1. Desde o ponto de vista da política criminal, organização criminosa é uma
atividade praticada em grupo, mais ou menos estável, e ordenada para a prática de delitos graves. A Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional definiu organização criminosa como “um grupo estruturado de três ou mais pessoas, existente há algum tempo e atuando concertadamente com o fim de cometer crimes graves, com a intenção de obter benefício econômico ou moral”. Levando em conta esses conceitos é possível estabelecer que, para a existência de uma organização criminosa é preciso a concorrência dos seguintes elementos: atuação conjunta de mais de duas pessoas; estrutura organizacional; estabilidade temporal; atuação concertada; finalidade de cometer infrações graves; intenção de obter benefício econômico ou moral. 2. Em processos ou procedimentos que tenham como objeto crimes praticados por organizações criminosas, a lei permitiu (L 12.694/13) a formação de um colegiado de juízes para a prática de qualquer ato processual (decretação de prisão, medidas assecuratórias, prolação de sentenças, concessão de liberdade condicional, transferência de preso para penitenciária de segurança máxima, etc.). O objetivo da lei seria dar proteção a integridade física do juiz natural do caso, que é também quem pode decidir instaurar o referido colegiado, que será formado por ele e outros dois juízes escolhidos por sorteio eletrônico. As decisões do colegiado serão devidamente firmadas e fundamentadas por todos os integrantes, mas publicadas sem qualquer referência a voto divergente de algum dos membros. A medida passa longe da instituição, que teve lugar em outros países, da figura do juiz sem rosto ou juiz anônimo. O objetivo, no entanto, é o mesmo: proteger a figura do magistrado de atos de vingança das organizações criminosas. A nossa lei visou fracionar a responsabilidade pelas decisões judiciais em primeiro grau quando essas envolvem crimes praticados por organizações criminosas. 3. Mais recentemente, em 2013, surgiu nova legislação sobre organizações criminosas, a qual sucedeu duas outras leis que versaram sobre o tema, uma de 1995 e a outra de 2001. Trata-se da lei 12.850/2013. Essa lei estabeleceu organização criminosa como “a associação de quatro ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a quatro anos, ou que sejam de caráter transnacional”. A definição de organização criminosa que aparece na lei citada no tópico anterior (L L 12.694/13) que versa sobre a formação de um colegiado de juízes, é ligeiramente diferente dessa conceituação que acabamos de mencionar (caracteriza organização criminosa com a associação de três ou mais pessoas e que praticam crimes apenados com pena máxima igual ou superior a quatro anos), mas se aplica apenas àquela lei. 4. A nova lei de organizações criminosas se aplica, além das organizações criminosas no sentido estrito e os crimes praticados por elas, também (a) às infrações penais previstas em tratado ou convenção internacional quando, iniciada a execução no país, o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro, ou reciprocamente e (b) às organizações terroristas, entendidas como aquelas voltadas para a prática dos atos de terrorismo legalmente definidos (regulados pela lei 13.260/16). 5. Existia, antes da nova lei, uma confusão entre organização criminosa e o crime de associação criminosa. Essa confusão foi desfeita pela nova lei que definiu o crime de associação criminosa (art. 24), deixando de existir os crimes de quadrilha ou bando. 6. A doutrina faz uma distinção entre crime organizado por natureza (a própria estrutura orgânica das organizações criminosas) e crime organizado por extensão (os crimes efetivamente praticados por essas estruturas criminosas). 7. No art. 3, a LOC trata da investigação e dos meios de obtenção de prova permitidos para repressão penal das organizações criminosas. Trataremos desses meios de prova nos próximos tópicos. 8. Colaboração premiada: a delação ou colaboração pressupõe que o delator/colaborador tenha participado da empreitada criminosa. Se não participou, é testemunha e não delator. A delação pode favorecer o delator com diminuição da pena (em até 2/3), substituição por restritiva de direitos ou mesmo perdão judicial. Para isso a delação deve produzir pelo menos um entre esse conjunto de resultados que a lei elenca: a) a identificação dos demais coautores e partícipes da organização criminosa e das infrações penais por eles praticadas; b) a revelação da estrutura hierárquica e da divisão de tarefas da organização criminosa; c) a prevenção de infrações penais decorrentes das atividades da organização criminosa; d) a recuperação total ou parcial do produto ou do proveito das infrações penais praticadas pela organização criminosa; e) a localização de eventual vítima com a sua integridade física preservada. A depender do resultado da colaboração, o MP e o delegado podem requerer ou representar ao juiz pela concessão de perdão judicial ao delator, ainda que esse benefício não conste da proposta inicial. Durante as medidas de colaboração, o prazo para oferecimento da denúncia relativamente ao colaborador pode ser suspenso por até seis meses, prorrogáveis uma vez, suspendo-se também o prazo prescricional. A colaboração pode ocorrer após a sentença, o que permite a redução da pena até a metade e progressão de regime, mesmo se os critérios gerais para essa progressão não estiverem presentes. As negociações para o acordo de colaboração são realizadas entre o delegado (ou o MP), o investigado e seu defensor: o juiz não participa dessa fase; atua posteriormente realizando o controle judicial do acordo celebrado, homologando-o ou não. Apenas após homologado o acordo, o colaborador poderá ser ouvido pelo delegado ou membro do MP. As partes podem retratar-se da proposta, e nesse caso as provas autoincriminatórias produzidas pelo delator não poderão ser utilizadas em seu desfavor, mas podem ser utilizadas em desfavor dos outros coréus. O colaborador deve estar sempre assistido pelo seu defensor. A lei prevê ainda que nenhuma sentença condenatória pode ser proferida apenas com base nas declarações de agente colaborador e elenca (art. 5º) alguns direitos e prerrogativas do colaborador, visando sobretudo a garantia de sua segurança. Até o recebimento da denúncia, o acordo de colaboração é sigiloso. 9. Captação de sinais eletromagnéticos, ópticos e acústicos. A captação ambiental de sinais foi introduzida em nosso ordenamento em 2001 (L 10.217/01). É basicamente a captação de uma conversa alheia (não telefônica) valendo-se de qualquer meio de gravação. Se nenhum dos que participam da conversa sabem da gravação, fala-se em interceptação ambiental; se um deles tem conhecimento, fala-se em captação ambiental. Segundo Habib, o que a LOC permite é a captação ambiental, não a interceptação. Exige autorização judicial. 10. Ação controlada, que consiste em retardar a intervenção policial ou administrativa relativa à ação praticada pela organização criminosa. Para tanto, é preciso manter essa ação sob observação e acompanhamento, de modo a que a intervenção se realize no momento mais eficaz à formação de provas e obtenção de informações. Trata-se de situação excepcional de diferimento do flagrante. O retardamento da intervenção deve ser comunicado ao juiz competente, e essa comunicação deve ser distribuída de maneira sigilosa. Até que a diligência seja encerrada, o acesso aos autos ficará restrito ao delegado, juiz e membro do MP. Ao fim da diligência, será elaborado termo circunstanciado sobre a ação controlada. Se a ação controlada envolver transposição de fronteiras, o retardamento da intervenção policial ou administrativa somente poderá ocorrer com a cooperação das autoridades dos países que figurem como provável itinerário ou destino do investigado, de modo a reduzir os riscos de fuga e extravio do produto, objeto, instrumento ou proveito do crime. A ação vigiada tem um instituto irmão previsto na lei de drogas: a entrega vigiada, que permite “a não-atuação policial sobre os portadores de drogas, seus precursores químicos ou outros produtos utilizados em sua produção, que se encontrem no território brasileiro, com a finalidade de identificar e responsabilizar maior número de integrantes de operações de tráfico e distribuição, sem prejuízo da ação penal cabível” (art. 53, II, L 11.343/06). 11. Acesso a registros de ligações telefônicas e telemáticas, a dados cadastrais constantes de bancos de dados públicos ou privados e a informações eleitorais ou comerciais: sem autorização judicial o delegado ou membro do MP podem ter acesso apenas aos dados cadastrais do investigado que informem sua qualificação pessoal, filiação e endereço mantidos na Justiça Eleitoral, empresas telefônicas, instituições financeiras, provedores de internet e administradoras de cartão de crédito. Existe alguma questionamento sobre a constitucionalidade do dispositivo, ao argumento que violação do direito à intimidade exigiria a imposição do acesso à cláusula de reserva de jurisdição. Entendimento de boa parte da doutrina é que acesso apenas aos dados cadastrais não configura violação à intimidade, razão pela qual o dispositivo não viola a Constituição. Empresas de transporte devem manter por cinco anos bancos de dados com dados de bancos de reservas e registros de viagens, dados que também podem ser acessados por delegados e membros do MP. Empresas de telefonia fixa e móvel devem manter, pelo mesmo prazo, banco de dados com registros de identificação dos números dos terminais de origem e de destino das ligações telefônicas internacionais, interurbanas e locais. 12. Interceptação de comunicações telefônicas e telemáticas, nos termos da legislação específica; a interceptação é tratada em legislação específica (L 9296/96). Sempre exige autorização judicial. 13. Afastamento dos sigilos financeiro, bancário e fiscal, nos termos da legislação específica; por força do direito constitucional à intimidade, o afastamento dos sigilos em questão também exige autorização judicial. 14. Infiltração, por policiais, em atividade de investigação; agentes policiais podem se infiltrar em tarefas de investigação, dependendo, para tanto, de autorização judicial circunstanciada, motivada e sigilosa. A infiltração será admitida se houver indícios de infrações penais praticadas por organizações criminosas e as provas não puderem ser produzidas por outro meio. As infiltrações podem ser autorizadas pelo prazo de seis meses, sem prejuízo de eventuais renovações. Concluída a diligência, o delegado de lavrar relatório circunstanciado que será encaminhado ao juiz competente. O requerimento do delegado ou a representação do MP dirigida ao juiz para permissão da infiltração devem conter o maior número de elementos possíveis (demonstração da necessidade da medida, o alcance das tarefas dos agentes e, quando possível, os nomes ou apelidos das pessoas investigadas e o local da infiltração). O agente infiltrado deve atuar de forma proporcional com a finalidade da investigação e responderá pelos excessos praticados. Caso cometa crime e for verificado que era inexigível conduta diversa, tal delito não será punível. É o caso de infrações cometidas visando obter a confiança dos membros da organização investigada. Obviamente, as infrações cometidas devem ser proporcionais aos objetivos investigatórios (não seria razoável, por exemplo, admitir que o agente infiltrado cometa um homicídio). 15. Cooperação entre instituições e órgãos federais, distritais, estaduais e municipais na busca de provas e informações de interesse da investigação ou da instrução criminal; trata-se de natural colaboração entre orgãos públicos. 16. A LOC prevê alguns crimes. No art. 2º o crime de “promover, constituir, financiar ou integrar, pessoalmente ou por interposta pessoa, organização criminosa”. O crime é apenado com reclusão de três a oito anos e multa e na mesma pena incorre quem “impede ou, de qualquer forma, embaraça a investigação de infração penal que envolva organização criminosa.” Os parágrafos do artigo tratam de causas de aumento de pena e de agravamento dela, sobre a possibilidade de afastamento cautelar do cargo no caso de funcionário público sobre o qual recai indícios suficientes de integrar a organização criminosa e a possibilidade de perda do cargo em decorrência de eventual condenação, além da perda suspensão dos direitos políticos. 17. Dos artigos 18 ao 21, a lei prevê crimes relacionados aos processos de investigação e obtenção de provas que ela mesma regula. São eles: a) Revelar a identidade, fotografar ou filmar o colaborador, sem sua prévia autorização por escrito; b) Imputar falsamente, sob pretexto de colaboração com a Justiça, a prática de infração penal a pessoa que sabe ser inocente, ou revelar informações sobre a estrutura de organização criminosa que sabe inverídicas; c) Descumprir determinação de sigilo das investigações que envolvam a ação controlada e a infiltração de agentes; d) Recusar ou omitir dados cadastrais, registros, documentos e informações requisitadas pelo juiz, Ministério Público ou delegado de polícia, no curso de investigação ou do processo. 18. A lei dá ainda nova redação ao crime de associação criminosa: “Associarem-se 3 (três) ou mais pessoas, para o fim específico de cometer crimes” (art. 24).
A Didática GIMENO SACRISTÁN, J. A Educação obrigatória uma escolaridade igual para sujeitos diferentes em uma escola comum. In A educação obrigatória seu sentido educativo e social..pdf