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A UTILIZAÇÃO DE PROVAS ILÍCITAS NO COMBATE AO CRIME

ORGANIZADO.

THE USE OF ILLICIT PROOFS IN COMBATING ORGANIZED CRIME.

André Luís Silva de Carvalho


Pós-graduando no curso de Pós em Direito Penal
e Direito Processual pela rede de ensino
LFG/Anhanguera. Advogado. OAB/MA 16366.
Contato: andrecarvalho.adv@outlook.com.

RESUMO
O crescimento e fortalecimento das organizações criminosas expandiram cada vez mais,
não só no Brasil, em todo o mundo. Atuam cada vez mais organizadamente e não
encontram limites suficientes nas atuais legislações para barrarem, ou coibirem seu poder
de ação. Faz-se necessário uma alternativa, um pensamento voltado à flexibilização e
aceitação das provas ilícitas na persecução penal. Logo, o presente trabalho analisará a
utilização destas, através do princípio da proporcionalidade como possível meio de combate
às organizações criminosas, abordando o seu conceito e características à luz da lei
12.850/13, bem como examinando às provas ilícitas e suas implicações processuais.

Palavras-chave: Organização criminosa. Provas ilícitas. Princípio da proporcionalidade.

ABSTRACT
The growth and strengthening of criminal organizations has expanded, not only in Brazil,
throughout the world. They act more and more organizedly and do not find enough limits in
current legislation to bar or restrain their power of action. An alternative is needed, a thought
directed to the flexibilization and acceptance of the illicit evidence in the criminal prosecution.
Therefore, the present study will analyze their use, through the principle of proportionality as
a possible means of combating criminal organizations, addressing its concept and
characteristics in light of Law 12.850 / 13, as well as examining the illicit evidence and its
procedural implications.

Keywords: Criminal Organization. Ilegal evidence. Principle of Proportionality.

INTRODUÇÃO

A segurança pública no Brasil passa por uma grave crise, são problemas
que se somam e se arrastam há anos, a baixa remuneração das corporações
policiais, as leis penais que, para alguns, são consideradas muito brandas e
ineficientes, e a morosidade do sistema judiciário são exemplos atuais que
evidenciam tal colapso. Um “estado policial” baseado no controle da população e
na manutenção da ordem estatal, vagarosamente revela-se mais presente, numa
tentativa de reprimir e punir a onda de criminalidade que cresce a cada dia.
Nessa conjuntura, as atividades das organizações criminosas ganham força,
vez que encontram cada vez mais espaço para atuar, tendo em vista o
engessamento e o enfraquecimento do aparelho estatal frente a um sistema cada
vez mais articulado, interligado e sofisticado.
Assim, no presente trabalho, analisaremos o conceito e definições
essenciais de organização criminosa segundo a Lei 12.850/13, objetivando uma
posterior análise do conceito de provas ilícitas para entender o porquê da sua
inadmissibilidade e suas implicações.
Em seguida, traremos como forma de esclarecimento, um estudo sobre o
princípio da proporcionalidade e seus efeitos no processo penal, como alternativa
para a aceitação de provas ilícitas na persecução penal, bem como esteio para
condenação dos réus das organizações criminosas, analisando-se o princípio da
proporcionalidade “pro reo”, e também, o princípio da proporcionalidade “pro
societate”.
Além disso, diante dessa problemática e de sua relevância social, devemos
esclarecer de que modo as provas ilícitas devem ser utilizadas com o objetivo de
coibir as organizações criminosas, não cabendo ao Estado esquivar-se da prestação
jurisdicional eficiente e a busca da verdade na persecução criminal. Logo, de forma
excepcional, as provas ilícitas poderiam ser usadas para combater o avanço das
organizações criminosas.
O método de pesquisa a ser utilizado no presente estudo será o exploratório,
com uma abordagem qualitativa.
No que se refere à técnica de pesquisa, será utilizada pesquisa bibliográfica,
analisando-se, notadamente, diplomas legais, doutrina, jurisprudência, artigos
científicos, além de informações constantes de sítios jurídicos na internet.

2. O CONCEITO E DEFINIÇÕES ESSENCIAIS DE ORGANIZAÇÃO


CRIMINOSA SEGUNDO A LEI 12.850/2013

É progressiva a importância da criação de mecanismos hábeis ao controle


das atividades delitivas empreendidas por tais organizações. A eficiência na
contenda ao crime organizado depende de instrumentos específicos que viabilizem a
coerção a essa forma de transgressão e seu peculiar modus operandi.
Não obstante, a ordem jurídica pátria, por várias vezes, atentou-se à
expectativa do uso do conceito convencional de organização criminosa, trazendo
uma enorme insegurança jurídica à aplicação de vários dispositivos da legislação
brasileira que se remetiam, e ainda se remetem, a essas organizações. É o caso,
por exemplo, do § 4º do art. 1º da Lei 9.613/ 1998, que considera a prática do crime
de lavagem de dinheiro por intermédio da organização criminosa como uma causa
de aumento de pena. Ou, o § 4º do art. 33 da Lei 11.343/2006, para o qual a não
participação do agente em organização criminosa autoriza a incidência de causa
especial de diminuição de pena no crime de tráfico. Ou então o § 2º do art. 52 da Lei
7.210/1984, que leva em conta a participação em organização criminosa como fator
concludente à inclusão do preso no regime disciplinar diferenciado. Ou ainda, o § 4º
do art. 1º da Lei Complementar 105/2001, que acolhe a existência de organização
criminosa como fator justificador para a quebra de sigilo bancário de suspeitos.

Percebe-se que, antes da Lei 12.850/2013 (hipóteses supracitadas), a falta


de um conceito exato de organização criminosa não impedia os juízes de aplicarem
tais regras legais. O embaraço era que cada juiz ou tribunal definia o seu próprio
conceito de organização criminosa, sem definição exata. Porém, a partir da
Convenção de Palermo, criou-se um conceito legal de organização criminosa,
integrando-se à nossa legislação com força de lei definidora (mandamental), porém
não como lei tipificadora.

A Convenção de Palermo, ratificada pelo Brasil em 2004 por meio do


Decreto 5.015, define “grupo criminoso organizado” como aquele:

“Estruturado de três ou mais pessoas, existente há algum tempo e


atuando concertadamente com o propósito de cometer uma ou mais
infrações graves ou enunciadas na presente Convenção, com a
intenção de obter, direta ou indiretamente, um benefício econômico
ou outro benefício material”.

Já em 2012, foi promulgada a lei 12.694/12 que no seu parágrafo 2º dizia:

“Art. 2º. Para os efeitos desta Lei, considera-se organização


criminosa a associação, de 3 (três) ou mais pessoas, estruturalmente
ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que
informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente,
vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de crimes cuja
pena máxima seja igual ou superior a 4 (quatro) anos ou que sejam
de caráter transnacional”.
Atualmente, a nova lei do crime organizado prevê mecanismos de combate,
tais como: o confisco e a apreensão de bens, a cooperação internacional para
efeitos de confisco, a assistência judiciária entre os Estados Membros, a “entrega
vigiada”, a vigilância eletrônica e as operações de infiltração; conforme artigo 3º da lei:

“Art. 3o Em qualquer fase da persecução penal, serão permitidos,


sem prejuízo de outros já previstos em lei, os seguintes meios de
obtenção da prova”:
“I - colaboração premiada;
“II - captação ambiental de sinais eletromagnéticos, ópticos ou
acústicos”;
“III - ação controlada”;
“IV - acesso a registros de ligações telefônicas e telemáticas, a
dados cadastrais constantes de bancos de dados públicos ou
privados e a informações eleitorais ou comerciais”;
“V - interceptação de comunicações telefônicas e telemáticas, nos
termos da legislação específica”;
“VI - afastamento dos sigilos financeiro, bancário e fiscal, nos termos
da legislação específica”;
“VII - infiltração, por policiais, em atividade de investigação, na forma
do art. 11”;
“VIII - cooperação entre instituições e órgãos federais, distritais,
estaduais e municipais na busca de provas e informações de
interesse da investigação ou da instrução criminal”.

Entendemos que a doutrina e a jurisprudência pátria devem atuar nesse


sentido, evoluindo conforme a sociedade, isto é, expandindo e melhorando a busca
de meios de provas. E que o esforço em busca da justiça não deveria esbarrar nos
princípios e liberdade de direitos individuais. Tendo em vista que o crime organizado
desafia cada vez mais a ordem legal vigente, tornando-se uma barreira
instransponível onde o Estado não consegue penetrar.

Portanto, de forma excepcional, seria irrelevante a ilicitude da obtenção de


provas que servisse como base para condenar os operadores das organizações
criminosas, uma vez que, segundo a lição do mestre Alexandre de MORAES (2002,
p.169).

“Os direitos humanos fundamentais não podem ser utilizados como


um verdadeiro escudo protetivo da prática de atividades ilícitas, nem
tampouco como argumento para afastamento ou diminuição da
responsabilidade civil ou penal por atos criminosos, sob pena de total
consagração ao desrespeito a um verdadeiro Estado de Direito”.
Diante do crescimento e do fortalecimento das organizações criminosas. O
sistema de segurança pública e o poder judiciário enfrentam grandes desafios. A
utilização das provas ilícitas, através do princípio da proporcionalidade, poderia ser
um ponto de partida de uma ideia que ajudaria a combater o avanço dessas
organizações. É a partir desta visão, que analisaremos o conceito e as implicações
da prova ilícita na persecução penal, lembrando sempre da necessidade da
mitigação e excepcionalidade do seu uso no processo.

3. A INADMISSIBILIDADE DAS PROVAS ILÍCITAS

3.1 Provas ilícitas

A teoria da prova criminal deve ser dialética o suficiente para seguir a


evolução da comunidade a que se aplica, sob pena de tornar-se um conjunto de
regras imprestáveis à normatização da vida em sociedade e, portanto, inócua ao fim
que se presta.

Para Guilherme Nucci (2007.p.351) existem três sentidos para o termo


prova:

“1) Ato de provar: é o processo pelo qual se verifica a exatidão ou a


verdade do fato alegado pela parte no processo; 2) Meio: trata-se do
instrumento pelo qual se demonstra a verdade de algo; 3) Resultado
da ação de provar; é o produto extraído da análise dos instrumentos
de prova oferecidos, demonstrando a verdade de um fato”.

Desse modo, as provas e todo o seu manancial são extremamente


importantes na instrução processual penal, servindo para embasar o convencimento
do magistrado, ou seja, através das provas busca-se convencer o juiz sobre a
verdade dos fatos. Na persecução penal busca-se o melhor resultado possível, a
verdade viável dentro daquilo que fora produzido nos autos.
Na Constituição Federal brasileira de 1988, no rol dos direitos e garantias
individuais, em seu artigo 5º, LVI encontramos referência às provas ilícitas, no
seguinte dispositivo legal:

“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer


natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes
no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à
segurança e à propriedade, nos termos seguintes: LVI - são
inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos”.

Para exprimir o conceito de prova ilícita, temos o seguinte Acórdão:

Na decisão transcrita abaixo, podemos inferir como a jurisprudência do Pretório


Excelso se comporta em casos onde se utilizam provas ilícitas:

"ABUSO SEXUAL CONTRA MENORES. NULIDADES:


PREJUÍZO INDEMONSTRADO. SENTENÇA. PROVAS
ILÍCITAS E ILEGÍTIMAS. CONSERVAÇÃO DA PARTE
IMACULADA. ABSOLVIÇÃO DAS IMPUTAÇÕES QUE DELAS
DEPENDAM. CORRELAÇÃO ADEQUADA ENTRE A
SINTÉTICA DENÚNCIA E A CONDENAÇÃO BASEADA EM
ELEMENTOS DOS AUTOS. PENA: DIMINUIÇÃO”. – “Não
basta a simples indicação de nulidades relativas, cobra-se para
sua declaração, além da prova do prejuízo, a impugnação
congruo tempore. Fotos surrupiadas de seu proprietário, que
atentem contra a intimidade, direito constitucionalmente
reconhecido, são imprestáveis para sustentar um provimento
condenatório, pois ilícitas, devendo ser retiradas dos autos e
devolvidas. Não aproveitável é, ainda, a ilegítima perícia de
verificação do local do delito, realizada em desacordo com a
legislação penal. Sendo o processo uma sequência
coordenada de atos, no seu aspecto extrínseco, devem
prevalecer aqueles atos não atingidos pelos viciados, preceitua
o artigo 793, § 1º, Código de Processo Penal, inclusive a
sentença (ato múltiplo), em consonância com o princípio da
conservação dos atos jurídicos. Com o expurgo das provas
ilícitas e ilegítimas, deve prevalecer o provimento condenatório
que guarda correlação com a sintética denúncia, somente
quanto a uma das imputações, estribada nos elementos dos
autos, consubstanciados na palavra coerente e concatenada
da vítima em ambas as fases da persecução penal, roborada
pelas confissões extrajudiciais dos réus e demais provas
documentais. Merece diminuição a pena imposta, considerando
várias condutas, por não mais existirem no mundo do
processo”. (STF; Voto CELSO DE MELLO)

Ainda que no julgamento supracitado o STF tenha optado por prestigiar a


inviolabilidade ao domicílio e a privacidade do réu, haja vista a prova obtida ter sido
contaminada pelo vício da ilicitude, fazendo prevalecer a regra da exclusão. O
próprio STF e o Superior Tribunal de Justiça vêm decidindo por admitir tais provas -
ainda que de modo tímido - utilizando critérios de ponderação de valores: a
proporcionalidade e a razoabilidade. Existe a chamada “corrente intermediária”, que
acompanha o posicionamento desses Tribunais ao acreditar que, perante o caso
concreto, o juiz deve fazer uma análise axiológica seguindo parâmetros no intuito de
solucionar os casos mais difíceis.

Existem hoje, várias correntes acerca da utilização das provas ilícitas, entre
elas: a corrente permissiva, a corrente proibitiva e a corrente intermediária.

Sobre as correntes doutrinárias existentes, Nery Junior (apud BARBOSA,


1999, p. 8) explicita:

“Não devem ser aceitos os extremos: nem a negativa peremptória de


emprestar-se validade e eficácia à prova obtida sem o conhecimento
do protagonista da gravação sub-reptícia, nem a admissão pura e
simples de qualquer gravação fonográfica ou televisiva. (A
propositura da doutrina quanto à tese intermediária é a que mais se
coaduna com o que se denomina modernamente de princípio da
proporcionalidade), devendo prevalecer, destarte, sobre as radicais”.

Ainda quando utilizada como exceção, a aplicação das provas ilícitas


encontra espaço na jurisprudência e na doutrina. A vedação do uso de tais provas
no ordenamento pátrio traz uma segurança jurídica necessária à relação processual,
porém nenhum princípio é absoluto, e a análise do caso concreto à luz dos
princípios da proporcionalidade e razoabilidade permite ao magistrado decidir de
forma racional e ponderada acerca da demanda apresentada no litígio entre as
partes.

3.2 Provas ilícitas por derivação

A prova ilícita por derivação é a prova a que se chega em razão de uma prova
ilícita. Portanto, é a prova que foi obtida de forma lícita, porém a partir de
informações obtidas por meios ilícitos, ou ilegais.

A prova de fato é legal, produzida de acordo com as normas do direito


material e processual, não obstante, chega-se a tal prova através de uma outra
prova, aquela sim, produzida de forma ilegal ou ilícita. De forma exemplificativa,
temos o depoimento de testemunha, obtido mediante tortura ou através de
interceptação telefônica não autorizada.

A Constituição Federal não traça comentários sobre as provas derivadas.


Porém, a posição majoritária do STF entende a prova ilícita originária como
contaminadora das demais que dela derivam, o que constitui completa aceitação da
teoria dos frutos da árvore envenenada.

4 PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE

O princípio da proporcionalidade permite que o juiz aplique a norma de modo


a não promover um resultado diverso do pretendido pelo sistema, isto é, quando o
caso concreto estiver diante de um conflito entre o sigilo, a garantia e a necessidade
de se tutelar a vida, a segurança e o patrimônio, bens protegidos por nossa
Constituição federal, o juiz deve ponderar sobre os valores opostos envolvidos.
O Poder Constituinte implantou em nosso ordenamento jurídico um vasto rol
de direitos e garantias fundamentais, que se encontram, em maioria, no art. 5º da
Carta Magna. São normas que buscam proteger toda a sociedade.
No Brasil, a doutrina e a jurisprudência são pacíficas em garantir que o
princípio citado deva ser aplicado em benefício do réu que é injustamente acusado.
Nas lições do brilhante jurista Guilherme Nucci (2009):

“A necessidade de se sopesar a utilização das provas ilícitas só


seria cabível quando estivéssemos diante da possibilidade de
condenação do acusado com base nas mesmas. Caso
contrário, as provas obtidas em violação ao texto legal, ou seja,
nos casos de absolvição do acusado, seriam
inquestionavelmente admissíveis”.

Em posicionamento mais rígido, o mestre Alexandre Moraes (2008), aduz


que:

“Tal princípio não deve ser imediatamente afastado quando o que se


pretende é a utilização da prova ilícita pro acusacciones, entretanto,
sua utilização deve dar-se nos casos de extrema necessidade diante
das singularidades do caso e deve o aplicador do direito indagar se o
fim almejado compatibiliza-se com os meios utilizados, se são
idôneos à consecução do objetivo”.

De fato, como narrado acima, o princípio da proporcionalidade, que se


originou na Alemanha, busca manter o equilíbrio do mundo jurídico para que se
possa alcançar mais justiça e segurança na aplicação do direito.

Nesse sentido, devemos analisar preliminarmente a existência de colisão


entre direitos fundamentais, para que, em seguida, seja feita uma visualização da
situação que gerou o conflito, identificando-se a relevância de todos os cenários
possíveis a serem contornados. Somente então, aplicamos o supracitado princípio.
Assim, é imprescindível que seus benefícios superem as restrições que lhe são
inerentes. Não pode o jurista se valer de medidas de proteção a determinados bens
jurídicos, quando sua aplicação importar em interferência em outros direitos
individuais mais valiosos.
Assim, verificamos que a proporcionalidade e a razoabilidade estão
intrinsecamente ligadas, haja vista a primeira ser um desdobramento da segunda,
amplamente citada e utilizada em vários ramos do direito. Tal princípio, estabelece
que bens jurídicos de maior relevância devam ser protegidos em detrimento dos
outros de menor importância, ou seja, deve-se tomar o caminho mais vantajoso para
a justa solução do conflito, mesmo perante a necessidade de se transgredir uma
regra que protege outro valor.

4.1 Princípio da proporcionalidade “pro reo”


Um exemplo claro da utilização dos princípios supracitados são os casos em
que as provas ilícitas são admitidas em benefício do réu. Ou seja, a prova obtida de
maneira ilícita pelo acusado, poderá ser usada em sua defesa, pois existe um
choque entre o princípio da ampla defesa, o da presunção de inocência e o da
proibição da prova ilícita, sendo que os primeiros devem prevalecer. O uso de tais
provas pela defesa é permitido de forma unânime por nossa doutrina,
homenageando o princípio do favor rei e a ampla defesa.

4.2 Princípio da proporcionalidade “pro societate”

O intuito da sociedade em aplicar a lei penal em face dos violadores dos bens
jurídicos de maior relevância tutelados, revela o valor das provas ilícitas, bem como
a sua importância. Nesse ponto, temos o interesse coletivo de um lado, enquanto
do outro se encontram as garantias concedidas ao cidadão frente aos abusos
cometidos pelo Estado.

Mas nessa seara, não devemos nunca esquecer que, o impedimento do uso
das provas obtidas por meios ilícitos no âmbito penal, deve ser acolhida pelo
legislador de maneira restrita. É incontestável que o uso das provas ilícitas, mesmo
em prol da sociedade, deve ser exceção.

Em posição contrária a adoção de provas ilícitas “pro societate” no processo


penal, Nestor TÁVORA e Rosmar ANTONNI (2009, p.312) aduzem que:

“a proteção da sociedade está mais bem amparada pela preservação


do núcleo básico de garantias de todos, sendo que a ponderação de
interesses dá vazão a uma ampla fluidez e instabilidade de garantias,
podendo visivelmente albergar arbítrios na concepção utilitária e
maniqueísta, já ressaltada, entre interesse social contrapondo-se aos
do réu".

Ao analisar a aplicação do princípio da proporcionalidade ao caso concreto -


em favor da acusação e com fulcro em provas obtidas ilicitamente - o intuito é decidir
da forma que ofereça menos desvantagem, por meio da resposta à seguinte
pergunta: existe um meio fático menos gravoso, que não a prova ilícita, que
possibilite, a partir dele, a obtenção da prova da autoria e materialidade de um
determinado delito?

Ou seja, entre o princípio da vedação da utilização de prova ilícita em


processo e o bem jurídico constitucionalmente relevante consubstanciado na
persecutio criminis in judictio, pode-se concluir pela possibilidade da utilização das
provas ilícitas - sempre em situações estritamente necessárias - no processo penal?

Analisando melhor a questio juris, CAPEZ, elabora uma ilustrativa


pergunta:

"seria mais importante proteger o direito do preso ao sigilo de sua


correspondência epistolar, do qual se serve para planejar crimes, do
que desbaratar uma poderosa rede de distribuição de drogas, que
ceifa milhões de vidas de crianças e jovens? Certamente que não.
Não seria possível invocar a justificativa do estado de necessidade?".

Nesse escopo, o STF admitiu que a administração penitenciária,


fundamentada na manutenção da ordem e segurança da sociedade, poderá de
modo excepcional, interceptar as correspondências enviadas aos presos, haja vista
o sigilo das correspondências, garantido em nossa constituição não pode servir
como barreira que afiance as práticas ilícitas.

Para aqueles que acolhem o uso da prova ilícita em benefício da


sociedade, o Ministério Público poderia utilizar a proporcionalidade para resguardar
a coletividade em detrimento da liberdade de um só indivíduo, atuando na
conservação da ordem, do regime democrático e dos interesses individuais e sociais
indisponíveis. O sujeito não poderia arguir violação à sua intimidade, pedindo pela
proteção da Lei visando manter-se impune.

É verdade que na batalha contra o crime hediondo ou equiparado realizados


por organizações criminosas, não deve ser aceita toda e qualquer prova ilícita.
Entretanto, valendo-se da utilização da proporcionalidade, devemos considerar quais
são os interesses que entram em conflito com os direitos. Se a Constituição fora
bastante rígida no que diz respeito aos crimes de tortura, terrorismo, tráfico de
entorpecente e crimes hediondos (art. 5º, XLIII), é imperioso inferir que o uso da
prova ilícita deva ser admitido quando beneficiar toda a sociedade, sobretudo se
estivermos falando de ações criminosas efetuadas pelo crime organizado. Momento
no qual prioriza-se a coletividade em detrimento do mandamento constitucional.

Ana Núbia Silva de Lira, explica de que modo deveríamos agir diante a
obtenção de conversas telefônicas em que autoridades são flagradas praticando os
chamados crimes de colarinho branco, assim:

“Quando essas quadrilhas são desvendadas através de uma


interceptação telefônica, feita de forma contraria a lei, o
Ministério Público nada pode fazer quando estas provas
chegam ao seu conhecimento e a sociedade permanece vítima
da prática de crimes dessa natureza, tendo em vista que os
criminosos se protegem diante de um princípio constitucional
que deveria ser utilizado em favor da sociedade e não como
um "escudo protetor" da criminalidade”.

Sendo assim, o princípio da proporcionalidade deve ser aplicado sempre à luz


do caso concreto, seja em casos que beneficiem o réu ou nos casos em prol da
sociedade, concluindo que os direitos fundamentais não são absolutos. Destarte, o
mesmo entendimento usado para garantir os direitos e liberdades individuais de um
réu, deve ser usado em prol da sociedade, quando esta estiver ameaçada em sua
segurança e liberdade, afastando-se a proibição das provas obtidas ilicitamente.

É importante ressaltar que o crime organizado afeta toda a sociedade, de


modo que o Estado não pode manter-se inerte diante da atuação de grupos
estruturados, tampouco permitir que estas associações ajam sob a chancela do
Poder Público.
Não se pode mais aceitar absolvições ou trancamento de ações penais com
base no simples argumento de que processo tenha transgredido direitos individuais
do acusado, pois a impunidade estimula o fortalecimento dos grupos organizados,
que passarão a atuar de forma ainda mais incisiva.
Destarte, o STJ vem decidindo pela permissão no uso de gravações de
conversas telefônicas obtidas de modo ilícito.
No Recurso especial 204080 – CE, o STJ decidiu que:
“A pronúncia, consoante lançado no acórdão, não teve por
base meras conjecturas, mas indícios demonstrativos de
autoria, não, evidentemente, de modo incontroverso, mas de
simples admissibilidade de acusação. Não foram estes indícios,
no entanto, derivados de provas ilícitas (utilização de dados
telefônicos sem autorização judicial), mas autônomos, sem a
contaminação de que fala a teoria dos frutos da árvore
envenenada”.

Por sua vez, o STF, em decisão semelhante, no julgamento de agravo


regimental em agravo de instrumento nº 578858 - RS, decidiu que:

“...a gravação de conversa telefônica feita por um dos


interlocutores, sem conhecimento do outro, quando ausente
causa legal de sigilo ou de reserva da conversação não é
considerada prova ilícita”.

Logo, ainda que de forma tímida, é nesse sentido que se deve caminhar, na
ponderação do princípio da proporcionalidade para que as provas ilícitas possam ser
utilizadas como base de uma condenação penal, para que os grupos organizados
percam força na sua atuação.

CONCLUSÃO

As organizações criminosas são um fenômeno que merece atenção especial


haja vista as suas consequências nefastas para o convívio em sociedade. Nesse
contexto, uma vez estabelecido o conceito do que se entende por crime organizado,
frente a dificuldade estatal de aniquilá-lo e as consequências que traz para a
sociedade, propomos a utilização excepcional das ilícitas para embasar a
condenação penal de seus integrantes, visando desarticular a criminalidade e
promover o bem estar social expresso na segurança pública.
Entende-se que, mesmo diante à amplitude do direito de defesa, este não é
ilimitado. Desse modo, o convencimento de um juiz depende das provas que forem
produzidas no processo, sendo que tal convencimento é limitado com base no
respeito aos direitos fundamentais e no princípio da dignidade da pessoa humana,
não admitindo-se o uso das provas ilícitas.
Não obstante, é notória a nova perspectiva dada ao princípio da proibição da
prova ilícita, no intuito de buscar sua adequação à sociedade de modo a garantir
direitos, sem deixar de lado a valorização e proteção dos princípios inseridos em
nossa Constituição.
A doutrina e jurisprudência estrangeiras se desenvolveram de modo a admitir,
excepcionalmente, as provas ilícitas nos casos onde direitos mais relevantes devam
ser resguardados.
Muito embora não haja um consenso doutrinário sobre as situações em que
devemos utilizar as provas ilícitas, percebemos que a melhor ponderação é a que
aponta o caminho da aceitação da prova ilícita em detrimento da vedação
constitucional à lesão de direitos fundamentais ainda mais valorados.
O uso do princípio da proporcionalidade só é permitido, no âmbito da doutrina
e jurisprudência pátria, nos casos em que for favorável ao réu (pro reo), afastando a
proibição de se utilizar provas ilícitas. Logo, mesmo que as provas evidenciem a
culpa do acusado, se estas forem obtidas por meios ilícitos, não devem ser
utilizadas, haja vista estarem inseridas na teoria dos frutos da árvore envenenada.
Vale destacar, porém, que independentemente de prejuízo ou favorecimento
ao réu, o princípio da proporcionalidade deve ser usado. Levando em consideração
que o bem jurídico mais relevante deve prevalecer. Somente assim a luta contra o
crime ganharia efetividade, para que consequentemente se alcançasse a pacificação
social.
Consequentemente, com base em tudo o que fora dito ao longo deste artigo,
entendemos que a corrente minoritária da doutrina e jurisprudência deva ser
apoiada, haja vista defender a extensão do uso do princípio da proporcionalidade
para que as provas ilícitas sejam aceitas em favor também da sociedade, e não
apenas do réu. A aplicação em prol da sociedade só seria utilizada de modo
excepcional, priorizando os crimes que envolvam organizações criminosas,
sabendo-se que o uso das provas ilícitas pode ser o único caminho no sentido de
impedir a impunidade de criminosos perigosos e organizados.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Publicado no DJ 03/08/2000 PP-00068. Prova ilícita. Material fotográfico que
comprovaria a prática delituosa (lei nº 8.069/90),Art. 241 fotos que foram furtadas do
consultório profissional do réu e que, entregues à polícia pelo autor do furto, foram
utilizadas contra o acusado, para incriminá-lo. Inadmissibilidade. disponível em:
http://www.stf.jus.br/arquivo/informativo/documento/informativo197.htm Acesso em:
06 de agosto de 2019.

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Relator Ministro Fernando Gonçalves, Data da publicação DJ 01/10/2001 p. 255JBC
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Gracie, Data da publicação, DJe-162 DIVULG 27-08-
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TÁVORA, Nestor e ANTONNI, Rosmar. Curso de direito processual penal, 2.ed.


Salvador: Ed. JusPODIVM, 2009, p.312.

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