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TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RIO DE JANEIRO


5ª CÂMARA DE DIREITO PRIVADO

APELAÇÃO CÍVEL Nº 0013186-93.2018.8.19.0054


4ª VARA CÍVEL SÃO JOÃO DE MERITI
APELANTE : OSNIR DAMASCENO BASTOS
:
APELADOS : LIGHT SERVIÇOS DE ELETRICIDADE S.A.
RELATORA : DESEMBARGADORA REGINA LUCIA PASSOS

DECISÃO

Apelação Cível. Ação Anulatória c/c Danos Morais.


Direito do Consumidor. Concessionária de serviço
público. Energia Elétrica. Termo de Ocorrência de
Inspeção (TOI) que constatou irregularidade da
unidade consumidora. Cobranças nas faturas do
proprietário. Sentença de improcedência. Prova
Pericial. Consumidor que, embora hipossuficiente
tecnicamente, deve fazer prova mínima do alegado.
Verbete sumular nº 330 do E. TJRJ. Autor que
não trouxe qualquer prova de que o consumo da sua
residência era compatível com o que vinha sendo
apurado anteriormente. Descumprimento do ônus
probatório. Art. 373, I, do CPC. Prova pericial que
atesta as informações constante na lavratura do
TOI. DESPROVIMENTO DO RECURSO.

Adota-se o relatório da R. Sentença:

“Trata-se de ação de conhecimento proposta por OSNIR


DAMASCENO SANTOS em face de LIGHT SERVIÇOS DE ELETRICIDADE S.A
alegando que é usuário dos serviços prestados pela demandada e que, em outubro de
2016, observou que o valor cobrado estava muito aquém dos meses anteriores, e,
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Assinado em 24/07/2023 13:58:52
REGINA LUCIA PASSOS:14572 Local: GAB. DES(A). REGINA LUCIA PASSOS
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mesmo depois de informar erro na leitura, foi surpreendido com a lavratura


de TOI, e o erro não foi reparado pela demandada.

Requer:
a) Concessão de tutela provisória para proibir a suspensão do
fornecimento da energia elétrica do demandante, autorizar a realização do depósito
judicial no valor de R$ 170,00 para levantamento pela demandada a título de
pagamento pela utilização do serviço com as devidas compensações entre crédito e
débito, bem como determinar que a demandada promova o reparo nas
instalações e ligações elétricas do demandante, somente as emergenciais.
b) Condenação da demandada a se abster de efetuar futuramente o
corte de energia do demandante por débitos de contas posteriores ao final da
lie e que não estejam em conformidade com o real consumo para os padrões de
uma residência do porte do demandante.
c) Refaturamento das contas de consumo com a devida suspensão
da multa por decorrência do TOI, enviando tais contas para o demandante
para que a mesma realize os pagamentos, parceladamente, devidamente
compensados os valores já pagos.
d) Indenização por dano moral no valor de R$ 20.000,00.

Inicial de fls. 03/13 instruída com documentos de fls. 14/69”.

A R. Sentença, às fls. 313/318, teve o seguinte


dispositivo:
Posto isso, JULGO IMPROCEDENTES OS PEDIDOS
formulados na petição inicial. Revogo a tutela provisória
concedida às fls. 81/83. Por consequência, RESOLVE-SE
O MÉRITO, nos termos do artigo 487, I, CPC.

Condeno o demandante ao pagamento das custas e


despesas processuais, e honorários advocatícios, que
fixo em 15% sobre o valor atualizado da causa,
observada a natureza da causa, o trabalho
desenvolvido pelo profissional e o local de sua
prestação, nos termos do artigo 85, § 2º do CPC. Fica
suspensa a exigibilidade das verbas de sucumbência por
força da gratuidade de justiça concedida, nos termos do
artigo 98, § 3º do CPC.

Certificado o trânsito em julgado, cumpridas as


formalidades legais, dê-se baixa e arquive-se”.

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Inconformado o autor interpôs apelação, às fls.


339/358, pugnando pela reforma do julgado, sustentando para
tanto que o TOI foi realizado sem as formalidades devidas, bem
como sem qualquer testemunha, sendo, portanto, abusivo. Ademais,
a R. Sentença não avaliou por completo o laudo pericial, pontuando
apenas situações favoráveis a ré

Contrarrazões da ré às fls. 375/384, pelo


desprovimento.

É o Relatório. Passa-se ao voto.

Presentes os requisitos intrínsecos e extrínsecos de


admissibilidade recursal.

Ao recurso deve ser negado provimento.

Cinge-se o ponto nodal da controvérsia à eventual


irregularidade do Termo de Ocorrência e da cobrança dele
decorrente, bem como, aos danos advindos da referida conduta da
ré.
LEGISLAÇÃO APLICÁVEL

Inicialmente, deve-se destacar que à demanda aplica-se


o Código de Defesa do Consumidor, o qual traz em seu bojo
normas de ordem pública e de interesse social, objetivando a
proteção e defesa do consumidor, em razão de sua vulnerabilidade,
devendo ser aplicada a previsão do art. 6º, III do CDC.

Assim, a Ré enquadra-se na condição de prestadora de


serviços, pois a atividade econômica por ela exercida foi
expressamente assim descrita no texto do art.3º, § 2º do CDC. O
autor é considerado consumidor.

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Amolda-se o caso ao verbete sumular nº 254 do


E.TJRJ:

“Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor à relação


jurídica contraída entre usuário e concessionária."

Note-se, ainda, o artigo 22 do CDC, que dispõe sobre os


serviços essenciais:

“Os órgãos públicos, por si ou suas empresas,


concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra
forma de empreendimento, são obrigados a fornecer
serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos
essenciais, contínuos. Parágrafo Único: Nos casos de
descumprimento, total ou parcial, das obrigações,
referidas neste artigo, serão as pessoas jurídicas
compelidas a cumpri-las e a reparar os danos causados,
na forma prevista neste Código”.

Desse modo, tem a concessionária ré a obrigação legal


de prestar o serviço aos seus consumidores de forma adequada,
disponibilizando a energia elétrica.

Oportuno registrar que a jurisprudência desta E. Corte


Estadual de Justiça, sobre a presente controvérsia, assentou o
seguinte enunciado:

"O termo de ocorrência de irregularidade, emanado de


concessionária, não ostenta o atributo da presunção de
legitimidade, ainda que subscrito pelo usuário."
(Enunciado nº 110 do Aviso TJ nº 52, de 17/06/2011
- DJERJ, ADM 191 (6) - 20/06/2011)
(verbete sumular nº 256 do E. TJRJ. Proc. Adm. nº
0032040 50.2011.8.19.0000. Julg: 16/01//2012 – Rel.:
Des. Letícia Sardas. Votação unânime).

Contudo, da análise dos autos, necessário o


afastamento de tal diretriz, à vista que a prova pericial produzida
atestou a regularidade do termo de ocorrência.

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Isso porque, em que pese ser o consumidor


presumidamente vulnerável, conforme previsto na Legislação
Consumerista, não há como se afastar a necessidade da parte
autora de produzir prova mínima quanto aos fatos que alega,
conforme disposto no artigo 373, I, do CPC, submetida ao Juiz a
análise da verossimilhança ou da hipossuficiência, conforme a letra
do art. 6o, VIII, da Lei n° 8.078/90.

Sobre o tema, colhe-se da doutrina:

“Não há um deve de provar, nem à parte contrária


assiste o direito de exigir a prova do adversário. Há um
simples ônus, de modo que o litigante assume o risco de
perder a causa se não provar os fatos alegados e do qual
depende a existência do direito subjetivo que pretende
resguardar através da tutela jurisdicional. Isto porque,
segundo a máxima antiga, fato alegado e não provado é o
mesmo que fato inexistente”, (Humberto Theodoro
Júnior, Curso de Direito Processual Civil, Forense, 1999,
26a ed., v.1, p. 423)

In casu, observa-se que o autor não logrou êxito em


comprovar, minimamente, o que alega. Registre-se que, a causa de
pedir e o TOI 0007210225 referente a nota de serviço
10038375038.

Frise-se que, a hipótese não se assemelha aos casos


mais comuns verificados na jurisprudência, em que a
concessionária impugna uma redução no consumo, porém, permeada
de razoabilidade.

Nessa esteira, a perícia realizada em Juízo dedicou-se


à análise dos elementos presentes no processo e, com base neles,
elaborou suas conclusões e respondeu aos questionamentos dos
litigantes, fundamentando-se em referências técnicas. Essas
referências não podem ser refutadas apenas pela discordância da

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parte, que se apresenta desamparada de qualquer embasamento


científico.

A perícia atestou que:

"9.1.4 - Tomando-se por base o número de pessoas que residem


no imóvel e seu tempo de permanência no mesmo, poderia o Sr. Perito, de
acordo com o critério técnico mais adequado, precisar qual o consumo mensal
estimado da residência;
Resp: Para o período objeto da lide (abr/2016, dez/2017 - total de
21 meses) a perícia estimou o quantitativo mensal de 00,2kWh." (fls. 258).

A respeito do medidor instalado na unidade consumidora, esclareceu


o Perito que estão calibrados e em consonância com as determinações do
INMETRO:

"9.1.6 - Poderia o Sr. Perito informar se os marcadores/medidores,


possuem selo do INMETRO e o modelo do Chip;
Resp: Sim. Os aparelhos utilizados, pelas concessionárias, são
calibrados, segundo as determinações do INMETRO.

9.2.2 - O medidor encontrado pela perícia é o mesmo no qual foi


praticada a irregularidade? Em caso positivo, informar se a irregularidade
ainda persiste ou se foi retirada.
Resp: Sim, o medidor encontrado na data da vistoria possuia o º
7670986.
O medidor foi aferido, estando funcionando dentro dos
parâmetros determinados pelo INMETRO (ver ANEXO 4 - Folha de Verificação e
Aferição em Baixa Tensão.

[...]" (fls. 258 e 260).

Em sua conclusão, afirmou o Perito:

"Para as faturas arguidas nesta lide (abr/2016 a dez/17- total de 21


meses), através da análise dos documentos constantes nos autos,
fornecidos pelas partes, da vistoria "in loco" do imóvel, e
inferência de consumo utilizada pela perícia, constatou-se que a
divergência encontrada entre o valor estimado e o faturado é
2.580kWh, que não foram faturados pela parte ré.
pericia apurou para o período o total de 4.205,0
kWh, com o quantitativo médio mensal de 200,2kWh, enquanto a empresa ré

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faturou o quantitativo de 1.625,0kWh com o quantitativo médio mensal de


77,38kWh." (fls. 256).
Assim, é possível deduzir que o autor se utilizava do
serviço sem a respectiva contraprestação, com evidente quebra da
boa-fé objetiva (Código Civil, artigo 422).

O usuário do serviço não fez qualquer prova em sentido


contrário, sendo certo que, mesmo hipossuficiente, poderia ter
trazido aos autos cópias das faturas diversas, referentes ao
período que consta consumo zerado no histórico. Também poderia
ter tentado provar que não consumia o total de energia apurado no
TOI, por meio da carga instalada no imóvel verificada em perícia,
o que, contudo, não requereu, quando instado à especificação de
provas.
Dessa forma, conclui-se que a parte autora não se
desincumbiu de seu ônus probatório, artigo 373, I, do CPC,
portanto, não há como se acolher a pretensão de afastar a
exigibilidade do débito apurado pela Ré, e nem de condenar esta
ao pagamento de danos morais.

Nesse cenário, não há prova diminuta das alegações


autorais e amolda-se o caso ao verbete sumular n° 330 do E.
TJRJ:
“Os princípios facilitadores da defesa do consumidor em
juízo, notadamente o da inversão do ônus da prova, não
exoneram o autor do ônus de fazer, a seu encargo, prova
mínima do fato constitutivo do alegado direito”.

Por tais razões e fundamentos, NEGA-SE


PROVIMENTO AO RECURSO.

Rio de Janeiro, na data da assinatura.

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