Você está na página 1de 8

471

Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro


Quarta Câmara Cível

Apelação Cível nº 0007489-06.2021.8.19.0210

Apelante: LIGHT SERVIÇOS DE ELETRICIDADE S/A


Apelado: LUANA LAIS DE SOUZA
Origem: JUÍZO DA 4ª VARA CÍVEL REGIONAL DA LEOPOLDINA
Relatora: Desembargadora MARIA HELENA PINTO MACHADO

APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO DO CONSUMIDOR.


AÇÃO DECLARATÓRIA C/C INDENIZATÓRIA.
CONCESSIONÁRIA DE ENERGIA ELÉTRICA.
COBRANÇA DE FATURAS DE VALORES
SUPOSTAMENTE INCOMPATÍVEIS COM O
CONSUMO. REGULARIDADE DO MEDIDOR NÃO
DEMONSTRADA (ART. 373, II, DO CPC C/C ART.
14 DO CDC). REFATURAMENTO DAS CONTAS,
DEVOLUÇÃO DE VALORES PAGOS A MAIOR E
CONDENAÇÃO EM INDENIZAÇÃO POR DANOS
MORAIS. REFORMA PARCIAL DA SENTENÇA.
- A parte ré, na qualidade de concessionária de
um serviço público essencial, responde pelos
danos eventualmente causados ao consumidor,
em decorrência de falha na prestação do serviço,
fundamentada na Teoria do Risco Administrativo
(art. 14 do CDC), bastando para tanto o nexo de
causalidade entre o ato comissivo ou omissivo e
o resultado danoso.
- Diante da inversão do ônus probatório, a ré não
logrou provar a regularidade das cobranças, uma
vez que lhe cabia a comprovação de sua tese
defensiva, ônus que lhes competia, à luz do art.
373, II, do CPC/20151, e do art. 14, §3º, da Lei nº
8078/90:
- No caso em exame, a autora questiona as
faturas que ultrapassaram em muito a média do
consumo observada nos meses anteriores,
conforme se vê do histórico do consumo juntado
às fls. 41.
- Nessa perspectiva, o pedido de refaturamento
foi acolhido, uma vez que a autora logrou fazer a
1 “Art. 373. O ônus da prova incumbe: (...) II - ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou
extintivo do direito do autor.”
1
____________________________________________________________________________
Secretaria da Quarta Câmara Cível
Rua Dom Manuel, 37, Sala 511 – Lâmina III
Centro – Rio de Janeiro/RJ – CEP 20010-090
5 - Tel.: + 55 21 3133-6294 – E-mail: 04cciv@tjrj.jus.br – PROT. 553

MARIA HELENA PINTO MACHADO:16591 Assinado em 12/12/2022 12:40:52


Local: GAB. DES(A). MARIA HELENA PINTO MACHADO
472

Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro


Quarta Câmara Cível

prova mínima necessária que conduz à


verossimilhança de suas alegações, já que nos
meses de verão do ano de 2020 para os meses
de verão de 201 há expressivo aumento do
consumo, período que pode servir de parâmetro
para indicar a presença de discrepância na
leitura do medidor.
- Contudo, em que pese caracterizada a má
prestação do serviço, vale notar que a situação
vivenciada pela autora consiste no máximo em
dissabor, aborrecimento ou irritação, não
ostentando a condição de vexame, sofrimento ou
humilhação anormal, capaz de dar azo à
pretendida indenização, até porque nenhum
elemento concreto foi apresentado aos autos que
evidenciasse tal dever, não tendo sido sequer
havido a suspensão do fornecimento de luz
elétrica ou a inserção do nome da consumidora
em cadastros restritivos de crédito.
- Não está demonstrada a ocorrência do dano
moral, eis que não foi suspenso o fornecimento
de energia elétrica na unidade consumidora em
questão, e inexiste nos autos qualquer prova do
dano moral sofrido pela parte autora. Incidência
do disposto nos verbetes n°s 230 e 330, da
Súmula do TJRJ.
PROVIMENTO PARCIAL DO RECURSO.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os presentes autos da Apelação Cível


nº 0007489-06.2021.8.19.0210 em que figura como Apelante: LIGHT
SERVIÇOS DE ELETRICIDADE S/A e Apelado: LUANA LAIS DE SOUZA

ACORDAM, por unanimidade de votos, os Desembargadores que


compõem a Quarta Câmara Cível do Tribunal do Estado do Rio de Janeiro, em
conhecer do recurso e dar-lhe parcial provimento, nos termos do voto da
relatora.

2
____________________________________________________________________________
Secretaria da Quarta Câmara Cível
Rua Dom Manuel, 37, Sala 511 – Lâmina III
Centro – Rio de Janeiro/RJ – CEP 20010-090
5 - Tel.: + 55 21 3133-6294 – E-mail: 04cciv@tjrj.jus.br – PROT. 553
473

Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro


Quarta Câmara Cível

RELATÓRIO

Trata-se de ação de obrigação de fazer cumulada com indenização


por danos morais ajuizada por LUANA LAIS DE SOUZA em face de LIGHT
SERVIÇOS DE ELETRICIDADE S/A. Alega, em síntese, que, a partir do mês de
outubro de 2020, recebeu as faturas com valores que entende indevidos e
desproporcionais, havendo uma variação absurda do consumo de um mês para
outro.

Narra que procurou a empresa ré para resolver o problema, no


entanto, não obteve êxito.

Desta forma, pleiteia, em sede de tutela antecipada, que seja a ré


compelida a se abster de interromper o fornecimento de energia elétrica, bem
como a se abster de inserir o nome da autora nos cadastros restritivos de crédito
e a cancelar a cobrança. Por fim, requer a confirmação da tutela, bem como a
condenação da ré ao pagamento de indenização por danos morais e materiais,
além dos honorários advocatícios, custas e demais despesas processuais.

Petição inicial instruída com os documentos de fls. 20/46.

Decisão, às fls.50, que indeferiu a tutela antecipada.

Contestação, às fls. 109/133, onde sustenta, no mérito, que não há


nenhum ato ilícito ou defeito no serviço prestado praticado e que as cobranças
são legítimas.

Réplica às fls. 284.

Instadas em provas, as partes não requereram a sua produção.

Sentença de fls. 364/366 nos seguintes termos:

(...) Dentro deste parâmetro, entendo razoável a quantia


de R$ 5.000,00. Isto posto, na forma do art. 487, I do
NCPC, julgo parcialmente procedentes os pedidos inicial,
para:
a) condenar a ré a refaturar as contas da autora a partir
de outubro de 2020, para a média mensal das seis
3
____________________________________________________________________________
Secretaria da Quarta Câmara Cível
Rua Dom Manuel, 37, Sala 511 – Lâmina III
Centro – Rio de Janeiro/RJ – CEP 20010-090
5 - Tel.: + 55 21 3133-6294 – E-mail: 04cciv@tjrj.jus.br – PROT. 553
474

Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro


Quarta Câmara Cível

últimas faturas anteriores ao período reclamado,


bem como as subsequentes que excedam a média
mensal até a data do trânsito em julgado, nos termos do
art. 323 do CPC, com vencimentos distintos e com
intervalo de vencimento mínimo de 30 (trinta) dias entre
uma e outra fatura, no prazo de 30 dias a contar de sua
intimação, na pessoa de seu advogado (inciso I do § 2º
do art. 513 do CPC), sob pena de não mais poder cobrar
da parte autora as respectivas faturas, devendo o
demandante providenciar a retirada das mesmas junto a
ré, no sentido de diligenciar quanto ao pagamento das
referidas contas.
b) condenar a ré a pagar ao autor, a título de dano moral
por ele sofrido em razão dos fatos aqui retratados, a
quantia de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), a ser corrigida a
partir desta sentença e acrescidas de juros legais a partir
da cobrança indevida;
c)condenar a ré a pagar à parte autora os valores
cobrados indevidamente e comprovadamente pagos, de
forma simples, que serão apurados em face de
liquidação de sentença, corrigidos monetariamente
deste a data do desembolso, acrescidos de juros de
mora de 1% ao mês a contar da citação;
d) condenar a ré se abster de inscrever o nome da
autora nos cadastros restritivos de crédito em razão das
cobranças impugnadas, bem como de suspender o
serviço de energia elétrica. Condeno-a, ainda, a pagar as
custas e honorários advocatícios, estes ora fixados em
10% (dez por cento) sobre o valor da indenização.
Transitada em julgado, dê-se baixa e arquivem-se.
Publique-se e intimem-se.

A LIGHT ofertou apelação de fls. 399/415 alegando em suas


razões que o consumo foi faturado de modo normal, sendo registrada a energia
elétrica efetivamente utilizada pela unidade consumidora supramencionada sem
a apresentação de qualquer código de irregularidade, inexistindo falha na
medição da parte autora, todos os consumos cobrados foram efetivamente lidos
no seu medidor.

4
____________________________________________________________________________
Secretaria da Quarta Câmara Cível
Rua Dom Manuel, 37, Sala 511 – Lâmina III
Centro – Rio de Janeiro/RJ – CEP 20010-090
5 - Tel.: + 55 21 3133-6294 – E-mail: 04cciv@tjrj.jus.br – PROT. 553
475

Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro


Quarta Câmara Cível

Alega que a possível fuga de corrente, que é um defeito interno da


residência. Pode gerar o aumento injustificado do consumo. Outro fator que
também gera o aumento é a eventual deficiência de algum eletrodoméstico da
unidade consumidora.

Afirma que nesses casos, compete ao consumidor contratar um


Técnico Eletricista para verificar a adequação de suas instalações internas e de
seus eletrodomésticos e providenciar os reparos necessários para sanar o
problema.

Sustenta que o valor da condenação, fixada em R$ 5.000,00 (cinco


mil reais) é exacerbado, tendo em vista jamais ter ocorrido qualquer falha no
serviço ou prestação por parte da concessionária, bem como jamais ocorreu
qualquer fato que atingisse a esfera da personalidade da parte autora. Julgar
contrário a isso, seria locupletar ilicitamente, por danos jamais sofridos.

Anda que se entenda pela manutenção da condenação da espera


que o valor fixado na condenação por danos morais respeite os princípios da
razoabilidade e da proporcionalidade, impondo-se a sua redução.

Conclui que, tendo em vista que (i) a parte autora não comprova o
fato que lhe teria alegadamente causado o abalo moral; (ii) que tal fato, ainda
que comprovado, não ultrapassaria o limite do mero dissabor incapaz de causar
dano moral; e (iii) a inexistência de previsão legal para a condenação da
empresa ré ao pagamento de danos punitivos, o pedido de indenização por dano
moral deve ser julgado improcedente.

Requer o provimento do recurso para julgar improcedentes os


pedidos, ou que haja a reforma parcial da Sentença, com a redução do valor da
condenação.

Contrarrazões de fls. 428/438.

É o relatório.

VOTO

Recebo o recurso no duplo efeito, e dele conheço, diante da


presença dos requisitos intrínsecos e extrínsecos para sua admissibilidade,
sendo a parte autora beneficiária o da gratuidade de justiça.

5
____________________________________________________________________________
Secretaria da Quarta Câmara Cível
Rua Dom Manuel, 37, Sala 511 – Lâmina III
Centro – Rio de Janeiro/RJ – CEP 20010-090
5 - Tel.: + 55 21 3133-6294 – E-mail: 04cciv@tjrj.jus.br – PROT. 553
476

Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro


Quarta Câmara Cível

Inexiste dúvida quanto à natureza da relação das partes como


sendo a de consumo, considerando como consumidor todo aquele que utiliza
serviço como destinatário final (art. 2º da Lei nº 8.078/1990), e fornecedor a
pessoa jurídica que presta serviços mediante remuneração (art. 3º, e seu § 2º,
da Lei nº 8.078/1990).

Trata-se de responsabilidade civil objetiva que independe de


comprovação de culpa, nos termos do § 6º, do artigo 37, da CRFB/88, regra
esta que se aplica às pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado
prestadoras de serviços públicos, valendo salientar que os serviços de utilidade
pública devem ser prestados de maneira adequada, eficiente, segura e, em se
tratando de serviço essencial, de modo contínuo, por força do art. 22, do CDC.

A parte ré, na qualidade de concessionária de um serviço público


essencial, responde pelos danos eventualmente causados ao consumidor, em
decorrência de falha na prestação do serviço, fundamentada na Teoria do
Risco Administrativo (art. 14 do CDC), bastando para tanto o nexo de
causalidade entre o ato comissivo ou omissivo e o resultado danoso.

Diante da inversão do ônus probatório, a ré não logrou provar a


regularidade das cobranças, uma vez que lhe cabia a comprovação de sua
tese defensiva, ônus que lhes competia, à luz do art. 373, II, do CPC/20152, e
do art. 14, §3º, da Lei nº 8078/90:

No caso em exame, a autora questiona as faturas que


ultrapassaram em muito a média do consumo observada nos meses anteriores,
conforme se vê do histórico do consumo juntado às fls. 41:

2 “Art. 373. O ônus da prova incumbe: (...) II - ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou
extintivo do direito do autor.”
6
____________________________________________________________________________
Secretaria da Quarta Câmara Cível
Rua Dom Manuel, 37, Sala 511 – Lâmina III
Centro – Rio de Janeiro/RJ – CEP 20010-090
5 - Tel.: + 55 21 3133-6294 – E-mail: 04cciv@tjrj.jus.br – PROT. 553
477

Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro


Quarta Câmara Cível

Nessa perspectiva, o pedido de refaturamento foi acolhido, uma


vez que a autora logrou fazer a prova mínima necessária que conduz à
verossimilhança de suas alegações, já que nos meses de verão do ano de
2020 para os meses de verão de 201 há expressivo aumento do consumo,
período que pode servir de parâmetro para indicar a presença de discrepância
na leitura do medidor.

Contudo, em que pese caracterizada a má prestação do serviço,


vale notar que a situação vivenciada pela autora consiste no máximo em
dissabor, aborrecimento ou irritação, não ostentando a condição de vexame,
sofrimento ou humilhação anormal, capaz de dar azo à pretendida indenização,
até porque nenhum elemento concreto foi apresentado aos autos que
evidenciasse tal dever, não tendo sido sequer havido a suspensão do
fornecimento de luz elétrica ou a inserção do nome da consumidora em
cadastros restritivos de crédito.

Para caracterização de danos sofridos no âmbito extrapatrimonial,


afigura-se imprescindível a demonstração de consequências lesivas na
integridade psicofísica do indivíduo ou, ainda, a afetação injusta à
honorabilidade da pessoa.

Imperioso transcrever, acerca da temática em estudo, trecho de


decisão unânime da Quarta Turma do STJ, no REsp nº 217.916, cuja relatoria
coube ao eminente Ministro Aldir Passarinho Júnior:

7
____________________________________________________________________________
Secretaria da Quarta Câmara Cível
Rua Dom Manuel, 37, Sala 511 – Lâmina III
Centro – Rio de Janeiro/RJ – CEP 20010-090
5 - Tel.: + 55 21 3133-6294 – E-mail: 04cciv@tjrj.jus.br – PROT. 553
478

Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro


Quarta Câmara Cível

"A indenização por dano moral não deve ser banalizada.


Ele (dano moral) não se destina a confortar meros
percalços da vida comum. É razoável obter-se o
ressarcimento pelos danos materiais, inclusive pela perda
momentânea do uso do automóvel, mas daí a assemelhar
esse desconforto a um dano moral, lesivo à vida e
personalidade do incomodado, é um excesso".

Enfim, para configuração de danos morais exige-se mais do que


transtornos e aborrecimentos previsíveis ao cotidiano da vida moderna, são
situações que, fugindo à normalidade, interferem intensamente no
comportamento psicológico da vítima, causando-lhe aflições e desequilíbrio em
seu bem-estar, cuja demonstração inocorreu na fase probatória dos autos.

Logo, no caso em exame, não há elementos mínimos probatórios


capazes de sustentar a condenação a título de danos morais formulado pelo
autor, atraindo igualmente a incidência do verbete nº 230 da Súmula desta
Corte de Justiça: “Cobrança feita através de missivas, desacompanhada de
inscrição em cadastro restritivo de crédito, não configura dano moral, nem
rende ensejo à devolução em dobro.”

A conta de tais fundamentos, voto no sentido de dar parcial


provimento ao recurso da ré para julgar improcedente o pedido de danos
morais. Diante do fato de a autora ter decaído de metade do dos pedidos,
condeno a ré ao pagamento de 70% das despesas processuais e honorários
advocatícios de R$ 500,00 ao patrono da apelante e condeno a autora ao
pagamento de honorários advocatícios de R$ 300,00 em favor do patrono da ré
apelante, tendo em conta pouca complexidade da causa.

Rio de Janeiro, 07 de dezembro de 2022.

Desembargadora MARIA HELENA PINTO MACHADO


Relatora

8
____________________________________________________________________________
Secretaria da Quarta Câmara Cível
Rua Dom Manuel, 37, Sala 511 – Lâmina III
Centro – Rio de Janeiro/RJ – CEP 20010-090
5 - Tel.: + 55 21 3133-6294 – E-mail: 04cciv@tjrj.jus.br – PROT. 553

Você também pode gostar