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Unidade 03
Cooperação Jurídica Internacional
Objetivos: apresentar conceitos e aspectos da Cooperação jurídica internacional, seus
efeitos no contexto brasileiro, e sua importância no quadro das relações internacionais.
APRESENTAÇÃO
Bom estudo!
Lição 11
Cooperação Jurídica Internacional
Introdução à cooperação jurídica internacional
• Conceituar e classificar.
Esse modelo puro revelou-se, na maioria das vezes, adequado. Porém, há algumas
décadas, o mundo passou a observar franca globalização das relações, jamais presenciada
em escaladas tão elevadas. Como consequência, o papel das fronteiras geográficas, em uma
delimitação radical das jurisdições, passa a fazer cada vez menos sentido em um contexto em
que as demarcações não representam impedimento à circulação de bens, serviços, capital,
pessoas e, tampouco, às relações comerciais e empresariais transnacionais, à difusão global
de informações e, claro, à internacionalização do crime.
Se antes a cooperação jurídica era tida como prescindível, ou até mesmo potencialmente
desrespeitosa aos preceitos mais tradicionais de soberania nacional, atualmente entende-se
que é vital para a sustentabilidade das relações internacionais, conferindo maior previsibilidade
aos atos internacionais e maior segurança às nações. Com a atual e avançada globalização, a
cooperação não pode mais ser compreendida como um mero ato de cortesia internacional,
mas como um dever do Estado de contribuir com a sua contraparte nos aspectos jurisdicionais
que esta não pode alcançar de forma direta. Trata-se, portanto, de uma obrigação entre as
nações, e não de uma mera faculdade (OTAVIO, 1942, p. 115).
b) for cometida num só Estado, mas uma parte substancial da sua preparação,
planejamento, direção e controle tenha lugar em outro Estado;
d) for cometida num só Estado, mas produza efeitos substanciais noutro Estado”.
Uma rápida análise do que se vê como resultado das investigações e persecuções penais
no mundo, nos leva a perceber, que, de acordo com a definição da
Organização das Nações Unidas (ONU), o caráter transnacional
está presente na maioria das organizações criminosas de maior
relevância. Possivelmente, contribui para esse dado o fato de
vivermos atualmente um modelo em que as iniciativas voltadas
para o controle e a regulação das circulações transfronteiriças
são mal vistas pela sociedade internacional, o que acaba criando
uma situação altamente favorável também para a criminalidade
transnacional. Soma-se a isso o fato de os Estados ainda
enfrentarem grandes dificuldades para se coordenar de maneira
ágil e efetiva nas investigações e persecuções penais.
Um estudo realizado pelo Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crimes (UNODC),
denominado A globalização do crime: uma avaliação sobre a ameaça do crime
organizado transnacional, de 2010, aponta dados elucidativos no que diz respeito ao lucro
gerado por algumas atividades criminosas:
• O tráfico de 140.000 pessoas para fins de exploração sexual gera o ingresso anual de
US$ 3 bilhões para seus exploradores na Europa.
• O tráfico de 2,5 a 3 milhões de migrantes da América Latina aos Estados Unidos gera
• O mercado mundial de armas de fogo ilícitas gera entre US$ 170 e 320 milhões.
• Estima-se que o fluxo global de ativos originados de atividades criminosas seja de US$
1 a 1,6 trilhões por ano.
Como vimos nas unidades anteriores, a Convenção de Palermo, em seu artigo 2º,
esclarece que o “grupo criminoso organizado”, para ser considerado como tal, deve contar
com três ou mais pessoas, existir há algum tempo e atuar
concertadamente com o propósito de cometer uma ou
mais infrações graves, ou enunciadas na Convenção, com
a intenção de obter, direta ou indiretamente, um benefício
econômico ou outro benefício material.
Normalmente, os tratados de que o Brasil é parte trazem alguma previsão sobre o tema.
A tendência verificada nos mais recentes define a autoridade competente como a “autoridade
que conduz a investigação, o inquérito, a ação penal, ou outro procedimento relacionado com
a solicitação” (artigo 4º do Tratado entre a República Federativa do Brasil e a República Popular
da China sobre Assistência Judiciária Mútua em Matéria Penal – Decreto n. 6.282/2008).
Cabe destacar também o Protocolo de Assistência Jurídica Mútua em Assuntos Penais do
MERCOSUL (Decreto n. 3.468/2000) - o qual prevê, em seu Artigo 4º, que “as solicitações
transmitidas por uma Autoridade Central com amparo no presente Protocolo se basearão em
pedidos de assistência de autoridades judiciais ou do Ministério Público do Estado requerente
encarregadas do julgamento ou investigação de delitos”.
Uma solicitação de cooperação jurídica internacional poderá ser feita com base em:
I. acordos multilaterais;
• Convenção sobre o
Combate da Corrupção de
Funcionários Públicos
Estrangeiros em Transações
Comerciais Internacionais, da
OCDE
• Convenção de Auxílio
Judiciário em Matéria Penal entre
os Estados membros da
Comunidade dos Países de
Língua Portuguesa – CPLP
• Convenção
Interamericana sobre
Assistência Mútua em Matéria
Penal (Convenção de Nassau)
Conceitos e classificação
A gama de medidas que podem ser requeridas por meio da cooperação jurídica
internacional é bastante ampla, abarcando a comunicação de atos processuais, como a citação
e intimação, a tomada de depoimentos ou declarações de pessoas, por meio de audiência
ou videoconferência, a busca de provas, por meio, por exemplo, da quebra de sigilo bancário,
fiscal ou telemático, a localização, identificação e indisponibilidade de bens, a realização de
perícias, pedidos de busca e apreensão, prisão de criminosos procurados, e outras.
Nesse sentido, a carta rogatória na cooperação em matéria penal possui como objetos
possíveis pedidos de comunicação de atos processuais (citações, intimações e notificações), de
obtenção de provas e de medidas assecuratórias. Essa é a melhor compreensão da carta
rogatória recebida no Brasil, a chamada carta rogatória passiva.
No mais, as outras questões que formam o juízo de delibação parecem não incidir na
hipótese. Não nos surge circunstância em que se pode aferir competência do juízo rogante,
possibilidade de contraditório prévio e ausência de coisa julgada em face de simples despachos
de mero expediente. Embora ainda pareça ser pensamento minoritário, a restrição da carta
rogatória ao cumprimento no Brasil de decisões proferidas no exterior já encontra respaldo
teórico nacional. (ZAVASCKI, 2010).
Cabe reafirmar que a atual regulamentação interna sobre cartas rogatórias no Brasil
reconhece a possibilidade de utilização do mecanismo também para atos não decisórios. No
caso da carta rogatória ativa, ou seja, daquela que veicula pedido de cooperação enviado do
Brasil ao exterior, o sistema de recepção de atos jurisdicionais estrangeiros adotados no país
destinatário é que deve determinar o conteúdo possível do instrumento.
O cumprimento das cartas rogatórias passivas no Brasil, por força do já citado dispositivo
constitucional, depende da concessão de exequatur (em origem latina, que ao pé da letra
significa “execute-se”, “cumpra-se”. O termo é utilizado no Direito Internacional Brasileiro para
representar um documento autorizador de um Estado para executar as funções de um cônsul.)
pelo Superior Tribunal de Justiça. Para tanto, deve o STJ exercer sobre o conteúdo daquele
instrumento o chamado juízo de delibação.
Juízo de delibação
O sistema de actio judicati, comum nos países de common law, é aquele em que não se
reconhece a decisão estrangeira como tal, mas como prova para que o beneficiado pelo ato
jurisdicional proponha nova ação naquele país. Desse modo, advoga em favor do interessado
uma presunção de que possui aquele direito, algo reversível somente se o réu bem exerce o
ônus da prova, que passa a ser seu. O sistema de exequatur, por sua vez, seria aquele em que o
ato jurisdicional é recepcionado como tal, de maneira a produzir efeitos em sua integralidade,
sem que novo mandamento seja produzido no Estado onde se pretende executá-lo.
Sistema europeu
incidental, no qual cognição delibatória é exercida pelo juízo competente para julgar o processo
interno principal, assim como ocorre com qualquer outra questão incidental puramente
nacional (SILVA, 2004).
requerido prolatar qualquer decisão de mérito relativa ao litígio noticiado por um desses
instrumentos. Não cabe a ele, igualmente, exercer qualquer juízo de mérito sobre a matéria de
fundo do ato jurisdicional levado ao seu conhecimento. Cabe apenas aferir os requisitos que
permitem a ele declarar aquele ato executável ou não em seu território. (MADRUGA FILHO,
2005).
Nesse sentido, o sistema de exequatur por delibação acaba por englobar as duas espécies
de confirmação necessárias para a execução de atos estrangeiros, ou seja, o exequatur
propriamente dito, fundamento da execução de decisões estrangeiras não definitivas (por carta
rogatória), e a homologação, fundamento da execução de sentenças proferidas no exterior (por
ação própria). Ambas as espécies são produtos do juízo de delibação e estão sujeitas a
diversos requisitos – as questões da delibação.
Isso nos permite afirmar que há no juízo delibatório uma apreciação material do ato
estrangeiro, ainda que mínima, restrita à aferição de eventual ofensa à ordem pública do
Estado requerido. Não desconhecemos afirmação comum em doutrina de que no juízo de
delibação não se aprecia o mérito da decisão estrangeira. Parece-nos, contudo, que a afirmação
representa, em verdade, ausência de apreciação do mérito sobre o bem da vida posto em
julgamento, não sobre todo o julgado.
Questões de delibação
do direito estrangeiro. De fato, a regra de que todo Estado, em certas circunstâncias, permite a
aplicação do direito estrangeiro em litígio que tem lugar em seu território encontra exceção
justamente quando essa aplicação representa ofensa à sua ordem pública.
Consequência dessa compreensão é a ideia de que a ordem pública não pode mesmo ter
seu conteúdo fixado em qualquer norma escrita, ainda que de ordem constitucional. A
variabilidade do conteúdo da ordem pública impõe aos ordenamentos jurídicos a adoção de
uma cláusula aberta, a ser preenchida em cada momento histórico, por cada magistrado, caso a
caso. Não é por outro motivo que os legisladores se esquivam da tarefa de definir o conteúdo do
instituto. A prudência e a preservação de vigência das normas jurídicas assim recomendam.
Postos tais fundamentos, será adotada aqui a noção de ordem pública como o conjunto
de concepções essenciais do foro (VALLADÃO, p. 496) fundadas nos conceitos de justiça, moral,
religião, economia e política que orientam o ordenamento para a formação de seus princípios
e garantias fundamentais.
Princípios da extradição
Outro princípio a ser observado é o do Non Bis In Idem, por meio do qual não será
concedida a extradição quando já existir sentença transitada em julgado pelo mesmo fato
em que se baseia o pedido de extradição. Destaque-se, aqui, o termo “fato”, já que poderá ser
solicitada a extradição de um indivíduo por um determinado crime em relação ao qual já tenha
sido condenado, mas não em relação ao mesmo fato delitivo.
Classificações
1.Ativa
2.Passiva
A entrega do extraditando poderá ser diferida se este estiver sujeito a processo criminal,
ou estiver cumprindo pena por crime cometido no território do Estado requerido. Quando o
extraditando estiver apto a ser entregue, o Estado requerido comunicará ao Brasil para sua
retirado no prazo estipulado.
Curso de Alinhamento Conceitual do PNLD
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Se denegado o pedido de extradição, total ou parcialmente, os fundamentos do
indeferimento deverão ser comunicados imediatamente ao Brasil e novo pedido não poderá
ser apresentado ao Estado requerido embasado nos mesmos fatos imputados ao extraditando.
Sendo deferida a extradição pelo STF e autorizada pelo Ministério da Justiça, o país
requerente terá um prazo, fixado em Acordo, se houver, ou na Lei 6.815/80 (Estatuto do
Estrangeiro), para retirar o indivíduo do território nacional, caso contrário, o indivíduo
1
Art. 91. Não será efetivada a entrega sem que o Estado requerente assuma o compromisso: (Renumerado pela Lei nº 6.964,
de 09/12/81)
I - de não ser o extraditando preso nem processado por fatos anteriores ao pedido;
II - de computar o tempo de prisão que, no Brasil, foi imposta por força da extradição;
III - de comutar em pena privativa de liberdade a pena corporal ou de morte, ressalvados, quanto à última, os casos em que
a lei brasileira permitir a sua aplicação;
IV - de não ser o extraditando entregue, sem consentimento do Brasil, a outro Estado que o reclame; e
V - de não considerar qualquer motivo político, para agravar a pena.
Base legal:
REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFIAS
SOUZA, Artur de Brito Gueiros. As novas tendências do direito extradicional – 2.ed. rev.
– Rio de Janeiro: Renovar, 2013.
BRASIL. Secretaria Nacional de Justiça (SNJ) Manual de extradição. Brasília:Secretaria
Nacional de Justiça.
2
http://justica.gov.br/sua-protecao/lavagem-de-dinheiro/institucional-2/legislacao/portaria-no-522-de-3-de-
maio-de-2016
3
http://justica.gov.br/sua-protecao/cooperacao-internacional/extradicao/acordos-de-extradicao-1/acordos-de-
extradicao
Curso de Alinhamento Conceitual do PNLD
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Lição 12
Procedimento da carta rogatória
passiva
Ao final desta lição, você deverá ser capaz de:
A tramitação das cartas rogatórias em matéria penal que chegam ao Brasil é descrita no
artigo 783 do Código de Processo Penal, segundo o qual as “as cartas rogatórias serão, pelo
respectivo juiz, remetidas ao Ministro da Justiça, a fim de ser pedido seu cumprimento, por via
diplomática, às autoridades estrangeiras competentes”.
Os requisitos da carta rogatória ativa estão presentes no artigo 260 e 261 do Código de Processo
Civil, que se aplica às cartas rogatórias em matéria penal por ausência de norma processual
específica em sentido contrário, e na Portaria Interministerial MJ-MRE n. 501/2012.
Basicamente, a carta rogatória lavrada por juiz nacional deve conter os seguintes
elementos: a) indicação do juízo rogante e do país em que se encontra o juízo rogado; b) o
inteiro teor da petição sobre o qual se fundamenta a diligência
rogada, se houver; c) despacho judicial que determina a
lavratura da carta; d) instrumento de procuração conferido
ao advogado da parte interessada no cumprimento da carta;
e) descrição do ato processual que lhe constitui o objeto,
inclusive com os elementos necessários ao seu cumprimento
(como o endereço da pessoa a ser intimada, por exemplo);
f) indicação de que o interessado é beneficiário de justiça
gratuita ou, se não for o caso, de responsável pelo pagamento
das custas de execução da carta no Estado requerido, salvo se tratado vigente entre o Brasil e o
Estado requerido isentar a cooperação de custas; g) designação de audiência com antecedência
mínima de 240 (duzentos e quarenta dias), a contar da expedição da carta pelo juízo rogante,
se for o caso; e h) encerramento com assinatura do juiz. O juiz poderá também juntar à carta
qualquer outro documento que entenda relevante para sua execução.
Toda a documentação deve ser enviada em duas vias em português, uma original e uma
cópia, além de duas vias no idioma do Estado requerido, produzidas por tradutor juramentado,
salvo se tratado vigente entre o Brasil e o Estado requerido dispensar tal requisito.
O conjunto de documentos que forma a carta rogatória deve ser enviada pelo juízo
rogante para o Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional
do Ministério da Justiça e Segurança Pública, que por sua vez se comunicará diretamente
com sua contraparte estrangeira ou enviará o pedido ao nosso Ministério de Relações
Exteriores, nas hipóteses de, respectivamente, haver e não haver tratado que permita tal
comunicação direta.
Auxílio direto
no seu território (DIPP, 2007) ou mesmo que se obtenha ato administrativo a colaborar com
o exercício de sua jurisdição. Não há, por consequência, o exercício de jurisdição pelos dois
Estados envolvidos, mas apenas pelo Estado ao qual se solicita a cooperação.
A posição reside no fato de que já se verifica no ordenamento bases para sua utilização
nas relações de cooperação com qualquer país, mesmo que com ele não haja tratado que o
preveja. Parece-nos impossível executar pedidos de cooperação que não tenham conteúdo a
ser delibado por carta rogatória ou qualquer outro mecanismo de cooperação diverso do
auxílio direto.
Neste ponto, cabe resgatar advertência já feita ao início. A distinção entre os mecanismos
de cooperação jurídica internacional encontrada no Brasil não necessariamente se reproduz
em outros países. É preciso observar o Direito Processual Internacional de cada Estado para
compreender como os pedidos de cooperação enviados a eles são executados. Não se trata de
algo tão distinto do que ocorre usualmente com os institutos processuais de direito interno.
Nesse sentido, no caso da cooperação ativa, a distinção entre carta rogatória e auxílio direto
pode guardar variáveis a depender do Estado ao qual enviamos nossos pedidos de cooperação.
O termo auxílio direto, a propósito, não deriva de expressões estrangeiras semelhantes,
tampouco origina traduções diretas em direito comparado. Por isso é que o uso da expressão
auxílio direto ativo, presente neste trabalho, deve ser sempre relativizada, já que na maioria
das vezes não se sabe precismente como tal pedido de cooperação é intitulado no Estado
requerido.
Feita a advertência, deve-se reconhecer que tal instituto descende claramente da forma
como se executa os pedidos de cooperação penal baseados nos Mutual Legal Assistance Treaties
(MLATs). Os MLATs são tratados bilaterais de cooperação em matéria penal desenvolvidos a
partir da expansão da política de cooperação nessa matéria promovida pelos Estados Unidos,
o que justifica o fato de se encontrar em tais instrumentos reprodução majoritária da forma
como aquele país executa os pedidos de cooperação que recebe do exterior.
Constitucionalidade
Toda a construção normativa em torno do auxílio direto tem como pano de fundo a
permissão constitucional para que se adote no Brasil mecanismo de cooperação diverso da
carta rogatória e da ação de homologação de sentença estrangeira. De fato, ao estipular a
competência do STJ para conceder exequatur às cartas rogatórias e homologar sentenças
estrangeiras, o texto constitucional não determina que todo e qualquer pedido de cooperação
endereçado ao Brasil seja entendido como um daqueles mecanismos clássicos. Significa apenas
que, quando se tratar de carta rogatória ou ação de homologação de sentença estrangeira,
concentra-se o juízo de delibação no STJ. Assim é que se mostra plenamente constitucional
a adoção de mecanismo de cooperação com objeto completamente distinto do que viabiliza
aqueles outros dois instrumentos.
É certo, porém, que nem sempre foi essa a compreensão jurisprudencial. O STF
em algumas oportunidades já se manifestou pela inconstitucionalidade do auxílio direto,
por representar ele suposta usurpação de competência do STJ. A mesma Suprema Corte,
no entanto, por diversas vezes reconheceu a constitucionalidade do mecanismo, o que
revela absoluta falta de padronização na forma de compreendê-lo. O STJ, por sua vez,
especialmente após adquirir a competência para o exercício do juízo de delibação, reconhece
Previsão convencional
Outros tratados, por sua vez, anunciam o auxílio direto não a partir dos legitimados
ativos, mas a partir dos objetos possíveis da cooperação. É a hipótese em que se insere a
Convenção de Palermo contra o crime organizado transnacional, ao estipular, quanto à
cooperação para confisco de ativos, que esta se presta tanto a executar decisões proferidas
pelo Estado requerente (artigo 13, 1, b), quanto para “submeter o pedido às suas autoridades
competentes, a fim de obter uma ordem de confisco e, se essa ordem for emitida, executá-la”
(artigo 13, 1, a). Assim ocorre também no texto da Convenção de Viena contra o tráfico ilícito
de entorpecentes, que prescreve a obrigação dos países de cooperar para que suas autoridades
decretem a apreensão preventiva ou confisco do produto, dos bens ou dos instrumentos do
crime (artigo 5º, 2).
Ainda quanto aos tratados de cooperação penal, cabe ressaltar que alguns deles acabam
por adotar o auxílio direto como mecanismo exclusivo da cooperação realizada segundo os
seus termos. A exclusão da carta rogatória se dá com a limitação da legitimidade ativa para
pedir cooperação, hipótese em que o tratado não prevê sua utilização por juízes ou autoridades
administrativas com função jurisdicional, únicos legitimados a formular a carta rogatória. Assim
preceitua o acordo de cooperação em matéria penal entre Brasil e Estados Unidos, segundo
o qual somente os governos dos dois países, ou seja, as autoridades de investigação criminal,
podem solicitar cooperação nos seus termos. Logo, o auxílio direto torna-se o único mecanismo
cabível no Brasil para atender a um pedido de cooperação manejado nos termos daquele
acordo.
O presente Acordo destina-se tão somente à assistência jurídica mútua entre as Partes.
Seus dispositivos não darão direito a qualquer indivíduo de obter, suprimir ou excluir qualquer
prova ou impedir que uma solicitação seja atendida.
Previsão legal
Além do parcial alicerce convencional, o auxílio direto possui também previsão legal
não muito recente, na qual se descreve as linhas gerais do mecanismo, embora também não
se lhe atribua aquele nome em nenhum momento. A Lei n. 9.605/1998, por exemplo, que
estipula as sanções penais e administrativas por ofensas ao meio ambiente, preceitua já nos
dispositivos finais de seu texto os requisitos necessários para atendimento de auxílio direto
no Brasil. Embora não mencione expressamente o instituto, a formulação do dispositivo gira
em torno de solicitação do Estado estrangeiro que deve ser entregue ao “órgão judiciário
competente para decidir a seu respeito”. Desse modo, se cabe decidir sobre aquelas medidas
é porque compete ao Judiciário brasileiro decidir sobre o mérito de sua decretação – por meio
de auxílio direto -, algo que deve ser entregue ao juiz de primeira instância e não ao Superior
Tribunal de Justiça, portanto.
A Lei n. 9.613/1998, que dispõe sobre medidas gerais de prevenção e repressão ao crime
de lavagem de dinheiro no Brasil, também contém dispositivo que, se não explicita a instituição
do auxílio direto, porque não adota esse nome, traça de modo claro os contornos básicos do
mecanismo em cooperação passiva. Isso porque, assim como a Lei n. 9.605/1998, o dispositivo
deixa evidente que compete ao juiz brasileiro determinar medidas assecuratórias sobre
bens, direitos ou valores, o que anuncia a decisão de mérito nacional que deve advir para
atendimento do pedido estrangeiro.
Previsão infralegal
Percebe-se que a previsão normativa desse novo mecanismo era um tanto quanto
escassa no ordenamento jurídico pátrio até a promulgação do novo Código de Processo Civil
que entrou em vigor em 2016 (Lei 13.105/2015). Até então, a norma que previa
expressamente o instituto do auxílio direto e lhe designava como tal era o Art. 216-O do
Regimento Interno no STJ, incluída pela Emenda Regimental nº 18 de 2014, que assim
dispôs no parágrafo 2º:
Os pedidos de cooperação jurídica internacional que tiverem por objeto atos que não
ensejem juízo deliberatório do Superior Tribunal de Justiça, ainda que denominados como carta
rogatória, serão encaminhados ou devolvidos ao Ministério da Justiça para as providências
necessárias ao cumprimento do auxílio direto.
Vale destacar que a norma disposta no §2º do art. 216-O do Regimento Interno do STJ
reproduz o entendimento desta Corte que já estava consolidado desde a edição da Resolução
09/2005, do próprio STJ.
De maneira inovadora, a Lei 13.105/2015, que instituiu o novo Código de Processo Civil (CPC),
dedicou um capítulo específico à cooperação internacional. Verifica-se uma preocupação do
legislador em estabelecer, nas disposições gerais, diretrizes e orientações à cooperação
jurídica internacional, como, por exemplo, o respeito ao devido processo legal no Estado
requerente, a publicidade, a inadmissibilidade de atos que contrariem ou produzam resultados
incompatíveis com as normas fundamentais que regem o Estado brasileiro, a espontaneidade na
transmissão de informações a autoridades estrangeiras, o princípio da reciprocidade por via
diplomática, consagrando, ademais, a existência de uma autoridade central para recepção e
transmissão dos pedidos de cooperação jurídica internacional, a qual, em regra, será exercida
pelo Ministério da Justiça.
E, por fim, a nova lei processual civil regulamentou os dois procedimentos abordados nesta
unidade, quais sejam: a carta rogatória e o auxílio direto, dedicando uma seção específica para cada
instituto.
Tal como ocorre com a carta rogatória, na ausência de tratado em sentido contrário o auxílio
direto é enviado por meio de canais diplomáticos.
A atuação dos canais diplomáticos também aqui pode ser dispensada quando os Estados
envolvidos acordam nesse sentido. Aliás, como já dito, tratados de cooperação jurídica
internacional em matéria penal usualmente estabelecem a comunicação direta entre
Autoridades Centrais, o que afasta os órgãos diplomáticos dessa atividade.
Segundo aquele órgão, o auxílio direto ativo, em termos gerais, deve conter os seguintes
elementos: a) destinatário, ou seja, a autoridade para a qual é endereçado o pedido; b)
autoridade central remetente; c) assunto; d) referência (expressão ou número que identifique
o caso); e) sumário (breve resumo do caso); f) fatos que ensejam a investigação ou persecução
penal; g) transcrição dos dispositivos legais nos quais se baseia a investigação ou persecução;
h) descrição do objeto específico do pedido; i) objetivo a ser alcançado com a solicitação; e j)
eventuais procedimentos especiais a serem observados na execução do pedido.
Autoridade Central
Em sua primeira fase, a cooperação jurídica internacional se realizava apenas por meio
do clássico canal de relações entre Estados: a via diplomática. Em 1896, quando concluída a
primeira das convenções processuais multilaterais – a Convenção da Haia sobre processo civil –
restou acordado pela primeira vez que incumbiria aos Ministérios de Relações Exteriores esse
papel, tarefa já realizada antes por eles. Nesse sentido, sempre que precisasse cada Estado
lançaria mão de seu órgão de relações exteriores para pedir ajuda a outra soberania. Nada
mais natural, já que a atividade diplomática é inerente à própria existência do Estado, pelo que
não haveria instituição mais apta a exercer tal função do que o órgão de relações exteriores.
Cabe ao DRCI exercer a função de autoridade central para o trâmite dos pedidos de cooperação
jurídica internacional, inclusive para assuntos de extradição, de transferência de pessoas condenadas
e de execução de penas, coordenando e instruindo pedido ativos e passivos.
Funções
Desde sempre coube aos órgãos dos canais de cooperação apreciar formalmente as
solicitações advindas do exterior. Ocorre que, se há cerca de cem anos tal apreciação se resumia à
verificação da existência de versão traduzida para o idioma do Estado requerido e do número de
cópias do pedido, nos últimos anos essa apreciação se tornou bastante complexa, dotada de
uma série de elementos que devem ser verificados em cada caso e cuja apreciação cabe
também à Autoridade Central. (MENKE, 2005). Esse melhor preparo, portanto, é visto tanto em
face dos órgãos de relações exteriores, que não possuem vocação para o exame microscópico
de complexas questões formais em cada pedido, quanto em face das autoridades nacionais,
que usualmente não conhecem a infraestrutura judicial de Estados estrangeiros e não sabem
com exatidão quando um pedido pode ser executado.
Resta evidente que não se deve encarar a Autoridade Central simplesmente como um
órgão cartorário, que apenas cuida da mera tramitação dos pedidos de cooperação jurídica
internacional. Trata-se de órgão que deve propiciar efetividade e celeridade à cooperação,
ao evitar, por exemplo, falhas na comunicação internacional e o seguimento de pedidos em
desacordo com os pressupostos processuais gerais e específicos aplicáveis ao caso ou cujo
mecanismo de cooperação escolhido mostra-se inadequado. (SOUSA, 2008).
Ao assumir atribuições cada vez mais complexas, a Autoridade Central acaba por se
tornar órgão de grande responsabilidade pelo bom funcionamento da cooperação jurídica
internacional. É como se, no que concerne a tudo que diz respeito à cooperação naquele caso,
a Autoridade Central fosse a face externa do próprio Estado. Cabe a ela prestar contas, em
nome do Estado, sobre a cooperação nos casos em que atua.
Por todos estes fundamentos faz-se necessário reconhecer na Autoridade Central mais
uma mudança estrutural na cooperação jurídica internacional com vistas a lhe permitir maior
celeridade e efetividade. Quanto melhor for o trabalho realizado pela Autoridade Central, mais
célere e efetiva será a cooperação. Várias circunstâncias concretas evidenciam a celeridade,
como a não utilização de tempo e da máquina estatal para processar pedidos de cooperação
fadados ao indeferimento, assim como a correção de curso das solicitações que apenas
procedimentalmente merecem adequação. Outras hipóteses fáticas, ademais, demonstram
o ganho de efetividade, como a rápida e correta solução de questões preliminares apontadas
pelas partes, pressuposto da adequada cognição de mérito. Desse modo, o fortalecimento de
tais órgãos e o consequente aprimoramento de suas atividades é condição fundamental para
que a cooperação jurídica internacional alcance maior celeridade e efetividade.
CONSIDERAÇÕES
Durante este estudo, podemos perceber que mais do que a perda do prestígio
internacional, o Estado que não observa os princípios da cooperação jurídica pode sofrer com
dificuldades impostas pela comunidade internacional, inclusive de ordem econômica. Além
disso, vimos quais mecanismos de cooperação internacional o ordenamento jurídico brasileiro
adota.