17ª CÂMARA DE DIREITO PRIVADO (ANTIGA 26ª CÂMARA CÍVEL)
APELAÇÃO CÍVEL Nº 1634869-23.2011.8.19.0004 APELANTE: AMPLA ENERGIA E SERVICOS S.A. APELADO: JORGE LUIZ VIEIRA RELATORA: DES. SANDRA SANTARÉM CARDINALI
APELAÇÃO CÍVEL. CONSUMIDOR. AMPLA. ALEGAÇÃO DE
COBRANÇA ABUSIVA NAS FATURAS DE CONSUMO MENCIONADAS NA INICIAL. SENTENÇA QUE JULGOU PROCEDENTES OS PEDIDOS FORMULADOS PARA DETERMINAR O REFATURAMETO DAS COBRANÇAS E CONDENAR A RÉ A PAGAR R$ 5.000,00 A TÍTULO DE INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. RECURSO EXLCUSIVO DA CONCESSIONÁRIA RÉ BUSCANDO A IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO INICIAL, SUSTENTANDO A LEGITIMIDADE DAS COBRANÇAS, PUGNANDO PELO AFASTAMENTO DA INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS OU PELA REDUÇÃO DA INDENIZAÇÃO FIXADA. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO FORNECEDOR DO SERVIÇO QUE SOMENTE SERÁ ELIDIDA MEDIANTE PROVA DA INEXISTÊNCIA DO DEFEITO OU CULPA EXCLUSIVA DO CONSUMIDOR OU DE TERCEIRO, NOS TERMOS DO §3º, ARTIGO 14 DO CDC, ÔNUS DO QUAL NÃO SE DESINCUMBIU. PROVA PERICIAL TÉCNICA QUE ATESTOU A IRREGULARIDADE DAS COBRANÇAS, APONTANDO EVIDÊNCIA DE QUE O APARELHO MEDIDOR ESTIVESSE DESCALIBRADO. DESVIO PRODUTIVO DO CONSUMIDOR QUE CONFIGURA DANO MORAL. ALÉM DISSO, CUMPRE REGISTRAR QUE O AUTOR JÁ HAVIA INGRESSADO NO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL ANTERIORMENTE, VINDO A FIRMAR ACORDO NOS AUTOS DA AÇÃO Nº 1617182-33.2011.8.19.0004 PARA REVISÃO DE 1
QUE NÃO RESOLVEU O PROBLEMA DAS COBRANÇAS EXCESSIVAS QUE SE SEGUIRAM. PERDA DO TEMPO ÚTIL INEGÁVEL. VALOR INDENIZATÓRIO BEM AQUILATADO EM R$ 5.000,00. DESPROVIMENTO DO RECURSO.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos da Apelação Cível de
referência, em que constam como partes as acima indicadas, acordam os Desembargadores que integram a Décima Sétima Câmara de Direito Privado (antiga 26ª. Câmara Cível) do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, por unanimidade, em NEGAR PROVIMENTO ao apelo, nos termos do voto da Relatora.
RELATÓRIO
Trata-se de apelação cível interposta pela ré, AMPLA ENERGIA E
SERVICOS S/A, à sentença proferida pelo Exmo. Juiz Diego Fernandes Silva Santos, da 5ª Vara Cível da Comarca de São Gonçalo, que acolheu os pedidos formulados por JORGE LUIZ VIEIRA, nos seguintes termos (index. 360 e 434):
Trata-se de ação de obrigação de fazer c/c indenizatória na qual a
parte autora se insurge contra o valor das faturas com consumo por entender que os valores cobrados superam em muito a medida
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de consumo mensal e não condizem com a realidade. Requereu
declaração de nulidade dos débitos mencionados com a consequente revisão e exclusão do nome da autora dos cadastros restritivos de crédito. Inicial instruída com documentos de fls. 11/34. Decisão de fls. 36 deferiu a gratuidade de justiça requerida pela parte autora, bem como a tutela antecipada, determinando a manutenção do serviço. Contestação as fls. 47/53, na qual a parte ré afirma que os valores questionados refletiriam o efetivo consumo aferido. Narra que não houve qualquer irregularidade, pugnando pela improcedência dos pleitos veiculados na inicial. Audiência de conciliação realizada, conforme assentada de fls. 97, sem acordo entre as partes. Réplica as fls. 77. Sentença de fls. 110, julgando procedentes em parte os pedidos veiculados na inicial, posteriormente anulada por acórdão proferida nos autos da apelação interposta pela parte autora (fls. 147/151). Decisão de fls. 156, determinando a produção de prova pericial. Laudo pericial acostado as fls. 292/299, sobre o qual se manifestara a parte ré as fls. 305ss. Vieram os autos conclusos. É o relatório. Decido. O feito comporta julgamento antecipado do mérito, nos termos do artigo 355, inciso I do Código de Processo Civil, ante a desnecessidade de maior dilação probatória. O magistrado, como destinatário das provas, tem o dever de indeferir as diligências inúteis ou meramente protelatórias (CPC, artigo 370, parágrafo único), buscando a celeridade e velando sempre pela razoável duração do processo (direito hoje alçado à categoria dos direitos e garantias fundamentais previstos na CRFB/88, conforme artigo 5º, inciso LXXVIII; artigo 139, inciso II do Código de Processo Civil). A relação jurídica entre as partes é de consumo, sendo impositiva a aplicação do Código de Proteção e Defesa do Consumidor, que presume a boa-fé do consumidor e estabelece a responsabilidade objetiva do fornecedor. A parte autora é destinatária final dos serviços fornecidos pela parte ré, mediante remuneração, no mercado de consumo. A inversão do ônus da prova, contudo, não exime o consumidor da produção de qualquer prova, devendo este trazer aos autos ao menos os elementos mínimos do direito alegado na inicial. O cerne da demanda consistia em saber se houve falha na medição do consumo relativo às faturas da parte autora. Nos termos do artigo 373, inciso I do Código de Processo Civil,
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compete a parte autora a prova dos fatos constitutivos do seu
direito. Analisando os documentos juntados com a inicial, verifica- se que a parte autora comprova que as faturas impugnadas contêm valores de medição de consumo muito superiores à sua média de consumo, como se verifica das demais faturas acostadas aos autos. Caberia a parte ré, pois, nos termos do artigo 373, inciso II do Código de Processo Civil, demonstrar a presença de fato modificativo, extintivo ou impeditivo do direito do autor. In casu, caberia ao réu comprovar a regularidade no funcionamento do medidor e na medição referente aos meses questionados, sendo que não há qualquer prova neste sentido. Ocorre que, foi deferido por este juízo a produção de prova pericial, a fim de atestar a regularidade na medição, tendo o ilustre perito designado para a tarefa informado a este juízo que: "Este Perito analisou os dados contidos nos autos e os obtidos por ocasião da perícia e chegou à conclusão que os valores cobrados do Autor foi mal compilado pela Ré uma vez que os valores são incompatíveis com os eletrodomésticos da residência do Autor, o que indica que o equipamento de medição se encontrava descalibrado, e que os valores anteriores à medição eletrônica são compatíveis com os cálculos realizados por este Perito. Assim, este Perito entende que os valores compatíveis são os calculados. CONCLUSÃO. Os dados contidos nos autos e os obtidos por este Perito, o levaram a concluir que os valores das faturas em questão encontram-se com valor muito acima da realidade do Autor e que as demais anteriores à medição eletrônica são compatíveis com o valor calculado por este Perito.". Considerando que houve falha na medição, impõe-se o refaturamento das farturas relativas aos meses de junho de 2011 e seguintes, uma vez que incompatível com o real consumo da parte autoral. Em consequência, reconhecendo-se a abusividade das cobranças, impõe-se a procedência do pedido também para exclusão/não inclusão do nome da autora dos cadastros restritivos de crédito, pedido que ora se acolhe. No tocante à indenização por danos morais, na espécie, levando em consideração que a ré não solucionou o problema em questão na via administrativa, fazendo com que a autora necessitasse a busca do judiciário a fim de ver seus direitos assegurados, e mesmo diante da decisão judicial apresentou
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empecilhos, cabe indenização por dano moral com base na teoria
do desvio produtivo (lesão ao tempo), pelo que fixo a indenização em R$ 5.000,00. Ante o exposto, JULGO EM PARTE os pedidos para: 1 - condenar a parte ré a refaturar as contas de consumo a partir de junho de 2011, para o valor equivalente a 180,2kWh/mês, no prazo de 30 dias, emitindo novas faturas, com prazos de vencimento de no mínimo trinta dias entre casa, sob pena de inexigibilidade definitiva do débito. 2 - condenar a parte ré a não incluir o nome do autor dos cadastros restritivos de crédito, sob pena de multa a ser fixada em execução em caso de descumprimento; 3 - condenar a parte ré a pagar ao autor a quantia de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), a título de indenização por danos morais, com incidência de correção monetária desde a fixação e juros de mora desde a citação. Condeno a parte ré ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, os quais fixo em 15% sobre o valor da condenação, com base nos critérios previstos no artigo 85, §2º do Código de Processo Civil. Sentença registrada nesta data. Publique-se. Intimem-se.
Tendo em vista o erro material na sentença de fls. 360/362, corrijo
de ofício para que passe a constar a grafia correta da palavra "cada" ao invés de "casa", passando a ter o páragrafo a seguinte redação: "JULGO EM PARTE os pedidos para: 1 - condenar a parte ré a refaturar as contas de consumo a partir de junho de 2011, para o valor equivalente a 180,2kWh/mês, no prazo de 30 dias, emitindo novas faturas, com prazos de vencimento de no mínimo trinta dias entre cada, sob pena de inexigibilidade definitiva do débito. ..." No mais mantenho a sentença tal como lançada.
Apela a concessionária ré, index. 370, aduzindo que o autor não
comprovou as alegações autorais, uma vez que todas as faturas se encontram absolutamente corretas, refletindo o efetivo e real consumo mensal de energia elétrica da unidade. Sustenta que o aparelho medidor instalado na unidade foi aferido, operando dentro das especificações exigidas pelo INMETRO. Afirma ser improvável que um aparelho eletrônico 5
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apresente defeito durante um tempo e, depois, retorne a funcionar
normalmente, sem reparo; argumenta que o aumento no consumo pode ter diversos fatores, tais como: fuga de energia, deficiência elétrica, aumento no uso dos eletrodomésticos nos meses de verão, aumento do número de pessoas na residência, dentre outros, devendo ser considerada, ainda, a vigência das bandeiras tarifárias e reajustes, além dos impostos (ICMS, PIS e COFINS); defende a inocorrência do dano moral, pugnando pela reforma da sentença, para que sejam julgados improcedentes os pedidos iniciais e, de forma subsidiária, pela redução do quantum indenizatório.
Contrarrazões em prestígio ao julgado (index. 442), sem alegações
preliminares.
É o relatório.
VOTO
O recurso deve ser conhecido, porquanto tempestivo e
adequado à impugnação pretendida, estando regularmente preparado (index. 438), restando presentes os requisitos de admissibilidade em conformidade com o CPC/15.
Inicialmente, cumpre assinalar que a relação existente entre os
litigantes é de caráter consumerista, devendo, pois, a controvérsia ser dirimida sob a as diretrizes estabelecidas no Código de Proteção e de Defesa do Consumidor.
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Cuida-se de ação de indenizatória movida por JORGE LUIZ
VIEIRA em face de AMPLA S/A, em que o autor narra ter sofrido aumento injustificado nas faturas após a instalação de medidor com sistema de chip, restando as faturas de junho de 2011 e seguintes em descompasso com o real consumo.
A sentença acolheu o pedido para condenar a AMPLA a refaturar
as contas de consumo a partir de junho de 2011, para o valor equivalente a 180,2kWh/mês, no prazo de 30 dias, emitindo novas faturas, com prazos de vencimento de no mínimo trinta dias entre cada, sob pena de inexigibilidade definitiva do débito, a não incluir o nome do autor dos cadastros restritivos de crédito, e a pagar ao autor a quantia de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), a título de indenização por danos morais.
O cerne da controvérsia refere-se à legitimidade da cobrança
questionada na inicial e à configuração de dano moral na espécie, além da quantificação adequada.
Na hipótese, verifica-se que, conforme bem considerou o
magistrado sentenciante, a ré não se desincumbiu do ônus de provar a legitimidade das cobranças realizadas, mormente porque a prova pericial técnica confirmou que houve erro na aferição do consumo da unidade consumidora, concluindo que as cobranças impugnadas estão acima da realidade fática (index. 292):
“Análise pericial:
Este Perito analisou os dados contidos nos autos e os obtidos por
ocasião da perícia e chegou à conclusão que os valores cobrados do Autor foi mal compilado pela Ré uma vez que os valores são incompatíveis com os eletrodomésticos da residência do Autor, o que indica que o equipamento de medição se encontrava 7
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descalibrado, e que os valores anteriores à medição eletrônica
são compatíveis com os cálculos realizados por este Perito. Assim, este Perito entende que os valores compatíveis são os calculados.
CONCLUSÃO
Os dados contidos nos autos e os obtidos por este Perito, o levaram
a concluir que os valores das faturas em questão encontram-se com valor muito acima da realidade do Autor e que as demais anteriores à medição eletrônica são compatíveis com o valor calculado por este Perito.”
Acresce que, sendo ônus da ré a comprovação de uma das
causas excludentes de sua responsabilidade ou a existência de fato modificativo, extintivo ou impeditivo do direito da autora, nos moldes do artigo 14, §3º, do CDC e artigo 373, II, do CPC, não há como afastar a existência da apontada falha na prestação do serviço.
Destaque-se que a ré é concessionária de serviços públicos que
tem como público-alvo toda a massa populacional, inclusive a menos favorecida, presumivelmente com maior grau de vulnerabilidade, sendo seu dever zelar pela transparência e clareza em suas operações.
Nesse diapasão, malgrado a concessionária ré, em sua defesa,
afirme inexistir falha na medição do consumo, tal alegação se mostra isolada, não encontrando respaldo no conjunto probatório constante dos autos.
Correta, pois, a sentença, ao determinar o refaturamento e
condenar a parte ré a restituir eventuais valores pagos a maior.
Quanto à configuração do dano moral na espécie, a postura
adotada pela ré, além de evidenciar flagrante ineficiência, também demonstra descaso com o consumidor que se viu compelido a ingressar no 8
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Judiciário para resolver o imbróglio, restando configurado o desvio
produtivo apto a embasar reparação pecuniária.
Destaque-se, outrossim, que o tempo, pela sua escassez, é um
bem precioso para o indivíduo, tendo um valor que extrapola sua dimensão econômica, sendo irrecuperável sua perda. Nesse diapasão, o conceito de dano moral vem sofrendo ampliação para englobar situações nas quais um contratante se vê obrigado a perder seu tempo livre em razão da conduta abusiva do outro.
A indenização, em tais casos, deve representar compensação
razoável pelo sofrimento experimentado, cuja intensidade deve ser considerada para fixação do valor, aliada a outras circunstâncias peculiares de cada conflito de interesses, sem jamais constituir-se em fonte de enriquecimento sem causa para o ofendido, nem, tampouco, em valor ínfimo que o faça perder o caráter pedagógico-punitivo ao ofensor.
No caso concreto, como restou fixado na sentença, o valor de
R$5.000,00 (cinco mil reais) a título de danos morais foi suficiente à dupla função do instituto, respeitando o binômio razoabilidade e proporcionalidade, estando em consonância com a média aplicada por esta Corte em situações semelhantes.
Além disso, cumpre registrar que o autor já havia ingressado no
Juizado Especial Cível anteriormente, vindo a firmar acordo nos autos da ação nº 1617182-33.2011.8.19.0004 para revisão de faturas com vencimento até maio de 2011, medida que não resolveu o problema das cobranças excessivas que se seguiram.
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Acresce que não sendo manifestamente desarrazoado o valor
arbitrado e não demonstrada objetivamente sua exasperação ou exiguidade, deve a decisão do juízo a quo ser prestigiada, conforme entendimento jurisprudencial dominante nesta Corte, sintetizado na Súmula 343 TJRJ, com a seguinte redação: “a verba indenizatória do dano moral somente será modificada se não atendidos pela sentença os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade na fixação do valor da condenação”.
Ante o exposto, VOTO pelo DESPROVIMENTO do recurso,
majorando os honorários advocatícios em 2% (artigo 85 §11 do CPC).