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Expansão do Direito Penal e lavagem de capitais

EXPANSÃO DO DIREITO PENAL E LAVAGEM DE CAPITAIS


Expansion of criminal law and money laundering
Revista de Direito Penal Econômico e Compliance | vol. 8/2021 | p. 13 - 23 | Out - Dez / 2021
DTR\2021\47926

Jesús-maría Silva Sánchez


Catedrático de Direito Penal na Universidade Pompeu Fabra. Diretor do Mestrado de Direito Penal
da Universidade Pompeu Fabra/Universidade de Barcelona. Codiretor do Mestrado em Direito Penal
da Universidade de Talca/Universidade Pompeu Fabra, em Santiago, Chile. Diretor da seção de
Direito penal de Indret: Revista para el análisis del Derecho [www.indret.com_]. Membro do Conselho
de colaboradores permanentes da Revista alemã Goltdammer’s Archiv für Strafrecht. Doutor honoris
causa pelas Universidades Inca Garcilaso de la Vega (Lima, Peru), San Pedro (Chimbote, Peru),
Austral (Buenos Aires, Argentina), Nacional Mayor de San Marcos (Lima, Peru), Andina del Cusco
(Cuzco, Peru) e Nacional de Atenas (Grécia). Em 2018, obteve o prêmio internacional de
investigação Alexander von Humboldt (Alemanha). jesus.silva@upf.edu

Área do Direito: Penal; Financeiro e Econômico


Resumo: O presente texto aborda a expansão do Direito Penal e a constante tipificação e ampliação
de novos tipos penais, especialmente como esse fenômeno global tem influência na criminalização
do delito de lavagem de capitais. Apresenta alguns aspectos problemáticos frutos dessa expansão,
como a imposição de deveres a particulares que podem ser responsabilizados penalmente pela
lavagem de dinheiro, por possuírem deveres de controle sobre as atividades econômicas que podem
dar origem a este delito. Também discorre sobre a discussão da responsabilidade da pessoa jurídica
no delito de lavagem de dinheiro e como subordinados não fiscalizados que cometem esse delito
podem gerar uma responsabilidade penal para a própria empresa.

Palavras-chave: Lavagem de capitais – Expansão do Direito Penal – Gatekeeper –


Responsabilidade da pessoa jurídica – Compliance
Abstract: The present text addresses the expansion of criminal law and the constant typification and
expansion of new crimes, especially as this global phenomenon has an influence on the
criminalization of the crime of money laundering. It presents some problematic aspects resulting from
that expansion, such as the imposition of duties on individuals who can be held criminally responsible
for money laundering, for having duties of control over the economic activities that may give rise to
this crime. It also discusses the liability of the corporation in the crime of money laundering and how
unsupervised subordinates who commit this crime can generate a criminal liability for the company
itself.

Keywords: Money laundering – Expansion of criminal law – Gatekeeper – Liability of the corporation
– Compliance
Para citar este artigo: Sánchez, Jesús-María Silva. Expansão do Direito Penal e lavagem de
capitais. Revista de Direito Penal Econômico e Compliance. vol. 8. ano 2. p. 13-23. São Paulo: Ed.
RT, fevereiro 2021. Disponível em: inserir link consultado. Acesso em: DD.MM.AAAA.
Sumário:

1.Expansão - 2.Razões para a sanção da lavagem de capitais6 - 3.A sanção de terceiros por delitos
de lavagem no marco do Direito Penal de gestão de riscos - 4.A responsabilidade universal pela
lavagem: a via aberta pelo estabelecimento da responsabilidade penal das pessoas jurídicas -
5.Conclusões - 6.Bibliografia

1.Expansão

1. A1-2 expansão do Direito penal é um fenômeno global. Suas características gerais são o
aparecimento de novos tipos penais, a ampliação dos já existentes, a antecipação da intervenção do
Direito penal, a diminuição das garantias e o incremento das penas3. A expansão do Direito penal
responde a diversas causas, que são impossíveis de sintetizar aqui. Entre elas, no entanto, convém
mencionar a própria globalização da criminalidade, que gera uma pretensão de evitar “paraísos
penais”; e a desconfiança em relação ao Direito administrativo como mecanismo de gestão de riscos.
Em todo o caso, na expansão, se manifesta comumente uma confiança exacerbada na capacidade
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do Direito penal como mecanismo de resolução de conflitos sociais; ou, em outros termos, a
atribuição ao Direito penal de funções amplas de proteção e prevenção que este, entretanto, não
pode cumprir. De fato, o Direito penal material fracassa quando é obrigado a afrontar
macroproblemas que excedem sua estrutura concebida para fenômenos individuais ou, ao menos,
individualizáveis. No que diz respeito ao Direito processual penal, também mostra todas suas
fragilidades quando se vê exposto a macroprocessos.

2. A L.O. 5/2010, de reforma do Código penal, que entrou em vigor dia 23 de dezembro daquele ano,
constitui uma clara expressão dos tempos que vivemos. Neles, “reforma” da legislação penal significa
tanto quanto “expansão” do Direito penal: e expansão, como já foi mencionado, quer dizer
crescimento do âmbito de intervenção daquele, agravamento das penas e flexibilização das
garantias político-criminais. A tudo isso não é alheio um determinado modelo de Estado; mas
tampouco uma determinada cultura social e determinada autocompreensão antropológica4. A L.O.
5/2010, portanto, constitui a manifestação do sentimento de insegurança e de reivindicação que
surge como consequência dos delitos sexuais, financeiros, da corrupção, assim como da
criminalidade organizada e terrorismo. Todas essas modalidades delitivas têm mostrado episódios –
mais ou menos reiterados, mas, sobretudo, muito difundidos nos meios de comunicação – nos
últimos anos. O viés cada vez mais criminalizador das “demandas sociais” internas, unido à
sensibilidade crescente dos governos frente às pesquisas de opinião, explica, portanto, bastante do
conteúdo do texto legal.

3. Sabe-se que a classificação da segurança como um direito fundamental modificou o modo de se


entender os princípios político-criminais. E fez com que deixassem de ser vistos como base de
direitos reativos frente ao Estado (que implicam deveres de abstenção), para serem concebidos
como substrato de direitos à segurança (aos quais correspondem os deveres de proteção penal por
parte do Estado). Entretanto, já é um tópico na doutrina suscitar dúvidas de que o Direito penal
disponha, em todo o caso, de possibilidades reais de aumentar substancialmente a segurança dos
cidadãos5. Apesar de tudo, o legislador parece persistir nos seus esforços. Isso, apesar do fato de
que tal perseverança duvidosa o leva a recorrer a métodos objetivamente repudiáveis. Um deles em
particular é abordado nas páginas seguintes.

2.Razões para a sanção da lavagem de capitais

1. O processo de criminalização da lavagem de capitais constitui, sem dúvida, uma manifestação


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paradigmática do processo de expansão do Direito penal. Não é demais, provavelmente, recordar da


sua vinculação inicial exclusivamente aos bens procedentes dos delitos de narcotráfico. Só mais
tarde a legislação administrativa vinculava a lavagem aos efeitos das obrigações de denunciar
operações suspeitas, ao terrorismo, narcotráfico e criminalidade organizada. Em 1995,
qualificavam-se como constitutivas de lavagem as condutas de ocultação relacionadas aos “delitos
graves”. Âmbito esse que, em 2003, se estendeu a qualquer delito. Pois bem, embora no começo a
L.O. 5/2010 associe o delito a bens procedentes de uma atividade delitiva, em outro lugar se
conforma com a “origem ilícita” dos bens. Ademais, se o objeto da lavagem sofreu uma constante
ampliação em pouco mais de duas décadas, o mesmo aconteceu com as modalidades de condutas
integrantes do delito: a tipificação, na L.O. 5/2010, das condutas de “posse” e “utilização”, assim
como a denominada “autolavagem”, é suficientemente reveladora do assinalado7.

2. Sabe-se que, após décadas de estudo, por um lado ainda não se resolveu satisfatoriamente a
discussão sobre qual é o bem jurídico protegido nesse delito, sendo as concepções em disputa
significativamente distintas8. Por outro lado, uma análise empírica das condutas de lavagem põe em
evidência que ela tem um efeito criminógeno (favorecem a comissão de delitos, na medida em que
facilitam o aproveitamento seguro dos bens obtidos com os referidos delitos); um efeito
anticompetitivo (alteram os processos de formação de preços, mesmo que isso só se refira à
lavagem de grandes somas); e um efeito de incremento do poder das organizações criminosas (a
qual, novamente, só vale para a lavagem de grandes quantidades). Assim, parece ter sentido
reconstruir a sanção da lavagem desde a perspectiva da teoria da eleição racional.

3. De fato, vai ganhando força a ideia de que, na realidade, a tipificação da lavagem é um


mecanismo com o qual se pretende desincentivar de modo qualificado a comissão de delitos, de
quaisquer delitos. De fato, ao centralizar seu objeto nos benefícios da atividade delitiva, a sanção da
lavagem incrementa os custos esperados na hora de tomar a decisão de delinquir, pois facilita a
obtenção de provas destinadas à descoberta e punição do delito antecedente. Convém não esquece
neste ponto que, para a sanção da lavagem, não é preciso que o delito antecedente já tenha sido
punido. Isso só reforça a tese de que a perseguição à lavagem pode servir de instrumento para a
obtenção de prova do delito antecedente. Ademais, a ameaça que a tipificação do delito de lavagem
representa para os benefícios derivados de qualquer outro delito (já que visa seu confisco) diminui os
incentivos esperados na hora de tomar a decisão de realizar a atividade delitiva.

4. Contudo, dessa maneira, o legislador acaba por construir uma norma de flanqueio, com penas
elevadas, ou seja, uma espécie de superdelito que recebe penas superiores à dos delitos
antecedentes e cuja legitimidade é, portanto, mais que discutível. Na realidade, a ideia norteadora
parece ser a de punir o “branqueador” por razões instrumentais destinadas a incrementar a
dissuasão do autor do delito antecedente; o que a princípio entra em colisão com abordagens
político-criminais bem estabelecidas. A – já mencionada – tipificação recente no Direito espanhol de
figuras como a posse ou utilização de bens de origem ilícita, bem como a autolavagem, aumenta a
impressão dessa expansão desarrazoada. E, sobretudo, o hiper agravamento da lavagem de capitais
relacionada aos delitos de corrupção: ordenamento territorial, corrupção pública, tráfico de influência,
peculato, fraudes e cobranças ilegais, negociações proibidas e, por fim, corrupção em transações
comerciais internacionais. A lavagem nesses casos acarreta uma pena de três anos e meio a seis
anos de prisão, em uma – na minha opinião – equiparação exorbitante das penas da lavagem de
capitais com as do narcotráfico (art. 301.1 parágrafo último comparado com o penúltimo).

3.A sanção de terceiros por delitos de lavagem no marco do Direito Penal de gestão de riscos

1. A tudo que foi dito anteriormente, acrescenta-se que o delito de lavagem de capitais (em particular
em sua modalidade imprudente, mas também na de dolo eventual) tende a projetar-se sobre um
conjunto de sujeitos alheios à entrada tanto na atividade delitiva do delito antecedente quanto na
conduta de lavagem em sentido estrito. A eles se impõem deveres policiais, convertendo-os em
colaboradores forçados do Estado. Dado, aliás, que estes ditos deveres policiais não poucas vezes
são entendidos como deveres de garante, a sua violação é considerada suficiente para justificar uma
responsabilidade pelo próprio delito de lavagem de capitais. Isso ocorre com uma série cada vez
mais ampla de empresários e outros profissionais (“sujeitos especialmente obrigados”), que são
convertidos em gatekeepers ou em garantes em sentido estrito; com o uso generalizado de
whistleblowers; e, por fim, com a imposição de programas de compliance às pessoas jurídicas em
geral, que, se pretendem evitar a incorrer em uma responsabilidade penal específica por lavagem de
capitais, são obrigadas a elaborá-los e implementá-los na prática. Vejamos.
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2. A gestão técnica de riscos por parte do Estado pode adotar duas modalidades básicas: prevenção
técnica centralizada ou prevenção técnica descentralizada. No primeiro caso, o Estado passa a criar
diretamente a entidade de controle (no caso que aqui nos concerne, o Serviço de Prevenção à
Lavagem de Capitais). Já no segundo caso, o que o Estado faz é fixar o marco de autorregulação
que deverá ser obedecido pelos administrados.

3. O modelo de gestão de risco derivado da lavagem de capitais parece ser, desde o início,
significativamente centralizado. No entanto, essa centralização logo começa a apresentar nuances.
Isso acontece, desde o início, com o estabelecimento de obrigações de colaboração para sujeitos
especialmente caracterizados (denúncia de operações suspeitas: whistleblowing), cuja omissão é
sancionada administrativamente9. É ocioso enfatizar que a tais sujeitos são atribuídas funções de
polícia administrativa. A questão é se realmente somente se trata disso. Pois bem, na medida em
que o delito de lavagem de capitais, e, consequentemente, também a intervenção nele, é punível no
Direito espanhol tanto na modalidade dolosa como também na de culpa grave, as coisas não param
por aqui. Ao menos a certos sujeitos especialmente obrigados são impostos deveres de garante cujo
objetivo é evitar a lavagem de capitais e não sua denúncia. Parece, de fato, que o cumprimento do
dever administrativo de comunicação só seria suficiente nos casos cuja inserção no âmbito da
lavagem de capitais nem sequer fosse previsível para um sujeito medianamente diligente. Com
efeito, a prática de atos de lavagem ou favorecimento com imprudência leve não é punível.

Assim, em situações de fato em que apenas um sujeito extraordinariamente diligente perceberia a


existência de lavagem de capitais, a abstenção do sujeito especialmente obrigado não é penalmente
exigível. Diante da menor suspeita, não pesa sobre ele o dever de abstenção, mas um dever de
comunicação. No entanto, tudo isso muda quando da suspeita passa-se para a possibilidade efetiva
de deparar-se com um ato de lavagem de dinheiro. Nesse caso, os sujeitos especialmente
qualificados caracterizados como gatekeepers devem abster-se de intervir no fato, sob pena de
incorrer em responsabilidade penal.

4. A expressão gatekeeper compreende diferentes grupos de sujeitos com características que não
coincidem plenamente, embora se trate em todo caso de terceiros implicados no desempenho das
funções de proteção a bens jurídicos mediante a denegação de sua cooperação com potenciais
infratores10 . A partir desta constatação, se impõe a tais sujeitos, em particular, um dever de
abstenção – de recusa à cooperação – nos casos em que observem que os atos que são propostos
pelos requerentes de seus serviços são antijurídicos11 . A violação do referido dever de abstenção
permite atribuir-lhes responsabilidade – inclusive penal – pelo conteúdo de ilegalidade dos atos e
negócios realizados pelos seus clientes. O dever fundamental do gatekeeper é, portanto, um dever
negativo (de abstenção ou omissão). Entretanto, para atuar conforme a esse dever essencial, o
gatekeeper deve cumprir previamente outros deveres secundários de natureza positiva
(basicamente, deveres de análise e pesquisa). Mas, mesmo que não os cumpra, não incorrerá em
responsabilidade penal se, em qualquer caso, negar a sua cooperação. Portanto, o gatekeeper, dada
a peculiaridade da posição de dever que lhe é atribuída pelo ordenamento jurídico, só pode
responder como tal na comissão ativa, o que determina uma diferença entre este conceito e o de
garante.

5. Entretanto, mesmo quando os terceiros que entrarem em contato com um possível ato de lavagem
de capitais não sejam gatekeepers em sentido estrito, eles responderão penalmente por não
evitarem, se puderem ser colocados em uma posição de garante, cujo objeto seja justamente a
neutralização dos atos de lavagem de capitais. Pois o garante geralmente é definido entre nós como
um sujeito que tem o dever específico de evitar o resultado lesivo para um bem jurídico determinado.
A diferença, a meu ver, entre o garante e o gatekeeper reside no fato de que no momento em que se
atualiza o (preexistente) dever de intervenção do garante, já existe um risco relevante para bens
jurídicos, a tal ponto que, sem intervenção positiva do referido garante, tal risco concretizar-se-ia em
resultado lesivo12 . O dever de garante é, portanto, desde o início, um dever positivo (dever de agir),
ainda que em algumas circunstâncias o contexto da violação do dever positivo determine que ele é
considerado normativamente idêntico à violação de deveres negativos (de omissão ou abstenção).
Estes casos são o que, de minha parte, denomino de comissão por omissão em sentido estrito13 .

6. O importante, para os efeitos que aqui interessa é, no entanto, destacar como podem ser
responsabilizados penalmente por delitos de lavagem de capitais terceiros que, sendo particulares,
são impostos deveres de controle sobre as atividades econômicas que podem dar origem à referida
lavagem de capitais.
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4.A responsabilidade universal pela lavagem: a via aberta pelo estabelecimento da


responsabilidade penal das pessoas jurídicas

1. A L.O. 5/2010 inclui a lavagem de capitais no rol dos delitos que podem ser cometidos por
pessoas jurídicas (art. 302.2 CP (LGL\1940\2)); e, com isso, só agrava o problema da extensão da
responsabilidade por meio da transferência das funções policiais de colaboração com a
Administração para os particulares. De fato, já não se trata de que determinadas pessoas físicas e
jurídicas, por operarem em determinados setores “sensíveis”, tenham sido constituídas pela
normativa administrativa em sujeitos especialmente obrigados a denunciar operações suspeitas de
lavagem sob a ameaça da correspondente sanção administrativa. Nem sequer se trata de que a
maioria desses sujeitos tenham sido convertidos eo ipso em garantes para os efeitos do Direito penal
de forma que, se concorrerem as demais circunstâncias da imputação de comissão por omissão,
possam ser imputados como intervenientes em um delito de lavagem de capitais imprudente (ou por
dolo eventual). A questão é que as empresas como um todo passam a se converter, pela via
jurídica-penal, em sujeitos obrigados a controlar possíveis operações de lavagem, detectá-las e
neutralizá-las, sob pena de serem corresponsáveis por ela.

2. De fato, nenhuma empresa de uma determinada entidade pode excluir a priori que, na sua
atividade normal de compra e venda de mercadorias os seus funcionários possam cometer de forma
dolosa ou imprudente atos de lavagem de capitais. Pois bem, em virtude do artigo 31 bis CP
(LGL\1940\2), a pessoa jurídica incorre em responsabilidade penal por determinado delito quando
este é cometido em seu nome ou por sua conta, e em seu benefício, por seus administradores de
fato ou de direito e por seus representantes. Mas, também – e isso é o mais relevante do que nos
interessa aqui – quando o delito foi cometido pelos seus subordinados, sempre que não tenha sido
exercido o devido controle sobre eles.

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3. Como regra geral, esse “devido controle” tem sido identificado pela doutrina com a adoção de
programas de cumprimento normativo jurídico-penal (criminal compliance programs) e o esforço para
sua efetiva implementação. Como se entende:

“ Compliance significa o cumprimento das determinações legais, dos estandartes regulatórios e o


cumprimento de outros requisitos essenciais dos stakeholders. O compliance contribui para a
melhoria da sustentabilidade do modelo de negócio, do prestígio frente à opinião pública e da
situação de uma empresa. O compliance engloba o estabelecimento de sistemas, processos e
estruturas organizacionais adequados na empresa”14 .

4. Em todo o caso, parece ter-se chegado à ideia – num amplo setor da doutrina – de que o “defeito
organizacional” da pessoa jurídica consiste em não ter estabelecido um sistema de prevenção (um
código interno de conduta, um compliance program) contrário à obrigação. Pois bem, com base em
tudo o que precede, se resulta que um funcionário de uma empresa comete um ato de lavagem e
este pode ser atribuído à inexistência ou funcionamento defeituoso do programa de compliance, não
só o funcionário em questão responderá penalmente. A própria pessoa jurídica também o fará. E,
pelo mesmo motivo, os administradores que não adotaram o programa de cumprimento antilavagem
ou os diretores que, encarregados de sua efetiva implementação (por exemplo, os diretores de
compliance), não o realizaram. O exposto significa, na prática, que todas as empresas, todos os seus
administradores e dirigentes estão obrigados – a partir de agora – a atuar como garantes do não
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cometimento de delitos de lavagem de capitais na sua organização; em outras palavras, como


agentes de polícia. A conformação dessa posição de garantia universal é, provavelmente, a
expressão máxima da capacidade do delito de lavagem de dinheiro para expandir o Direito penal.

5.Conclusões

A expansão do Direito penal é um fenômeno global. Suas características gerais são a aparição de
novos tipos penais, a ampliação dos já existentes, a antecipação da intervenção do Direito penal, a
diminuição das garantias e o incremento das penas. A expansão do Direito penal responde a causas
diversas. Em todo caso, se manifesta de modo comum em uma confiança exacerbada na
capacidade do Direito penal como mecanismo de resolução de conflitos sociais; ou, em outros
termos, em uma cessão ao Direito penal de funções amplas de proteção e prevenção, que ele, no
entanto, não consegue cumprir.

A tipificação como delito da lavagem de capitais de origem ilícita, sem maiores detalhes, constitui
uma das manifestações paradigmáticas da expansão do Direito penal. De fato, por um lado não se
resolveu satisfatoriamente a discussão acerca de qual é o bem jurídico protegido nesse delito, sendo
os conceitos em disputa significativamente distintos. Por outro lado, cresce a ideia de que, na
realidade, se trata de um mecanismo com que se pretende desincentivar de modo qualificado o
cometimento de delitos. De fato, ao centralizar seu objeto nos benefícios da atividade delitiva, diminui
os incentivos a realizá-la ao tempo que aumenta seu custo, já que facilita a obtenção de provas de
sua realização. Contudo, com isso se constrói uma norma de flanqueio, com pena elevada, cuja
legitimidade é mais do que discutível. A recente tipificação no Direito espanhol de figuras como a
posse ou utilização de bens de origem ilícita, assim como a autolavagem aumentam a impressão
dessa expansão irracional.

Por outro lado, o delito de lavagem (em particular na modalidade imprudente, mas também na
dolosa-eventual) tende a se projetar sobre um conjunto de sujeitos alheios à entrada na atividade
delitiva e na lavagem em sentido estrito, a quem se impõe deveres policiais, convertendo-os em
colaboradores forçosos do Estado. Dado que tais deveres policiais, por outro lado, se entendem
como deveres de garante, a vulneração deles se estima suficiente para uma responsabilidade pelo
próprio delito de lavagem. Isso ocorre com uma lista cada vez mais ampla de profissionais, que são
convertidos em gatekeepers ou em garantes em sentido estrito; com o recurso estendido a
whistleblowers; e, por fim, com a imposição de programas de cumprimento às pessoas jurídicas (
compliance), com os quais se pretende evitar incorrer em uma responsabilidade penal específica,
obrigando-as a desenhá-los e colocá-los em prática.

6.Bibliografia

BERDUGO/FABIÁN, La “emancipación” del delito de blanqueo de capitales en el Derecho penal


español, La Ley 27 de diciembre de 2010.

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noviembre de 2009.

ELIACHEFF; SOULEZ LARIVIÈRE, Le Temps des victimes, Paris, 2007.

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tomo I, Madrid, 1999.

SILVA SÁNCHEZ, La expansión del Derecho penal (1. ed. Madrid, 1999; 2. ed. Madrid, 2001; 2. ed.
con adiciones Montevidéu/Buenos Aires, 2006; 3. ed. ampliada Madrid/Montevidéu/Buenos Aires,
2011).

ZACHARlAS, Lawyers as Gatekeepers, University of San Diego Law School. Public Law and Legal
Theory Research Paper Series, Paper 20, 2004.

1 .Nota da tradução: Os elementos pré-textuais (resumo, palavras-chaves e área do direito) foram


acrescentados pelas tradutoras para a adequação do texto às normas editoriais.

2 .Título original: Expansión del Derecho penal y blanqueo de capitales, traduzido do espanhol para o
português pela Profa. Me. Gabriela Guimarães Peixoto e Profa. Me. Luiza Borges Terra.

3 .SILVA SÁNCHEZ, La expansión del Derecho penal (1. ed. Madrid, 1999; 2. ed. Madrid, 2001;
2. ed. con adiciones Montevidéu/Buenos Aires, 2006; 3. ed. ampliada. Madrid/Montevidéu/Buenos
Aires, 2011), passim.

4 .Cfr. HUGHES, Culture of Complaint: A Passionate Look into the Ailing Heart of America, New York,
1994, BRUCKNER, La Tentation de l’innocence, Paris, 1995; ELIACHEFF; SOULEZ LARIVIÈRE, Le
Temps des victimes, Paris, 2007.

5 .FRISCH, Sicherheit durch Strafrecht? Erwartungen, Moglichkeiten und Grenzen, GS f. Schlüchter,


Koln, 2002, pp. 669 YSS.; BLOY, Moglichkeiten und Grenzen der Gewahrleistung von Sicherheit
durch Strafrecht, en MommsenJ Bloyl Rackow, Fragmentarisches Straf recht. Beitrage zum
Strafrecht, StrafprozeBrecht und Strafrechtsvergleichung, Frankfurt 2003, pp. 9 Y SS., 11; SIEBER,
Grenzen des Strafrechts, ZStW 119 (2007), pp. 1 Y SS., 26 Y ss.

6 .As ideias que serão derramadas aqui dão causa, em sua maior parte, à tese ainda não publicada
de MATEO G. BERMEJO, Prevención y castigo del blanqueo de capitales. Una aproximación desde
el análisis económico del Derecho. Tesis doctoral de la Universidad Pompeu Fabra, Barcelona, 2009.

7 .Cfr., mesmo antes de ser uma lei vigente, CASTRO MORENO, Reflexiones críticas sobre las
nuevas conductas de posesión y utilización en el delito de blanqueo de capitales en la reforma del
Anteproyecto de 2008, La Ley nº 7277, 5 de noviembre de 2009, pp. 1-5.

8 .Cfr. BERDUGO; FABIÁN, La “emancipación” del delito de blanqueo de capitales en el Derecho


penal español, La Ley nº 27 de diciembre de 2010, pp. 1-7, con críticas relativas a las nuevas
modalidades de conducta.

9 .Justamente para fazer frente a essa obrigação, o Cartório procedeu à criação do seu Órgão
Centralizado de Prevenção à Lavagem de Capitais.

10 .A obra de referência é a de KRAAKMAN, Gatekeepers: The Anatomy of a Third-Party


Enforcement Strategy, IL. Econ. & Org, 2, 1986, pp. 53 e ss., 53, para quem os “gatekeepers” são
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Expansão do Direito Penal e lavagem de capitais

“private parties who are able to prevent misconduct by withholding their cooperation from
wrongdoers”.

11 .Sobre as mudanças que, nessa linha, estão ocorrendo na posição dos advogados nos Estados
Unidos, cfr. ZACHARlAS, Lawyers as Gatekeepers, University of San Diego Law School. Public Law
and Legal Theory Research Paper Series, Paper 20, 2004.

12 .Essa é uma diferença clara do mero gatekeeper. Com efeito, o garante constitui-se, a meu ver,
como uma “barreira de contenção de riscos para bens jurídicos”. Mas a “barreira” não é
permanentemente abaixada, mas elevada, precisamente por causa do princípio geral da liberdade de
ação. O garante atualiza sua condição assumida de atuar como barreira de contenção de riscos
quando, diante de um risco concreto, “abaixa a barreira” e contém o risco. Isto é, por meio de uma
atuação positiva. Cfr. as origens desta abordagem em SILVA SÁNCHEZ, El delito de omisión.
Concepto y sistema, Barcelona 1986, passim.

13 .Cfr., por exemplo, SILVA SÁNCHEZ, Comentario al art. 11, en Cobo del Rosal (Dir.),
Comentarios al Código penal, tomo I, Madrid 1999, pp. 441 y ss.

14 .MENZIES (Hrsg.), Sarbanes-Oxley und Corporate Compliance, Stuttgart 2006, p. 2.

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