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Mestrado em Criminologia
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Discente
ÍNDICE
INTRODUÇÃO .............................................................................................................. 2
Um travão à Corrupção............................................................................................... 10
CONCLUSÃO............................................................................................................... 48
1
Desafios Penais em matéria de Corrupção e Branqueamento de Capitais
INTRODUÇÃO
Sociedade adota, aos dias de hoje, uma conceptualização diferente daquela que, há uns
anos atrás, entendíamos como tal. Assumimos assim um cariz diferente, com os seus
próprios valores, com a sua distinta organização, com idiossincrasias próprias e
específicas. Não melhor, não pior, mas estando a ela inerente um processo de evolução e
dinamismo que lhe configura diariamente uma aceitação de comportamentos e atitudes,
e a repressão ou censura de outros.
Da mesma forma que a própria mentalidade evolui, que o ser humano se desenvolve
enquanto cidadão, a sociedade tem também de lidar com desafios e riscos que colocam
em causa princípios básicos de vivência. Desafios que obrigam a um pensamento e
adequação das normas vigentes, de uma forma transversal a todas as instituições que dela
fazem parte.
Estes tipos legais de crime, praticado, regra geral, por pessoas de status social elevado,
visa, primordialmente, o enriquecimento ilícito dos atores envolvidos e a sua ocultação
para uma nova inserção no mercado legal.
1
MOURA, João Souto – Justiça, Ministério Público, Criminalidade económica, 2003.
2
Desafios Penais em matéria de Corrupção e Branqueamento de Capitais
Este trabalho visa assim realizar uma análise sistémica relativamente aos crimes de
corrupção e branqueamento de capitais, de uma forma crítica. Numa primeira instância
será explorado o crime de corrupção, abordando a sua posição na dogmática jurídico-
penal portuguesa, as medidas adotadas, em sede nacional, de prevenção e repressão do
mesmo e observar de que modo este crime coloca em causa os preceitos básicos e
intocáveis do Estado de Direito Democrático.
Inerente aos dois temas estará uma confrontação com os processos que o direito vem
sofrendo também, ao longo dos anos, pelos desafios supracitados. Questionar-se-á a
legitimidade punitiva por parte do Estado, a tutela de bens jurídicos para os crimes em
questão e a contratualização que nos faz prescindir de liberdades de modo a assegurar
uma segurança em comunidade.
Afinal, segundo MOURA2, o que está em voga nestes crimes não é o dano material
instantâneo, mas a desestabilização da comunidade e das estruturas sociais.
2
MOURA, João Souto – Justiça, Ministério Público, Criminalidade económica, 2003.
3
Desafios Penais em matéria de Corrupção e Branqueamento de Capitais
PARTE I – Corrupção
O fenómeno da corrupção não é recente. Podemos dizer que existe corrupção desde a
formação da primeira sociedade, do primeiro sistema hierarquizado, mediante acordos
estabelecidos para alcançar um fim que não seria possível em condições normais. Porém,
o crime, o modo e o pensamento sobre ele evoluiu. Alguns autores consideram que a
corrupção faz parte de um desenvolvimento social próprio. Outros, como MAIA3, referem
que o paradigma de análise se alterou sobretudo a partir dos anos setenta do presente
século. Anterior a isso, atribuía-se uma culpabilização do crime ao sistema político e
económico, como uma forma de o contornar, dada a sua estagnação. Quem corrobora com
esta cronologia é SANTOS4, realçando que a corrupção evidenciava a o mau
funcionamento da democracia e; atribuindo ainda, uma visão funcionalista, como
apresentada em cima.
Quem corrobora com esta ideologia é OLIVEIRA6, sendo que assenta a sua definição
relevando a utilização de meios ocultos que resultem em vantagens privadas que não
aconteceriam sem essa ação ilícita.
3
MAIA, João Marques – Corrupção: Realidades e Perceções, 2010.
4
SANTOS, Claúdia – A corrupção [Da luta contra o crime na intersecção de alguns (distintos)
entendimentos da doutrina, da jurisprudência e do legislador], 2009.
5
AFONSO, Óscar – Corrupção, crescimento e desenvolvimento, 2020.
6
OLIVEIRA, Calado de apud FARIA, Rita - Corrupção: Descrições e Reflexões. Sobre a possibilidade de
realização de uma abordagem criminológica ao fenómeno da corrupção em Portugal, 2007.
4
Desafios Penais em matéria de Corrupção e Branqueamento de Capitais
SANTOS7 vai mais além e olha para a corrupção num sentido transversal, desconstruindo,
em primeiro lugar os conceitos de corrupção passiva e ativa. Refere que, se na
componente passiva, está em causa uma tipificação de crime de colarinho branco, na
ativa, com uma tonalidade mais complexa, assume já características de crime organizado.
Em jeito de definição, aponta que, mesmo perante o desdobramento feito pela dogmática
jurídica, a corrupção abarca uma negociação ilegítima de um funcionário do Estado,
abusando dos poderes que lhe são conferidos no exercício da sua profissão, atribuindo,
ao corruptor ativo uma vantagem ou benefício patrimonial, sendo que a consumação
ocorre aquando da aceitação para a prática ou omissão do determinado ato. A autora faz
ainda menção aos efeitos contraproducentes que estas práticas acarretam para toda
sociedade, nomeadamente uma descredibilização das esferas que garantem a legalidade
democrática, colocando em causa a administração da justiça e a liberdade do Estado, pela
sua imparcialidade e soberania.
Vai assim ao encontro do que postula DIAS8, mencionando que o fenómeno adota assim
um cariz malicioso, do ponto de vista deontológico, que obriga a uma reação por parte
das instâncias formais de controlo. Contudo, concede atenção aos diferentes ritmos a que
ambos os fenómenos ocorrem. Sendo que a corrupção acontece a um ritmo mais elevado,
a conceção legislativa age em atraso e numa ótica de reação, nem sempre se revelando a
mais eficaz.
Por funcionário do Estado entendemos, segundo o artigo 386º, n.º 1, al. c) do Decreto-Lei
n.º 48/95, de 15 de março, o seguinte: Quem, mesmo provisória ou temporariamente,
mediante remuneração ou a título gratuito, voluntária ou obrigatoriamente, tiver sido
chamado a desempenhar ou a participar no desempenho de uma actividade
compreendida na função pública administrativa ou jurisdicional, ou, nas mesmas
circunstâncias, desempenhar funções em organismos de utilidade pública ou nelas
participar.9
7
SANTOS, Claúdia – A corrupção [Da luta contra o crime na intersecção de alguns (distintos)
entendimentos da doutrina, da jurisprudência e do legislador], 2009.
8
DIAS, Jorge Figueiredo apud Santos, Cláudia - A corrupção [Da luta contra o crime na intersecção de
alguns (distintos) entendimentos da doutrina, da jurisprudência e do legislador], 2009.
9
A esta conceptualização acrescentam-se ainda, de acordo com o postulado no artigo da disposição
mencionada, o funcionário civil (n. º1, al. a)), o agente administrativo, de acordo com o n. º1, al. b), gestores,
titulares de órgãos de fiscalização e trabalhadores de empresas publicas, de acordo com o n.º 2, e ainda
titulares de funções políticas, no n.º3, em conformidade com a lei regente em vigor, Lei n.º 34/87 de 16 de
Julho.
5
Desafios Penais em matéria de Corrupção e Branqueamento de Capitais
No artigo 374.º surge então a corrupção ativa, que analogamente à tipificação anterior,
apresenta algumas equivalências, nomeadamente quanto à sua subdivisão, constando a
corrupção ativa para ato ilícito no número um, e, para ato lícito, no número dois.
10
Julga-se pertinente esta menção ao momento de consumação, nomeadamente para contagem dos prazos
de prescrição do crime.
11
RODRIGUES, Cunha – Os Senhores do Crime, 1999.
6
Desafios Penais em matéria de Corrupção e Branqueamento de Capitais
quem seja solicitada prática ou omissão terá de preencher os requisitos dispostos no artigo
386º.
Importante mencionar que, quando qualquer um dos crimes de corrupção acima referido
for cometido por titular de cargos políticos, segundo objetiva a Lei nº 34/87, de 16 de
julho, as penas abstratamente aplicáveis são agravadas.
O fenómeno da corrupção deve conduzir a uma reflexão séria sobre o presumível processo
de vitimação que pode gerar. Será que, efetivamente, alguém ou algo sai lesado daquilo
que se resume a uma negociação sobre vantagem? Não querendo aprofundar, por
enquanto, a problemática do bem jurídico tutelado, a conceção criminológica obriga a
voltarmos a face da moeda e atentarmos nas vítimas destes tipos de crime.
12
SIMÕES, Euclides Dâmaso apud FARIA, Rita - Corrupção: Descrições e Reflexões. Sobre a
possibilidade de realização de uma abordagem criminológica ao fenómeno da corrupção em Portugal,
2007.
13
MAIA, João Marques – Corrupção: Realidades e Perceções, 2010.
14
AFONSO, Óscar – Corrupção, crescimento e desenvolvimento, 2020.
7
Desafios Penais em matéria de Corrupção e Branqueamento de Capitais
Aquilo que é suscetível de perceber, na maior parte das vezes, é que, em algumas
infrações criminais, na qual se inclui a corrupção, não nos é permitido a atribuição clara
sobre uma vítima, do ponto de vista individual, portanto, esta idiossincrasia reflete-se na
atuação do sistema de justiça15.
O Direito Penal formal caracteriza-se por uma ideologia de reação, ou seja, perante a
existência de uma conduta, este mesmo avalia dois preceitos: a danosidade social que ela
acarreta e a necessidade de uma tutela subsidiária, fundamentada na crença que devem
ser usados os moldes penais, sendo que outros não se mostram eficazes em termos de
prevenção geral. Nesta ótica, refletem-se na verdadeira aplicação da lei. Sendo que não
se considera uma vítima, não existirá alguém que recorra ao jus puniendi do Estado16.
15
MAIA, João Marques, Corrupção: Realidades e Perceções, 2010.
16
SANTOS, Cláudia – Os crimes de corrupção – notas críticas a partir de um regime jurídico-penal
sempre em expansão, 2016.
17
CANOTILHO, José Joaquim Gomes – Estado de Direito, 1997.
18
Igualdade que é representada no artigo 13.º da disposição legal mencionada.
8
Desafios Penais em matéria de Corrupção e Branqueamento de Capitais
Contudo, no referente crime, não está em causa a danosidade individual, mas uma
ofensiva perante as instituições estatais, na manutenção da sua soberania e
funcionalidade.
Será então a corrupção uma disfunção de tal modo maligna que coloque em causa o
primado da lei?
COLOMBO19 orienta a nossa atenção para a base da corrupção, relevando que, na sua
forma mais grave, em que ao funcionário do Estado ou a qualquer outro titular de cargo
público em que é oferecido algum bem patrimonial, económico ou outro tipo de vantagem
constituiu uma traição ao Estado. Ou seja, podemos, aquando desta aceitação, por parte
do funcionário, para a prática ou omissão de determinado ato, concluir que o mesmo
abandona os seus princípios deontológicos que representam, ou deveriam representar os
interesses da coletividade nacional, passando a privilegiar a sua individualidade. De outro
modo, o funcionário não garante a prossecução do interesse público.
Na outra face da moeda, encontram-se os efeitos negativos que ocorrência regular deste
tipo de práticas acarretam.
Daí que COLOMBO21 considera que a violação dolosa do dever contribui para uma
diminuição da integridade sistémica, numa sociedade que abdicou dos preceitos do
Estado de Direito, que não transmitiu, por via dos seus servidores públicos, a expetativa
de efetivar a real e normativa ação do Estado.
19
COLOMBRO, Gherardo – Estado de Direito e corrupção: os resultados do inquérito de Milão sobre
crimes contra a administração pública, 1994
20
BATALHA, João Paulo – Corrupção, crescimento e desenvolvimento, 2020.
21
COLOMBRO, Gherardo – Estado de Direito e corrupção: os resultados do inquérito de Milão sobre
crimes contra a administração pública, 1994
9
Desafios Penais em matéria de Corrupção e Branqueamento de Capitais
Um travão à Corrupção
Na vertente preventiva
Neste primeiro subtópico pretende-se uma exposição e discussão sobre que medidas
preventivas existem, do ponto de vista legislativo e não legislativo, e quais aquelas que
deveriam ser pensadas, mas alcançar uma maior eficácia.
Esta convenção, que consistiu numa disposição bilateral entre as nações unidas e os
estados-membros que a assinaram, pretende uma série de medidas vinculativas aos
ordenamentos jurídicos dos estados em questão, para que se reforçasse os mecanismos de
prevenção desta criminalidade.
22
SANTOS, Claúdia – Notas Breves sobre os Crimes de Corrupção de Agentes Públicos: (Considerações
em torno do Presente e do Futuro do seu Regime Jurídico, 2010.
23
Nações Unidas - Convenção das Nações Unidas Contra a Corrupção, 2003.
24
O nome surge associado à cidade mexicana de Mérida, onde os Estados membros das Nações Unidas
puderam assinar a convenção.
10
Desafios Penais em matéria de Corrupção e Branqueamento de Capitais
Em tese, mostra-se uma postura, por parte do legislador portuguesa, de prevenção de altos
cargos públicos, tidos como principais perpetuadores deste tipo de criminalidade, no
exercício das suas funções. Visa-se assim proteger a existência de conflitos de interesse
que possam suscitar uma prática em exercício da profissão estatal, em favorecimento da
sua ação no setor privado26.
Na vertente de corrupção política, Portugal formula, pela Lei 19/2003, uma disposição
legal tendente ao financiamento dos partidos políticos e de campanhas eleitorais,
compreendendo, no seu conteúdo, as fontes de financiamento partidárias próprias27, quais
os meios sobre os quais os partidos políticos não podem obter financiamentos28, e
elencando outras categorizações como as receitas obtidas mediante a realização de
campanhas eleitorais, qual o regime de tratamento e a fiscalização inerente às forças
partidárias em questão. A legislação que tem como foco o tema mencionado tem a sua
etiologia em 1998, pela Lei nº 56/98.
25
A lei em análise abre ainda exceções para a cumulação de serviços estatais e de cariz privado, no artigo
22.º, n. º3. Para uma concretização total dos modos de articulação entre as duas funções verificar
http://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?artigo_id=2171A0019&nid=2171&tabela=leis&p
agina=1&ficha=1&so_miolo=&nversao=
26
A título de exemplo, meramente ilustrativo, sem aplicabilidade ou associação a alguma figura podemos
explanar o seguinte caso abstrato: um funcionário estatal X detém uma empresa de recolha de produtos
orgânicos. O estado, mediante concurso público, necessitará de recorrer a funções do setor privado para
levar a cabo uma recolha intensiva do referido material durante um mês. Ora, a situação é passível de gerar
um conflito de interesses no funcionário X, que deve, no exercício de representação de cargo público,
privilegiar a autonomia e idoneidade do Estado na seleção da empresa que procederá à função relatada,
porém conseguiria corromper o concurso, favorecendo a sua empresa.
27
Artigo 2.º a 6.º
28
Artigo 8.º
11
Desafios Penais em matéria de Corrupção e Branqueamento de Capitais
Deste modo, de forma a capacitar Portugal com uma estratégia eficaz de prevenção face
à corrupção, o GRECO indicou, em março de 2018, algumas recomendações de alteração
ao ordenamento jurídico português, com vista a reavaliar a progressão das mesmas em
abril do ano transato. As recomendações circunscreviam-se a três classes distintas: juízes,
deputados e Ministério Público.
29
As ações de prevenção serão realizadas pela Polícia Judiciária, segundo alude o n.º2, por iniciativa ou
solicitação do Ministério Público. Ressalva-se que toda a ação da Polícia Judiciária nestas questões se
encontra fundida na dependência funcional do Ministério Público, o que significa que o monopólio da
investigação pertence ao Ministério Público, relegando à Polícia Judiciária competência técnica e tática de
realização de tal tarefa.
30
A esta realização de ações está permitida a realização de ações encobertas, como menciona a Lei n.º
101/2001, de 25 de Agosto, que estabelece o regime, para o ato disposto, para fins de prevenção criminal,
no caso concreto, estando a corrupção mencionada no artigo 2.º, al. n). A restante legislação faz menção à
dinâmica sobre o qual se deve desenrolar a ação.
31
E outros crimes dispostos nas alíneas seguintes do artigo 1.º da disposição legal mencionada.
32
Para a pesquisa de outros dados atinentes a outros estados-membros, consultar
https://www.transparency.org/en/cpi/2020/index/prt
12
Desafios Penais em matéria de Corrupção e Branqueamento de Capitais
Em sede da categoria deputados, Portugal não cumpriu com nenhuma recomendação feita
pela instituição do Conselho da Europa, tendo ainda um desempenho inferior
relativamente à apresentação das declarações de património, nos prazos em que devem
constar, dos deputados, bem como outras atinentes à fiscalização e conflito de interesses
que possa surgir neste contexto. A declaração única de rendimentos e património
mencionada remete para o Artigo 13.º da Lei 52/2019, de 31 de Julho34.
Julgo preocupante este retrocesso legislativo existente em Portugal, mesmo com uma
recomendação do Conselho da Europa, em 2018 sobre a situação frágil nesse âmbito.
Segundo uma análise legislativa, quando estão em causa titulares de cargos políticos,
magistrados, membros do governo e outras instituições discriminadas no artigo 2º da Lei
n.º 52/2019, de 31 de Julho, revela-se obrigatória a apresentação de uma declaração no
início das funções, onde seja apresentado o património que possui. Esta declaração deve
constar em três momentos: no início da atividade, no decorrer do cargo, e no final, para
que haja transparência e não ocultação de riqueza, como podemos verificar no Artigo 13º
Declaração única de rendimentos, património, interesses, incompatibilidades e
impedimentos” - Os titulares de cargos políticos e equiparados e os titulares de altos
cargos públicos referidos nos artigos 2.º e 3.º, bem como os referidos no artigo 4.º
apresentam por via eletrónica junto da entidade legalmente competente a definir nos
termos do artigo 20.º, no prazo de 60 dias contado a partir da data de início do exercício
das respetivas funções, declaração dos seus rendimentos, património, interesses,
incompatibilidades e impedimentos, adiante designada por declaração única, de acordo
com o modelo constante do anexo da presente lei, que dela faz parte integrante. O número
2.º do mesmo artigo revela, através das suas alíneas, tudo o que esta deve conter, de forma
pormenorizada.
Porém, a lei atual revela-se incongruente, sendo que nos termos da mesma, de acordo
com os preceitos do Artigo 18.º, em caso de não apresentação ou apresentação
incompleta ou incorreta da declaração…, a entidade responsável pela análise e
33
Groupe d’États Contre la Corruption – Quarto ciclo de avaliação: prevenção da corrupção em relação
a deputados, juízes e procuradores. Segundo relatório intercalar de conformidade: Portugal, 2021.
34
Idem, ibidem.
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Desafios Penais em matéria de Corrupção e Branqueamento de Capitais
De facto, o legislador comete uma falácia, ao abrir espaço para que o titular do cargo
político tenha uma oportunidade de ocultar riqueza, antes de notificação de correção.
35
BARROSO, Renato - A Repressão da Corrupção e os Tribunais: a (in)eficiência da luta contra a
corrupção, 2021.
36
Governo de Portugal – Estratégia Nacional de Combate à Corrupção, 2020.
37
Idem, ibidem.
14
Desafios Penais em matéria de Corrupção e Branqueamento de Capitais
Um órgão análogo, foi criado, através da Lei n.º 54/2008, de 4 de Setembro. A mesma
institui a criação de um conselho de prevenção da corrupção (CPC), com serviços
exclusivamente preventivos de práticas de corrupção passiva e ativa, ou de qualquer outro
crime que se insira no paradigma económico-financeiro39. Compõe o órgão o presidente
do tribunal de contas, tendo ainda como cargos os nomeados no artigo 3.º da disposição
legal.
Nos planos de prevenção empreendidos pelo órgão deveriam constar normas que
promovam o exercício de funções do funcionário estatal de acordo com um princípio ético
38
SIMÕES, Euclides Dâmaso – Importância e prioridade da prevenção no combate à corrupção: O
sistema português ante a Convenção de Mérida, 2009.
39
Entenda-se branqueamento de capitais, peculato, participação económica em negócio e outros definidos
através do artigo 2.º, n.º 1, al. a) da lei.
15
Desafios Penais em matéria de Corrupção e Branqueamento de Capitais
Na vertente repressiva
Dada a complexidade que este tipo de criminalidade envolve, muitos são os autores que
consideram legítimo, para fins de maior eficácia na resolução do caso, uma aproximação
ao designado direito premial. Adjacente a ele um dogma “contra-garantistico” das
asserções constitucionais que iremos explorar mais à frente, este instrumento estabelece
o seu fundamento na sinergia entre arguido e instância formal de controlo, quando este
contribui, de forma decisiva para a descoberta da verdade material. Esta cooperação pode
traduzir-se em vantagens processuais para o arguido, representadas por atenuação da
pena, dispensa da mesma ou suspensão provisória do processo43.
40
SIMÕES, Euclides Dâmaso – Principais instrumentos para a prevenção e repressão da corrupção: O
sistema português ante a Convenção de Mérida, 2005.
41
SIMÕES, Euclides Dâmaso - Importância e prioridade da prevenção no combate à corrupção: O sistema
português ante a Convenção de Mérida, 2009.
42
SANTOS, Claúdia – A corrupção [Da luta contra o crime na intersecção de alguns (distintos)
entendimentos da doutrina, da jurisprudência e do legislador], 2009.
43
CABRAL, José António Henriques dos Santos – O Direito Premial e o seu contexto, 2019.
16
Desafios Penais em matéria de Corrupção e Branqueamento de Capitais
44
Em ténue ligação com o princípio da presunção de inocência, anotamos o principio in dubio pro reo,
como cúmulo garantístico do arguido, sendo que, em caso de dúvida na fundamentação da imputação do
crime, no tocante aos factos, ela deve ser desfeita em benefício do arguido. Cfr. SANTOS, Manuel Simas;
LEAL-HENRIQUES, Manuel; SANTOS, João Simas – Noções de processo penal, 2011.
45
SANTOS, Manuel Simas; LEAL-HENRIQUES, Manuel; SANTOS, João Simas – Noções de processo
penal, 2011.
46
CONCEIÇÃO, Ana Raquel – O estatuto do arrependido colaborador no dealbar do (ainda) admirável
mundo novo – um novo meio de obtenção de prova a tipificar em Portugal, 2020.
47
CONCEIÇÃO, Ana Raquel – O estatuto do arrependido colaborador no dealbar do (ainda) admirável
mundo novo – um novo meio de obtenção de prova a tipificar em Portugal, 2020.
48
SIMÕES, Euclides Dâmaso - Principais instrumentos para a prevenção e repressão da corrupção: O
sistema português ante a Convenção de Mérida, 2005.
17
Desafios Penais em matéria de Corrupção e Branqueamento de Capitais
Temos de ressalvar que, em caso da referida criminalidade, existe, a maior parte das
vezes, um número elevado. Considera-se então que, enquanto prova admitida pelo
tribunal, o depoimento em relação ao demais co-arguidos não se revelam negativos em
relação aos mesmos sujeitos processuais, segundo defende CABRAL49.
VILELA51 atribui a este instrumento um rótulo de facilidade por parte de quem tem
fracassado na investigação deste tipo de criminalidade, transmitindo, para a sociedade
civil, que o Ministério Público não se visa assim dotado, de meios técnicos e táticos,
capazes de finalizar uma investigação tendente a um crime organizado sem a utilização
do arguido que com ele colabora, muitas das vezes, com realizações de vingança.
Com vista a uma diminuição da égide radical que o direito premial assume,
CONCEIÇÃO52 apresenta o que considera ser um instrumento regulamentável, o estatuto
de arrependido colaborador, numa ótica de proporcionalidade, onde o meio de obtenção
49
CABRAL, José António Henriques dos Santos – O Direito Premial e o seu contexto, 2019.
50
CONCEIÇÃO, Ana Raquel – O estatuto do arrependido colaborador no dealbar do (ainda) admirável
mundo novo – um novo meio de obtenção de prova a tipificar em Portugal, 2020.
51
VILELA, Alexandra – A Directiva (UE) 2019/1937 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de
Outubro de 2019, relativa à proteção das pessoas que denunciam violações do direito da União e a
Estratégia Nacional de Combate à corrupção: inquietações a propósito do designado “direito premial”
no âmbito do Direito Penal, 2020.
52
CONCEIÇÃO, Ana Raquel – O estatuto do arrependido colaborador no dealbar do (ainda) admirável
mundo novo – um novo meio de obtenção de prova a tipificar em Portugal, 2020.
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Desafios Penais em matéria de Corrupção e Branqueamento de Capitais
No ano de 2009, antes de se figurar este instrumento, SANTOS55, fazia menção a algumas
linhas vermelha que pudessem vir a ser admitidas, no paradigma repressivo,
designadamente os regimes não ordinários de recolha de prova, a quebra de segredo
profissional e a perda de bens a favor do Estado (que mais tarde abordaremos), no
seguimento da Lei n.º 5/2002.
O enriquecimento ilícito é um dos temas que merece também uma análise. No ano de
2015, através do Decreto n.º 369/XII, que substitui uma disposição apresentada três anos
antes56 apresentado à Assembleia da República, os deputados pretendiam a
criminalização do enriquecimento ilícito ou injustificado, que consistia na fundamentação
penal de quem possuísse património incongruente com os rendimentos qua haviam
declarados. A proposta, perentoriamente aprovada esbarrou nos quadros do Tribunal
Constitucional que julgou, mediante o Acórdão n.º 377/2015, uma infração constitucional
dos termos apresentados. Existe assim, segundo o Tribunal Constitucional, três pilares de
fundamentação que estão na base da recusa deste decreto, nomeadamente a não
concretização efetiva sobre qual dos bens jurídicos está a ser alvo de tutela penal, em
congruência com o artigo 18º, n.º 2 da constituição que decreta que os direitos, liberdades
53
Conceptualize-se meio de obtenção de prova como os procedimentos utilizados na fase de recolha de
determinado objeto ou informação que se presume poder fornecer informações fiáveis quanto à sua
utilidade na prática criminal e, também, alcançar a autoria do mesmo. Cfr. SANTOS, Manuel Simas;
LEAL-HENRIQUES, Manuel; SANTOS, João Simas – Noções de processo penal, 2011.
54
Entenda-se meio de prova como os instrumentos através dos quais o investigador, relativamente a factos
que estejam sujeitos a apreciação, se mune para a livre formulação da sua opinião. Podemos distinguir,
quanto a estes meios, provas do tipo pessoal, onde se insere a prova testemunhal, por declarações do arguido
do assistente ou da parte civil, por acareação ou pericial e; numa segunda vertente, meios reais de prova,
onde constam o reconhecimento de pessoas e objetos, por reconstituição do facto e, por último, documental.
Cfr. SANTOS, Manuel Simas; LEAL-HENRIQUES, Manuel; SANTOS, João Simas – Noções de processo
penal, 2011.
55
SANTOS, Claúdia – A corrupção [Da luta contra o crime na intersecção de alguns (distintos)
entendimentos da doutrina, da jurisprudência e do legislador], 2009.
56
Refere-se o Decreto N.º 37/XII
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Desafios Penais em matéria de Corrupção e Branqueamento de Capitais
e garantias apenas podem ser alvo de restrição em casos expressamente previstos na Lei
Fundamental, estando essas restrições circunscritas à salvaguarda de outros. O segundo
pilar cita uma indefinição quanto ao tipo objetivo de ação ou omissão e; em terceiro, e
mais gravoso, a violação do princípio in dubio pro reo.
A este nível, a Convenção de Mérida, pelo seu Artigo 20.º, concede aos estados-membros,
livre-arbítrio no momento de considerar viável a criminalização do enriquecimento
ilícito.
Outro foco na repressão da corrupção vai no sentido das alterações jurídico-legais. Nessa
ótica, SANTOS59, faz jus ao que vem sendo o expansionismo das margens penais, que
ultrapassam largamente a conceção de subsidiariedade dos bens jurídicos tutelados na
incriminação do crime, nomeadamente a criminalização do crime no setor privado ou no
desporto.
57
SUSANO, Helema – Da criminalização do enriquecimento ilícito, 2013.
58
Veja-se SIMÕES, Euclides Dâmaso – Principais instrumentos para a prevenção e repressão da
corrupção: O sistema português ante a Convenção de Mérida, 2005 e DIAS, Jorge Figueiredo – Direito
Penal – Parte Geral – Tomo I – Questões Fundamentais. A Doutrina Geral do Crime, 2004.
59
SANTOS, Cláudia – Os crimes de corrupção – notas críticas a partir de um regime jurídico-penal
sempre em expansão, 2016.
20
Desafios Penais em matéria de Corrupção e Branqueamento de Capitais
Em sentido inverso, defende-se que esta dificuldade não se pode relevar linear para a sua
igualdade, sendo que não se pode subtrair ao funcionário, a acusação de recebimento de
vantagem no exercício contrário à sua profissão e que, em sede de acusação, pudesse
munir-se de circunstância menos gravosa, o que nem sempre se verifica61.
Nesse sentido, sustenta BARROSO63 que, não existindo vitimização direta nos crimes de
corrupção, há uma dificuldade probatória enraizada na teia de interesses de quem
corrompe sob quem é corrompido, atribuindo assim como principal característica, a
opacidade.
Esta dificuldade probatória poderá gerar um novo debate, no que à prova indireta diz
respeito, devendo-se promover o debate dos magistrados e por parte dos responsáveis
pela investigação criminal, sendo que esta “presunção” poderá contribuir para a redução
dos níveis de arguidos que passam impunes64.
60
SIMÕES, Euclides Dâmaso – Principais instrumentos para a prevenção e repressão da corrupção: O
sistema português ante a Convenção de Mérida, 2005.
61
SANTOS, Cláudia – Os crimes de corrupção – notas críticas a partir de um regime jurídico-penal
sempre em expansão, 2016.
62
SIMÕES, Euclides Dâmaso – Principais instrumentos para a prevenção e repressão da corrupção: O
sistema português ante a Convenção de Mérida, 2005.
63
BARROSO, Renato - A Repressão da Corrupção e os Tribunais: a (in)eficiência da luta contra a
corrupção, 2021.
64
SIMÕES, Euclides Dâmaso - Importância e prioridade da prevenção no combate à corrupção: O sistema
português ante a Convenção de Mérida, 2009.
21
Desafios Penais em matéria de Corrupção e Branqueamento de Capitais
Com base num estudo analítico das estatísticas oficiais de 2001, SANTOS68
problematiza, em virtude do tema iniciado no parágrafo anterior, o número reduzido de
condenações pelo crime de corrupção, estabelecendo uma dualidade de hipóteses a
considerar: de facto, eram poucas as práticas corruptivas ou estávamos perante uma sépia
visão do fenómeno, ocultado por cifras negras. Conclui, a mesma, que a segunda hipótese
se mostra fiável quanto à discrepância de dados, apontando que os fatores que não
permitem uma realidade objetiva do fenómeno podem surgir, de facto, dado os múltiplos
fatores que estão na etiologia e contexto de atuação do crime bem como dificuldades
criadas pela própria legislação, que dificultem a ação do Ministério Público na hora de
proferir uma sentença.
65
NUNES, Carlos Casimiro - A Repressão da Corrupção e os Tribunais: a (in)eficiência da luta contra a
corrupção, 2021.
66
FARIA, Rita – Corrupção: Descrições e Reflexões. Sobre a possibilidade de realização de uma
abordagem criminológica ao fenómeno da corrupção em Portugal, 2007.
67
Entenda-se por cifras negras, o número de crimes que, em sentido material, ocorrem, contudo, não
chegam ao sistema de justiça penal, não sendo assim contabilizados em termos de estatísticas oficiais sobre
criminalidade. É a décalage entre o número de crimes que ocorre e aqueles que tiveram ação penal.
68
SANTOS, Claúdia – A corrupção [Da luta contra o crime na intersecção de alguns (distintos)
entendimentos da doutrina, da jurisprudência e do legislador], 2009.
22
Desafios Penais em matéria de Corrupção e Branqueamento de Capitais
Tenciono, portanto, abordar o fenómeno sob uma prima transversal, que não o observe
de forma isolada, mas em estreita coligação com o que até aqui já dissertamos. Esta é
também uma característica da criminalidade económico-financeira, o facto de envolver
uma rede tentacular e gerar uma cadeia criminosa.
PINHEIRO70 avança com uma aceção sucinta, mas que se revela nítida, caracterizando o
branqueamento de capitais como um decurso através do qual se intenciona a ocultação de
bens ou património provenientes de fontes ilícitas, para a posteriori, reinserir o capital no
mercado lícito. A definição elaborada pelo autor revela-se assim consensual, e a base da
69
BRAGUÊS, José Luís – O Processo de Branqueamento de Capitais, 2009.
70
PINHEIRO, Luís Goes – O Branqueamento de Capitais e a Globalização (Facilidades na reciclagem,
obstáculos à repressão e algumas propostas de política criminal), 2002.
23
Desafios Penais em matéria de Corrupção e Branqueamento de Capitais
análise do branqueamento. O autor supracitado estabelece ainda uma linha ténue entre a
perpetuação do crime e as constantes evoluções inerentes à sociedade, nomeadamente os
benefícios que a internet carrega, nomeadamente em termos de anonimato, permitindo,
desta forma, atribuir um caráter ubíquo e despacializador ao crime.
Como referido preliminarmente, a razão pela qual se pretende fazer uma abordagem ao
crime de branqueamento de capitais vem na senda de uma conexão existente entre o
disposto e outro tipo legal de crime capaz de gerar proveitos com vista a serem ocultados,
pelo que, para efeitos de atuação penal, julga-se que, uma vez adquirido como pressuposto
para a materialização do branqueamento, a tipificação legal que originou os proveitos
ilícitos terá de ser provada72.
Sintetizando, está em causa uma alteração, por via do sistema económica, ao capital
obtido por meio de atividades criminais, pretendendo o agente, em primeiro lugar ocultar
os bens e, em segundo lugar, mediante uns ciclos renovadores, inseri-lo no mercado
interno. De certo modo, podemos assumir que se encontra aqui inerente o objetivo de
evitar a tributação sobre os rendimentos, pelo que só por si, já constituiria a prática de um
crime.
71
MARTINS, André Gomes Lourenço – Branqueamento de Capitais: Contra-Medidas a Nível
Internacional e Nacional, 1999.
72
MENDES, Paulo de Sousa – A problemática da punição do autobranqueamento e as finalidades de
prevenção e repressão do branqueamento de capitais no contexto de harmonização europeia, 2017.
73
MARTINS, André Gomes Lourenço – Branqueamento de Capitais: Contra-Medidas a Nível
Internacional e Nacional, 1999.
24
Desafios Penais em matéria de Corrupção e Branqueamento de Capitais
Em primeiro lugar, estabelece a colocação. Esta é, segundo o autor, aquela que constitui
um maior risco de aproximação à atividade criminal que lhe deu origem sendo que o
agente pretende libertar-se do montante, sem que, para isso, seja possível estabelecer uma
linearidade entre os produtos da qual o individuo se acaba de liberar e uma atividade
criminosa. Para que seja efetivado este passo, pode o criminoso colocar o valor numa
conta bancária que não permita o rastreamento de identificação.
Menciona como segundo passo a circulação, estágio este onde o agente deve fazer
múltiplas movimentações, preferencialmente, de cariz internacional e entre várias contas
bancárias. Neste momento, já se torna difícil às entidades de investigação fazer um
rastreamento fiável do capital, dado, em primeiro lugar, a associação do agente ao crime
e, em segundo, a real procura pelos bens dissimulados. No que concerne a este ciclo,
DUARTE75 introduz o argumento de que, para além de todas as transferências destinadas
a dificultar o rastreamento, o agente titular dos bens pode alterar a titularidade sobre os
mesmos, tendo em vista a criação de mais um obstáculo investigatório numa primeira
fase e, de reação penal, em segunda instância. Perante isto, é necessário atentar aos tipos
de favorecimento que este ato pode realçar: em primeiro lugar, julga-se real, quando o
delinquente que praticou o crime que deu origem aos rendimentos pratica atos
dissimuladores sobre os mesmos e; pessoal quando um outro agente, agora titular dos
74
MARTINS, André Gomes Lourenço – Branqueamento de Capitais: Contra-Medidas a Nível
Internacional e Nacional, 1999.
75
DUARTE, Jorge Dias – Lei n.º 11/2005, de 27 de Março: o novo crime de branqueamento de capitais,
consagrado no artigo 368.º-A do Código Penal, 2002.
25
Desafios Penais em matéria de Corrupção e Branqueamento de Capitais
bens patrimoniais, mantenha a sua atuação de modo que o agente do crime não seja
perseguido criminalmente.
Esta ação por parte de outrem encontra-se demarcada, enquanto tipificação legal, no
Código Penal Português, onde pelo seu Artigo 367.º n. º1, pune-se criminalmente quem
manipular a atividade probatória com intenção ou consciência de evitar que outra pessoa,
que praticou um crime, seja submetida a pena.
Para além disso, estamos na era virtual, do contacto virtual, da transação virtual, do
pagamento virtual. Neste sentido, também o surgimento da criptomoeda contribui com
facilidades na hora de branquear capitais. De acordo com NUNES77, Portugal encontra-
se na nona posição, no que toca ao montante recebido em criptoativos. E a questão que
surge é a seguinte? Quais os mecanismos que Portugal tem ao seu dispor, de fiscalização
de transferências criptográficas? A resposta é simples e resume-se a uma nulidade. Nem
o Banco Central nem a Comissão de Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) contém
um registo centralizado de propriedades neste tipo de transferências.
76
NUNES, Carlos Casimiro – O Ministério Publico na prevenção do branqueamento e do financiamento
do terrorismo, 2018.
77
NUNES, Carlos Casimiro - A Repressão da Corrupção e os Tribunais: a (in)eficiência da luta contra a
corrupção, 2021.
26
Desafios Penais em matéria de Corrupção e Branqueamento de Capitais
Segundo afirma o mesmo autor, por muito que a tecnologia associada a redes blockchain78
transpareçam a ideia de credibilidade e transparência no momento de efetuar uma
transação, a verdade é que há uma dificuldade em identificar pessoas que empreendam os
seus esquemas de branqueamento nestas redes.
No tocante ao tipo objetivo do crime a analisar, entendemos que não se pode atribuir uma
classificação direta de ação, única, por meio da complexidade adjacente a estas atividades.
O diploma legal acima referido é sensível a essas múltiplas ações e, por isso, nos n.ºs 2 e
3 do referenciado artigo, contempla uma panóplia de ações nomeadamente converter,
transferir, auxiliar ou facilitar e ainda ocultar ou dissimular.
Em comparação com o disposto na primeira parte deste trabalho, relativamente aos crimes
de corrupção passiva, pelo Artigo 373.º do Código Penal, e o crime em voga nesta parte,
entendemos que há uma diferença quanto ao agente do crime. Enquanto que no caso de
corrupção passiva, exige-se que o agente cumpra o requisito de funcionário, de acordo
com os preceitos do Artigo 386.º, ou seja exige especialidade no agente, o crime de
Branqueamento, em sentido contrário, revela-se de carácter comum, mencionando apenas
“quem”. Daqui encontra-se subentendido que a prática do mesmo pode ser feita por
pessoa, individual ou coletiva, mesmo que não obedeça ao critério anteriormente
mencionado.
Podemos afirmar que estamos perante um crime secundário, ou seja, a sua concretização
pressupõe a existência de um crime anterior. Este é uma das explicações para a articulação
de corrupção e branqueamento de capitais neste trabalho. O facto de, entre eles, poder
78
Por blockchain entenda-se uma rede que pretende uma centralização e verificação de transações
efetuadas, no caso concreto, por meio de criptomoedas. A blockchain funciona num sistema de milhares de
nós. Assim, para uma transação ser aprovada terá de percorrer todos os nós da rede blockchain em que está
a ser verificada. Como exemplo ilustrativo, pensemos numa impressão digital que desbloqueia cada nó.
Assim, a verificação da transação só avançará para o nó seguinte se a impressão digital da transação
proveniente do nó anterior ser verificada. Quando alcança o ultimo nó, a transação é verificada com sucesso.
PACHECO, António Vilaça – Bitcoin – Tudo o que precisa de saber sobre o mundo das criptomoedas,
2018.
27
Desafios Penais em matéria de Corrupção e Branqueamento de Capitais
existir uma conexão que, em primeiro obtenha vantagem patrimonial e, em segundo, leve
a cabo um conjunto de ações que oculte e reintegre os bens no mercado legitimo.
Temos então, de analisar se, um agente que cometeu um crime antecedente, através do
qual obteve bens patrimoniais ilícitos, pode ou não ser julgado e condenado pela prática
do crime tipificado pelo Artigo 368.º- A. Mesmo perante uma análise à luz dos conceitos
de concurso real ou material de crimes, a questão sobre a punição do crime base dos bens
79
Para o disposto, entenda-se ainda como crime-base do branqueamento de capitais a participação
económica em negócio, o peculato, administração danosa em unidade económica do setor público, fraude
na obtenção de desvio, infrações económicas materializadas por meio informático, como por exemplo a
tipificação de burla informática e nas comunicações ou falsidade informática; e ainda infrações de índole
económico-financeira com proporções transnacionais.
80
DUARTE, Jorge Dias – Lei n.º 11/2005, de 27 de Março: o novo crime de branqueamento de capitais,
consagrado no artigo 368.º-A do Código Penal, 2002.
28
Desafios Penais em matéria de Corrupção e Branqueamento de Capitais
O mesmo sustenta que, dada esta conexão entre o crime de branqueamento e o crime que
forneceu as vantagens patrimoniais, estamos perante uma dicotomia no momento de
avaliar se o arguido pode ser condenado em concurso formal, ou, se, ao invés, tornar
isolado o ato de branqueamento, com todas os preceitos que comporta.
MENDES82, por sua vez, afasta-se da concetualização que vem sendo consensual na
literatura, sustentando, com base em diplomas internacionais que as infrações que deram
origem aos bens ou vantagens não devem ser consideradas, sendo que, ao serem, afetavam
princípios constitucionais como o princípio do ne bis in idem83, em conformidade com
diplomas legislativos de cariz internacional.
A par do que foi exposto, posiciono-me no sentido em que o crime que origina os bens
passiveis de serem branqueados, é condição sine qua none para a existência do crime de
branqueamento de capitais, através do seu reconhecimento, sendo que, em situação
inversa, sem conhecimento relativamente à origem do património, não seria possível a
continuação da ação penal.
81
GODINHO, Jorge A.F.- Sobre a punibilidade do autor de um crime pelo branqueamento das vantagens
dele resultantes, 2009.
82
MENDES, Pedro de Sousa – A problemática da punição do autobranqueamento e as finalidades de
prevenção e repressão do branqueamento de capitais no contexto da harmonização europeia ,2017.
83
Entende-se principio ne bis in idem do modo que ninguém poderá ser julgado, mais do que uma vez, pela
prática do mesmo crime, em conformidade com o Artigo 29.º, n. º5 da Constituição da República
Portuguesa. SANTOS, Manuel Simas, LEAL-HENRIQUES, Manuel – Noções de Direito Penal, 2015.
84
LEITE, André Lamas – O crime de branqueamento na redacção da Lei n.º 83/2017, de 18/8: A
importância de ver para além das aparências, 2018.
29
Desafios Penais em matéria de Corrupção e Branqueamento de Capitais
Ainda com base no que vinha sido postulado anteriormente, enquanto elemento típico do
crime, no que diz respeito às modalidades da ação, o crime de branqueamento apenas se
consegue consumar em caso de ação, com a existência de dolo, de acordo com o Artigo
13.º do Código Penal, não sendo possível que um ato omisso, preencha os requisitos de
branqueamento e capitais, de acordo com os termos dispostos no Artigo 10.º do Código
Penal.
Neste momento do trabalho, pretende-se fazer uma análise concisa do processo legislativo
que originou o paradigma atual, no tocante ao processo de prevenção e repressão, ao nível
internacional e, de que forma, essas disposições influenciam os ordenamentos jurídicos
internos dos países membros.
85
PINHEIRO, Luís Goes – O Branqueamento de Capitais e a Globalização (Facilidades na reciclagem,
obstáculos à repressão e algumas propostas de política criminal), 2002.
86
MARTINS, André Gomes Lourenço – Branqueamento de Capitais: Contra-Medidas a Nível
Internacional e Nacional, 1999.
30
Desafios Penais em matéria de Corrupção e Branqueamento de Capitais
vinha a ser aprovada e ratificada em pelo Presidente da República sob o Decreto n.º 45/91,
entrando em vigo no ano seguinte.
Para além do romper de paradigma no que concerne a uma nova tipificação criminal, esta
convenção, mormente designada, de Viena, tinha na sua génese a vontade de cooperação
e harmonização legislativa dos ordenamentos de cada país, no que toca à prevenção e
repressão.
Contudo, segundo análise própria revela-se ainda precária, sendo que contempla que, para
a realização do crime de branqueamento de capitais, apenas se podiam considerar
vantagens patrimoniais os bens obtidos de forma ilícita através do crime de tráfico de
estupefacientes e substâncias psicotrópicas, segundo dispõe o Artigo 2.º da mesma. A
consideração única deste crime como catálogo antecedente revela-se manifestamente
escassa.
87
MARTINS, André Gomes Lourenço – Branqueamento de Capitais: Contra-Medidas a Nível
Internacional e Nacional, 1999.
88
ASSUNÇÃO, Maria Leonor Machado Esteves de Campos – Medidas de “combate” aos Paraísos Fiscais
numa economia globalizada subordinada ao dogma liberal – um paradoxo incurável?, 2009
31
Desafios Penais em matéria de Corrupção e Branqueamento de Capitais
89
Finacial Action Task Force - The FAFT Reommendations: International Standardsa on combating Money
Laundering and the Financing of Terrorism & Proliferation, 1990.
90
PINHEIRO, Luís Goes – O Branqueamento de Capitais e a Globalização (Facilidades na reciclagem,
obstáculos à repressão e algumas propostas de política criminal), 2002.
91
Cite-se Tráfico e outras atividades ilícitas.
32
Desafios Penais em matéria de Corrupção e Branqueamento de Capitais
Contudo, é na égide da Lei n.º 11/2004 que o crime de branqueamento de capitais passa
a constar no Código Penal Português, no artigo, ainda hoje, consagrado 92. Após um
percurso legislativo longo entre leis93, decretos94 e diretivas internacionais95, que
pretendeu a atualização do seu regime jurídico, a Lei n.º 83/2017 é tida como a mais atual,
em sede de medidas de combate ao branqueamento de capitais.
Em relação ao n.º 5, o autor considera que o modo como a lei está exposta, contraria a
anterior previsão legal, no sentido de um verdadeiro sistema com dois momentos
distintos: o crime de onde se obtém vantagem e o ocultar, converter e outras ações de
“lavar” bens, uma vez que é admissível a persecução penal sobre bens branqueados
quando o crime antecedente tiver natureza semipública. De facto, a legislação portuguesa
mostra-se, em alguns aspetos, incongruente, o que não advoga em nada a favor da eficácia
da mesma. Ainda na esteira de LEITE97, o mesmo considera inconstitucional esta adoção
legislativa, em que existe condenação por um crime tipificado, sob o qual exige um crime
antecedente, e não se conheçam os moldes desse mesmo e se, de facto, os bens provêm
de natureza ilícita.
Ainda na análise do mesmo artigo, dispõe-se, pelo n.º 7 que a pena pode ser especialmente
atenuada caso haja reparação integral do dano ao ofendido. Esta formulação revela-se
incoerente por parte do legislador nacional, tendo como crimes de catálogo tipificações
92
Como referido a priori, Artigo 368.º-A.
93
Refira-se Lei n.º 25/2008.
94
Cite-se Decreto-Lei n.º 135/2008.
95
Menção à: Diretiva 2015/849/UE do Parlamento e Conselho Europeu e Diretiva 2016/2258/UE, do
Conselho Europeu.
96
LEITE, André Lamas – O crime de branqueamento na redacção da Lei n.º 83/2017, de 18/8: A
importância de ver para além das aparências, 2018.
97
Idem, ibidem
33
Desafios Penais em matéria de Corrupção e Branqueamento de Capitais
onde não se consegue atribuir uma vítima direta. Sendo, assim, relativamente a crimes
como abuso sexual de menores, tráfico de órgãos ou tecidos humanos, entre outros, a
consideração do que se revela ser reparação total do dano, torna-se enigmática.
Por último, vários são os autores que dissertam uma conjetura em sede de prevenção e
repressão do branqueamento de capitais.
98
DUARTE, Jorge Dias – Lei n.º 11/2005, de 27 de Março: o novo crime de branqueamento de capitais,
consagrado no artigo 368.º-A do Código Penal, 2002.
99
ASSUNÇÃO, Maria Leonor Machado Esteves de Campos – Medidas de “combate” aos Paraísos Fiscais
numa economia globalizada subordinada ao dogma liberal – um paradoxo incurável?, 2009
34
Desafios Penais em matéria de Corrupção e Branqueamento de Capitais
Segundo MARTINS102, estas zonas são consideradas o centro idílico de pessoas que
tentam branquear os seus capitais ou património, por constituírem, do ponto de vista
sistémico e estrutural, um conjunto de características propícios a que o agente leve a cabo
a sua atividade. Realça-se o facto de estas traduzirem vantagens no que toca à ocultação
da identidade do depositante, dando assim garantias de anonimato, nas transações que são
efetivadas. Sustenta também o autor que, na senda de uma sociedade informatizada e cada
vez mais orientada para a despacialização, também estas sociedades garantem que, para
100
MARTINS, André Gomes Lourenço – Branqueamento de Capitais: Contra-Medidas a Nível
Internacional e Nacional, 1999.
101
ASSUNÇÃO, Maria Leonor Machado Esteves de Campos – Medidas de “combate” aos Paraísos
Fiscais numa economia globalizada subordinada ao dogma liberal – um paradoxo incurável?, 2009.
102
MARTINS, André Gomes Lourenço – Branqueamento de Capitais: Contra-Medidas a Nível
Internacional e Nacional, 1999.
35
Desafios Penais em matéria de Corrupção e Branqueamento de Capitais
não residentes onde esta se encontra sediada, permite um distanciamento entre o agente
o dinheiro que transacionou, acompanhado de um regime fiscal bastante atrativo.
Por sua vez, ASSUNÇÃO106 opta por um paradigma distinto, onde almeja uma análise
séria por parte dos Estados, fechando, cada vez mais, a possibilidade de liquidação de
depesas por contas sediadas nas referidas jurisdições, para que haja uma maior abertura
103
PINHEIRO, Luís Goes – O Branqueamento de Capitais e a Globalização (Facilidades na reciclagem,
obstáculos à repressão e algumas propostas de política criminal), 2002.
104
Serve de exemplo, enquanto paraíso fiscal o Mónaco, a ilha da madeira ou as Ilhas Cayman. Estas
últimas, inclusive, recriam a posição na bolsa de valores de algumas empresas sediadas na China, como a
Alibaba, de modo que os investidores obtenham um regime fiscal mais benéfico quanto à titularidade dos
seus rendimentos.
105
NUNES, Carlos Casimiro - A Repressão da Corrupção e os Tribunais: a (in)eficiência da luta contra a
corrupção, 2021.
106
ASSUNÇÃO, Maria Leonor Machado Esteves de Campos – Medidas de “combate” aos Paraísos
Fiscais numa economia globalizada subordinada ao dogma liberal – um paradoxo incurável?, 2009
36
Desafios Penais em matéria de Corrupção e Branqueamento de Capitais
Todo o sistema em torno desta temática visa uma premissa remota em relação à prática
de infração criminal, a de que, seja em qualquer circunstância, o crime não pode
compensar. É este o mote para todo o percurso legislativo que a perda de bens a favor do
Estado carrega, na sua legitimação.
A tónica sobre esta temática tem início legislativo em Portugal no ano de 2002, através
da Lei n.º 5/2002, de 11 de janeiro. A designada lei que tinha como intuito o combate à
criminalidade económico-financeira, postula, logo no artigo 1.º, que a partir deste
momento, o sistema jurídico-penal português fica munido de um regime especial de
recolha de prova, a perda de bens a favor do Estado. São enumerados também, nas alíneas
intrínsecas ao artigo referenciado, os crimes que abarcam este mesmo instrumento.
Constam, para efeitos de análise neste trabalho, os crimes de corrupção ativa e passiva,
pela alínea f) e o branqueamento de capitais, consagrado na alínea i).
107
CUNHA, José M. Damião da. – Medidas de combate à criminalidade organizada e económico-
financeira. A Lei n.º 5/2002, de 11 de janeiro de 2002., 2021.
108
Idem, ibidem.
37
Desafios Penais em matéria de Corrupção e Branqueamento de Capitais
esse que obedece, quanto á sua quantificação, em critérios de vantagens ou bens obtidos
de forma ilícita, mediante a prática criminal de um dos crimes em catálogo.
Quem corrobora com esta visão é CONCEIÇÃO111 que discorre no sentido de, como a
condenação de pagamento pecuniário, mesmo tomando proporções de uma condenação,
só acontece em momento posterior à sentença condenatória transitada em julgado pelo
que, se pudesse transferir o processo de confisco para a vertente administrativa do direito,
existiria o cumprimento da dupla função, no sentido em que transmitiria a ideia de que o
crime não compensa e, afastando-se do âmbito penal, a quantificação do montante seria
avaliado com base em apuramentos patrimoniais distanciado do grau de culpa do
agente112. Subscrevo esta abordagem da autora, dividindo o processo em duas esferas: de
um lado temos a responsabilidade penal e, por outro, a perda de bens.
Contudo, este mecanismo transparece algumas falhas: a primeira que temos de realçar diz
respeito ao cariz funcionalista da ordem de pagamento, ou seja é impedido que haja ordem
109
CUNHA, José M. Damião da. – Medidas de combate à criminalidade organizada e económico-
financeira. A Lei n.º 5/2002, de 11 de janeiro de 2002., 2021.
110
MARTINS, André Gomes Lourenço – Branqueamento de Capitais: Contra-Medidas a Nível
Internacional e Nacional, 1999.
111
CONCEIÇÃO, Ana Raquel – O arresto preventivo com vista à perda alargada de bens a favor do
estado: descontinuidades e aplicação prática, 2020.
112
Critério tido em consideração no momento da decisão da passagem da pena abstratamente aplicável à
pena concreta.
38
Desafios Penais em matéria de Corrupção e Branqueamento de Capitais
de confisco patrimonial sob vantagens de crimes que aconteceram com mais de cinco
anos de intervalo do momento do julgamento, mesmo com prova relativa à ilegitimidade
dos mesmos, deste modo, existe uma dicotomia entre a carreira criminal tida como
elemento e o intervalo de tempo utilizado113.
Do ponto de vista fiscal existe também incongruências dado que, caso haja uma
autenticação dos bens do ponto de vista fiscal, cessa a investigação que originaria a ordem
do confisco. Podemos, desta forma afirmar que, com o tributo pago, os bens deixam de
se constituírem ilícitos.114
Um fator que se considera vital nesta análise é uma possível proximidade com a inversão
do ónus da prova, sendo que, de certo modo, incumbe ao arguido provar que os factos
não são resultado de carreira criminal, segundo o Artigo 9.º da lei pode o arguido provar
a origem lícita dos bens.
BARROSO115 considera também plausível a perda de bens a favor do estado, sendo que
esta assenta na premissa que o crime não pode, em circunstância alguma compensar.
Quando existe uma intervenção legislativa tocante aos lucros do crime, cessam-se os
rendimentos provenientes dele. Contudo, apenas admite a aplicação deste instrumento
mediante condições como ser condenado por crime tipificado; existência prévia de uma
sentença transitada condenada em julgado; tenha património ilícito. Sendo assim,
incumbe ao Ministério Público apurar o rendimento do individuo antes da prática do
ilícito criminal que determinou a perda e após. As incongruências resultarão assim em
perda a favor do Estado. Ao ser retirado o ónus de prova ao arguido, não se verifica uma
abjeção ao princípio constitucional de presunção de inocência.
113
CUNHA, José M. Damião da. – Medidas de combate à criminalidade organizada e económico-
financeira. A Lei n.º 5/2002, de 11 de janeiro de 2002., 2021.
114
CUNHA, José M. Damião da. – Medidas de combate à criminalidade organizada e económico-
financeira. A Lei n.º 5/2002, de 11 de janeiro de 2002., 2021.
115
BARROSO, Renato - A Repressão da Corrupção e os Tribunais: a (in)eficiência da luta contra a
corrupção, 2021.
116
CUNHA, José M. Damião da. – Medidas de combate à criminalidade organizada e económico-
financeira. A Lei n.º 5/2002, de 11 de janeiro de 2002., 2021.
39
Desafios Penais em matéria de Corrupção e Branqueamento de Capitais
117
CONCEIÇÃO, Ana Raquel – O arresto preventivo com vista à perda alargada de bens a favor do
estado: descontinuidades e aplicação prática, 2020.
40
Desafios Penais em matéria de Corrupção e Branqueamento de Capitais
Em primeiro lugar, fundado numa necessidade de tutela dos direitos universais, adotou-
se um cariz de bem jurídico imputado às premências individuais, tutelando a vida, a
integridade, a liberdade e património.
Defende DIAS que não pode, o Direito, negar o expansionismo penal, quando se trate de
uma tutela subsidiária e que se destine à proteção da vida comunitária futura,
extrapolando uma visão excessivamente antropocêntrica para uma reforma moderna,
mediante uma “nova política criminal”, onde se passem a considerar bens jurídicos
coletivos, ou supra-individuais.
De acordo com DIAS119, podemos definir bem jurídico como a expressão de um interesse,
da pessoa ou da comunidade, na manutenção da integridade de um certo estado, objeto
SANTOS, Juliana Pinheiro Damasceno – Novos desafios ao direito penal na contemporaneidade, 2008.
118
DIAS, Jorge Figueiredo – Direito Penal – Parte Geral – Tomo I – Questões Fundamentais. A Doutrina
119
41
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Neste disposto, abordarei em primeiro lugar, qual o bem jurídico que se imputa à
corrupção, passiva e ativa (Artigos 373.º e 374.º do Código Penal, respetivamente) e, em
segundo lugar, qual o bem jurídico tutelado pela incriminação do crime de
branqueamento, consagrado no Artigo 368.º-A do Código Penal.
No que à corrupção passiva diz respeito, DIAS121 alude ao caráter que o crime se dá como
materializado quando se verificasse a aceitação do ato corrupto, por parte do funcionário,
colocando a tónica de tutela do bem jurídico como a legalidade da administração. Para
além disso, considera, a par da doutrina e da jurisprudência, mais condenável essa atuação
por parte de um servidor público, no desempenho das suas funções.
SIMÕES122, por sua vez, considera que é a autonomia intencional do Estado que está a
ser alvo de tutela por parte do Direito Penal, visão que é partilhada por SANTOS123.
LOPES126, por sua vez, faz jus à conceção etiológica do crime para considerar que,
outrora, tendo como objetivo a dissimulação de valores fruto do tráfico de
estupefacientes, o bem jurídico definido incumbiria a essa mesma incriminação. Hoje em
120
DIAS, Jorge Figueiredo – Direito Penal – Parte Geral – Tomo I – Questões Fundamentais. A Doutrina
Geral do Crime, 2004.
121
DIAS, Jorge Figueiredo – Coletânea de jurisprudência XIII (1), 1998.
122
SIMÕES, Euclides Dâmaso - – Principais instrumentos para a prevenção e repressão da corrupção: O
sistema português ante a Convenção de Mérida, 2005.
123
SANTOS, Claúdia – A corrupção [Da luta contra o crime na intersecção de alguns (distintos)
entendimentos da doutrina, da jurisprudência e do legislador], 2009.
124
FARIA, Rita – Corrupção: Descrições e Reflexões. Sobre a possibilidade de realização de uma
abordagem criminológica ao fenómeno da corrupção em Portugal, 2007.
125
STRATENWERTH, Günter – A luta contra o branqueamento de capitais por meio do direito penal: o
exemplo da suiça, 2005.
126
LOPES, Patrícia Teixeira – O regime jurídico do branqueamento de capitais – contributo para a
alteração do direito positivo português, 2008.
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dia, afastando-se desse ponto de vista, sustenta que merece alvo de tutela a administração
da justiça.
Também LEITE127 enuncia esta dificuldade de concretizar um bem jurídico para o crime
de branqueamento de capitais. Refere, veiculando-se ao ordenamento jurídico alemão, às
tentativas precedentes de definições que focalizaram a manutenção da integridade do
funcionamento do sistema judicial, na ocultação efetiva dos bens obtidos ilicitamente.
Noutras visões, refere que há quem considere o bem jurídico como uma cumulação com
o bem jurídico tutelado pelo ilícito criminal precedente.
Neste tópico do trabalho, pretende-se elaborar uma reflexão sobre a utilização do direito
penal como meio de repressão da criminalidade organizada em geral, e dos crimes de
corrupção e branqueamento de capitais, em concreto, tal como vimos fazendo alusão ao
longo de todo o trabalho.
127
LEITE, André Lamas – O crime de branqueamento na redacção da Lei n.º 83/2017, de 18/8: A
importância de ver para além das aparências, 2018.
128
PINHEIRO, Luís Goes – O Branqueamento de Capitais e a Globalização (Facilidades na reciclagem,
obstáculos à repressão e algumas propostas de política criminal), 2002.
129
MARTINS, André Gomes Lourenço – Branqueamento de Capitais: Contra-Medidas a Nível
Internacional e Nacional, 1999.
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A criminologia e o direito penal não se demarcam das outras ciências no que toca a uma
evolução de pensamento e adequação do modo de atuação perante a sociedade. Estas
ciências, em estreita relação, devem seguir um raciocínio, adaptando-se às condições da
sociedade, aos valores a ela inerente, às práticas danosas e pelo contrário, não censuráveis,
em cada estágio societário. No plano jurídico de materialização desta ciência o mesmo se
verifica: a formulação e normas deve acompanhar e evoluir à medida da constante
progressão dos fenómenos sociais130.
A sociedade enfrenta também hoje, um novo paradigma, ao qual está inerte a evolução
dos meios tecnológicos e de transporte, uma maior facilidade na obtenção de bens e
serviços, até a livre circulação, contudo, acarretando, para além de benefícios que
concedem uma vida melhor aos cidadãos, efeitos nefastos noutros níveis, ao qual o
130
SILVA, Henriques da – Elementos de sociologia criminal e direito penal, 1905.
131
Idem, ibidem.
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Tendo em consideração este alargamento, o Direito Penal pode-se dar perante uma crise,
quanto aos seus meios efetivos de resposta, ou seja, uma inversa proporcionalidade entre
a procura intensiva do arsenal jurídico face à oferta disponível138. Também DUARTE139
revela a sua preocupação neste âmbito, estará o sistema de justiça penal dotado de meios
técnicos e humanos capazes de lidar com este tipo de criminalidade? A resposta parece
simples, se atentarmos a que, para com os meios existentes, tentarmos lidar com o
máximo de casos possíveis, contudo, quais os efeitos que traria em termos práticos?
132
CARNEIRO, Ana Teresa – Globalização e processo penal: implicações e hesitações.
133
Entende-se, pela atuação do Direito Penal, como sendo de ultima ratio, ou seja, demonstrando-se ser o
a face mais “pesada” dos ramos, o Estado só a ele recorre quando outras vias não se mostrem eficazes em
termos de prevenção geral.
134
Entenda-se centrada no Homem.
135
DIAS, Jorge Figueiredo – Direito Penal – Parte Geral – Tomo I – Questões Fundamentais. A Doutrina
Geral do Crime, 2004.
136
Entenda-se por processos de neocriminalização, a formulação legal de novas tipificações criminais.
137
RODRIGUES, Anabela Miranda – Direito penal económico – é legítimo? É necessário?, 2017.
138
MOURA, João Souto – Justiça, Ministério Público, Criminalidade económica, 2003.
139
DUARTE, Jorge Dias – Lei n.º 11/2005, de 27 de Março: o novo crime de branqueamento de capitais,
consagrado no artigo 368.º-A do Código Penal, 2002.
45
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Importa repensar se é este o caminho que se pretende para a justiça, para o Direito Penal,
um constante défice de resposta perante a sociedade e a descredibilização lenta das suas
estruturas.
DIAS140 estabelece esse mesmo raciocínio mental, numa averiguação dicotómica sobre
se o Direito Penal deve dilatar-se sob pena de uma perda de credibilidade ao nível
subsidiário ou se, por outro, deve cingir-se a uma conceção monista que as ideias
iluministas haviam fundado. Ainda na âncora do mesmo, a centralização antropocêntrica
da face penal do direito significaria, em termos práticos, uma estagnação científica, pelo
que se exige uma nova dogmática que acompanhe a celeridade das alterações sociais em
que se encontra. Prevê aqui, ainda em sede de alternativa, duas opções: ou o direito penal
se circunscreve ao entendimento clássico de tutela de bens jurídicos individuais ou, por
outro lado se ramifica pelas vertentes alternativas, nomeadamente civil e administrativa.
Terá então o Direito Penal legitimidade para dar resposta a tantas solicitações? Ora, de
acordo com DIAS142, é possível elaborar um argumento quando surge a bifurcação entre
bens jurídicos individuais ou coletivos. O mesmo estabelece que toda a ação do Estado,
incluindo a ação penal, encontra os seus fundamentos na Lei Fundamental e, nesse
seguimento, também os bens jurídicos que servem de base à incriminação penal, seguem
140
DIAS, Jorge Figueiredo – Direito Penal – Parte Geral – Tomo I – Questões Fundamentais. A Doutrina
Geral do Crime, 2004.
141
RODRIGUES, Anabela Miranda – Direito penal económico – é legítimo? É necessário?, 2017.
142
DIAS, Jorge Figueiredo – Direito penal e estado-de-direito material (sobre o método, a construção e o
sentido da doutrina geral do crime), 1981.
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esse postulado constitucional, numa mútua relação. Ou seja, perante isto, concluímos do
raciocínio que o quadro sobre o qual deve constar a atuação do direito penal encontra a
sua justificação nos princípios constitucionais.
A difícil conceitualização do bem jurídico que se pretende proteger, alerta para a essência
de uma natureza difusa e supra-individual.
Existem ramificações do direito pelo qual o crime económico poderia ter uma maior
eficácia, na sua repressão, refere-se, a título de exemplo, que muitas das infrações citadas
ao longo do desenvolvimento, incorrem numa supressão de tributo, pelo que essa
componente poderia estar entregue ao Direito Fiscal, especializado.
Não julgo, porém, que todos os exemplos acima transpostos, bem como os que constam
da primeira e segunda parte, sejam alvo de dignidade penal e, por isso, deveria-se
ponderar um alívio das exigências penais.
143
DIAS, Jorge Figueiredo – O papel do direito penal na proteção das gerações futuras, 2009.
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CONCLUSÃO
Contudo, penso ter atingido os objetivos que pretendia quando me propus a realizar esta
abordagem transversal, com a certeza de que haveria uma infinidade de conteúdos a expor
e debates a serem criados nesta temática tão controversa. Fazer criminologia também é
isto, não conformar, questionar e procurar uma solução. Só através disto se faz ciência e,
com este trabalho, julgo ter sido dado mais um passo, ínfimo, mas relevante, para a
prosperidade e sustentabilidade desta nossa área de estudo.
Passo então a enunciar as principais conclusões a que cheguei com a realização deste
trabalho.
A temática da corrupção é já antiga, por muita polarização que haja, na sociedade vigente,
nos meios de comunicação. Sob múltiplas formas, passiva, ativa, para ato ilícito ou lícito,
embrulha-se numa teia de interesses opaca, e vai corroendo todas as instituições
societárias. Para além de um crime grave, é uma constante deturpação de valores que
deveriam guiar a ação humana: a da ética e deontologia que tanto reforçamos. Contudo,
não surpreende, sendo eu um pessimista antropológico.
Na vertente repressiva, novas medidas estão a ser testadas e formulam-se termos como
delação premiada, destinado a favorecimento em detrimento de contribuição e tenta-se a
todo o custo, criminalizar, mesmo perante a declaração de inconstitucionalidade.
Criminalizar, só por si, nem sempre é a melhor alternativa enquanto fator dissuasor.
No que toca ao branqueamento, este é um tópico que revela ainda muita investigação.
Deverá haver um esforço multidisciplinar para que se alcance uma concretização eficaz,
que não dê aso a suscetibilidades. O direito deve-se apoiar nos estudos feitos pela
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criminologia, pela filosofia, pela história, para que, na hora de legislar, se faça de forma
eficaz e profícua.
Em suma, penso que todos os contratempos que surgiram, em sede de limitações, foram
ultrapassados e consigo, agora, posicionar-me criticamente e com base em factualidades
sobre o sistema de justiça penal, o que contribuiu não só, este trabalho final, mas também
todos conhecimentos adquiridos ao longo do semestre.
49
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CABRAL, José António Henriques dos Santos – O Direito Premial e o seu contexto.
Revista Julgar. (2019), pp 1-22.
CONCEIÇÃO, Ana Raquel - O arresto preventivo com vista à perda alargada de bens a
favor do estado: descontinuidades e aplicação prática. Revista da Ordem dos Advogados.
20, 1 (2020), pp. 13-39.
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DUARTE, Jorge Dias - Lei n.º 11/2005, de 27 de Março: o novo crime de branqueamento
de capitais, consagrado no artigo 368.º-A do Código Penal. Revista do Ministério
Público. 25, 98 (1998), pp. 129-144.
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LEGISLAÇÃO
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LEI N.º 35/2014, de 20 de junho – Lei geral do trabalho em funções públicas. Diário
da República n.º 117/2014, Série I (2014-06-20). Disponível em
https://dre.pt/dre/detalhe/lei/35-2014-25676932.
LEI N.º 52/2019, de 31 de julho. Aprova o regime do exercício de funções por titulares
de cargos políticos e altos cargos públicos. Diário da República n.º 145/2019, Série I.
(2019-07-31). Disponível em https://dre.pt/dre/detalhe/lei/52-2019-123610180.
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