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PROCESSO PENAL - INFRAÇÕES E

PROCEDIMENTOS CRIMINAIS ESPECIAIS


UNIDADE 4 – TÓ PICOS ESPECIAIS: PARA ALÉ M
DOS CRIMES E DAS SANÇÕ ES –
COMPLIANCE
E
PROCESSO DIGITAL

Autoria: Ronaldo Félix Moreira Jú nior – Revisã o técnica: Larissa Gonçalves


Introdução
O direito não é uma ciência estática. As constantes mudanças jurídicas acompanham as mudanças sociais, e
as leis, muitas vezes, são promulgadas conforme as necessidades sociais.
O pró prio direito penal e o direito processual penal sofreram profundas alteraçõ es com o passar do tempo.
Essas alteraçõ es não dizem respeito apenas ao surgimento de novas condutas ilícitas ou à tutela de novos
bens jurídicos, mas também em relação a mudanças no pró prio procedimento processual penal e ao
surgimento de novos procedimentos, tais como a colaboração premiada.
O surgimento da criminalidade organizada, do terrorismo e dos delitos econô micos faz com que se
manifestem muitas perguntas no campo das ciências criminais. Entre elas: qual a relação entre compliance e
os crimes de colarinho branco? Que instrumentos estrangeiros influenciaram a criação de procedimentos de
colaboração premiada no Brasil?
As respostas para essas perguntas, caro aluno, dependem de uma análise de temas complexos, tais como o
impacto da criminalidade organizada (e também dos delitos econô micos) na sociedade; a necessidade global
de cooperação em relação à prevenção do terrorismo; e o surgimento de novas tecnologias que, não apenas
permitem novas modalidades de práticas delitivas, como também auxiliam o direito até mesmo no campo
processual.
Dessa forma, a presente unidade possui quatro temas centrais, iniciando com o estudo a respeito da Lei nº
12.850/2013 (Lei de Combate ao Crime Organizado) no que diz respeito aos procedimentos de colaboração
premiada.
Não obstante, os temas terrorismo e Lei Anticorrupção serão analisados em seguida, com o exame não apenas
de seu texto positivado, como também de seus possíveis reflexos sociais.
O tema compliance no campo penal será posteriormente abordado, de modo que é de extrema importância
buscar compreender qual a relevância das medidas preventivas no direito penal.
Por fim, a unidade se encerra com um breve estudo a respeito do processo eletrô nico e como ele pode ser
importante na desburocratização do direito processual.
Bons estudos!

4.1 Colaboração premiada


O direito processual penal possui diversas ferramentas que permitem ao acusado ter sua pena reduzida ou até
mesmo substituída por alguma restrição que não seja efetivamente a prisão. Tem-se como exemplos as
medidas simplificadas nos julgamentos do rito da Lei nº 9.099/1995 e o pró prio acordo de não persecução
penal instaurado pela recente Lei Anticrime (Lei nº 13.964/2019). Entretanto, no que diz respeito ao campo
dos delitos complexos, tais como a formação de organizaçõ es criminosas e os delitos econô micos, há uma
figura peculiar que permite a redução da pena: a chamada delação premiada. É preciso, entretanto,
compreender inicialmente qual a diferença entre delação premiada e colaboração premiada.
O que se conhece como delação premiada, o que ocorre com a confissão do réu para a incriminação de outros
perpetradores, foi inicialmente previsto na Lei de Crimes Hediondos (Lei nº 8.072/1990), em seu art. 8º.
Conforme estabelece o dispositivo, o participante e o associado responsável pela denú ncia de bando ou
quadrilha (expressão antiga para a atual associação criminosa), ligada a crimes hediondos, prática de tortura,
tráfico de drogas ou terrorismo, que possibilite seu desmantelamento, terá a pena reduzida de um até dois
terços (BRASIL, 1990).
Pode-se afirmar, portanto, que a delação é uma espécie de colaboração, que, por sua vez, é muito mais ampla,
tratando-se de um negó cio jurídico de cunho processual e de caráter personalíssimo, que é realizado tendo
como partes o Ministério Pú blico (MP) (ou autoridade policial: delegado de polícia) e o acusado (com
participação de seu defensor). A colaboração é prevista em uma série de legislaçõ es. Conforme mencionam
Delmanto, Delmanto Jú nior e Delmanto (2018), essas leis incluem: a Lei dos Crimes contra o Sistema
Financeiro (Lei nº 7.492/1986); a Lei dos Crimes contra a Ordem Tributária e Econô mica (Lei nº
8.137/1990); a Lei de Lavagem de Capitais (Lei nº 9.613/1998); e a Lei de Drogas (Lei nº 11.343/2006).
Entretanto, a colaboração ganhou fama com a atual Lei de Combate ao Crime Organizado (Lei nº
12.850/2013). Será sobre esta ú ltima legislação que será feita a análise da colaboração premiada, com a
devida explicação de suas hipó teses e seus procedimentos.

4.1.1 Procedimento vinculado à colaboração premiada


A colaboração prevista na Lei nº 12.850/2013 agora substitui a antiga disposição na Lei nº 9.034/1995
(antiga Lei de Crime Organizado). Diferentemente da lei anteriormente aplicada, que possuía um caráter
genérico em relação à aplicação da colaboração, a atual lei traz conceitos mais precisos e delimitados, com o
objetivo de restringir o benefício e condicioná-lo ao desmantelamento da organização investigada (BRASIL,
2013b).
Conforme estabelece o art. 3º da Lei de Combate ao Crime Organizado, a colaboração premiada poderá ser
utilizada junto com uma outra série de açõ es previstas na legislação, entre elas, a captação ambiental de sinais
eletromagnéticos, a ação controlada e a interceptação de comunicaçõ es telefô nicas e telemáticas (BRASIL,
2013b).
Vale dizer que o dispositivo em questão diz mais do que apenas os meios possíveis, mas também deixa claro
que essas ferramentas consistem em meios de obtenção de prova (ANDREUCCI, 2018). Esse entendimento foi
reforçado com o acréscimo do art. 3º-A, pela Lei nº 13.964/2019 (Lei Anticrime), que expressa claramente ser
o acordo de delação premiada um negó cio jurídico de cunho processual e um meio de obtenção de prova. É
importante mencionar a Lei nº 13.964/2019, tendo em vista que toda Seção I, que trata da colaboração no
contexto da legislação de crime organizado, foi incluída por essa lei.
VOCÊ O CONHECE?
Nefi Cordeiro, magistrado, é ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e professor
em grandes instituições, como a Universidade Católica de Brasília e a Universidade do
Distrito Federal. É autor do livro Colaboração premiada: caracteres limites e controles,
no qual discute a colaboraçã o premiada como ferramenta no combate ao crime
organizado. Como ministro, foi responsável por polê micas decisões em importantes
casos, como o julgamento das medidas cautelares de Cesare Battisti (BRASIL, [2020]).
Leia mais no link: http://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Institucional/Arquivo-
Cidadao/Linha-Sucessoria-dos-Ministros/Nefi-Cordeiro.aspx
(http://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Institucional/Arquivo-Cidadao/Linha-
Sucessoria-dos-Ministros/Nefi-Cordeiro.aspx).

Quanto ao marco inicial do procedimento, é preciso mencionar antes a possibilidade de tal acordo ser
sumariamente indeferido (por meio de decisão motivada e ciência da parte interessada). Entretanto, caso não
ocorra tal indeferimento (conforme mencionam os §§ 1º e 2º do art. 3º-B, da Lei nº 12.850/2013), as partes
serão responsáveis por firmar um termo de confidencialidade para que possam dar prosseguimento e assim
vincular os ó rgãos envolvidos em tal negociação. Nota-se que os ó rgãos responsáveis são: o MP e, caso a
colaboração ocorra durante a fase investigató ria, o pró prio delegado de polícia. Da colaboração não fará parte,
entretanto, o juiz, conforme estabelece o § 6º do art. 4º, da Lei nº 12.850/2013 (BRASIL, 2013b):

§ 6º O juiz não participará das negociaçõ es realizadas entre as partes para a formalização do
acordo de colaboração, que ocorrerá entre o delegado de polícia, o investigado e o defensor, com a
manifestação do Ministério Pú blico, ou, conforme o caso, entre o Ministério Pú blico e o
investigado ou acusado e seu defensor.

Nota-se que o advogado do colaborador deve estar sempre presente, seja ele advogado constituído ou mesmo
defensor pú blico. Indaga-se também o que deve ser mencionado durante a colaboração.
A resposta a essa pergunta se encontra no § 3º do art. 3º-C, da Lei nº 12.850/2013. O que deve ser tratado são
os fatos ilícitos para os quais o colaborador concorreu, desde que tenham relação direta com os fatos que
estiverem sendo, naquele processo ou apuração, investigados. Não se vislumbra, portanto, a possibilidade de
colaboração com o intuito de tratar questõ es, ainda que criminais, não vinculadas à investigação (BRASIL,
2013b).
Outra indagação de extrema importância diz respeito a: quais as consequências da colaboração, caso ela venha
a surtir efeito?
Conforme estabelece o art. 4º, da legislação de crime organizado, as partes poderão requerer ao juiz tanto o
perdão judicial, quanto a redução (em até o parâmetro de dois terços) da pena privativa de liberdade
eventualmente imposta, ou até sua substituição por uma sanção restritiva de direitos. Atente ao fato de que,
para que tais benefícios possam ser concedidos, é preciso que haja resultados positivos na apuração (BRASIL,
2013b).

Quadro 1 - Colaboração premiada e resultados


Fonte: Elaborado pelo autor, baseado em BRASIL, 2013b.

#PraCegoVer: o quadro mostra que os possíveis resultados que podem ocorrer com a colaboração premiada,
que são pressupostos para a concessão dos benefícios previstos na legislação de combate ao crime
organizado: 1 identificação dos outros integrantes (coautores e partícipes) da organização e dos crimes que
foram praticados; 2 desvelamento da estrutura hierárquica da organização e da divisão de tarefas existente; 3
ocorrência da prevenção de infraçõ es que seriam praticadas pela organização criminosa; 4 ocorrência da
recuperação (total ou parcial) de produto/proveito provenientes das práticas criminosas da organização; 5
localização de vítima, desde que com integridade física preservada.

É importante atentar ao fato de que, por mais que o acordo tenha sido firmado e homologado, este poderá
sofrer rescisão nos casos em que houver omissão dolosa dos fatos relacionados à colaboração.
O pedido da homologação, por sua vez, deverá ser sigilosamente distribuído e deve contar somente as
informaçõ es relevantes para a identificação do colaborador e de seu objetivo (BRASIL, 2013b).

4.1.2 O novo universo do processo penal a partir da Lei nº 12.850/2013


A nova legislação a respeito do crime organizado possui grande relevância e trouxe grandes contribuiçõ es e
alteraçõ es no pensamento das ciências criminais. Apesar de estar cercada de críticas, é inegável o fato de que
se trata de uma das legislaçõ es que versam sobre um dos temas mais pertinentes para o direito penal.
Um dos pontos mais interessantes da lei, e com grande repercussão, é a fixação de meios de prova bastante
controversos e de alta complexidade (BRASIL, 2013b).

Colaboraçã o premiada.

Captaçã o ambiental de sinais eletromagnéticos.

Açã o controlada.

Acesso a ligaçõ es telefô nicas e telemá ticas, além


de dados cadastrais, informaçõ es eleitorais ou
comerciais.

Interceptaçã o telefô nica ou telemá tica.

Quebra de sigilo financeiro, bancá rio e fiscal.

Infiltraçã o de agentes policiais.

Cooperaçã o entre instituiçõ es e ó rgã os do poder


pú blico (BRASIL, 2013b).

Inegável, contudo, é o fato de que a lei trouxe uma nova definição de organização criminosa: a associação de
pelo menos quatro pessoas, de forma estruturalmente organizada, com marcada divisão de tarefa entre seus
membros (mesmo em caráter informal). Tal organização deve ter o escopo de: obter (de forma direta ou não)
vantagem de qualquer natureza, por meio da prática de ilícitos penais com pena máxima maior que quatro
anos ou de caráter transnacional.
Conforme relembra Andreucci (2018), a conceituação da lei é até mesmo mais específica que a pró pria
Convenção de Palermo, que trata apenas de benefício econô mico ou moral.
VOCÊ SABIA?
A Convençã o de Palermo, ou Convençã o das Nações Unidas contra o Crime
Organizado Transnacional, é a ferramenta primá ria no combate mundial ao crime
organizado e foi aprovada pela Assembleia Geral da ONU no ano de 2000. A
convençã o, em seus trê s protocolos, trata da prevençã o, repressã o desses delitos,
abordando, inclusive, o trá fico de mulheres e crianças (UNODC, 2020). Você pode
ler mais no site das Nações Unidas: https://www.unodc.org/lpo-
brazil/pt/crime/marco-legal.html (https://www.unodc.org/lpo-
brazil/pt/crime/marco-legal.html).

Vale ressaltar que a Lei nº 12.694/2012 tratava a composição da organização criminosa de forma diversa,
com o requisito de três ou mais pessoas.
A respeito dos delitos ligados a esse tipo de organização, merece destaque o art. 1º, §  2º, da Lei nº
12.850/2013, que menciona a aplicação da lei nos crimes que estejam previstos em tratado ou convenção
internacional (BRASIL, 2013b). Essa aplicação também ocorre quando o delito possui sua execução iniciada
no Brasil, mas seu resultado acontece em terras estrangeiras (ou nos casos contrários). Também será aplicada
em casos de organizaçõ es terroristas (muito embora a legislação a respeito do terrorismo só tenha surgido
posteriormente, com a Lei nº 13.260/2016).
Quanto às alteraçõ es legais em outros instrumentos normativos apó s a edição da Lei de Combate ao Crime
Organizado, a Lei nº 12.850/2013 foi responsável por trazer uma outra grande mudança no pró prio Có digo
Penal (CP), por meio da nova redação do art. 288, que extinguiu o antigo conceito de quadrilha ou bando. A
nova redação traz o delito de associação criminosa, que requer o conluio de três ou mais pessoas com o fim
específico de cometer crimes (BRASIL, 2013b).

4.2 Terrorismo e anticorrupção


O direito penal pátrio, embasado na teoria do bem jurídico desde sua essência, passou por significativas
mudanças diante de uma complexidade cada vez mais crescente no que diz respeito às relaçõ es e aos fatos
sociais.
Muito embora os delitos tradicionais, tais como homicídio ou roubo, adequem-se dentro dessa teoria (haja
vista que vida e propriedade são bens jurídicos palpáveis, cuja lesão pode muito bem ser averiguada), muitas
condutas igualmente lesivas (e às vezes até mais) passaram a ser tuteladas pelo direito penal. A teoria do bem
jurídico, contudo, passou a compartilhar um lugar nas ciências criminais com os crimes de perigo abstrato e
bens jurídicos metaindividuais. Esses novos conceitos surgem devido à tutela de crimes de alta
complexidade. E é sobre tais delitos que versa a Lei Antiterrorismo (Lei nº 13.260/2016).
Não obstante, condutas também complexas no âmbito das relaçõ es entre o privado e o pú blico, como os atos
de corrupção, merecem não apenas tratamento penal (tal como estipulado nos crimes contra a administração
pú blica), mas de todo um conjunto normativo, de modo a responsabilizar seus agentes também em caráter
administrativo e civil. Esse é o objetivo da Lei Anticorrupção (Lei nº 12.846/2013).

4.2.1 Crimes de terrorismo – Lei nº 13.260/2016


A ocorrência mundial de atos considerados terroristas fez com que surgisse uma pressão internacional para
que os países editassem legislaçõ es com o fulcro de coibir e punir tais práticas. O Brasil, por sua vez, também
se preocupava com os Jogos Olímpicos, que ocorreriam em 2016. Essa urgência fez com que fosse apressada
uma legislação de cunho antiterrorista. Entretanto, vale dizer que essa não foi a primeira vez que o país tratou
do assunto em uma lei.
Conforme relembra Andreucci (2018), o crime de terrorismo já foi tipificado na Lei nº 7.170/1983, embasada
na doutrina da segurança nacional. A legislação antiga punia o crime de terrorismo com pena de três a dez
anos, abarcando uma série de condutas, como saque e roubo por inconformismo político ou para a obtenção
de fundos destinados a manter organizaçõ es subversivas.
Atualmente, o delito de terrorismo está definido na Lei nº 13.260/2016 em seu art. 2º. Com pena prevista de
12 a 30 anos de reclusão, consiste na prática de um dos atos do referido artigo por razão ligada a xenofobia,
discriminação, preconceito de raça, cor, etnia, religião, além do objetivo de provocar terror social ou
generalizado. Há necessidade clara de exposição a perigo de pessoa, patrimô nio ou até mesmo a paz ou
incolumidade pú blica.

Quadro 2 - Lei Antiterrorismo


Fonte: Elaborado pelo autor, baseado em BRASIL, 2016.

#PraCegoVer: o quadro mostra que as condutas previstas no art. 2º, § 1º, em seus respectivos incisos, da Lei
Antiterrorismo, que configuram o delito, com pena de reclusão que pode variar entre 12 a 30 anos, além das
sançõ es relativas à prática de violência. (I) Uso ou ameaça de uso, além de: transportar, guardar, portar ou
trazer consigo explosivos, gases tó xicos, venenos, conteú dos bioló gicos, químicos, nucleares ou outros meios
capazes de causar danos ou promover destruição em massa. (IV) Sabotagem do funcionamento ou
apoderamento, com violência, grave ameaça a pessoa ou servindo-se de mecanismos cibernéticos, do
controle total ou parcial, ainda que de modo temporário, de meio de comunicação ou de transporte, de portos,
aeroportos, estaçõ es ferroviárias ou rodoviárias, hospitais, casas de saú de, escolas, estádios esportivos,
instalaçõ es pú blicas ou locais onde funcionem serviços pú blicos essenciais, instalaçõ es de geração ou
transmissão de energia, instalaçõ es militares, instalaçõ es de exploração, refino e processamento de petró leo e
gás e instituiçõ es bancárias e sua rede de atendimento. (V) Atentado contra a vida ou a integridade física de
pessoa.

Importante destacar que a lei em estudo busca realizar uma diferença entre atos terroristas e manifestaçõ es
sociais. Como menciona Delmanto, Delmanto Jú nior e Delmanto (2018), esse escopo atendeu os anseios
daqueles que temiam uma aplicação da legislação em relação aos diversos movimentos sociais presentes no
país. A diferenciação entre os atos se encontra no art. 20, §  2º, de forma que se não pode considerar
terrorismo a ação de pessoas em manifestaçõ es polícias, movimentos sociais, sindicais e até mesmo
religiosos com propó sitos sociais ou de reivindicação de direitos (BRASIL, 2016).

CASO
Um indivíduo, pertencente a uma organizaçã o considerada terrorista, ainda que nã o
pratique nenhuma das condutas previstas no art. 2º, da legislaçã o antiterrorismo,
pratica a conduta prevista no art. 3º, constante em: “Promover, constituir, integrar ou
prestar auxílio, pessoalmente ou por interposta pessoa, a organizaçã o terrorista”. Nã o
é preciso que ele pratique todos os verbos do tipo, uma vez que se trata de tipo misto
alternativo. Nesse caso, cabe a pena de cinco a oito anos de reclusã o alé m de multa.
Nã o obstante, també m será repreendido e punido caso pratique qualquer outra
conduta prevista na legislaçã o (BRASIL, 2016). Você pode ler o texto integral da
legislaçã o em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-
2018/2016/lei/l13260.htm (http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-
2018/2016/lei/l13260.htm).

Nota-se que, além das condutas já mencionadas, a lei ainda traz três outras tipificaçõ es ligadas ao crime de
terrorismo: 1) o delito de organização terrorista (previsto no art. 3º da legislação), consistente na promoção,
constituição ou integração a organização com fins terroristas integrada por quatro ou mais pessoas; 2) o
delito de atos preparató rios de terrorismo (art. 5º, da Lei Antiterrorismo), consistente na realização de atos
que já estejam fora da esfera de cogitação do agente, que está prestes a praticar o delito; e 3) o delito de
financiamento do terrorismo (art. 6º, da mesma lei), relacionado a uma série de condutas, como a promoção
ou o investimento em serviços ligados ao planejamento, à preparação ou à execução dos demais crimes
previstos na legislação (BRASIL, 2016).
Figura 1 - Terrorismo e tecnologia
Fonte: iStock, 2020.

#PraCegoVer: a figura mostra uma pessoa com um capuz, com o rosto encoberto, com um notebook diante de
si; ao fundo, caracteres binários se combinam com elementos pixelizados, formando um mapa mú ndi. O
delito de terrorismo, previsto na lei 13.260/16, pode ser praticado por uma série de condutas, o que engloba
também a prática do “ciberterrorismo”, quando o ato é realizado com o auxílio de ferramentas de comunicação
e informação.

Por fim, é importante notar a existência de causas de aumento de pena (previstas no art. 7º, da legislação em
questão). Tais aumentos são de um terço, caso os atos resultem em lesão grave e de metade, se resulta morte.
Nesses casos, é importante lembrar que essas majorantes não podem ser aplicadas quando lesão grave ou
morte forem características elementares do delito (BRASIL, 2016).
Por fim, quanto ao caráter processual da lei, tendo em vista que os atos previstos são contrários ao interesse
da pró pria União, caberá à Polícia Federal a investigação de tais delitos e à Justiça Federal o processamento e
julgamento, tal como estabelece o art. 11 da lei antiterror (BRASIL, 2016).

4.2.2 Lei Anticorrupção – Lei nº 12.846/2013


O combate à corrupção é necessário dentro de um Estado democrático de direito. A prática desses atos é algo
que não prejudica apenas os indivíduos lesados, mas a pró pria administração pú blica, a sociedade e até
mesmo as instituiçõ es democráticas. Não se trata de um fenô meno regional, mas global, ainda mais com a
existência de uma rede de paraísos fiscais e instituiçõ es capazes de acobertar a prática ilícita. Espera-se,
conforme aponta Bittencourt (2016), que o direito busque responder a tais atos, o que faz, no Brasil, por meio
da Lei nº 12.846/2013, que trata da responsabilização de caráter administrativo e civil de pessoas jurídicas
ligadas a atos contra a administração pú blica.
A legislação em questão, conforme lembra Curado Jú nior (2018), foi, em grande parte, movida por uma
comoção popular que culminou nos protestos do mês de junho de 2013.
Diversas são as novidades estipuladas na legislação em questão, entre elas estão a previsão de:
responsabilidade de cunho objetivo das pessoas jurídicas; compliance; acordo de leniência; e o Cadastro
Nacional de Empresas Punidas (CNEP) (BRASIL, 2013a).
Quadro 3 - Lei Anticorrupção
Fonte: Elaborado pelo autor, baseado em BRASIL, 2013a.

#PraCegoVer: o quadro sumariza o conteú do previsto na Lei Anticorrupção, de modo que se pode notar a
presença dos capítulos relacionados à responsabilidade tanto no campo administrativo quanto no civil:
Capítulo I – Disposiçõ es gerais sobre a legislação. Capítulo II – Atos considerados lesivos à administração
pú blica (seja nacional ou estrangeira). Capítulo III – Hipó teses de responsabilização administrativa. Capítulo
IV – Procedimento administrativo de responsabilidade. Capítulo V – Procedimento do acordo de leniência.
Capítulo VI – Hipó teses de responsabilização judicial. Capítulo VII – Disposiçõ es finais sobre a legislação.

Ao se falar em responsabilidade objetiva, importa ressaltar que não há, para a responsabilização pelos atos
lesivos à administração pú blica, que se discutir dolo ou culpa. Nesses casos, basta que fique comprovada a
existência de nexo de causalidade.
Um ponto de grande importância reside no fato de que a eventual responsabilização de uma pessoa jurídica
por esse tipo de ato não excluirá a responsabilidade individual das pessoas físicas envolvidas, como os
dirigentes e administradores (BRASIL, 2013a).
Fala-se, para fins de responsabilização, em atos lesivos, mas é preciso estabelecer de maneira clara que tipo
de atos podem culminar nas sançõ es devidas. Esses atos estão previstos no art. 5º da Lei nº 12.846/2013.
Entre eles, estão: o ato de prometer ou oferecer, de forma direta ou indireta, vantagem indevida a agente
pú blico ou terceiro; o financiamento comprovado ou custeio da prática de ilícitos; e a utilização de pessoa
física ou jurídica com o objetivo de dissimular os reais interesses ou identidade dos beneficiários pelos atos
praticados (BRASIL, 2013a).
Nota-se que, para fins de responsabilidade, os atos praticados podem atentar tanto contra o patrimô nio
pú blico nacional como também estrangeiro, de modo que se equiparam à administração estrangeira as
organizaçõ es internacionais de caráter pú blico BRASIL, 2013a).
VOCÊ QUER VER?
O filme A Mulher Faz o Homem (Mr. Smith Goes to Washington, no original) é um filme
de 1939, indicado a 11 categorias no Oscar. Dirigido por Frank Capra, é um
interessante filme para compreender o processo de atos ilícitos realizados entre o
ambiente pú blico e privado. Trata de um homem do interior dos Estados Unidos que é
convidado a se tornar um senador. Nesse cargo, ele passa a conhecer os meandros da
política e da corrupçã o estadunidense.

A legislação estudada prevê tanto a responsabilidade administrativa quanto civil da pessoa jurídica. No campo
administrativo, a legislação prevê a aplicação de multa e publicação extraordinária de decisão condenató ria
(art. 6º, Lei nº 12.846/2013) (BRASIL, 2013a). Por outro lado, também é possível a ocorrência no campo
judicial: do perdimento de bens, direitos e valores ligados de forma direta ou indireta com o ilícito praticado;
da suspensão/interdição parcial das atividades empresariais; da proibição de recebimento de incentivos e
subsídios; e até mesmo da dissolução compulsó ria da pessoa jurídica (BRANDÃ O, 2018).
Resta mencionar, no que tange às disposiçõ es finais da legislação, a criação do CNEP. Esse ó rgão é responsável
por dar publicidade às penalidades que forem aplicadas pelas entidades dos poderes Executivo, Legislativo e
Judiciário, de qualquer esfera do governo (conforme estabelece o art. 22 da Lei nº 12.846/2013) (BRASIL,
2013a).

4.3 Compliance em matéria penal


A criminalidade econô mica ocorre de maneira complexa. Certamente, o direito penal, em sua origem, não foi
pensado para o enfrentamento de algo com tamanha magnitude. Entretanto, ainda assim o ordenamento
jurídico pátrio dispõ e de uma série de legislaçõ es que buscam coibir a atividade criminosa nesse contexto.
Encontram-se nesse grupo: a Lei dos Crimes contra a Ordem Tributária e Econô mica (Lei nº 8.137/1990); e a
Lei de Lavagem de Capitais (Lei nº 9.613/1998). Contudo, diante da complexidade dos delitos praticados nos
meandros de uma grande empresa, a tipificação penal de condutas pode não ser o bastante.
Nesse momento, outras medidas são necessárias, como a utilização de políticas de administração interna de
risco na atividade econô mica. O chamado compliance tem ganhado força, e, devido a sua atual importância, é
necessário que ele seja devidamente compreendido.

4.3.1 Conceito
O que se entende como compliance é um instrumento de controle da administração corporativa. Para Felício
(2018), possui duas características principais.

1) É um grupo de disciplinas adotado por uma empresa para o cumprimento de suas normas.

2) Busca evitar inconformidades e desvios, tratando-os da maneira adequada.

Pode-se concluir, portanto, que a implementação de uma cultura de compliance tem como objetivo prevenir
erros e desvios na administração de uma empresa. Desse modo, faz com que as normas sejam cumpridas,
evitando, assim, a responsabilidade dos envolvidos.
Felício (2018) ainda destaca que o compliance tem sua estrutura ligada à autorregulação e ao sistema de
controle social empresarial, que busca agir de maneira preventiva para evitar a responsabilização nos campos
cível, administrativo e penal.

Figura 2 - Compliance e corrupção


Fonte: iStock, 2020.

#PraCegoVer: a figura mostra um recorte do tó rax de um homem de terno, que está guardando em seu paletó
algumas notas de cem reais. O compliance surge diante da necessidade de prevenção de delitos complexos. A
criminalidade de colarinho branco não foi algo pensado pelo direito penal clássico, de modo que, para que
seja coibida, conta com o auxílio de métodos extrapenais.

Para o direito penal, tais medidas possuem grande importância, uma vez que se trata de um mecanismo
eficiente na coibição de condutas criminosas ligadas à atividade econô mica.
Dessa forma, pode-se dizer que o compliance em matéria penal (ou criminal compliance) tem a prevenção
como sua característica principal. Ao contrário do direito penal em sua forma tradicional, atua
preventivamente por meio de um controle interno no campo empresarial para diminuir o risco de ser iniciado
um processo criminal. É também correto afirmar que se trata de uma parceria entre as esferas pú blica e
privada com o objetivo de determinar e padronizar o papel de cada agente envolvido.
No Brasil, foi com a Lei de Lavagem de Capitais (Lei nº 9.613/1998) que se iniciou a discussão a respeito do
compliance. Entretanto, foi apenas com a alteração da legislação pela Lei nº 12.683/2012 que foi imposto o
dever de criação de controles internos de corporaçõ es, em seu art. 9º (BRASIL, 2012).
Apesar de não ser utilizado o termo compliance, Felício (2018) compreende que a legislação trouxe os
verdadeiros deveres do criminal compliance em seus arts. 10 e 11, responsáveis por tecer as obrigaçõ es das
pessoas físicas e jurídicas que se sujeitam à referida lei.

4.3.2 Importância
Apesar de a gênese do compliance na legislação brasileira ter ocorrido por meio da Lei nº 9.613/1998, seu
desenvolvimento ocorreu com a Lei Anticorrupção (Lei nº 12.846/2013), que surgiu prevendo em seus
dispositivos iniciais a dura responsabilidade objetiva no campo cível e administrativo de pessoas jurídicas
envolvidas em açõ es de corrupção. Nota-se que a responsabilidade de que fala a lei não impede a
responsabilidade individual de pessoas envolvidas na corporação, como diretores e administradores.
O que se pode apontar como uma grande inovação por essa legislação foi, contudo, a exigência para as
corporaçõ es criarem programas de compliance, colocados na lei como “mecanismos e procedimentos
internos de integridade”. Conforme mencionado no art. 7º, VIII, da Lei Anticorrupção, caso esses programas
sejam feitos, serão levados em consideração na aplicação de eventual pena (BRASIL, 2013a).
A definição desses mecanismos se encontra, por sua vez, no Decreto nº 8.420/2015. Conforme menciona o
art. 41, trata-se de (BRASIL, 2015):

[…] um conjunto de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à


denú ncia de irregularidades e na aplicação efetiva de có digos de ética e de conduta, políticas e
diretrizes com o objetivo de detectar e sanar desvios, fraudes, irregularidades e atos ilícitos
praticados contra a administração pú blica nacional ou estrangeira.

O decreto mencionado teve, assim, grande importância, e, em decorrência dele, a Controladoria Geral da União
(CGU) estabeleceu no mesmo ano as Portarias nº 909 e 910. Os mencionados instrumentos normativos foram
responsáveis por dispor a respeito do funcionamento, da estrutura e da efetividade dos programas de
compliance, fornecendo também diretrizes e parâmetros para que possam ser avaliados.
Há que se mencionar também, conforme lembra Felício (2018), da Lei nº 13.303/2016 (o chamado Estatuto
das Estatais), que tutela as atividades das empresas pú blicas e de economia mista, com diretrizes de gestão
ética e transparente, exigindo que esses entes obedeçam aos regramentos de governança corporativa.
Essa preocupação com a gestão também fez com que, no nível federal, fosse instituída a Instrução Normativa
MP/CGU 1-16, que versa sobre a gestão do risco da administração na seara federal, além do Decreto nº
9.203/2017, quanto à política de governança da administração federal (seja ela direta, autárquica ou
fundacional).
Nota-se, portanto, uma grande preocupação atual com a gestão, e o compliance se mostra como uma
ferramenta eficaz de auxílio ao direito penal no combate aos crimes econô micos. Esse auxílio ocorre
justamente porque o compliance inova com as ferramentas de governança corporativa, que trazem uma série
de medidas focadas na prevenção de condutas que podem ser caracterizadas como delitos. Trata-se de uma
medida eficaz não apenas por facilitar investigaçõ es na ocorrência de crimes, mas também por impedir ou
dificultar que estes sejam realizados e provoquem sérios danos (tendo em vista que os crimes econô micos
possuem a capacidade de ocorrerem em ampla magnitude).
Trazemos um comparativo com a ementa das leis mais importantes que abordamos até aqui, para facilitar a
compreensão e a distinção entre elas.
Lei nº 12.846/2013: Dispõ e sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas
jurídicas pela prática de atos contra a administração pú blica, nacional ou estrangeira, e dá outras
providências.

Lei nº 12.850/2013: Define organização criminosa e dispõ e sobre a investigação criminal, os


meios de obtenção da prova, infraçõ es penais correlatas e o procedimento criminal; [altera
outras leis]; e dá outras providências.

Lei nº 13.260/2016: Regulamenta o disposto no inciso XLIII do art. 5º da Constituição Federal,


disciplinando o terrorismo, tratando de disposiçõ es investigató rias e processuais e
reformulando o conceito de organização terrorista; [altera outras leis].

Seguimos nossos estudos para tratar do processo eletrô nico, que tem ganhado cada vez mais importância no
meio jurídico.

4.4 Processo eletrônico


O processo eletrô nico foi algo que alterou o funcionamento de quase todos os tribunais no país e foi
instaurado pela Lei nº 11.419/2006. Nota-se, contudo, que essa não foi a primeira legislação com o intuito de
acelerar os procedimentos jurídicos por meio da tecnologia, haja vista que a Lei nº 10.259/2001, responsável
pelos Juizados Especiais Cíveis e Criminais no âmbito da Justiça Federal, possibilitou a prática de
determinados atos processuais por meios eletrô nicos.
O que se pode dizer a respeito da Lei nº 11.419/2006 é que se trata de uma busca por uma informatização
mais ampla. Por meio da legislação, foi criado o modo de implementar essa informatização, bem como suas
regras. O presente tó pico, portanto, buscará trazer as principais características da legislação, bem como suas
peculiaridades concernentes aos diferentes campos do direito.

4.4.1 Importância
A Lei nº 11.419/2006 foi a grande responsável pelas alteraçõ es na forma de organização da justiça. Foi por
meio dessa lei que os diversos tribunais começaram a criação de seus sistemas de operação eletrô nicos.
Uma das principais razõ es para essa grande mudança é a necessidade de um processo mais célere. A
informatização é capaz de diminuir o tempo da realização dos atos e fazer com que não seja necessário a
atuação física na comarca em todos os casos.
Conforme salienta Teixeira (2018), o funcionamento da informatização ocorre porque as peças do processo e
os documentos relevantes são enviados por meio do uso da rede mundial de computadores. Cada ó rgão
possui um sistema específico, e é requisito que o advogado, o magistrado e os servidores em geral possuam
uma assinatura eletrô nica para que seja possível identificar a pessoa que está realizando o ato em questão.
Não obstante, há o fornecimento de um comprovante de recebimento de todos os atos processuais que forem
realizados por meio digital, com o horário certo do envio da peça e juntada de documentos. Certamente é
necessário do usuário não apenas o conhecimento jurídico, mas também o conhecimento informático.
VOCÊ QUER LER?
O livro Processo eletrônico e a evolução disruptiva do direito processual civil (2019), de
Paulo Roberto Pegoraro Junior (resultado de sua pesquisa de doutoramento na
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul), aborda os fenômenos
relacionados à implementaçã o do processo eletrônico no Brasil. O autor descreve como
ocorreu a tímida relaçã o entre a informá tica e o direito e quais as consequê ncias dessa
assimilaçã o para os diferentes campos do direito, notadamente no campo do processo
civil.

É importante ressaltar que, apesar das alteraçõ es buscarem agilizar a atuação das partes no processo, não
houve alteração no que diz respeito à contagem do prazo processual (conforme estabelece o art. 224, CPC,
ainda se exclui o primeiro dia e inclui o ú ltimo). Entretanto, muito embora o pró prio Có digo de Processo Civil
(CPC) estabeleça que os atos processuais devam ocorrer no período entre 06:00 e 20:00 horas nos dias ú teis,
no contexto do processo eletrô nico esse momento final do prazo válido ocorrerá até as 23h59.
Destaca-se, por fim, os sistemas adotados. Dois merecem destaque: o Processo Judicial Digital (Projudi) e o
Processo Judicial Eletrô nico (PJE) (TEIXEIRA, 2018).
O Projudi é mantido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e busca abranger todos os estados do país. Seu
funcionamento decorre da organização e do gerenciamento dos trâmites dos processos de maneira
informatizada, de modo a reduzir não apenas o tempo gasto com os atos, mas também com os custos e com a
desburocratização.
O PJE, por sua vez, foi desenvolvido pela subsecretaria de informática pertencente ao Tribunal regional
Federal da 5ª Região (TRF-5). Por meio do PJE, é possível ocorrer a tramitação eletrô nica de qualquer tipo de
ação judicial, o que facilita o acesso dos advogados e das demais partes. Teixeira (2018) menciona que será
possível analisar a totalidade de processos judiciais e os fluxos processuais pelos tribunais. Também se torna
possível a integração com ó rgãos não judiciais, como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e a Receita
Federal.

4.4.2 Peculiaridades
Algumas questõ es no tocante à legislação do processo eletrô nico devem ser abordadas com cuidado. Isso
ocorre principalmente quando dizem respeito a certos procedimentos, como a intimação.
Destaca-se que a Lei nº 11.419/2006, que inclusive se aplica ao processo penal (tal como dispõ e o art. 1º,
§ 1º, dessa legislação), menciona, no art. 4º, §2º, que a intimação feita pela seara eletrô nica substituirá outro
meio de publicação oficial, exceto quando ocorrer a necessidade de intimação pessoal (BRASIL, 2006).
Ainda quanto a esse tema, a lei menciona, em seu art. 5º, §1º, que será considerada realizada a intimação no
dia em que for feita a consulta eletrô nica. Esse prazo, contudo, será prorrogado ao primeiro dia ú til, caso seja
feita nos finais de semana ou em feriados (BRASIL, 2006).
Apesar da legislação tocante ao processo eletrô nico datar do ano de 2006, um dos sistemas adotados, o PJE,
apenas passou a ser utilizado no contexto das açõ es criminais no ano de 2019 (CNJ, 2019). Até então, o
sistema era responsável apenas pela resolução dos processos em outras áreas, como cível e trabalhista.
Muito embora a lei seja taxativa em relação a esses pontos, indaga-se quanto à aplicabilidade desses
dispositivos ao MP. Essa indagação surge devido ao fato de que o MP está vinculado à intimação pessoal, de
modo que o prazo, em tese, conta-se a partir do dia em que forem recebidos os autos com vista.
Entretanto, compreendeu o STJ (REsp 1.800.991/MS) que a lei do processo eletrô nico também se aplica ao MP,
haja vista que não há qualquer ressalva legal em relação a esse ponto, devendo ocorrer, portanto, a igualdade
entre as partes durante o andar do processo (BRASIL, 2019).
Não obstante o regramento em relação a intimaçõ es e notificaçõ es, é preciso indagar quanto à utilização do
processo eletrô nico no decorrer dos demais procedimentos de cunho processual penal.

Figura 3 - Direito e tecnologia


Fonte: iStock, 2020.

#PraCegoVer: a figura mostra um notebook em primeiro plano, com a tela desfocada. Com o advento do
processo eletrô nico, será necessário cada vez mais o aprendizado no campo da informática ao operador do
direito, uma vez que diversos atos processuais, tais como as notificaçõ es e intimaçõ es, poderão ser realizados
sem o contato direto com o papel, mas no âmbito digital, com o objetivo de desburocratizar e acelerar o
processo judicial.

Conforme salienta o pró prio CNJ, o Mó dulo Criminal do PJE em 2019 iniciou sua operação no Tribunal de
Justiça do Distrito Federal e Territó rios (TJDFT) com a utilização eletrô nica de recursos em alguns ó rgãos de
segunda instância. Na câmara criminal, tem tramitação nesse mó dulo, de forma eletrô nica, entre outras
questõ es: o desaforamento de julgamento; as exceçõ es de suspeição e impedimento; e também as petiçõ es e
reclamaçõ es criminais. Já na Turma Criminal são aceitas petiçõ es criminais e agravos (de execução penal e de
instrumento). Por sua vez, na Turma Recursal dos Juizados Especiais Criminais, é possível que os advogados
impetrem petiçõ es e reclamaçõ es criminais (CNJ, 2019).
Ressalta-se que não foi apenas no âmbito da segunda instância que ocorreu o funcionamento do PJE. Este, a
partir do final de março de 2019, passou a ser instalado nas varas criminais de Brasília e, no mês seguinte,
nas varas especializadas (notadamente no caso de drogas e do tribunal do jú ri). Em maio, o objetivo foi a
instalação nos Juizados Especiais Criminais e nos Juizados De Violência Doméstica do Distrito Federal (CNJ,
2019).

Conclusão
Caro estudante, a unidade estudada teve objetivo diverso da mera apresentação de leis que estabelecem
condutas criminosas e procedimentos penais. As legislaçõ es estudadas vão além dessas atribuiçõ es,
discutindo todo um novo formato de se pensar não apenas o processo penal, mas o ordenamento jurídico em
si.
Isso pode ser muito bem visualizado com as hipó teses de colaboração premiada previstas na Lei de Combate
ao Crime Organizado (Lei nº 12.850/2013), que dispõ e de uma série de benefícios ao integrante de
organização criminosa que auxiliar no desmantelamento do grupo; e também na Lei Anticorrupção (Lei nº
12.846/2013), que traz diversas categorias de sançõ es de cunho civil e administrativo às pessoas jurídicas
envolvidas nos delitos mencionados pela legislação.
Não obstante, pode-se dizer que o objetivo das legislaçõ es estudadas não é elencar delitos e suas penas, mas
apontar a existência de instrumentos normativos que buscam novas formas de facilitação da investigação da
prática criminosa (legislação de crime organizado); bem como sançõ es mais eficazes para delitos complexos
(Lei Anticorrupção); instrumentos voltados à prevenção de delitos (compliance em matéria penal); e novas
formas de desburocratizar o processo (por meio do processo eletrô nico).
Nesta unidade, você teve a oportunidade de:

• aprender sobre o procedimento ligado à colaboração premiada;


• conhecer leis especiais, como a Lei Antiterrorismo e a Lei
Anticorrupção;
• estudar o conceito de compliance e sua relação com o direito
penal;
• analisar o funcionamento do processo eletrônico.

Bibliografia
ANDREUCCI, R. A. Legislação especial. 13. ed. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2018.
BITTENCOURT, C. R. Tratado de direito penal econômico. v. 1. São Paulo: Saraiva Educação, 2016.
BRANDÃ O, A. R. M. Análise da responsabilidade das pessoas jurídicas na lei 12.846/13 sob a perspectiva da
defesa empresarial. In: CORRÊA, D. B. R. et al. Caderno de pós-graduação em direito: Lei anticorrupção.
Brasília: UniCEUB (ICPD), 2018.
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altera a Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973 – Có digo de Processo Civil; e dá outras providências. Brasília,
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BRASIL. Lei nº 12.846, de 1º de agosto de 2013a. Dispõ e sobre a responsabilização administrativa e civil
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investigação criminal, os meios de obtenção da prova, infraçõ es penais correlatas e o procedimento criminal;
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1995; e dá outras providências. Brasília, DF: Presidência da Repú blica, [2019]. Disponível em:
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especial contra acó rdão do Tribunal de Justiça que deixou de conhecer da apelação do Ministério Pú blico de
Mato Grosso do Sul, por ser extemporânea, nos termos da seguinte ementa (e-STJ fl. 385): Ementa - Apelação
criminal - Recurso ministerial - Intempestividade constatada de ofício - Fluência do prazo recursal a partir da
data que há entrega dos autos digitais em carga com o ó rgão ministerial - Recurso não conhecido. […]. Ante o
exposto, com fundamento no art. 932, inciso VIII, do CPC, c/c art. 255, §4º, III, do RISTJ, dou provimento ao
recurso especial para determinar o retorno dos autos ao Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul,
a fim de que prossiga no julgamento da apelação apresentada pelo Ministério Pú blico. Publique-se. Intimem-
se. Relator: Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, 22 de março de 2019. Disponível em:
https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?
componente=MON&sequencial=93859811&num_registro=201900645496&data=20190325
(https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?
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CURADO JÚ NIOR, L. A. Acordos de leniência e de colaboração premiada: um estudo sobre as semelhanças
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