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UNIVERSIDADE DA MAIA – ISMAI

Mestrado em Criminologia

Sistema de Justiça Penal I

Desafios Penais em matéria de Corrupção e


Branqueamento de Capitais

Docente

Prof. Doutor André Piton

Discente

Luís Costa (34355)

Maia, 14 de janeiro de 2022


Desafios Penais em matéria de Corrupção e Branqueamento de Capitais

ÍNDICE

INTRODUÇÃO .............................................................................................................. 2

PARTE I – Corrupção ................................................................................................... 4

Enquadramento conceptual – Várias perspetivas de um mesmo fenómeno? ............... 4

Um atentado ao Estado de Direito? .............................................................................. 7

Um travão à Corrupção............................................................................................... 10

Na vertente preventiva ............................................................................................ 10


Na vertente repressiva ............................................................................................ 16

PARTE II – Branqueamento de Capitais ................................................................... 23

Enquadramento Conceptual – O que se diz sobre Branqueamento de Capitais? ....... 23

Do ilícito ao aparentemente lícito: A transformação do capital ................................. 25

Natureza legal do crime .............................................................................................. 27

Um desafio de cooperação e harmonização: Legislação em torno do Branqueamento


de Capitais a nível Nacional e Internacional .............................................................. 30

Offshores – Dinâmicas e Obstáculos à Investigação .................................................. 35

Perda de Bens a Favor do Estado – Um fator dissuasor? ........................................... 37

PARTE III – Intervenção Jurídico-Criminal em Corrupção e Branqueamento de


Capitais: Necessidade ou utilitarismo? ....................................................................... 41

A problemática do Bem Jurídico ................................................................................ 41

Intervencionismo penal no âmbito económico ........................................................... 43

CONCLUSÃO............................................................................................................... 48

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ....................................................................... 50

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Desafios Penais em matéria de Corrupção e Branqueamento de Capitais

INTRODUÇÃO

Sociedade adota, aos dias de hoje, uma conceptualização diferente daquela que, há uns
anos atrás, entendíamos como tal. Assumimos assim um cariz diferente, com os seus
próprios valores, com a sua distinta organização, com idiossincrasias próprias e
específicas. Não melhor, não pior, mas estando a ela inerente um processo de evolução e
dinamismo que lhe configura diariamente uma aceitação de comportamentos e atitudes,
e a repressão ou censura de outros.

Da mesma forma que a própria mentalidade evolui, que o ser humano se desenvolve
enquanto cidadão, a sociedade tem também de lidar com desafios e riscos que colocam
em causa princípios básicos de vivência. Desafios que obrigam a um pensamento e
adequação das normas vigentes, de uma forma transversal a todas as instituições que dela
fazem parte.

O sistema de justiça e as instituições jurídicas não são imunes a este desenvolvimento. A


progressiva proliferação de meios tecnológicos, a diminuição de fronteiras e outros
fatores globalizantes vêm colocar em causa os pressupostos de atuação também em
questões doutrinárias. Materializa-se assim por comportamentos criminosos mais
sofisticados, com modus operandi até então desconhecidos, aquilo que a doutrina define
como “criminalidade altamente organizada”, de acordo com o artigo 1º, f) do Código de
Processo Penal. O “novo crime” caracteriza-se assim por uma despacialização, o
anonimato e a ubiquidade.

A esta definição pode incumbir matérias como terrorismo, tráfico de estupefacientes,


manipulação genética, e, no caso, concreto, a criminalidade económico-financeira, onde
se inserem a corrupção e o branqueamento de capitais.

Estes tipos legais de crime, praticado, regra geral, por pessoas de status social elevado,
visa, primordialmente, o enriquecimento ilícito dos atores envolvidos e a sua ocultação
para uma nova inserção no mercado legal.

MOURA1 refere que este tipo de criminalidade, abrangente relativamente à sua


consumação, se estabelece como “insidiosa”, sendo que simboliza um abuso perante a

1
MOURA, João Souto – Justiça, Ministério Público, Criminalidade económica, 2003.

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Desafios Penais em matéria de Corrupção e Branqueamento de Capitais

sociedade, uma prepotência no serviço público, mascarado por atividades aparentemente


lícitas, para fins ilícitos.

Este trabalho visa assim realizar uma análise sistémica relativamente aos crimes de
corrupção e branqueamento de capitais, de uma forma crítica. Numa primeira instância
será explorado o crime de corrupção, abordando a sua posição na dogmática jurídico-
penal portuguesa, as medidas adotadas, em sede nacional, de prevenção e repressão do
mesmo e observar de que modo este crime coloca em causa os preceitos básicos e
intocáveis do Estado de Direito Democrático.

Numa segunda parte, será abordada a temática do branqueamento de capitais, o seu


processo de materialização e toda a rede tentacular que o envolve, nomeadamente o
cenário das jurisdições offshores e algumas propostas inovadoras de resolução.

Inerente aos dois temas estará uma confrontação com os processos que o direito vem
sofrendo também, ao longo dos anos, pelos desafios supracitados. Questionar-se-á a
legitimidade punitiva por parte do Estado, a tutela de bens jurídicos para os crimes em
questão e a contratualização que nos faz prescindir de liberdades de modo a assegurar
uma segurança em comunidade.

Afinal, segundo MOURA2, o que está em voga nestes crimes não é o dano material
instantâneo, mas a desestabilização da comunidade e das estruturas sociais.

2
MOURA, João Souto – Justiça, Ministério Público, Criminalidade económica, 2003.

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PARTE I – Corrupção

Enquadramento conceptual – Várias perspetivas de um mesmo fenómeno?

O fenómeno da corrupção não é recente. Podemos dizer que existe corrupção desde a
formação da primeira sociedade, do primeiro sistema hierarquizado, mediante acordos
estabelecidos para alcançar um fim que não seria possível em condições normais. Porém,
o crime, o modo e o pensamento sobre ele evoluiu. Alguns autores consideram que a
corrupção faz parte de um desenvolvimento social próprio. Outros, como MAIA3, referem
que o paradigma de análise se alterou sobretudo a partir dos anos setenta do presente
século. Anterior a isso, atribuía-se uma culpabilização do crime ao sistema político e
económico, como uma forma de o contornar, dada a sua estagnação. Quem corrobora com
esta cronologia é SANTOS4, realçando que a corrupção evidenciava a o mau
funcionamento da democracia e; atribuindo ainda, uma visão funcionalista, como
apresentada em cima.

De facto, a inversa proporcionalidade entre número de casos de corrupção e


desenvolvimento das estruturas económicas, sociais e políticas de um país é regularmente
feita, nomeadamente por AFONSO5, que estabelece uma linha ténue entre os efeitos
corruptivos na deformação das estruturas societárias.

Em termos conceptuais, podemos definir corrupção sobre vários pontos de vista,


dependendo do modo e contexto em que ocorre. De uma perspetiva geral, corrupção
engloba qualquer ato praticado ou aceite de ser praticado, que, em condições normais,
não aconteceria. Existe, inerente a este comportamento, uma persuasão ou chantagem que
leve a esta aceitação.

Quem corrobora com esta ideologia é OLIVEIRA6, sendo que assenta a sua definição
relevando a utilização de meios ocultos que resultem em vantagens privadas que não
aconteceriam sem essa ação ilícita.

3
MAIA, João Marques – Corrupção: Realidades e Perceções, 2010.
4
SANTOS, Claúdia – A corrupção [Da luta contra o crime na intersecção de alguns (distintos)
entendimentos da doutrina, da jurisprudência e do legislador], 2009.
5
AFONSO, Óscar – Corrupção, crescimento e desenvolvimento, 2020.
6
OLIVEIRA, Calado de apud FARIA, Rita - Corrupção: Descrições e Reflexões. Sobre a possibilidade de
realização de uma abordagem criminológica ao fenómeno da corrupção em Portugal, 2007.

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Desafios Penais em matéria de Corrupção e Branqueamento de Capitais

SANTOS7 vai mais além e olha para a corrupção num sentido transversal, desconstruindo,
em primeiro lugar os conceitos de corrupção passiva e ativa. Refere que, se na
componente passiva, está em causa uma tipificação de crime de colarinho branco, na
ativa, com uma tonalidade mais complexa, assume já características de crime organizado.
Em jeito de definição, aponta que, mesmo perante o desdobramento feito pela dogmática
jurídica, a corrupção abarca uma negociação ilegítima de um funcionário do Estado,
abusando dos poderes que lhe são conferidos no exercício da sua profissão, atribuindo,
ao corruptor ativo uma vantagem ou benefício patrimonial, sendo que a consumação
ocorre aquando da aceitação para a prática ou omissão do determinado ato. A autora faz
ainda menção aos efeitos contraproducentes que estas práticas acarretam para toda
sociedade, nomeadamente uma descredibilização das esferas que garantem a legalidade
democrática, colocando em causa a administração da justiça e a liberdade do Estado, pela
sua imparcialidade e soberania.

Vai assim ao encontro do que postula DIAS8, mencionando que o fenómeno adota assim
um cariz malicioso, do ponto de vista deontológico, que obriga a uma reação por parte
das instâncias formais de controlo. Contudo, concede atenção aos diferentes ritmos a que
ambos os fenómenos ocorrem. Sendo que a corrupção acontece a um ritmo mais elevado,
a conceção legislativa age em atraso e numa ótica de reação, nem sempre se revelando a
mais eficaz.

Por funcionário do Estado entendemos, segundo o artigo 386º, n.º 1, al. c) do Decreto-Lei
n.º 48/95, de 15 de março, o seguinte: Quem, mesmo provisória ou temporariamente,
mediante remuneração ou a título gratuito, voluntária ou obrigatoriamente, tiver sido
chamado a desempenhar ou a participar no desempenho de uma actividade
compreendida na função pública administrativa ou jurisdicional, ou, nas mesmas
circunstâncias, desempenhar funções em organismos de utilidade pública ou nelas
participar.9

7
SANTOS, Claúdia – A corrupção [Da luta contra o crime na intersecção de alguns (distintos)
entendimentos da doutrina, da jurisprudência e do legislador], 2009.
8
DIAS, Jorge Figueiredo apud Santos, Cláudia - A corrupção [Da luta contra o crime na intersecção de
alguns (distintos) entendimentos da doutrina, da jurisprudência e do legislador], 2009.
9
A esta conceptualização acrescentam-se ainda, de acordo com o postulado no artigo da disposição
mencionada, o funcionário civil (n. º1, al. a)), o agente administrativo, de acordo com o n. º1, al. b), gestores,
titulares de órgãos de fiscalização e trabalhadores de empresas publicas, de acordo com o n.º 2, e ainda
titulares de funções políticas, no n.º3, em conformidade com a lei regente em vigor, Lei n.º 34/87 de 16 de
Julho.

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Desafios Penais em matéria de Corrupção e Branqueamento de Capitais

A legislação portuguesa, pelo Código Penal Português, distingue, também entre


corrupção passiva e ativa, nos artigos 373º e 374º, respetivamente.

Relativamente à tipificação penal constada no artigo 373º do Código Penal, de corrupção


passiva, devemos atentar a uma subdivisão que deve ser ressalvada. No número consta a
corrupção passiva própria, ou para ato ilícito. Neste caso, o funcionário do Estado pratica
ou omite um ato que não vai de encontro aos deveres do cargo.

Em sentido inverso, no número dois do mesmo artigo, é mencionada a corrupção passiva


para ato lícito, ou imprópria, o que se materializa no ato ou omissão por parte do
funcionário, que não é contrário aos seus deveres, no exercício da profissão, e ainda
quando não lhe constituir vantagem.

Temos então de estabelecer algumas similitudes e antagonismos entre as duas tipificações


legais. Como mencionado a priori, quanto ao momento de consumação do crime, os dois
crimes abarcam-se no mesmo regime. Não é necessário que o ato corrupto, na forma de
aceitação ou solicitação, se verifique para haver crime, sendo o momento de consumação
o momento em que o funcionário aceite ou solicite vantagem ao corruptor10. Em sentido
contrário, denotamos um desfasamento no que concerne às penas abstratamente
aplicáveis, sendo mais gravosas no tipo de corrupção constante no número um (para ato
ilícito), num intervalo entre um e oito anos, tendo, a corrupção passiva para ato lícito uma
pena de prisão abstratamente aplicável entre um e cinco anos.

No artigo 374.º surge então a corrupção ativa, que analogamente à tipificação anterior,
apresenta algumas equivalências, nomeadamente quanto à sua subdivisão, constando a
corrupção ativa para ato ilícito no número um, e, para ato lícito, no número dois.

RODRIGUES11 alude ao facto deste tipo de corrupção alterar as hierarquias e distorcer a


concorrência dos mercados, sendo que o ato ou omissão praticados pode vir a refletir,
mediante o acordo, perdas de índole económicas.

Uma análise jurisprudencial permite perceber uma diferença: enquanto a tipificação


criminal que consta no artigo 373º exige, quanto ao elemento típico, que o agente do
crime deva ser um funcionário do Estado, aquando do exercício das suas funções, o crime
de corrupção ativa não é específico quanto ao agente, porém, ressalva-se que a pessoa a

10
Julga-se pertinente esta menção ao momento de consumação, nomeadamente para contagem dos prazos
de prescrição do crime.
11
RODRIGUES, Cunha – Os Senhores do Crime, 1999.

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quem seja solicitada prática ou omissão terá de preencher os requisitos dispostos no artigo
386º.

Importante mencionar que, quando qualquer um dos crimes de corrupção acima referido
for cometido por titular de cargos políticos, segundo objetiva a Lei nº 34/87, de 16 de
julho, as penas abstratamente aplicáveis são agravadas.

SIMÕES12 observa os conceitos numa ótica conjunta, referindo que corrupção, em si


mesmo, abarca já a componente passiva e ativa e outros crimes como peculato e
branqueamento de capitais.

MAIA13, estabelece a conceptualização da corrupção de um ponto de vista diferente do


jurídico-legal, apontando uma dicotomia entre os nossos valores e pretensões pessoais
face aos da coletividade, que representam as expetativas sociais. Deste modo, na hora de
tomar uma decisão, faz-se o equilíbrio mental sobre qual dos dois pesaria mais, em
abstrato, numa balança. Caso os interesses pessoais superassem os da comunidade então,
o corruptor estaria a defraudar todo o interesse social, privilegiando a sua individualidade
ou a do corruptor. Aponta ainda que, dado o caráter económico que este crime pode
assumir, deturpa valores societários e dificulta a progressão nesse campo.

AFONSO14 aproxima-se da analogia referida, reforçando que que os atos praticados ou


omissos com vista a uma situação de corrupção constituem uma séria violação da
idoneidade e integridade de funções por parte de quem as pratica, o que se torna reflexo
de uma desordem no pilar estrutural do Estado, onde os privilégios privados se
sobressaem em virtude da continuidade do exercício normal de um Estado.

Um atentado ao Estado de Direito?

O fenómeno da corrupção deve conduzir a uma reflexão séria sobre o presumível processo
de vitimação que pode gerar. Será que, efetivamente, alguém ou algo sai lesado daquilo
que se resume a uma negociação sobre vantagem? Não querendo aprofundar, por
enquanto, a problemática do bem jurídico tutelado, a conceção criminológica obriga a
voltarmos a face da moeda e atentarmos nas vítimas destes tipos de crime.

12
SIMÕES, Euclides Dâmaso apud FARIA, Rita - Corrupção: Descrições e Reflexões. Sobre a
possibilidade de realização de uma abordagem criminológica ao fenómeno da corrupção em Portugal,
2007.
13
MAIA, João Marques – Corrupção: Realidades e Perceções, 2010.
14
AFONSO, Óscar – Corrupção, crescimento e desenvolvimento, 2020.

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Desafios Penais em matéria de Corrupção e Branqueamento de Capitais

Aquilo que é suscetível de perceber, na maior parte das vezes, é que, em algumas
infrações criminais, na qual se inclui a corrupção, não nos é permitido a atribuição clara
sobre uma vítima, do ponto de vista individual, portanto, esta idiossincrasia reflete-se na
atuação do sistema de justiça15.

O Direito Penal formal caracteriza-se por uma ideologia de reação, ou seja, perante a
existência de uma conduta, este mesmo avalia dois preceitos: a danosidade social que ela
acarreta e a necessidade de uma tutela subsidiária, fundamentada na crença que devem
ser usados os moldes penais, sendo que outros não se mostram eficazes em termos de
prevenção geral. Nesta ótica, refletem-se na verdadeira aplicação da lei. Sendo que não
se considera uma vítima, não existirá alguém que recorra ao jus puniendi do Estado16.

Talvez a atribuição de atentado se revele exagerada quando pretendemos abordar a


danosidade social do crime que até aqui temos descrito. Não havendo uma declaração de
guerra, uma bala, não fará sentido atribuir um cariz belicista ao crime em questão. Porém,
será assim tão díspar esta hiperbolização? Terá, ou não, a corrupção, a capacidade de ferir
princípios básicos do Estado de Direito?

Sucintamente, podemos caracterizar Estado de Direito, de acordo com a visão de


CANOTILHO17 como uma forma de organização politico-estadual cuja atividade é
determinada e limitada pelo direito. O mesmo significa dizer que é um postulado bilateral
em que as liberdades dos cidadãos são garantidas por disposições jurídicas que visam
promover toda a esfera de interesses individuais. Em sentido inverso, o arsenal jurídico
de um Estado só se equaciona quando houver uma transgressão das normas.

A esfera de interesses individuais são representadas por direitos, liberdades e garantias,


positivados constitucionalmente, como o direito à liberdade e segurança, postulados no
artigo 27.º da Constituição da República Portuguesa - Todos têm direito à liberdade e à
segurança. Com esta alínea visa-se um preceito fundamental na garantia do Estado de
Direito. A lei é aplicada de uma forma igualitária a todos os indivíduos, não podendo ser
arbitrária nem desigual no momento da sua aplicação18.

15
MAIA, João Marques, Corrupção: Realidades e Perceções, 2010.
16
SANTOS, Cláudia – Os crimes de corrupção – notas críticas a partir de um regime jurídico-penal
sempre em expansão, 2016.
17
CANOTILHO, José Joaquim Gomes – Estado de Direito, 1997.
18
Igualdade que é representada no artigo 13.º da disposição legal mencionada.

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Contudo, no referente crime, não está em causa a danosidade individual, mas uma
ofensiva perante as instituições estatais, na manutenção da sua soberania e
funcionalidade.

Será então a corrupção uma disfunção de tal modo maligna que coloque em causa o
primado da lei?

COLOMBO19 orienta a nossa atenção para a base da corrupção, relevando que, na sua
forma mais grave, em que ao funcionário do Estado ou a qualquer outro titular de cargo
público em que é oferecido algum bem patrimonial, económico ou outro tipo de vantagem
constituiu uma traição ao Estado. Ou seja, podemos, aquando desta aceitação, por parte
do funcionário, para a prática ou omissão de determinado ato, concluir que o mesmo
abandona os seus princípios deontológicos que representam, ou deveriam representar os
interesses da coletividade nacional, passando a privilegiar a sua individualidade. De outro
modo, o funcionário não garante a prossecução do interesse público.

Na outra face da moeda, encontram-se os efeitos negativos que ocorrência regular deste
tipo de práticas acarretam.

Quando a corrupção se torna um problema sistémico, praticada por titulares de altos


cargos públicos ou cargos políticos induz, na sociedade civil uma deslegitimação no
Estado Direito e na própria democracia, segundo o que refere BATALHA20. A rutura de
laços de crença na democracia e no Estado de Direito é colocada em causa precisamente
por quem tem como função assegurar toda a legalidade democrática.

Daí que COLOMBO21 considera que a violação dolosa do dever contribui para uma
diminuição da integridade sistémica, numa sociedade que abdicou dos preceitos do
Estado de Direito, que não transmitiu, por via dos seus servidores públicos, a expetativa
de efetivar a real e normativa ação do Estado.

Concluindo, a corrupção desvirtua-se do ónus da deontologia e ética e extrapola uma


danosidade social transversal, agredindo princípios básicos do Estado de Direito. Fere
assim os preceitos democráticos pela descredibilização da justiça e pela afronta à

19
COLOMBRO, Gherardo – Estado de Direito e corrupção: os resultados do inquérito de Milão sobre
crimes contra a administração pública, 1994
20
BATALHA, João Paulo – Corrupção, crescimento e desenvolvimento, 2020.
21
COLOMBRO, Gherardo – Estado de Direito e corrupção: os resultados do inquérito de Milão sobre
crimes contra a administração pública, 1994

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prosperidade económica. Fere os direitos constitucionalmente garantidos, de liberdade e


igualdade, de quem sustenta o Estado22.

Um travão à Corrupção

Na vertente preventiva

A apreciação criminológica face aos problemas sociais desenrola-se com base no


pensamento sobre eles, procurando o seu paradigma etiológico-explicativo, quais os seus
efeitos na sociedade e o modo de, numa primeira instância, o prevenir e, numa segunda
instância, de o reprimir.

Neste primeiro subtópico pretende-se uma exposição e discussão sobre que medidas
preventivas existem, do ponto de vista legislativo e não legislativo, e quais aquelas que
deveriam ser pensadas, mas alcançar uma maior eficácia.

A 31 de outubro de 2003 é promulgada a Convenção das Nações Unidas23 contra a


Corrupção, que entraria em vigor dois anos mais tarde, a 14 de dezembro de 2005. Esta
convenção, vulgarmente conhecida como Convenção de Mérida24, acentua a sua tónica
numa ideologia primordialmente preventiva da corrupção, tendo assim como finalidade,
de acordo com o declarado no artigo 1.º, promover e fortalecer as medidas para prevenir
e combater mais eficaz e eficientemente a corrupção.

Esta convenção, que consistiu numa disposição bilateral entre as nações unidas e os
estados-membros que a assinaram, pretende uma série de medidas vinculativas aos
ordenamentos jurídicos dos estados em questão, para que se reforçasse os mecanismos de
prevenção desta criminalidade.

Urge necessário, para um melhor entendimento e clarificação, estabelecer uma


comparação entre o que a convenção idilicamente postula como necessário para uma
maximização da eficácia e os mecanismos já existentes em Portugal.

22
SANTOS, Claúdia – Notas Breves sobre os Crimes de Corrupção de Agentes Públicos: (Considerações
em torno do Presente e do Futuro do seu Regime Jurídico, 2010.
23
Nações Unidas - Convenção das Nações Unidas Contra a Corrupção, 2003.
24
O nome surge associado à cidade mexicana de Mérida, onde os Estados membros das Nações Unidas
puderam assinar a convenção.

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Desafios Penais em matéria de Corrupção e Branqueamento de Capitais

No nosso regime jurídico é postulado um regime, em regra, de exclusividade do


funcionário como prestador de serviço a favor do Estado, conforme a Lei n.º 35/2014, de
20 de junho descreve no artigo 20.º - as funções públicas são, em regra, exercidas em
regime de exclusividade. Pode, contudo, abrir-se exceção no artigo 21.º, n. º1 quando a
acumulação de funções revista manifesto interesse público. A lei faz ainda alusão à
acumulação de funções do funcionário público, no setor privado, pelo artigo 22º, n. º1,
referindo que não são passíveis de praticar em simultâneo, funções públicas, em cúmulo
com funções privadas25.

Em tese, mostra-se uma postura, por parte do legislador portuguesa, de prevenção de altos
cargos públicos, tidos como principais perpetuadores deste tipo de criminalidade, no
exercício das suas funções. Visa-se assim proteger a existência de conflitos de interesse
que possam suscitar uma prática em exercício da profissão estatal, em favorecimento da
sua ação no setor privado26.

Na vertente de corrupção política, Portugal formula, pela Lei 19/2003, uma disposição
legal tendente ao financiamento dos partidos políticos e de campanhas eleitorais,
compreendendo, no seu conteúdo, as fontes de financiamento partidárias próprias27, quais
os meios sobre os quais os partidos políticos não podem obter financiamentos28, e
elencando outras categorizações como as receitas obtidas mediante a realização de
campanhas eleitorais, qual o regime de tratamento e a fiscalização inerente às forças
partidárias em questão. A legislação que tem como foco o tema mencionado tem a sua
etiologia em 1998, pela Lei nº 56/98.

Portugal contempla, ainda, no seu ordenamento jurídico a Lei n.º 36/94, de 29 de


setembro, que contempla, de um leque mais alargado, as medidas de combate à corrupção
e criminalidade económica e financeira. Na legislação consta, pelo seu artigo 1.º que, em

25
A lei em análise abre ainda exceções para a cumulação de serviços estatais e de cariz privado, no artigo
22.º, n. º3. Para uma concretização total dos modos de articulação entre as duas funções verificar
http://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?artigo_id=2171A0019&nid=2171&tabela=leis&p
agina=1&ficha=1&so_miolo=&nversao=
26
A título de exemplo, meramente ilustrativo, sem aplicabilidade ou associação a alguma figura podemos
explanar o seguinte caso abstrato: um funcionário estatal X detém uma empresa de recolha de produtos
orgânicos. O estado, mediante concurso público, necessitará de recorrer a funções do setor privado para
levar a cabo uma recolha intensiva do referido material durante um mês. Ora, a situação é passível de gerar
um conflito de interesses no funcionário X, que deve, no exercício de representação de cargo público,
privilegiar a autonomia e idoneidade do Estado na seleção da empresa que procederá à função relatada,
porém conseguiria corromper o concurso, favorecendo a sua empresa.
27
Artigo 2.º a 6.º
28
Artigo 8.º

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Desafios Penais em matéria de Corrupção e Branqueamento de Capitais

sede de prevenção, pode o Ministério Público realizar ações de prevenção29,30em matéria


de corrupção31, podendo ainda desencadear o procedimento criminal e a consequente
abertura da fase de inquérito caso haja elementos que consubstanciam a prática de um
crime atinente ao artigo 1.º.

O Group of States Against Corruption (GRECO) é um órgão do Conselho da Europa,


fundado em 1999, com o objetivo de capacitar os estados-membros para fortalecimento
de sistemas jurídicos, políticos e económicos, anticorrupção. Sendo assim, tem em
consideração os índices de corrupção fornecidos pelo “Corruption Perception Index”.
Numa análise feita a Portugal entre os anos 2012 – 2020, é possível averiguar que
apresentamos uma classificação positiva, de 61, num score compreendido numa escala
de 0 a 100, sendo 100 a maior perceção de corrupção. Contudo, o que é de realçar na
análise longitudinal dos dados é que, mesmo com as estratégias de prevenção legislativas
acima mencionadas, e estabelecidas no país antes da avaliação, os índices de corrupção
não atenuam.32

Deste modo, de forma a capacitar Portugal com uma estratégia eficaz de prevenção face
à corrupção, o GRECO indicou, em março de 2018, algumas recomendações de alteração
ao ordenamento jurídico português, com vista a reavaliar a progressão das mesmas em
abril do ano transato. As recomendações circunscreviam-se a três classes distintas: juízes,
deputados e Ministério Público.

Perante as indicações mencionadas, Portugal corrigiu exclusivamente a recomendação do


GRECO, atinente aos juízes com vista a um esclarecimento, objetivação e transparência
dos critérios que regem a afetação dos juízes aos processos, de entre as cinco elaboradas
nesta categoria. Tendente ao Ministério Público, o sistema português efetivou a
recomendação do GRECO para as regras hierárquicas e proteção dos procuradores.

29
As ações de prevenção serão realizadas pela Polícia Judiciária, segundo alude o n.º2, por iniciativa ou
solicitação do Ministério Público. Ressalva-se que toda a ação da Polícia Judiciária nestas questões se
encontra fundida na dependência funcional do Ministério Público, o que significa que o monopólio da
investigação pertence ao Ministério Público, relegando à Polícia Judiciária competência técnica e tática de
realização de tal tarefa.
30
A esta realização de ações está permitida a realização de ações encobertas, como menciona a Lei n.º
101/2001, de 25 de Agosto, que estabelece o regime, para o ato disposto, para fins de prevenção criminal,
no caso concreto, estando a corrupção mencionada no artigo 2.º, al. n). A restante legislação faz menção à
dinâmica sobre o qual se deve desenrolar a ação.
31
E outros crimes dispostos nas alíneas seguintes do artigo 1.º da disposição legal mencionada.
32
Para a pesquisa de outros dados atinentes a outros estados-membros, consultar
https://www.transparency.org/en/cpi/2020/index/prt

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Desafios Penais em matéria de Corrupção e Branqueamento de Capitais

Portugal tinha já relevado algum sucesso nos prazos de publicação de procedimentos


disciplinares no seio do Conselho Superior do Ministério Público.33

Em sede da categoria deputados, Portugal não cumpriu com nenhuma recomendação feita
pela instituição do Conselho da Europa, tendo ainda um desempenho inferior
relativamente à apresentação das declarações de património, nos prazos em que devem
constar, dos deputados, bem como outras atinentes à fiscalização e conflito de interesses
que possa surgir neste contexto. A declaração única de rendimentos e património
mencionada remete para o Artigo 13.º da Lei 52/2019, de 31 de Julho34.

Julgo preocupante este retrocesso legislativo existente em Portugal, mesmo com uma
recomendação do Conselho da Europa, em 2018 sobre a situação frágil nesse âmbito.

Segundo uma análise legislativa, quando estão em causa titulares de cargos políticos,
magistrados, membros do governo e outras instituições discriminadas no artigo 2º da Lei
n.º 52/2019, de 31 de Julho, revela-se obrigatória a apresentação de uma declaração no
início das funções, onde seja apresentado o património que possui. Esta declaração deve
constar em três momentos: no início da atividade, no decorrer do cargo, e no final, para
que haja transparência e não ocultação de riqueza, como podemos verificar no Artigo 13º
Declaração única de rendimentos, património, interesses, incompatibilidades e
impedimentos” - Os titulares de cargos políticos e equiparados e os titulares de altos
cargos públicos referidos nos artigos 2.º e 3.º, bem como os referidos no artigo 4.º
apresentam por via eletrónica junto da entidade legalmente competente a definir nos
termos do artigo 20.º, no prazo de 60 dias contado a partir da data de início do exercício
das respetivas funções, declaração dos seus rendimentos, património, interesses,
incompatibilidades e impedimentos, adiante designada por declaração única, de acordo
com o modelo constante do anexo da presente lei, que dela faz parte integrante. O número
2.º do mesmo artigo revela, através das suas alíneas, tudo o que esta deve conter, de forma
pormenorizada.

Porém, a lei atual revela-se incongruente, sendo que nos termos da mesma, de acordo
com os preceitos do Artigo 18.º, em caso de não apresentação ou apresentação
incompleta ou incorreta da declaração…, a entidade responsável pela análise e

33
Groupe d’États Contre la Corruption – Quarto ciclo de avaliação: prevenção da corrupção em relação
a deputados, juízes e procuradores. Segundo relatório intercalar de conformidade: Portugal, 2021.
34
Idem, ibidem.

13
Desafios Penais em matéria de Corrupção e Branqueamento de Capitais

fiscalização das declarações apresentadas notifica o titular ou antigo titular do cargo a


que respeita para apresentar, completar ou corrigir no prazo de 30 dias consecutivos ao
termo do prazo de entrega de declaração. Não se julga assim pertinente o legislador
nacional cometer o risco de possibilidade de ocultação de riqueza caso, porventura, não
houvesse investigação neste âmbito. Contudo, como disposto na lei, só após, a segunda
ocultação de património que o titular do cargo estava obrigado a declarar, o ato se torna
punido – quem, mesmo após a notificação prevista no n. º1, omitir da declaração
apresentada, com intenção de os ocultar, elementos patrimoniais ou rendimentos que
estava obrigado a declarar.., é punido com pena de prisão até 3 anos.

De facto, o legislador comete uma falácia, ao abrir espaço para que o titular do cargo
político tenha uma oportunidade de ocultar riqueza, antes de notificação de correção.

BARROSO35 corrobora as incongruências legislativas, visando um “terreno fértil” para a


prática de ocultação de riqueza e atos corruptos, ou outras tipificações legais suscetíveis
de gerarem riqueza.

Importa realçar, ainda em sede de prevenção que Portugal formulou, em 2020 a


“Estratégia Nacional de Combate à Corrupção”, um plano governamental que pretende
vigorar durante o quadriénio, até 2024. O mecanismo instaurado está assente em alguns
pilares, como o fortalecimento da transparência e integridade, a prevenção da corrupção
e estabelece como prioridade a cooperação internacional, nomeadamente através do
seguimento das instruções provenientes das Nações Unidas, pela convenção de Mérida
acima exposta e pelo Conselho da Europa através do GRECO36

Em matéria de prevenção, o plano exposto apresenta a realização de programas de public


compliance que visam a consciencialização de funcionários para os seus deveres
deontológicos. Contudo, o programa não se revela explícito relativamente às alterações
que devem ser feitas, no âmbito legislativo, para que se previna, de facto o fenómeno.
Naquilo que aponta ser uma prioridade, como referido anteriormente, a cooperação com
os órgãos europeus, nomeadamente a articulação com as instruções fornecidas pelo
GRECO, Portugal fica aquém do esperado37.

35
BARROSO, Renato - A Repressão da Corrupção e os Tribunais: a (in)eficiência da luta contra a
corrupção, 2021.
36
Governo de Portugal – Estratégia Nacional de Combate à Corrupção, 2020.
37
Idem, ibidem.

14
Desafios Penais em matéria de Corrupção e Branqueamento de Capitais

A análise comparativa entre as diretivas transpostas pela instituição europeia e as ações


tomadas, em praxis, leva a um entendimento de que Portugal negligencia a prevenção de
atos corruptivos, sendo que apenas obtém resultado favorável em duas das quinze linhas
orientadoras, tendo ainda prejudicado os seus meios em uma.

Como se pode concluir com a exposição destes factos, a eficácia da prevenção em


Portugal é diminuta, o que obriga a um repensar dos mecanismos de controlo. Com esse
intuito, julga-se fulcral elaborar um conjunto de expedientes fulcrais que, de modo a
cumprir a convenção de Mérida e outras disposições legais europeias, dotem o sistema
português de capacidade de prevenção deste fenómeno.

Visa-se pertinente, em primeiro lugar, reformular o regime jurídico alusivo ao controlo


sobre rendimentos e declarações de património de titulares de cargos políticos, para que
não se permita uma cota percentual de margem para que se oculte riqueza, como
explanado a priori.

Considera-se oportuno, a criação de um órgão de cariz independente das instâncias


governamentais, com competência de receção de denúncias e iniciativa própria de
promoção de políticas preventivas que se mostrem adequadas à realidade portuguesa, em
termos de colmatar lacunas e o acompanhamento do desenrolar dos mesmos38.

Um órgão análogo, foi criado, através da Lei n.º 54/2008, de 4 de Setembro. A mesma
institui a criação de um conselho de prevenção da corrupção (CPC), com serviços
exclusivamente preventivos de práticas de corrupção passiva e ativa, ou de qualquer outro
crime que se insira no paradigma económico-financeiro39. Compõe o órgão o presidente
do tribunal de contas, tendo ainda como cargos os nomeados no artigo 3.º da disposição
legal.

Nos planos de prevenção empreendidos pelo órgão deveriam constar normas que
promovam o exercício de funções do funcionário estatal de acordo com um princípio ético

38
SIMÕES, Euclides Dâmaso – Importância e prioridade da prevenção no combate à corrupção: O
sistema português ante a Convenção de Mérida, 2009.
39
Entenda-se branqueamento de capitais, peculato, participação económica em negócio e outros definidos
através do artigo 2.º, n.º 1, al. a) da lei.

15
Desafios Penais em matéria de Corrupção e Branqueamento de Capitais

e deontológico, alargando-se também o âmbito à promoção da honestidade dos


magistrados do Ministério Público, para que não se insiram nos enredos corruptos40
SIMÕES41 alerta para um sentimento de segurança na esteira de formulações penais que
se podem revelar erróneo. Objetiva-se assim premente a criação de mecanismos
preventivos que se afastem da conceção penal, que evitem uma “sobrelotação” destas
instâncias formais de controlo. Existe, assim, uma tendência oposta à neocriminalização,
relevando que, antes da atuação do arsenal punitivo, que deve funcionar em caráter
meramente subsidiário, existem alterações valorativas ao nível do ordenamento
financeiro, regimes que visem externalizar transparência nos seus fundos e gestão, ou
mesmo intervenções de caráter sociocultural, que promovam a sociedade civil a intervir
na análise de perceções42.

Na vertente repressiva

A repressão constitui assim o segundo estágio de controlo do fenómeno. Esta acontece


devido à ação dos organismos formais de controlo, designadamente a atuação da justiça
penal, aquando da transgressão da norma. Pretendemos neste segmento uma análise sobre
quais os instrumentos existentes no ordenamento jurídico-penal, em matéria de repressão.
É também competência da criminologia uma avaliação série da existência e integridade
das leis de repressão criminal.

Dada a complexidade que este tipo de criminalidade envolve, muitos são os autores que
consideram legítimo, para fins de maior eficácia na resolução do caso, uma aproximação
ao designado direito premial. Adjacente a ele um dogma “contra-garantistico” das
asserções constitucionais que iremos explorar mais à frente, este instrumento estabelece
o seu fundamento na sinergia entre arguido e instância formal de controlo, quando este
contribui, de forma decisiva para a descoberta da verdade material. Esta cooperação pode
traduzir-se em vantagens processuais para o arguido, representadas por atenuação da
pena, dispensa da mesma ou suspensão provisória do processo43.

40
SIMÕES, Euclides Dâmaso – Principais instrumentos para a prevenção e repressão da corrupção: O
sistema português ante a Convenção de Mérida, 2005.
41
SIMÕES, Euclides Dâmaso - Importância e prioridade da prevenção no combate à corrupção: O sistema
português ante a Convenção de Mérida, 2009.
42
SANTOS, Claúdia – A corrupção [Da luta contra o crime na intersecção de alguns (distintos)
entendimentos da doutrina, da jurisprudência e do legislador], 2009.
43
CABRAL, José António Henriques dos Santos – O Direito Premial e o seu contexto, 2019.

16
Desafios Penais em matéria de Corrupção e Branqueamento de Capitais

Em matéria de processo penal, consideramos como pedra angular o fundamento nos


preceitos constitucionais, garantístico de um processo justo, acentuando o seu pano de
fundo na dignidade humana, consagrado no Artigo 1.º da Constituição da República
Portuguesa. Deste modo, não pode, um individuo, ser privado do seu direito primordial,
quer em questões gerais, quer em questões de investigação criminal, quer em questões de
atuação do sistema de justiça penal. Em termos processuais, qualquer arguido se
considera inocente até à formulação de uma sentença condenatória transitada em julgado,
em conformidade com o artigo 32.º, n.º 2 da referida lei. Estamos assim perante, no caso
concreto, do princípio de presunção da inocência44. Caso se verifique um antagonismo
face a estes direitos, o que está em causa é a rejeição sobre o Estado de Direito. O direito
ao silêncio constitui-se também como garantia processual, relativamente a factos que lhe
são imputados se este julgar o melhor método de defesa45.

Apesar da criminalidade económico-financeira se revelar de extrema complexidade, com


imensas dificuldades ao nível da prova, nenhum meio de obtenção pode, em circunstância
alguma ultrapassar estes limites intransponíveis, não sendo assim descurados os meios
com vista ao alcance dos fins46.

Em conformidade com o que dispõe CONCEIÇÃO47, surgem, perante as dificuldades


investigatórias, instrumentos que coloquem o foco para a contribuição do arguido na
realização de prova, mediante o recebimento de vantagem a quem contribuir
positivamente.

SIMÕES48 constata, de certa forma, algumas manifestações deste instrumento no seio do


ordenamento jurídico português, nomeadamente através da dispensa de pena para os
agentes passivos da corrupção e a suspensão provisória do processo para agentes ativos
da corrupção.

44
Em ténue ligação com o princípio da presunção de inocência, anotamos o principio in dubio pro reo,
como cúmulo garantístico do arguido, sendo que, em caso de dúvida na fundamentação da imputação do
crime, no tocante aos factos, ela deve ser desfeita em benefício do arguido. Cfr. SANTOS, Manuel Simas;
LEAL-HENRIQUES, Manuel; SANTOS, João Simas – Noções de processo penal, 2011.
45
SANTOS, Manuel Simas; LEAL-HENRIQUES, Manuel; SANTOS, João Simas – Noções de processo
penal, 2011.
46
CONCEIÇÃO, Ana Raquel – O estatuto do arrependido colaborador no dealbar do (ainda) admirável
mundo novo – um novo meio de obtenção de prova a tipificar em Portugal, 2020.
47
CONCEIÇÃO, Ana Raquel – O estatuto do arrependido colaborador no dealbar do (ainda) admirável
mundo novo – um novo meio de obtenção de prova a tipificar em Portugal, 2020.
48
SIMÕES, Euclides Dâmaso - Principais instrumentos para a prevenção e repressão da corrupção: O
sistema português ante a Convenção de Mérida, 2005.

17
Desafios Penais em matéria de Corrupção e Branqueamento de Capitais

Temos de ressalvar que, em caso da referida criminalidade, existe, a maior parte das
vezes, um número elevado. Considera-se então que, enquanto prova admitida pelo
tribunal, o depoimento em relação ao demais co-arguidos não se revelam negativos em
relação aos mesmos sujeitos processuais, segundo defende CABRAL49.

Avança CONCEIÇÃO50 com o fundamento dos argumentos do Tribunal Europeu dos


Direitos Humanos (TEDH), na legitimação destes instrumentos, na esteira de relegar, para
o processo uma celeridade e constante diminuição do número de casos e, em segundo
lugar, por não ser ostensiva da Carta Europeia dos Direitos Humanos (CEDH). Contudo,
numa visão pessoal, considera um risco uma investigação criminal sustentada no
colaborador arrependido da justiça, negando assim a utilização do instrumento.

Contudo, importa ressalvar uma questão. Tendo em consideração o segundo argumento


do TEDH que aprova o instrumento, não se mostrará relevante indagarmos se a
adversidade que leva à aprovação não poderá ser resolvida a montante? Isto, no sentido
de utilizar como argumentos a morosidade das forças e serviços de segurança na
utilização de um instrumento controverso, contudo, questionar o arsenal punitivo do
estado, numa perspetiva de ultima ratio.

VILELA51 atribui a este instrumento um rótulo de facilidade por parte de quem tem
fracassado na investigação deste tipo de criminalidade, transmitindo, para a sociedade
civil, que o Ministério Público não se visa assim dotado, de meios técnicos e táticos,
capazes de finalizar uma investigação tendente a um crime organizado sem a utilização
do arguido que com ele colabora, muitas das vezes, com realizações de vingança.

Com vista a uma diminuição da égide radical que o direito premial assume,
CONCEIÇÃO52 apresenta o que considera ser um instrumento regulamentável, o estatuto
de arrependido colaborador, numa ótica de proporcionalidade, onde o meio de obtenção

49
CABRAL, José António Henriques dos Santos – O Direito Premial e o seu contexto, 2019.
50
CONCEIÇÃO, Ana Raquel – O estatuto do arrependido colaborador no dealbar do (ainda) admirável
mundo novo – um novo meio de obtenção de prova a tipificar em Portugal, 2020.
51
VILELA, Alexandra – A Directiva (UE) 2019/1937 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de
Outubro de 2019, relativa à proteção das pessoas que denunciam violações do direito da União e a
Estratégia Nacional de Combate à corrupção: inquietações a propósito do designado “direito premial”
no âmbito do Direito Penal, 2020.
52
CONCEIÇÃO, Ana Raquel – O estatuto do arrependido colaborador no dealbar do (ainda) admirável
mundo novo – um novo meio de obtenção de prova a tipificar em Portugal, 2020.

18
Desafios Penais em matéria de Corrupção e Branqueamento de Capitais

de prova53 assumirá a figura do arrependido colaborador e o arguido será observado


como meio de prova54. Com vista a garantir os três fundamentos em que se baseia:
proporcionalidade, adequação e necessidade, a autora sustenta que, para o alcance efetivo
do primeiro, terá de estar associada a investigação por um crime altamente organizado,
de acordo com o indicado no Código de Processo Penal; deverá, quanto à adequação
obedecer a critérios que permitem, através de uma sinergia, a obtenção de prova garantida
e; de acordo com a necessidade, a utilização exclusiva a crimes em que a investigação
criminal não se revele, no momento, progressista.

No ano de 2009, antes de se figurar este instrumento, SANTOS55, fazia menção a algumas
linhas vermelha que pudessem vir a ser admitidas, no paradigma repressivo,
designadamente os regimes não ordinários de recolha de prova, a quebra de segredo
profissional e a perda de bens a favor do Estado (que mais tarde abordaremos), no
seguimento da Lei n.º 5/2002.

O enriquecimento ilícito é um dos temas que merece também uma análise. No ano de
2015, através do Decreto n.º 369/XII, que substitui uma disposição apresentada três anos
antes56 apresentado à Assembleia da República, os deputados pretendiam a
criminalização do enriquecimento ilícito ou injustificado, que consistia na fundamentação
penal de quem possuísse património incongruente com os rendimentos qua haviam
declarados. A proposta, perentoriamente aprovada esbarrou nos quadros do Tribunal
Constitucional que julgou, mediante o Acórdão n.º 377/2015, uma infração constitucional
dos termos apresentados. Existe assim, segundo o Tribunal Constitucional, três pilares de
fundamentação que estão na base da recusa deste decreto, nomeadamente a não
concretização efetiva sobre qual dos bens jurídicos está a ser alvo de tutela penal, em
congruência com o artigo 18º, n.º 2 da constituição que decreta que os direitos, liberdades

53
Conceptualize-se meio de obtenção de prova como os procedimentos utilizados na fase de recolha de
determinado objeto ou informação que se presume poder fornecer informações fiáveis quanto à sua
utilidade na prática criminal e, também, alcançar a autoria do mesmo. Cfr. SANTOS, Manuel Simas;
LEAL-HENRIQUES, Manuel; SANTOS, João Simas – Noções de processo penal, 2011.
54
Entenda-se meio de prova como os instrumentos através dos quais o investigador, relativamente a factos
que estejam sujeitos a apreciação, se mune para a livre formulação da sua opinião. Podemos distinguir,
quanto a estes meios, provas do tipo pessoal, onde se insere a prova testemunhal, por declarações do arguido
do assistente ou da parte civil, por acareação ou pericial e; numa segunda vertente, meios reais de prova,
onde constam o reconhecimento de pessoas e objetos, por reconstituição do facto e, por último, documental.
Cfr. SANTOS, Manuel Simas; LEAL-HENRIQUES, Manuel; SANTOS, João Simas – Noções de processo
penal, 2011.
55
SANTOS, Claúdia – A corrupção [Da luta contra o crime na intersecção de alguns (distintos)
entendimentos da doutrina, da jurisprudência e do legislador], 2009.
56
Refere-se o Decreto N.º 37/XII

19
Desafios Penais em matéria de Corrupção e Branqueamento de Capitais

e garantias apenas podem ser alvo de restrição em casos expressamente previstos na Lei
Fundamental, estando essas restrições circunscritas à salvaguarda de outros. O segundo
pilar cita uma indefinição quanto ao tipo objetivo de ação ou omissão e; em terceiro, e
mais gravoso, a violação do princípio in dubio pro reo.

A este nível, a Convenção de Mérida, pelo seu Artigo 20.º, concede aos estados-membros,
livre-arbítrio no momento de considerar viável a criminalização do enriquecimento
ilícito.

Contudo, existem autores que consideram e fundamentam a legitimidade punitiva do


Estado, relativamente ao decreto apresentado. Na esteira de SUSANO57, a
admissibilidade da tipificação do enriquecimento injustificado dá-se pela incapacidade
sistémica no combate à corrupção, aliada a uma urgente transparência dos titulares de
cargos públicos, quanto à justificação de enriquecimento. Afirma ainda que a norma, em
sentido contrário ao tribunal constitucional, pode ser vista como meio de legitimação da
democracia e do Estado de Direito.

Contudo, sigo e a linha de pensamento do tribunal constitucional e de outros autores58, na


convicção de que, por um lado, a norma que se pretende incriminar assenta numa
alteração à ordem base do princípio do ónus da prova, invertendo-a, sendo o arguido quem
terá de provar a licitude dos seus rendimentos – ainda nessa senda é dúbia a presunção
legal de que a posse de património para além do disposto no rendimento lícito provém de
origem ilícita, como vantagens do crime; por outro lado, num acervo injustificável na
esfera penal do Direito, quando, para a resolução da questão, se poderia fazer uso dos
remanescentes ramos, nomeadamente fiscal.

Outro foco na repressão da corrupção vai no sentido das alterações jurídico-legais. Nessa
ótica, SANTOS59, faz jus ao que vem sendo o expansionismo das margens penais, que
ultrapassam largamente a conceção de subsidiariedade dos bens jurídicos tutelados na
incriminação do crime, nomeadamente a criminalização do crime no setor privado ou no
desporto.

57
SUSANO, Helema – Da criminalização do enriquecimento ilícito, 2013.
58
Veja-se SIMÕES, Euclides Dâmaso – Principais instrumentos para a prevenção e repressão da
corrupção: O sistema português ante a Convenção de Mérida, 2005 e DIAS, Jorge Figueiredo – Direito
Penal – Parte Geral – Tomo I – Questões Fundamentais. A Doutrina Geral do Crime, 2004.
59
SANTOS, Cláudia – Os crimes de corrupção – notas críticas a partir de um regime jurídico-penal
sempre em expansão, 2016.

20
Desafios Penais em matéria de Corrupção e Branqueamento de Capitais

Neste paradigma há quem defenda uma possibilidade do legislador português confluir os


crimes de corrupção passiva para ato lícito e para ato ilícito, sendo que não se materializa
em nenhuma vantagem esta divergência na ótica de tutela do bem jurídico, para além de
que a sua unificação beneficiaria numa clareza quanto aos pressupostos dúbios na sua
distinção60.

Em sentido inverso, defende-se que esta dificuldade não se pode relevar linear para a sua
igualdade, sendo que não se pode subtrair ao funcionário, a acusação de recebimento de
vantagem no exercício contrário à sua profissão e que, em sede de acusação, pudesse
munir-se de circunstância menos gravosa, o que nem sempre se verifica61.

Do ponto de vista estrutural, e para promover máximas condições de eficácia, disserta-se


a criação de instâncias especializadas na corrupção, numa primeira fase, do ponto de vista
da investigação criminal e, numa segunda fase, em termos processuais. Faz-se assim jus
a dotar os meios humanos para a investigação neste tipo de crimes e uma possível
consideração dos meios de prova indiretos na formulação da acusação62.

Nesse sentido, sustenta BARROSO63 que, não existindo vitimização direta nos crimes de
corrupção, há uma dificuldade probatória enraizada na teia de interesses de quem
corrompe sob quem é corrompido, atribuindo assim como principal característica, a
opacidade.

Esta dificuldade probatória poderá gerar um novo debate, no que à prova indireta diz
respeito, devendo-se promover o debate dos magistrados e por parte dos responsáveis
pela investigação criminal, sendo que esta “presunção” poderá contribuir para a redução
dos níveis de arguidos que passam impunes64.

60
SIMÕES, Euclides Dâmaso – Principais instrumentos para a prevenção e repressão da corrupção: O
sistema português ante a Convenção de Mérida, 2005.
61
SANTOS, Cláudia – Os crimes de corrupção – notas críticas a partir de um regime jurídico-penal
sempre em expansão, 2016.
62
SIMÕES, Euclides Dâmaso – Principais instrumentos para a prevenção e repressão da corrupção: O
sistema português ante a Convenção de Mérida, 2005.
63
BARROSO, Renato - A Repressão da Corrupção e os Tribunais: a (in)eficiência da luta contra a
corrupção, 2021.
64
SIMÕES, Euclides Dâmaso - Importância e prioridade da prevenção no combate à corrupção: O sistema
português ante a Convenção de Mérida, 2009.

21
Desafios Penais em matéria de Corrupção e Branqueamento de Capitais

Relativamente à especialização dos tribunais, discorre NUNES65 sobre o facto de poder


gerar maior eficácia, em conjugação com a especialização supra referida sobre
investigação criminal, argumentando que o apoio técnico e específico sobre o crime se
pode revelar fulcral na sua apreciação e que existem, em matéria de crime económico,
questões que ultrapassam o fator jurídico. Em contrapartida, argumenta o procurador da
República que a apreciação diária e constante do mesmo tipo criminal pode, a longo
prazo, gerar vícios que desvirtuem os fundamentos de justiça.

Torna-se assim, desafiante, o delineamento estratégico de repressão da corrupção. A nível


sistémico, são enfrentados obstáculos que dificultam diariamente os contornos do crime,
nos moldes em que ocorrem. Segundo FARIA66, um dos problemas na avaliação do
sistema de justiça passa pelo efeito de cifras negras67.

Com base num estudo analítico das estatísticas oficiais de 2001, SANTOS68
problematiza, em virtude do tema iniciado no parágrafo anterior, o número reduzido de
condenações pelo crime de corrupção, estabelecendo uma dualidade de hipóteses a
considerar: de facto, eram poucas as práticas corruptivas ou estávamos perante uma sépia
visão do fenómeno, ocultado por cifras negras. Conclui, a mesma, que a segunda hipótese
se mostra fiável quanto à discrepância de dados, apontando que os fatores que não
permitem uma realidade objetiva do fenómeno podem surgir, de facto, dado os múltiplos
fatores que estão na etiologia e contexto de atuação do crime bem como dificuldades
criadas pela própria legislação, que dificultem a ação do Ministério Público na hora de
proferir uma sentença.

65
NUNES, Carlos Casimiro - A Repressão da Corrupção e os Tribunais: a (in)eficiência da luta contra a
corrupção, 2021.
66
FARIA, Rita – Corrupção: Descrições e Reflexões. Sobre a possibilidade de realização de uma
abordagem criminológica ao fenómeno da corrupção em Portugal, 2007.
67
Entenda-se por cifras negras, o número de crimes que, em sentido material, ocorrem, contudo, não
chegam ao sistema de justiça penal, não sendo assim contabilizados em termos de estatísticas oficiais sobre
criminalidade. É a décalage entre o número de crimes que ocorre e aqueles que tiveram ação penal.
68
SANTOS, Claúdia – A corrupção [Da luta contra o crime na intersecção de alguns (distintos)
entendimentos da doutrina, da jurisprudência e do legislador], 2009.

22
Desafios Penais em matéria de Corrupção e Branqueamento de Capitais

PARTE II – Branqueamento de Capitais

Nesta componente do trabalho, pretende-se uma análise ao crime de branqueamento de


capitais, quer do ponto de vista criminológico e sociológico, mas também os
procedimentos inerentes à sua concretização, em estreita conexão com o crime de
corrupção. Não descurar, igualmente, a cronologia legislativa, que dotam o sistema
português de mecanismos de prevenção e repressão deste crime, quer do ponto de vista
interno, quer em estreita cooperação com as entidades internacionais. Tal como vem
sendo desenvolvido ao longo do trabalho, pretende-se identificar, com vista à sua
correção, as incongruências sistémicas que podem ser vistas como etiologia do
branqueamento.

Tenciono, portanto, abordar o fenómeno sob uma prima transversal, que não o observe
de forma isolada, mas em estreita coligação com o que até aqui já dissertamos. Esta é
também uma característica da criminalidade económico-financeira, o facto de envolver
uma rede tentacular e gerar uma cadeia criminosa.

Enquadramento Conceptual – O que se diz sobre Branqueamento de Capitais?

Money Laundering, blanqeo de capitales, blanchiment d’argent, riciclaggio di denaro,


branqueamento de capitais69. Várias são as expressões que, em muitas partes do mundo,
se utiliza numa iniciativa de retratar um mesmo fenómeno. A expressão “lavagem de
dinheiro”, comumente utilizada pela sociedade civil faz jus, de acordo com o autor acima
mencionado, ao processo através do qual é efetivado, sendo que o capital “sujo” obtido
por vertentes criminais é posteriormente transformado e reentra no mercado com
aparência “lavada”.

PINHEIRO70 avança com uma aceção sucinta, mas que se revela nítida, caracterizando o
branqueamento de capitais como um decurso através do qual se intenciona a ocultação de
bens ou património provenientes de fontes ilícitas, para a posteriori, reinserir o capital no
mercado lícito. A definição elaborada pelo autor revela-se assim consensual, e a base da

69
BRAGUÊS, José Luís – O Processo de Branqueamento de Capitais, 2009.
70
PINHEIRO, Luís Goes – O Branqueamento de Capitais e a Globalização (Facilidades na reciclagem,
obstáculos à repressão e algumas propostas de política criminal), 2002.

23
Desafios Penais em matéria de Corrupção e Branqueamento de Capitais

análise do branqueamento. O autor supracitado estabelece ainda uma linha ténue entre a
perpetuação do crime e as constantes evoluções inerentes à sociedade, nomeadamente os
benefícios que a internet carrega, nomeadamente em termos de anonimato, permitindo,
desta forma, atribuir um caráter ubíquo e despacializador ao crime.

De outro modo, MARTINS71 discorre que o branqueamento de capitais consiste num


conjunto de mecanismos sistematizados, onde os proveitos ilícitos criminais é, após a
transformação acerca da etiologia, reintroduzido no mercado legal sob forma de
capitalização em ofícios totalmente lícitos. Encontra-se subjacente a esta definição,
segundo o mesmo autor, a ressalva de que o crime de branqueamento de capitais, em si
mesmo, não visa a obtenção de lucro monetário ou patrimonial, mas sim a ocultação dos
mesmos, tendo sido obtidos sob caráter ilícito.

Como referido preliminarmente, a razão pela qual se pretende fazer uma abordagem ao
crime de branqueamento de capitais vem na senda de uma conexão existente entre o
disposto e outro tipo legal de crime capaz de gerar proveitos com vista a serem ocultados,
pelo que, para efeitos de atuação penal, julga-se que, uma vez adquirido como pressuposto
para a materialização do branqueamento, a tipificação legal que originou os proveitos
ilícitos terá de ser provada72.

Sintetizando, está em causa uma alteração, por via do sistema económica, ao capital
obtido por meio de atividades criminais, pretendendo o agente, em primeiro lugar ocultar
os bens e, em segundo lugar, mediante uns ciclos renovadores, inseri-lo no mercado
interno. De certo modo, podemos assumir que se encontra aqui inerente o objetivo de
evitar a tributação sobre os rendimentos, pelo que só por si, já constituiria a prática de um
crime.

Contudo, esta previsão legal de reconhecimento da atividade conexa não se revela em


conformidade com todos os autores, sendo que se considera que, dada a autonomia do
crime de branqueamento de capitais, não se presume indispensável a lucidez sobre todas
as ações ilícitas preambulares que proporcionaram o branqueamento73.

71
MARTINS, André Gomes Lourenço – Branqueamento de Capitais: Contra-Medidas a Nível
Internacional e Nacional, 1999.
72
MENDES, Paulo de Sousa – A problemática da punição do autobranqueamento e as finalidades de
prevenção e repressão do branqueamento de capitais no contexto de harmonização europeia, 2017.
73
MARTINS, André Gomes Lourenço – Branqueamento de Capitais: Contra-Medidas a Nível
Internacional e Nacional, 1999.

24
Desafios Penais em matéria de Corrupção e Branqueamento de Capitais

Mediante as várias óticas do fenómeno do direito criminal, pretende-se expor, de seguida,


o modo como é alcançável todo o processo de alteração do capital.

Do ilícito ao aparentemente lícito: A transformação do capital

O branqueamento de capitais não se consubstancia caso não seja possível ao agente a


utilização do património que obteve ilicitamente, no mercado interno. Embora mais à
frente exploraremos quais os efeitos em que esta atividade se repercute, foquemos agora
no modo de atuação que atribui aos bens, uma licitude.

MARTINS74 estabelece que, para a real concretização do branqueamento de capitais, são


necessários três ciclos de movimentação do capital.

Em primeiro lugar, estabelece a colocação. Esta é, segundo o autor, aquela que constitui
um maior risco de aproximação à atividade criminal que lhe deu origem sendo que o
agente pretende libertar-se do montante, sem que, para isso, seja possível estabelecer uma
linearidade entre os produtos da qual o individuo se acaba de liberar e uma atividade
criminosa. Para que seja efetivado este passo, pode o criminoso colocar o valor numa
conta bancária que não permita o rastreamento de identificação.

Menciona como segundo passo a circulação, estágio este onde o agente deve fazer
múltiplas movimentações, preferencialmente, de cariz internacional e entre várias contas
bancárias. Neste momento, já se torna difícil às entidades de investigação fazer um
rastreamento fiável do capital, dado, em primeiro lugar, a associação do agente ao crime
e, em segundo, a real procura pelos bens dissimulados. No que concerne a este ciclo,
DUARTE75 introduz o argumento de que, para além de todas as transferências destinadas
a dificultar o rastreamento, o agente titular dos bens pode alterar a titularidade sobre os
mesmos, tendo em vista a criação de mais um obstáculo investigatório numa primeira
fase e, de reação penal, em segunda instância. Perante isto, é necessário atentar aos tipos
de favorecimento que este ato pode realçar: em primeiro lugar, julga-se real, quando o
delinquente que praticou o crime que deu origem aos rendimentos pratica atos
dissimuladores sobre os mesmos e; pessoal quando um outro agente, agora titular dos

74
MARTINS, André Gomes Lourenço – Branqueamento de Capitais: Contra-Medidas a Nível
Internacional e Nacional, 1999.
75
DUARTE, Jorge Dias – Lei n.º 11/2005, de 27 de Março: o novo crime de branqueamento de capitais,
consagrado no artigo 368.º-A do Código Penal, 2002.

25
Desafios Penais em matéria de Corrupção e Branqueamento de Capitais

bens patrimoniais, mantenha a sua atuação de modo que o agente do crime não seja
perseguido criminalmente.

Esta ação por parte de outrem encontra-se demarcada, enquanto tipificação legal, no
Código Penal Português, onde pelo seu Artigo 367.º n. º1, pune-se criminalmente quem
manipular a atividade probatória com intenção ou consciência de evitar que outra pessoa,
que praticou um crime, seja submetida a pena.

Por último, dá-se a reintegração do património no mercado lícito, por via de


investimentos, quer por iniciativa própria, quer em aquisição de empresas com fim único
de serem utilizadas como opacas dos negócios submundanos. A este passo, o autor dá o
nome de investimento. Este investimento pode surgir utilizando como fundo as cash
companies, ou seja, empresas, meramente existentes em tese, sem nenhuma atividade
regulamentada que funcionem como legitimação a estes fundos; por outro lado, ainda no
mundo societário, as empresas com atividade comercial regulamentada, utilizadas
meramente para uma sobrefaturação em relação aos produtos comercializados, de forma
também a permitir o branqueamento76.

A verdade é que este modelo tradicional e aparentemente básico de transformação do


património foi aprimorado e sofisticado, consoante os diversos recursos que foram
surgindo na sociedade. Com a polarização dos meios tecnológicos, a internet, o home
banking e a utilização de redes económicas a partir de um computador no conforto de
casa tornou-se uma realidade.

Para além disso, estamos na era virtual, do contacto virtual, da transação virtual, do
pagamento virtual. Neste sentido, também o surgimento da criptomoeda contribui com
facilidades na hora de branquear capitais. De acordo com NUNES77, Portugal encontra-
se na nona posição, no que toca ao montante recebido em criptoativos. E a questão que
surge é a seguinte? Quais os mecanismos que Portugal tem ao seu dispor, de fiscalização
de transferências criptográficas? A resposta é simples e resume-se a uma nulidade. Nem
o Banco Central nem a Comissão de Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) contém
um registo centralizado de propriedades neste tipo de transferências.

76
NUNES, Carlos Casimiro – O Ministério Publico na prevenção do branqueamento e do financiamento
do terrorismo, 2018.
77
NUNES, Carlos Casimiro - A Repressão da Corrupção e os Tribunais: a (in)eficiência da luta contra a
corrupção, 2021.

26
Desafios Penais em matéria de Corrupção e Branqueamento de Capitais

Segundo afirma o mesmo autor, por muito que a tecnologia associada a redes blockchain78
transpareçam a ideia de credibilidade e transparência no momento de efetuar uma
transação, a verdade é que há uma dificuldade em identificar pessoas que empreendam os
seus esquemas de branqueamento nestas redes.

Natureza legal do crime

A anteriormente designada ação de branqueamento de capitais a que temos vindo feito


referência, quer relativamente ao modo e processos de perpetuação, encontra a sua
tipificação legal, no Código Penal Português, de acordo com o Artigo 368.º- A:
Branqueamento.

No tocante ao tipo objetivo do crime a analisar, entendemos que não se pode atribuir uma
classificação direta de ação, única, por meio da complexidade adjacente a estas atividades.
O diploma legal acima referido é sensível a essas múltiplas ações e, por isso, nos n.ºs 2 e
3 do referenciado artigo, contempla uma panóplia de ações nomeadamente converter,
transferir, auxiliar ou facilitar e ainda ocultar ou dissimular.

Em comparação com o disposto na primeira parte deste trabalho, relativamente aos crimes
de corrupção passiva, pelo Artigo 373.º do Código Penal, e o crime em voga nesta parte,
entendemos que há uma diferença quanto ao agente do crime. Enquanto que no caso de
corrupção passiva, exige-se que o agente cumpra o requisito de funcionário, de acordo
com os preceitos do Artigo 386.º, ou seja exige especialidade no agente, o crime de
Branqueamento, em sentido contrário, revela-se de carácter comum, mencionando apenas
“quem”. Daqui encontra-se subentendido que a prática do mesmo pode ser feita por
pessoa, individual ou coletiva, mesmo que não obedeça ao critério anteriormente
mencionado.

Podemos afirmar que estamos perante um crime secundário, ou seja, a sua concretização
pressupõe a existência de um crime anterior. Este é uma das explicações para a articulação
de corrupção e branqueamento de capitais neste trabalho. O facto de, entre eles, poder

78
Por blockchain entenda-se uma rede que pretende uma centralização e verificação de transações
efetuadas, no caso concreto, por meio de criptomoedas. A blockchain funciona num sistema de milhares de
nós. Assim, para uma transação ser aprovada terá de percorrer todos os nós da rede blockchain em que está
a ser verificada. Como exemplo ilustrativo, pensemos numa impressão digital que desbloqueia cada nó.
Assim, a verificação da transação só avançará para o nó seguinte se a impressão digital da transação
proveniente do nó anterior ser verificada. Quando alcança o ultimo nó, a transação é verificada com sucesso.
PACHECO, António Vilaça – Bitcoin – Tudo o que precisa de saber sobre o mundo das criptomoedas,
2018.

27
Desafios Penais em matéria de Corrupção e Branqueamento de Capitais

existir uma conexão que, em primeiro obtenha vantagem patrimonial e, em segundo, leve
a cabo um conjunto de ações que oculte e reintegre os bens no mercado legitimo.

Pelo disposto no n.º 1 do Artigo 368º-A, percebemos que o legislador engloba um


conjunto de crimes que podem surgir como infração primária para a ação penal por parte
do Ministério Público. Sendo assim, considera alguns crimes que, na sua base, tenham
por objetivo a obtenção de lucro, como o tráfico, ou pertençam aos quadros da
criminalidade económico-financeira. Neste sentido engloba o tráfico de armas, de órgãos,
de espécies protegidas, e de estupefacientes, o crime de fraude fiscal, peculato e tráfico
de influências, bem como outras infrações declaradas no Artigo 1.º, n. º1 da Lei 36/94, de
29 de setembro79. Para além deste, destacamos o crime de corrupção, citado na lei, visto
fazermos a aproximação das duas tipologias criminais.

Os crimes adotados pelo legislador revelam-se, assim, fundamentais, visto serem


suscetível de gerarem grandes quantidades de lucro para o agente. Não se compreende,
porém, a inclusão do crime de abusos sexual de menores, visto, numa primeira análise,
não ter como objetivo o alcance de lucros patrimoniais. Bem como, na mesma linha de
pensamento, julga-se adverso à conjetura do branqueamento, a inclusão, enquanto crime-
base, de crimes com pena abstratamente aplicável situada entre os seis meses e os cinco
anos. Quem corrobora com esta linha de raciocínio é DUARTE80, onde discorre que o
legislador adotou uma postura demasiadamente ampla quanto à enunciação de crimes-
base, adotando uma posição expansionista do Direito Penal. Questiona, neste caso, a ideia
subsidiária à qual a vertente penal do direito deve obedecer, sendo que esta exagerada
abrangência se traduz numa descrença dos postulados de ultima ratio, argumentando que
se revela contrária à diretiva que instituiu a criminalização do branqueamento de capitais.

Temos então, de analisar se, um agente que cometeu um crime antecedente, através do
qual obteve bens patrimoniais ilícitos, pode ou não ser julgado e condenado pela prática
do crime tipificado pelo Artigo 368.º- A. Mesmo perante uma análise à luz dos conceitos
de concurso real ou material de crimes, a questão sobre a punição do crime base dos bens

79
Para o disposto, entenda-se ainda como crime-base do branqueamento de capitais a participação
económica em negócio, o peculato, administração danosa em unidade económica do setor público, fraude
na obtenção de desvio, infrações económicas materializadas por meio informático, como por exemplo a
tipificação de burla informática e nas comunicações ou falsidade informática; e ainda infrações de índole
económico-financeira com proporções transnacionais.
80
DUARTE, Jorge Dias – Lei n.º 11/2005, de 27 de Março: o novo crime de branqueamento de capitais,
consagrado no artigo 368.º-A do Código Penal, 2002.

28
Desafios Penais em matéria de Corrupção e Branqueamento de Capitais

obtido é controversa no âmbito político-criminal. GODINHO81, estabelece que raras


vezes se dá um julgamento em matéria de branqueamento, sem que esta questão não
sobressia.

O mesmo sustenta que, dada esta conexão entre o crime de branqueamento e o crime que
forneceu as vantagens patrimoniais, estamos perante uma dicotomia no momento de
avaliar se o arguido pode ser condenado em concurso formal, ou, se, ao invés, tornar
isolado o ato de branqueamento, com todas os preceitos que comporta.

MENDES82, por sua vez, afasta-se da concetualização que vem sendo consensual na
literatura, sustentando, com base em diplomas internacionais que as infrações que deram
origem aos bens ou vantagens não devem ser consideradas, sendo que, ao serem, afetavam
princípios constitucionais como o princípio do ne bis in idem83, em conformidade com
diplomas legislativos de cariz internacional.

LEITE84chama-nos a atenção para um dado pertinente: sendo que o branqueamento de


capitais exige a proveniência ilícita dos bens branqueados, como se pode concluir que, de
facto, existiu um crime exposto como de catálogo, no nº.1 do Artigo 368º-A, se não houve
uma persecução penal sob esse mesmo crime? Neste caso, descredibiliza-se todo o intuito
de punição do crime. O autor atribui a designação de mero facto ilícito típico antecedente
ao crime-base, sendo que, para prosseguir a ação penal em questão de branqueamento, a
instância judicial deve proceder à identificação do crime que lhe deu origem.

A par do que foi exposto, posiciono-me no sentido em que o crime que origina os bens
passiveis de serem branqueados, é condição sine qua none para a existência do crime de
branqueamento de capitais, através do seu reconhecimento, sendo que, em situação
inversa, sem conhecimento relativamente à origem do património, não seria possível a
continuação da ação penal.

81
GODINHO, Jorge A.F.- Sobre a punibilidade do autor de um crime pelo branqueamento das vantagens
dele resultantes, 2009.
82
MENDES, Pedro de Sousa – A problemática da punição do autobranqueamento e as finalidades de
prevenção e repressão do branqueamento de capitais no contexto da harmonização europeia ,2017.
83
Entende-se principio ne bis in idem do modo que ninguém poderá ser julgado, mais do que uma vez, pela
prática do mesmo crime, em conformidade com o Artigo 29.º, n. º5 da Constituição da República
Portuguesa. SANTOS, Manuel Simas, LEAL-HENRIQUES, Manuel – Noções de Direito Penal, 2015.
84
LEITE, André Lamas – O crime de branqueamento na redacção da Lei n.º 83/2017, de 18/8: A
importância de ver para além das aparências, 2018.

29
Desafios Penais em matéria de Corrupção e Branqueamento de Capitais

O regime jurídico do concurso de crimes encontra-se declarado no Artigo 77.º- do Código


Penal. Podemos, porém, subdividir em duas vertentes: concurso real de crimes quando o
agente pratica vários atos que preencham mais do que uma tipificação legal ou o mesmo
crime em momentos diferentes e; concurso ideal, quando, com uma ação, se preenche
várias tipificações legais.

Ainda com base no que vinha sido postulado anteriormente, enquanto elemento típico do
crime, no que diz respeito às modalidades da ação, o crime de branqueamento apenas se
consegue consumar em caso de ação, com a existência de dolo, de acordo com o Artigo
13.º do Código Penal, não sendo possível que um ato omisso, preencha os requisitos de
branqueamento e capitais, de acordo com os termos dispostos no Artigo 10.º do Código
Penal.

Um desafio de cooperação e harmonização: Legislação em torno do Branqueamento


de Capitais a nível Nacional e Internacional

Neste momento do trabalho, pretende-se fazer uma análise concisa do processo legislativo
que originou o paradigma atual, no tocante ao processo de prevenção e repressão, ao nível
internacional e, de que forma, essas disposições influenciam os ordenamentos jurídicos
internos dos países membros.

O primeiro instrumento legal sobre branqueamento de capitais, a nível internacional


surgiu por via do Conselho da Europa, na materialidade da Recomendação n.º R (80) 1085.

Estabelece-se ainda a Declaração de Basileia, orientada para o reforço dos bancos, do


ponto de vista de legalidade, onde se previa já uma identificação dos titulares de contas86.

No dia 20 de dezembro de 1988, conclui-se, na cidade austríaca de Viena, o primeiro


instrumento multilateral que originou a criminalização do branqueamento de capitais aos
países parte. A Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes
e Substâncias Psicotrópicas vinha a ser assinada por Portugal um ano mais tarde. Esta

85
PINHEIRO, Luís Goes – O Branqueamento de Capitais e a Globalização (Facilidades na reciclagem,
obstáculos à repressão e algumas propostas de política criminal), 2002.
86
MARTINS, André Gomes Lourenço – Branqueamento de Capitais: Contra-Medidas a Nível
Internacional e Nacional, 1999.

30
Desafios Penais em matéria de Corrupção e Branqueamento de Capitais

vinha a ser aprovada e ratificada em pelo Presidente da República sob o Decreto n.º 45/91,
entrando em vigo no ano seguinte.

Para além do romper de paradigma no que concerne a uma nova tipificação criminal, esta
convenção, mormente designada, de Viena, tinha na sua génese a vontade de cooperação
e harmonização legislativa dos ordenamentos de cada país, no que toca à prevenção e
repressão.

Contudo, segundo análise própria revela-se ainda precária, sendo que contempla que, para
a realização do crime de branqueamento de capitais, apenas se podiam considerar
vantagens patrimoniais os bens obtidos de forma ilícita através do crime de tráfico de
estupefacientes e substâncias psicotrópicas, segundo dispõe o Artigo 2.º da mesma. A
consideração única deste crime como catálogo antecedente revela-se manifestamente
escassa.

Noutro sentido, revela já dois temas controversos à luz da dogmática político-criminal


em atual, nomeadamente, em primeiro lugar, considera possível que as partes possam
desvirtuar o princípio do ónus da prova, no que concerne a factos probandos relativamente
ao crime antecedente, como referido no Artigo 5.º, nº 7 e, em segundo lugar, dando
liberdade às partes integrantes para configurar um modelo de perda de bens a favor do
Estado.

Marco verdadeiramente importante foi a criação, no ano de 1989, do GAFI, em português


designado por Grupo de Ação Financeira, ou FAFT – Financial Action Task Force on
Money Laundering. Este instrumento, criado na esteira da Cimeira do G-7, na cidade
parisiense, tinha como premissa a uniformização legal de “combate” ao branqueamento
de capitais, em estreita ligação com o financiamento ao terrorismo87. Em abril do ano
seguinte, o Grupo de Ação Financeira disserta um conjunto de 40 recomendações que,
em sede de harmonização, contribuiria para tornar eficaz os objetivos mencionados,
mediante efetiva aplicação do mesmo, de um paradigma standard88.

87
MARTINS, André Gomes Lourenço – Branqueamento de Capitais: Contra-Medidas a Nível
Internacional e Nacional, 1999.
88
ASSUNÇÃO, Maria Leonor Machado Esteves de Campos – Medidas de “combate” aos Paraísos Fiscais
numa economia globalizada subordinada ao dogma liberal – um paradoxo incurável?, 2009

31
Desafios Penais em matéria de Corrupção e Branqueamento de Capitais

Perante a análise do documento estruturante89, entendemos que, no que consta ao


branqueamento por si só, o GAFI engloba duas recomendações: A recomendação 3 R. n.
º1 e R. n.º 2 que vai no sentido da convenção de Viena, ao recomendar a criminalização
do branqueamento de capitais. Este instrumento revela já, neste âmbito um alargamento
dos crimes antecedentes, aplicando a todos os crimes graves, de maneira a incluir a maior
quantidade possível de crimes antecedentes. Contudo, na minha ótica, carece de alguma
definição concreta sobre a consideração de crimes graves. Contudo, defende neste sentido
PINHEIRO90 que o crime de branqueamento de capitais merece uma expansão quanto
aos crimes, catalogados como antecedentes. A segunda recomendação (Recomendação 4
R. n.º 3.), vai no sentido de dotar os países de medidas de confisco ou adoção de um
regime de perda de bens branqueados, que se presumem serem alvo de branqueamento,
que tenham sido colocados para financiar atos terroristas. A recomendação faz ainda
menção ao facto de este regime de perda poder existir sem que, para tal, haja necessidade
de condenação criminal. Estas recomendações apelam ainda à cooperação entre países,
mediante cinco recomendações que visam a assistência jurídica mútua por parte de dois
ou mais estados parte, em crimes desta categoria, do ponto de vista investigatório.

O Conselho Europeu aprova, em 1991, a Diretiva 91/308/CEE relativa à prevenção da


utilização do sistema financeira para efeitos de branqueamento de capitais, contudo, a
mesma tem sido alvo de algumas alterações de conteúdo, no sentido de acompanhar as
transformações sociais nos últimos 30 anos. A última atualização, datada de 20 de Maio
de 2015, onde se salienta o alargamento do leque de crimes-base dos bens suscetíveis de
serem branqueados, uma possível utilização do crime de branqueamento de capitais, em
conexão com o terrorismo, com a canalização de fundos como financiamento, a
problemática da polarização de utilização de criptomoedas e as questões doutrinárias
inerentes.

Relativamente ao panorama nacional, a primeira vez que alguma tipificação se aproximou


da atual, foi mediante o Artigo 23.º do Decreto-Lei 15/93, de 22 de Janeiro, onde se previa
que quem cometesse uma das ações típicas do crime como converter, transferir, entre
outras, bens obtidos através dos crimes previstos no Artigo 21.º91 e seguintes, incorria

89
Finacial Action Task Force - The FAFT Reommendations: International Standardsa on combating Money
Laundering and the Financing of Terrorism & Proliferation, 1990.
90
PINHEIRO, Luís Goes – O Branqueamento de Capitais e a Globalização (Facilidades na reciclagem,
obstáculos à repressão e algumas propostas de política criminal), 2002.
91
Cite-se Tráfico e outras atividades ilícitas.

32
Desafios Penais em matéria de Corrupção e Branqueamento de Capitais

num crime de conversão, transferência ou dissimulação de bens ou produtos, o que vai de


encontro à escassez da Convenção de Viena.

Contudo, é na égide da Lei n.º 11/2004 que o crime de branqueamento de capitais passa
a constar no Código Penal Português, no artigo, ainda hoje, consagrado 92. Após um
percurso legislativo longo entre leis93, decretos94 e diretivas internacionais95, que
pretendeu a atualização do seu regime jurídico, a Lei n.º 83/2017 é tida como a mais atual,
em sede de medidas de combate ao branqueamento de capitais.

Porém, no seguimento do que foi referenciado anteriormente relativamente a LEITE96,


este encontra na legislação em vigor, iniciando o seu percurso pela análise ao nº4 da
tipificação atual que postula que a persecução penal por crime de branqueamento tem
lugar ainda que se ignore o local da prática do facto. Ou seja, deste modo, o legislador
abre espaço a vazios legais, na medida em que, se qualquer um do crime de catálogo for
cometido em território onde não haja previsão de tipificação, não se poderá punir o agente
pelo crime em apreço.

Em relação ao n.º 5, o autor considera que o modo como a lei está exposta, contraria a
anterior previsão legal, no sentido de um verdadeiro sistema com dois momentos
distintos: o crime de onde se obtém vantagem e o ocultar, converter e outras ações de
“lavar” bens, uma vez que é admissível a persecução penal sobre bens branqueados
quando o crime antecedente tiver natureza semipública. De facto, a legislação portuguesa
mostra-se, em alguns aspetos, incongruente, o que não advoga em nada a favor da eficácia
da mesma. Ainda na esteira de LEITE97, o mesmo considera inconstitucional esta adoção
legislativa, em que existe condenação por um crime tipificado, sob o qual exige um crime
antecedente, e não se conheçam os moldes desse mesmo e se, de facto, os bens provêm
de natureza ilícita.

Ainda na análise do mesmo artigo, dispõe-se, pelo n.º 7 que a pena pode ser especialmente
atenuada caso haja reparação integral do dano ao ofendido. Esta formulação revela-se
incoerente por parte do legislador nacional, tendo como crimes de catálogo tipificações

92
Como referido a priori, Artigo 368.º-A.
93
Refira-se Lei n.º 25/2008.
94
Cite-se Decreto-Lei n.º 135/2008.
95
Menção à: Diretiva 2015/849/UE do Parlamento e Conselho Europeu e Diretiva 2016/2258/UE, do
Conselho Europeu.
96
LEITE, André Lamas – O crime de branqueamento na redacção da Lei n.º 83/2017, de 18/8: A
importância de ver para além das aparências, 2018.
97
Idem, ibidem

33
Desafios Penais em matéria de Corrupção e Branqueamento de Capitais

onde não se consegue atribuir uma vítima direta. Sendo, assim, relativamente a crimes
como abuso sexual de menores, tráfico de órgãos ou tecidos humanos, entre outros, a
consideração do que se revela ser reparação total do dano, torna-se enigmática.

DUARTE98 considera que o n. º9 do referido artigo revelam ainda uma proximidade ao


direito premial, sendo entendido como motivação para, em virtude da dificuldade em
desvendar a identidade dos agentes do crime ou de circunstâncias probatórias, se premeie
o arguido caso este desempenhe um papel fundamental no contributo da descoberta sob
factos probandos.

O GAFI desenvolveu, em 2017, uma avaliação ao sistema português relativamente aos


instrumentos de prevenção e repressão ao branqueamento de capitais, de onde se
destacam os seguintes pontos: as autoridades portuguesas revelam-se empenhadas e estão
dotadas de conhecimentos técnicos de investigação, mesmo em casos de especial
complexidade. Para além disso, quando o crime atinge a fase de julgamento, as penas
mostram-se adequadas. O segundo fator que a avaliação destaca é o quadro jurídico
português relativamente ao instrumento de perda de bens a favor do Estado. A utilização
da “perda alargada” também é realçada. Por último, o relatório indica uma boa cooperação
entre Portugal e os restantes estados, relativamente a este tipo de criminalidade.

Por último, vários são os autores que dissertam uma conjetura em sede de prevenção e
repressão do branqueamento de capitais.

ASSUNÇÃO99 entende que, para uma eficácia na diminuição do branqueamento de


capitais, as instâncias devem agir em três frentes: no ordenamento legislativo através da
disseminação e uniformização das leis preventivas e repressivas, a nível internacional; no
plano financeiro, mediante uma fiscalização do cumprimento leis vigentes sobre a
temática. Caso não exista este controlo, a legislação perde o seu potencial de eficácia. Em
segundo lugar, aponta à cooperação dos órgãos a quem incumbe a investigação criminal,
pelo que, dado o caráter ubíquo do crime, a ajuda internacional revela-se fulcral para o
real conhecimento dos contornos do fenómeno.

98
DUARTE, Jorge Dias – Lei n.º 11/2005, de 27 de Março: o novo crime de branqueamento de capitais,
consagrado no artigo 368.º-A do Código Penal, 2002.
99
ASSUNÇÃO, Maria Leonor Machado Esteves de Campos – Medidas de “combate” aos Paraísos Fiscais
numa economia globalizada subordinada ao dogma liberal – um paradoxo incurável?, 2009

34
Desafios Penais em matéria de Corrupção e Branqueamento de Capitais

Também MARTINS100 assenta a sua conceção em dois pilares, nomeadamente o jurídico-


económico, onde consta a abolição dos crimes antecedentes como entrave à punição deste
crime e também, ainda neste pilar, a perda de património, quando o condenado não
consegue demonstrar que o rendimento é vantajoso de forma lícita. Reitera-se aqui,
contudo, uma discordância em função da inversão do ónus da prova e as consequências
que esse fator acarreta. O segundo pilar, que descreve como pragmático, consta o
alargamento das funções do GAFI, a cooperação entre forças policiais, serviços de
informações e autoridades judiciárias dos diferentes países e; a promoção de
transparência nos centros offshore, tidos como obstáculos à investigação.

Offshores – Dinâmicas e Obstáculos à Investigação

Pretende-se abordar sucintamente, nesta fase do trabalho, as dinâmicas das jurisdições


offshore, o porquê de se revelarem aliciantes em termos de ocultação e dissimulação dos
bens provenientes de atividade ilícita e o porquê de se revelarem um entrave no que diz
respeito à obstaculização deste fenómeno.

Estabelece-se que os centros offshore brotam na esteira da globalização económica dos


finais do século XIX e XX, mediante interesses instalados na criação de um mercado à
parte do regulado, pelas potências económicas que então lideravam o mundo comercial101

Segundo MARTINS102, estas zonas são consideradas o centro idílico de pessoas que
tentam branquear os seus capitais ou património, por constituírem, do ponto de vista
sistémico e estrutural, um conjunto de características propícios a que o agente leve a cabo
a sua atividade. Realça-se o facto de estas traduzirem vantagens no que toca à ocultação
da identidade do depositante, dando assim garantias de anonimato, nas transações que são
efetivadas. Sustenta também o autor que, na senda de uma sociedade informatizada e cada
vez mais orientada para a despacialização, também estas sociedades garantem que, para

100
MARTINS, André Gomes Lourenço – Branqueamento de Capitais: Contra-Medidas a Nível
Internacional e Nacional, 1999.
101
ASSUNÇÃO, Maria Leonor Machado Esteves de Campos – Medidas de “combate” aos Paraísos
Fiscais numa economia globalizada subordinada ao dogma liberal – um paradoxo incurável?, 2009.
102
MARTINS, André Gomes Lourenço – Branqueamento de Capitais: Contra-Medidas a Nível
Internacional e Nacional, 1999.

35
Desafios Penais em matéria de Corrupção e Branqueamento de Capitais

não residentes onde esta se encontra sediada, permite um distanciamento entre o agente
o dinheiro que transacionou, acompanhado de um regime fiscal bastante atrativo.

A par desta vantagem, PINHEIRO103 aproxima as sociedades offshore com os designados


paraísos fiscais sendo este um território quase alienado ao nível fiscal, onde se praticam
uma nulidade ou quase inócuo nível de impostos. A par das offshores, estes territórios
gerem um cariz apetecível pelos privilégios que constituem em termos de impostos. Para
que se avalie as configurações de um paraíso fiscal confiável, este deve ter como moldes
garantias de poucas instituições que promovam a estabilidade económica e política e,
primordialmente, uma garantia de confidencialidade sobre autor e montante depositado,
o que se traduz em procedimentos éticos do ponto de vista sigiloso.104

Questiona-se, deste modo, como é que um mecanismo facilitador do crime, no tocante


aos seus lucros ilícitos, é permitido pela justiça, quando estas não se regulamentam pela
transparência exigida.

Deve-se, portanto, deslegitimar as práticas perversas, relativamente ao modo de atuação


dos espaços offshore, tidos como não cooperantes e sedutores para a prática do crime.

Constituindo-se deste modo, uma dificuldade acrescida à complexidade já inerente ao


crime de branqueamento de capitais, a literatura tenta estabelecer algumas soluções que
podem surtir efeito. Deste modo, NUNES105, apela à inibição de transações entre
jurisdições offshore ou entidades cuja fonte seja desconhecida. Sustenta também a
proibição de apoios, por meios de linhas de crédito, a empresas sediadas nos referidos
espaços, e a proibição das mesmas realizarem contratos, quando tenham planeamentos
fiscais irreverentes.

Por sua vez, ASSUNÇÃO106 opta por um paradigma distinto, onde almeja uma análise
séria por parte dos Estados, fechando, cada vez mais, a possibilidade de liquidação de
depesas por contas sediadas nas referidas jurisdições, para que haja uma maior abertura

103
PINHEIRO, Luís Goes – O Branqueamento de Capitais e a Globalização (Facilidades na reciclagem,
obstáculos à repressão e algumas propostas de política criminal), 2002.
104
Serve de exemplo, enquanto paraíso fiscal o Mónaco, a ilha da madeira ou as Ilhas Cayman. Estas
últimas, inclusive, recriam a posição na bolsa de valores de algumas empresas sediadas na China, como a
Alibaba, de modo que os investidores obtenham um regime fiscal mais benéfico quanto à titularidade dos
seus rendimentos.
105
NUNES, Carlos Casimiro - A Repressão da Corrupção e os Tribunais: a (in)eficiência da luta contra a
corrupção, 2021.
106
ASSUNÇÃO, Maria Leonor Machado Esteves de Campos – Medidas de “combate” aos Paraísos
Fiscais numa economia globalizada subordinada ao dogma liberal – um paradoxo incurável?, 2009

36
Desafios Penais em matéria de Corrupção e Branqueamento de Capitais

sobre os moldes de atuação inerentes a elas e se caminhe seriamente para um regime de


transparência.

Perda de Bens a Favor do Estado – Um fator dissuasor?

Todo o sistema em torno desta temática visa uma premissa remota em relação à prática
de infração criminal, a de que, seja em qualquer circunstância, o crime não pode
compensar. É este o mote para todo o percurso legislativo que a perda de bens a favor do
Estado carrega, na sua legitimação.

A tónica sobre esta temática tem início legislativo em Portugal no ano de 2002, através
da Lei n.º 5/2002, de 11 de janeiro. A designada lei que tinha como intuito o combate à
criminalidade económico-financeira, postula, logo no artigo 1.º, que a partir deste
momento, o sistema jurídico-penal português fica munido de um regime especial de
recolha de prova, a perda de bens a favor do Estado. São enumerados também, nas alíneas
intrínsecas ao artigo referenciado, os crimes que abarcam este mesmo instrumento.
Constam, para efeitos de análise neste trabalho, os crimes de corrupção ativa e passiva,
pela alínea f) e o branqueamento de capitais, consagrado na alínea i).

A existência desse catálogo e a sentença condenatória transitada em julgado por um dos


crimes mencionados são condições obrigatórias para a viabilização das normas de
confisco. O autor demonstra ainda o seu desagrado com a escassez de crimes
contemplados no mesmo, julgando, por isso, pertinente, a inclusão de bens obtidos sobre
prática de furto, roubo, extorsão, quando esteja inerente um percurso delinquente107.
Contudo, discordo deste argumento do autor, sendo que a perda de bens a favor do Estado
revela-se, no ordenamento jurídico português, um instrumento de cariz excecional e
nunca ordinário.

Segundo o entendimento de CUNHA108, existe uma falácia no que diz respeito à


fenomenologia do termo adotado sendo que em vigor não se encontra uma perda de bens
mas sim uma condenação pecuniária, dissolvida mediante pagamento de um valor. Valor

107
CUNHA, José M. Damião da. – Medidas de combate à criminalidade organizada e económico-
financeira. A Lei n.º 5/2002, de 11 de janeiro de 2002., 2021.
108
Idem, ibidem.

37
Desafios Penais em matéria de Corrupção e Branqueamento de Capitais

esse que obedece, quanto á sua quantificação, em critérios de vantagens ou bens obtidos
de forma ilícita, mediante a prática criminal de um dos crimes em catálogo.

Em modo de defesa relativamente a questões de índole constitucional que possam surgir,


o autor, ao conferir ao mecanismo caráter repressivo sob instância penal, disserta as
garantias processuais e constitucionais inerentes a outro qualquer processo do mesmo
ramo de direito público. Sendo assim verificável, por intermédio de prova que o arguido
teve um percurso de vida criminal e que, dessa atividade continuada, resultaram
benefícios ilegítimos, esses podem ser declarados perdidos a favor do Estado. Em
situação inversa, em que não existe prova de crime, não tem lugar o confisco.109

MARTINS110 posiciona-se de forma reticente quanto à utilização do instrumento, através


do qual considera que as elevadas vantagens em termos probatórios pode levar a uma
supressão de direitos constitucionais, até atingir a inversão do ónus da prova, sendo que
cabe ao arguido, desta forma, a prova que os bens são obtidos por vias legitimas.
Considera, contudo, que, afastada da conceção penal, o meio poderia ser utilizado noutro
ramo do direito, nomeadamente civil ou administrativo, para que essa alocação ao lado
do processo, não interfira com o normal andamento do processo-crime.

Quem corrobora com esta visão é CONCEIÇÃO111 que discorre no sentido de, como a
condenação de pagamento pecuniário, mesmo tomando proporções de uma condenação,
só acontece em momento posterior à sentença condenatória transitada em julgado pelo
que, se pudesse transferir o processo de confisco para a vertente administrativa do direito,
existiria o cumprimento da dupla função, no sentido em que transmitiria a ideia de que o
crime não compensa e, afastando-se do âmbito penal, a quantificação do montante seria
avaliado com base em apuramentos patrimoniais distanciado do grau de culpa do
agente112. Subscrevo esta abordagem da autora, dividindo o processo em duas esferas: de
um lado temos a responsabilidade penal e, por outro, a perda de bens.

Contudo, este mecanismo transparece algumas falhas: a primeira que temos de realçar diz
respeito ao cariz funcionalista da ordem de pagamento, ou seja é impedido que haja ordem

109
CUNHA, José M. Damião da. – Medidas de combate à criminalidade organizada e económico-
financeira. A Lei n.º 5/2002, de 11 de janeiro de 2002., 2021.
110
MARTINS, André Gomes Lourenço – Branqueamento de Capitais: Contra-Medidas a Nível
Internacional e Nacional, 1999.
111
CONCEIÇÃO, Ana Raquel – O arresto preventivo com vista à perda alargada de bens a favor do
estado: descontinuidades e aplicação prática, 2020.
112
Critério tido em consideração no momento da decisão da passagem da pena abstratamente aplicável à
pena concreta.

38
Desafios Penais em matéria de Corrupção e Branqueamento de Capitais

de confisco patrimonial sob vantagens de crimes que aconteceram com mais de cinco
anos de intervalo do momento do julgamento, mesmo com prova relativa à ilegitimidade
dos mesmos, deste modo, existe uma dicotomia entre a carreira criminal tida como
elemento e o intervalo de tempo utilizado113.

Do ponto de vista fiscal existe também incongruências dado que, caso haja uma
autenticação dos bens do ponto de vista fiscal, cessa a investigação que originaria a ordem
do confisco. Podemos, desta forma afirmar que, com o tributo pago, os bens deixam de
se constituírem ilícitos.114

Um fator que se considera vital nesta análise é uma possível proximidade com a inversão
do ónus da prova, sendo que, de certo modo, incumbe ao arguido provar que os factos
não são resultado de carreira criminal, segundo o Artigo 9.º da lei pode o arguido provar
a origem lícita dos bens.

BARROSO115 considera também plausível a perda de bens a favor do estado, sendo que
esta assenta na premissa que o crime não pode, em circunstância alguma compensar.
Quando existe uma intervenção legislativa tocante aos lucros do crime, cessam-se os
rendimentos provenientes dele. Contudo, apenas admite a aplicação deste instrumento
mediante condições como ser condenado por crime tipificado; existência prévia de uma
sentença transitada condenada em julgado; tenha património ilícito. Sendo assim,
incumbe ao Ministério Público apurar o rendimento do individuo antes da prática do
ilícito criminal que determinou a perda e após. As incongruências resultarão assim em
perda a favor do Estado. Ao ser retirado o ónus de prova ao arguido, não se verifica uma
abjeção ao princípio constitucional de presunção de inocência.

Como perspetiva de futuro, CUNHA116, prevê a possibilidade de se legislar, em Portugal,


o confisco sem a antecedência de condenação transitada em julgado, e, em segundo lugar
o remeter do processo para uma vertente meramente administrativa.

113
CUNHA, José M. Damião da. – Medidas de combate à criminalidade organizada e económico-
financeira. A Lei n.º 5/2002, de 11 de janeiro de 2002., 2021.
114
CUNHA, José M. Damião da. – Medidas de combate à criminalidade organizada e económico-
financeira. A Lei n.º 5/2002, de 11 de janeiro de 2002., 2021.
115
BARROSO, Renato - A Repressão da Corrupção e os Tribunais: a (in)eficiência da luta contra a
corrupção, 2021.
116
CUNHA, José M. Damião da. – Medidas de combate à criminalidade organizada e económico-
financeira. A Lei n.º 5/2002, de 11 de janeiro de 2002., 2021.

39
Desafios Penais em matéria de Corrupção e Branqueamento de Capitais

Pactuo com a visão de CONCEIÇÃO117, ao não abdicar do transito em julgado para


emissão de ordem de confisco, porém, ser executada no âmbito administrativo, pois é a
prática que legitima a sua aplicação.

117
CONCEIÇÃO, Ana Raquel – O arresto preventivo com vista à perda alargada de bens a favor do
estado: descontinuidades e aplicação prática, 2020.

40
Desafios Penais em matéria de Corrupção e Branqueamento de Capitais

PARTE III – Intervenção Jurídico-Criminal em Corrupção e Branqueamento de


Capitais: Necessidade ou utilitarismo?

A problemática do Bem Jurídico

O estudo atual da sociedade exige um questionamento acerca das vigências penais,


colocando em foco a suficiência destas perante desafios pós-modernos. A questão que se
coloca é a seguinte: Terá o Direito Penal a capacidade de inovação perante as ameaças
que o panorama atual impõe?

Em primeiro lugar, fundado numa necessidade de tutela dos direitos universais, adotou-
se um cariz de bem jurídico imputado às premências individuais, tutelando a vida, a
integridade, a liberdade e património.

Porém, postula-se que o processo de criminalização ou descriminalização deve obedecer


aquilo que o sistema social exige, ou seja, o direito deve então questionar quais os bens
jurídicos que devem, ou não, serem alvo de tutela, mediante o tempo e espaço
considerados.

A contemporaneidade é a representação material de sentimentos de insegurança fruto da


globalização, dos riscos a ela adjacentes e de novas práticas criminais. Estas que
conhecem diferentes modos de manifestação, preterindo a violência e adotando um
paradigma transnacional, de especial complexidade e elevada danosidade, o que exige
desenvolvimento por parte da disciplina jurídico-penal.118

Defende DIAS que não pode, o Direito, negar o expansionismo penal, quando se trate de
uma tutela subsidiária e que se destine à proteção da vida comunitária futura,
extrapolando uma visão excessivamente antropocêntrica para uma reforma moderna,
mediante uma “nova política criminal”, onde se passem a considerar bens jurídicos
coletivos, ou supra-individuais.

De acordo com DIAS119, podemos definir bem jurídico como a expressão de um interesse,
da pessoa ou da comunidade, na manutenção da integridade de um certo estado, objeto

SANTOS, Juliana Pinheiro Damasceno – Novos desafios ao direito penal na contemporaneidade, 2008.
118

DIAS, Jorge Figueiredo – Direito Penal – Parte Geral – Tomo I – Questões Fundamentais. A Doutrina
119

Geral do Crime, 2004.

41
Desafios Penais em matéria de Corrupção e Branqueamento de Capitais

ou bem em si mesmo socialmente relevante e por isso juridicamente reconhecido como


valioso120.

Neste disposto, abordarei em primeiro lugar, qual o bem jurídico que se imputa à
corrupção, passiva e ativa (Artigos 373.º e 374.º do Código Penal, respetivamente) e, em
segundo lugar, qual o bem jurídico tutelado pela incriminação do crime de
branqueamento, consagrado no Artigo 368.º-A do Código Penal.

No que à corrupção passiva diz respeito, DIAS121 alude ao caráter que o crime se dá como
materializado quando se verificasse a aceitação do ato corrupto, por parte do funcionário,
colocando a tónica de tutela do bem jurídico como a legalidade da administração. Para
além disso, considera, a par da doutrina e da jurisprudência, mais condenável essa atuação
por parte de um servidor público, no desempenho das suas funções.

SIMÕES122, por sua vez, considera que é a autonomia intencional do Estado que está a
ser alvo de tutela por parte do Direito Penal, visão que é partilhada por SANTOS123.

Acrescenta-se ainda a visão de FARIA124, que considera que, com a incriminação do


crime de corrupção, o que se pretende defender é a manutenção do Estado de Direito e a
preservação da esfera da administração.

Focando agora no crime de branqueamento de capitais, vem gerando alguma controvérsia


quanto à sua definição. Existem autores que apontam para o facto desta incriminação não
tutelar nenhum bem jurídico tangível, pelo facto de apenas visar dissimular os bens
patrimoniais obtidos125.

LOPES126, por sua vez, faz jus à conceção etiológica do crime para considerar que,
outrora, tendo como objetivo a dissimulação de valores fruto do tráfico de
estupefacientes, o bem jurídico definido incumbiria a essa mesma incriminação. Hoje em

120
DIAS, Jorge Figueiredo – Direito Penal – Parte Geral – Tomo I – Questões Fundamentais. A Doutrina
Geral do Crime, 2004.
121
DIAS, Jorge Figueiredo – Coletânea de jurisprudência XIII (1), 1998.
122
SIMÕES, Euclides Dâmaso - – Principais instrumentos para a prevenção e repressão da corrupção: O
sistema português ante a Convenção de Mérida, 2005.
123
SANTOS, Claúdia – A corrupção [Da luta contra o crime na intersecção de alguns (distintos)
entendimentos da doutrina, da jurisprudência e do legislador], 2009.
124
FARIA, Rita – Corrupção: Descrições e Reflexões. Sobre a possibilidade de realização de uma
abordagem criminológica ao fenómeno da corrupção em Portugal, 2007.
125
STRATENWERTH, Günter – A luta contra o branqueamento de capitais por meio do direito penal: o
exemplo da suiça, 2005.
126
LOPES, Patrícia Teixeira – O regime jurídico do branqueamento de capitais – contributo para a
alteração do direito positivo português, 2008.

42
Desafios Penais em matéria de Corrupção e Branqueamento de Capitais

dia, afastando-se desse ponto de vista, sustenta que merece alvo de tutela a administração
da justiça.

Também LEITE127 enuncia esta dificuldade de concretizar um bem jurídico para o crime
de branqueamento de capitais. Refere, veiculando-se ao ordenamento jurídico alemão, às
tentativas precedentes de definições que focalizaram a manutenção da integridade do
funcionamento do sistema judicial, na ocultação efetiva dos bens obtidos ilicitamente.
Noutras visões, refere que há quem considere o bem jurídico como uma cumulação com
o bem jurídico tutelado pelo ilícito criminal precedente.

Em sentido inverso, PINHEIRO128 e MARTINS129 revelam-se mais diretos e concisos na


definição do bem jurídico. O primeiro ressalva que à incriminação do crime de
branqueamento, está inerente uma defesa de interesses económicos e a competitividade.
Define, deste modo, o bem jurídico, numa primeira fase, de administração da justiça, a
segurança geral da comunidade e a livre concorrência entre os agentes económicos e a
economia geral. O segundo autor, postula que a incriminação do crime tutela os bens
jurídicos de proteção de interesses económicos e conflui a opinião com o anterior,
mencionando a administração da justiça.

Intervencionismo penal no âmbito económico

Neste tópico do trabalho, pretende-se elaborar uma reflexão sobre a utilização do direito
penal como meio de repressão da criminalidade organizada em geral, e dos crimes de
corrupção e branqueamento de capitais, em concreto, tal como vimos fazendo alusão ao
longo de todo o trabalho.

Objetiva-se, deste modo, um questionamento sobre se o Direito Penal se mostra mais


adequado para o tipo de criminalidade em questão, quais as consequências da
neocriminalização para o sistema de justiça e para a menor eficácia na resposta. Iremos,

127
LEITE, André Lamas – O crime de branqueamento na redacção da Lei n.º 83/2017, de 18/8: A
importância de ver para além das aparências, 2018.
128
PINHEIRO, Luís Goes – O Branqueamento de Capitais e a Globalização (Facilidades na reciclagem,
obstáculos à repressão e algumas propostas de política criminal), 2002.
129
MARTINS, André Gomes Lourenço – Branqueamento de Capitais: Contra-Medidas a Nível
Internacional e Nacional, 1999.

43
Desafios Penais em matéria de Corrupção e Branqueamento de Capitais

assim, tentar sinalizar algumas incongruências e, como é função da criminologia,


formalizar algumas soluções.

Em primeiro lugar, julga-se necessário um entendimento relativamente ao paradigma do


Direito Penal, em sede da sua utilização ao longo dos anos e o modo como tem expandido
a sua atuação.

A criminologia e o direito penal não se demarcam das outras ciências no que toca a uma
evolução de pensamento e adequação do modo de atuação perante a sociedade. Estas
ciências, em estreita relação, devem seguir um raciocínio, adaptando-se às condições da
sociedade, aos valores a ela inerente, às práticas danosas e pelo contrário, não censuráveis,
em cada estágio societário. No plano jurídico de materialização desta ciência o mesmo se
verifica: a formulação e normas deve acompanhar e evoluir à medida da constante
progressão dos fenómenos sociais130.

Sendo assim, com essa formulação de normativas, subordina-se o substrato da ação à


pedra angular que se considera ser o princípio da legalidade, na medida em que, segundo
o Artigo 1.º, n. º1, só é passível de punição criminal o facto declarado na lei, em momento
anterior à sua prática, ou, de outro modo, e recorrendo a uma premissa basilar do
entendimento penal que Beccaria dispunha: nullum crimen sine lege, nullum poena sine
lege. Dito de outra forma, não há crime nem pena sem lei prévia que o defina como tal

A partir daqui Cesare Beccaria desbloqueara uma rutura no pensamento criminológico,


aquela que atribuía não uma pena dissuasória, mas atribuindo ao Estado uma legitimidade
punitiva a quem praticasse um ato descrito, previamente, na lei131. Por outro lado,
concebe-se também uma virtude humanista e garantístico para o individuo, enquadrado
num Estado de Direito Democrático, a de que cessa um absolutismo e um abuso gratuito
do arsenal punitivo do Estado.

A sociedade enfrenta também hoje, um novo paradigma, ao qual está inerte a evolução
dos meios tecnológicos e de transporte, uma maior facilidade na obtenção de bens e
serviços, até a livre circulação, contudo, acarretando, para além de benefícios que
concedem uma vida melhor aos cidadãos, efeitos nefastos noutros níveis, ao qual o

130
SILVA, Henriques da – Elementos de sociologia criminal e direito penal, 1905.
131
Idem, ibidem.

44
Desafios Penais em matéria de Corrupção e Branqueamento de Capitais

comportamento criminal não é exceção, abarcando os crimes ambientais, a perpetuação


por meio informático e, no caso em apreço, a criminalidade económico-financeira.132

Ao nível da dogmática jurídica, surgem questões sobre a legitimidade de intervenção por


parte do Direito Penal, não desvirtuando o seu locus de atuação subsidiária e de ultima
ratio133, onde está inerte um debate em torno da problemática do bem-jurídico, que
discutimos no tópico anterior.

Face ao panorama atual, tem-se assistido a um desvirtuar da posição antropocêntrica134


do bem jurídico, alargando as suas margens de aceitação, o que se repercute, da perspetiva
do Professor DIAS135, em processos de neocriminalização136.

Segundo RODRIGUES137, é um processo desmedido de novas práticas criminais, na qual


constam os crimes contra o meio ambiente, de índole informática, relacionados com
tributos, contra instituições estatais, entre outros, à qual o Direito Penal terá de se
recolocar no sentido de ponderar se deve alargar o âmbito da sua atuação a bens jurídicos
coletivos, de caráter difuso, sem que, por um lado, seja afetado o seu princípio de ultima
ratio e, por outro, sem que abarque em si um expansionismo imensurável da legitimidade
punitiva.

Tendo em consideração este alargamento, o Direito Penal pode-se dar perante uma crise,
quanto aos seus meios efetivos de resposta, ou seja, uma inversa proporcionalidade entre
a procura intensiva do arsenal jurídico face à oferta disponível138. Também DUARTE139
revela a sua preocupação neste âmbito, estará o sistema de justiça penal dotado de meios
técnicos e humanos capazes de lidar com este tipo de criminalidade? A resposta parece
simples, se atentarmos a que, para com os meios existentes, tentarmos lidar com o
máximo de casos possíveis, contudo, quais os efeitos que traria em termos práticos?

132
CARNEIRO, Ana Teresa – Globalização e processo penal: implicações e hesitações.
133
Entende-se, pela atuação do Direito Penal, como sendo de ultima ratio, ou seja, demonstrando-se ser o
a face mais “pesada” dos ramos, o Estado só a ele recorre quando outras vias não se mostrem eficazes em
termos de prevenção geral.
134
Entenda-se centrada no Homem.
135
DIAS, Jorge Figueiredo – Direito Penal – Parte Geral – Tomo I – Questões Fundamentais. A Doutrina
Geral do Crime, 2004.
136
Entenda-se por processos de neocriminalização, a formulação legal de novas tipificações criminais.
137
RODRIGUES, Anabela Miranda – Direito penal económico – é legítimo? É necessário?, 2017.
138
MOURA, João Souto – Justiça, Ministério Público, Criminalidade económica, 2003.
139
DUARTE, Jorge Dias – Lei n.º 11/2005, de 27 de Março: o novo crime de branqueamento de capitais,
consagrado no artigo 368.º-A do Código Penal, 2002.

45
Desafios Penais em matéria de Corrupção e Branqueamento de Capitais

Segundo o meu prisma, traduzir-se-ia numa diminuição clara da integridade e


credibilidade da justiça, ao estar adjacente a morosidade de investigação e de
julgamentos, o consequente acumular de processos sem que tenham andamento, o que
resultaria num alargamento dos prazos normais das fases processuais que o Código
Processo Penal define, a junção de processos que resultam nos denominados
“megaprocessos” e, por último, a economia processual, ou seja, a diminuição dos ritos
processuais ao mínimo indispensável.

Importa repensar se é este o caminho que se pretende para a justiça, para o Direito Penal,
um constante défice de resposta perante a sociedade e a descredibilização lenta das suas
estruturas.

DIAS140 estabelece esse mesmo raciocínio mental, numa averiguação dicotómica sobre
se o Direito Penal deve dilatar-se sob pena de uma perda de credibilidade ao nível
subsidiário ou se, por outro, deve cingir-se a uma conceção monista que as ideias
iluministas haviam fundado. Ainda na âncora do mesmo, a centralização antropocêntrica
da face penal do direito significaria, em termos práticos, uma estagnação científica, pelo
que se exige uma nova dogmática que acompanhe a celeridade das alterações sociais em
que se encontra. Prevê aqui, ainda em sede de alternativa, duas opções: ou o direito penal
se circunscreve ao entendimento clássico de tutela de bens jurídicos individuais ou, por
outro lado se ramifica pelas vertentes alternativas, nomeadamente civil e administrativa.

RODRIGUES141 vai de encontro à segunda opção, dissertando que, se o Direito Penal


quer, perante a sociedade, assumir uma postura capaz de enfrentar desafios,
nomeadamente económico-financeiros, deverá munir-se das suas subdivisões, atribuindo-
lhe competências com vista à proteção dos direitos.

Terá então o Direito Penal legitimidade para dar resposta a tantas solicitações? Ora, de
acordo com DIAS142, é possível elaborar um argumento quando surge a bifurcação entre
bens jurídicos individuais ou coletivos. O mesmo estabelece que toda a ação do Estado,
incluindo a ação penal, encontra os seus fundamentos na Lei Fundamental e, nesse
seguimento, também os bens jurídicos que servem de base à incriminação penal, seguem

140
DIAS, Jorge Figueiredo – Direito Penal – Parte Geral – Tomo I – Questões Fundamentais. A Doutrina
Geral do Crime, 2004.
141
RODRIGUES, Anabela Miranda – Direito penal económico – é legítimo? É necessário?, 2017.
142
DIAS, Jorge Figueiredo – Direito penal e estado-de-direito material (sobre o método, a construção e o
sentido da doutrina geral do crime), 1981.

46
Desafios Penais em matéria de Corrupção e Branqueamento de Capitais

esse postulado constitucional, numa mútua relação. Ou seja, perante isto, concluímos do
raciocínio que o quadro sobre o qual deve constar a atuação do direito penal encontra a
sua justificação nos princípios constitucionais.

No tocante à criminalidade económico-financeira, exposta ao longo do trabalho é


percetível que acarreta demasiadas falhas quanto à sua punibilidade e modo como se
encontram transpostas.

A difícil conceitualização do bem jurídico que se pretende proteger, alerta para a essência
de uma natureza difusa e supra-individual.

Existem ramificações do direito pelo qual o crime económico poderia ter uma maior
eficácia, na sua repressão, refere-se, a título de exemplo, que muitas das infrações citadas
ao longo do desenvolvimento, incorrem numa supressão de tributo, pelo que essa
componente poderia estar entregue ao Direito Fiscal, especializado.

No que nos referimos relativamente à perda de bens a favor do Estado, a literatura já


aponta que, a título futuro, todo o processo de confisco se deveria circunscrever a um
processo administrativo, sendo que não está, para emissão de ordem, o grau de culpa do
agente, simplesmente, os lucros obtidos ilicitamente.

Não julgo, porém, que todos os exemplos acima transpostos, bem como os que constam
da primeira e segunda parte, sejam alvo de dignidade penal e, por isso, deveria-se
ponderar um alívio das exigências penais.

Relativamente à contratualização do Direito na proteção de gerações futuras, ela não


desaparecerá, não se pretende um cariz abolicionista da instância penal, mas urge não
remeter todas as ações danosas para a ultima ratio, e fazer assim jus a outras subdivisões,
que se revelem, em termos técnicos, mais eficazes e que, em termos gerais, forneçam um
apoio mais célere; ou a consideração por meios não penais143.

143
DIAS, Jorge Figueiredo – O papel do direito penal na proteção das gerações futuras, 2009.

47
Desafios Penais em matéria de Corrupção e Branqueamento de Capitais

CONCLUSÃO

Chegamos assim ao último segmento deste trabalho. No seio da análise de uma


criminalidade especialmente organizada, que coloca vários desafios, também um estudo
tão extenso se revelou de especial complexidade.

Contudo, penso ter atingido os objetivos que pretendia quando me propus a realizar esta
abordagem transversal, com a certeza de que haveria uma infinidade de conteúdos a expor
e debates a serem criados nesta temática tão controversa. Fazer criminologia também é
isto, não conformar, questionar e procurar uma solução. Só através disto se faz ciência e,
com este trabalho, julgo ter sido dado mais um passo, ínfimo, mas relevante, para a
prosperidade e sustentabilidade desta nossa área de estudo.

Passo então a enunciar as principais conclusões a que cheguei com a realização deste
trabalho.

A temática da corrupção é já antiga, por muita polarização que haja, na sociedade vigente,
nos meios de comunicação. Sob múltiplas formas, passiva, ativa, para ato ilícito ou lícito,
embrulha-se numa teia de interesses opaca, e vai corroendo todas as instituições
societárias. Para além de um crime grave, é uma constante deturpação de valores que
deveriam guiar a ação humana: a da ética e deontologia que tanto reforçamos. Contudo,
não surpreende, sendo eu um pessimista antropológico.

Neste âmbito, há ainda um longo percurso a traçar, nomeadamente, a mudança de


mentalidade em instituições e a real concretização, por parte dos órgãos formais, dos
mecanismos a que se propõe. Torna-se fácil, de um lado, legislar e empreender programas
se eles não revelam nem medidas concretas, nem uma melhoria ao longo dos anos.

Na vertente repressiva, novas medidas estão a ser testadas e formulam-se termos como
delação premiada, destinado a favorecimento em detrimento de contribuição e tenta-se a
todo o custo, criminalizar, mesmo perante a declaração de inconstitucionalidade.
Criminalizar, só por si, nem sempre é a melhor alternativa enquanto fator dissuasor.

No que toca ao branqueamento, este é um tópico que revela ainda muita investigação.
Deverá haver um esforço multidisciplinar para que se alcance uma concretização eficaz,
que não dê aso a suscetibilidades. O direito deve-se apoiar nos estudos feitos pela

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Desafios Penais em matéria de Corrupção e Branqueamento de Capitais

criminologia, pela filosofia, pela história, para que, na hora de legislar, se faça de forma
eficaz e profícua.

No mesmo sentido, relevam-se ainda os instrumentos de perda de bens a favor do Estado,


do qual vão surgindo ainda alguns problemas de cariz estrutural. Deve afinal, ser
adjacente ao processo-crime ou resolvido por via administrativa? Exigirá sentença
anterior ou pode ser independente? Todas estas questões necessitam de ser esclarecidas.

Noutra vertente, é fulcral o regime de controlo às jurisdições offshore e paraísos fiscais,


sendo que, minam a livre concorrência dos mercados. Não se compreende a sua aceitação
quando não estão sujeitas a regras de transparência no que toca a valores, proveniência
ou agente.

Em sede de limitações, considero que a maior dificuldade foi encontrar literatura


relevante, de pessoas consagradas que postulam sobre o tema, daí que possa o trabalho
ter ficado um pouco restrito a mesmas disposições literárias. Admito também, enquanto
limitação, o não domínio de disposições legais como o Regime Geral de Infrações
Tributárias, ou outras mais específicas de um ramo.

Como sugestão de estudo posterior, julgo pertinente explorar a utilização de criptoativos


e a sua facilidade de ocultação de transações, com a utilização de meios técnicos, uma
vez que ainda não constituem alvo de tributação, assemelham-se a um regime fiscal
irreverente, sendo que, com o avanço da sociedade, o pagamento online e a moeda virtual
torna-se, cada vez mais, uma realidade. Quem sabe, num estudo posterior, ou numa
dissertação de mestrado, eu mesmo não investigarei a utilização destes elementos na
prática criminal.

Em suma, penso que todos os contratempos que surgiram, em sede de limitações, foram
ultrapassados e consigo, agora, posicionar-me criticamente e com base em factualidades
sobre o sistema de justiça penal, o que contribuiu não só, este trabalho final, mas também
todos conhecimentos adquiridos ao longo do semestre.

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Desafios Penais em matéria de Corrupção e Branqueamento de Capitais

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