070000?ref=serp
(https://tj-df.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/441777280/7021984120168070000-0702198-
4120168070000?ref=serp). Acesso em: 19 jun. 2019.

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