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DA NECESSIDADE DE UMA EFETIVA ATUAÇÃO LEGISLATIVA PARA ATENDER OS DITAMES DA

SOCIEDADE DE RISCO

A fim de fazer a breve análise, em verdade mais uma provocação, que se


pretende neste texto, mister se faz buscar uma conceituação simples e objetiva
dos termos “globalização”, “pós-modernidade” e “sociedade de risco”.

Pós-modernidade é a representação da estrutura sociopolítico-cultural que se


iniciou, no tempo, ao final do século vinte, marcada pela globalização e
multiculturalismo. Avanço tecnológico e dos meios de comunicação, assim como
o estabelecimento definitivo do capitalismo na maioria das nações, são algumas
das principais marcas desta Era.

Globalização, em linhas gerais, é o processo de integração econômica, política,


social, cultural e tecnológica das diversas nações do globo, que implica, por
consequência, em uma mudança e aprofundamento de relações entre as
nações. Tal processo só foi possível a partir da pós modernidade, com o avanço
tecnológico e dos meios de comunicação já mencionados.

Por fim, a formação de uma sociedade de risco é uma das consequências de


uma Era pós-moderna e globalizada. O conceito de risco nasceu na
modernidade, e se tornou concreto a partir do Século XX.

O conceito de risco trazido pelo dicionário é “1. probabilidade de perigo, ger. com
ameaça física para o homem e/ou para o meio ambiente. 2. probabilidade de
insucesso de determinado empreendimento, em função de acontecimento
eventual, incerto, cuja ocorrência não depende exclusivamente da vontade dos
interessados.”1

Wagner Carmo, citando Heline Ferreira, assevera que “a sociedade de risco


decorre de um processo de modernização complexo e acelerado que priorizou o

1
Disponível em: https://languages.oup.com/google-dictionary-pt/
desenvolvimento e o crescimento econômico; sendo o risco uma dimensão
humana justificada pela escolha de uma alternativa dentre várias possibilidades”2

Ora, do que se vê de tais conceitos e da sua realização prática na sociedade


atual, se torna claro que os sistemas jurídicos de cada país, mais
especificamente o Direito Penal, será afetado por estas transformações de
relações.

Assim é que se fala em “Direito Penal” de primeira, segunda, terceira e quarta


velocidades, procurando adaptar-se o arcabouço do Direito Penal Clássico a tais
evoluções e interações econômicas e sociais, seja relativizando institutos, a fim
de afastar a aplicação da pena restritiva de liberdade ou até mesmo a própria
ação penal, seja flexibilizando garantias constitucionais para atingir aqueles
crimes que são praticados em detrimento de direitos coletivos ou de segurança
coletiva, ou ainda, criando ou ampliando tipos penais a fim de abarcar condutas
que são fruto das novas relações sociais.

O que vemos no Brasil, contudo, é que a produção legislativa não tem


acompanhado tais mudanças, ou, quando tenta, o faz carecendo da técnica
básica que deve acompanhar a dogmática penal. Assim, vemos a criação ou
proposta de criação de tipos penais abertos, equívocos em relação aos tipos de
pena, e, escatologicamente, a criação ou ampliação de tipos penais pelo Poder
Judiciário, o que a nós parece ser uma afronta mortal aos princípios basilares do
Direito e do Sistema Acusatório, em especial ao princípio nullum crimen, nulla
poena sine previa lege.

O nosso Poder Legislativo, ao que parece, ainda não se deu conta que, guiando-
se apenas pela teoria geral clássica do crime, o Direito Penal tornar-se-á
imprestável para a dinâmica pós-moderna de relações, uma vez que tal “teoria
geral não se aplica à universalidade”3. Tal fato permite uma ingerência deveras
perniciosa (e inconstitucional) do Poder Judiciário, que se arvora a produtor de

2
CARMO, Wagner, in A Sociedade de Risco, disponível em https://emporiododireito.com.br/leitura/a-
sociedade-de-risco, acessado em 03 de março de 2023
3
Citação do Professor Orlando Faccini Neto, em aula da unidade seis “Justiça Penal Negocial”, módulo
“Problemas Contemporâneos do Sistema de Justiça Criminal” – Curso de Especialização em Direito Penal
e Direito Processual Penal - FMP
lei penal, e a flexibilizador de garantias constitucionais, na aplicação do Direito
Penal do Inimigo, sem qualquer arrimo legal para tanto.

O sistema jurídico brasileiro, por certo, não está assentado nas bases da
common law, que, provavelmente, se mostra mais eficaz para acompanhar as
mudanças rápidas que, dia após dia, se vê acontecer. Este fato, contudo, não
pode justificar a inércia do Poder Legislativo, nem a atuação desmedida do Poder
Judiciário.

Tem-se como exemplo do que se discute o Projeto de Lei 7584/14, que tramita
há oito anos na Casa Legislativa. Analisando-se tal projeto, encontramos
exemplos de normas penais repletas de impropriedades técnicas, que
impediriam a sua aplicação, o que ainda retardaria mais a atenção a direitos
urgentes.

Foi exatamente o que se viu no conhecido Pacote Anticrime, o qual, pela falta de
precisão e técnica legislativa, ainda tem muitos dos seus dispositivos suspensos,
sem efetividade prática.

Podemos mencionar, da mesma forma, a Lei 13.260/2016, que, por exemplo,


retirou da conceituação de terrorismo a sua finalidade política, que é a mais
recorrente em todo o mundo.

Não se pode deixar de atender a urgência que os acontecimentos de uma


sociedade de risco nos impõe, mas, não se pode perder de vista que este é um
Estado Democrático de Direito, que tem na lei a sua fonte primária de direitos e
obrigações

Assim, a regulação das relações pós modernas, de uma sociedade de risco,


fruto da globalização, e em atenção ainda ao multiculturalismo, deve se dar
através de leis elaboradas de acordo com a boa dogmática penal, observando-
se os conceitos basilares do Direito Penal e Direito Processual Penal,
assegurando-se a obediência aos princípios constitucionais, sob pena de o
arcabouço legislativo ser inundado de leis inócuas, ou ainda (até pior) ser
invadida a esfera de atuação legislativa pelo Poder Judiciário.

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