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1. Introdução
Entre elas cabe mencionar o crescente papel dos meios de comunicação social em um
duplo sentido: em primeiro lugar, enquanto foro no qual a partir de um princípio se
desenvolve a discussão pública sobre os problemas sociais mais relevantes, sem que tal
discussão chegue mediada por um prévio debate entre os especialistas, que em geral
acontece de modo simultâneo. Em segundo lugar, pela configuração progressiva dos
meios como um dos agentes mais significativos do controle social nas sociedades
modernas, ao ter demonstrado com sobra sua capacidade para generalizar a assunção
de pontos de vista e de atitudes.
Porém, tais transformações sociais também estão produzindo outros efeitos indesejáveis
sobre uma perspectiva político-criminal, aos quais se deve prestar atenção: entre eles,
pode-se mencionar o grave risco de que o protagonismo dos meios na discussão de
problemas relacionados com sérios conflitos sociais ou com a delinqüência dê lugar a
uma distorção, por interesses mercadológicos ou de outra natureza, das condições reais
da questão, com dissimulação ou desconsideração de dados relevantes; ou o abandono
dos esforços para consolidar uma moralidade civil, cuja função de difusão de regras
morais de comportamento é indispensável em uma sociedade pluralista, e que, não
obstante, registra um processo alarmante de empobrecimento ao identificar seu
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conteúdo com os do direito, necessariamente muito mais limitados.
Porém o processo que agora nos interessa ressaltar, derivado da combinação das duas
circunstâncias supracitadas, é aquele pelo qual a opinião pública, movida pelos meios de
comunicação social, submete os Poderes Públicos a uma pressão contínua para que se
empreendam as reformas legislativas que permitam o direito; e para o direito penal em
particular, refletir os consensos, compromissos ou estados de espírito produzidos nesses
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debates públicos sobre problemas sociais relevantes. Em troca, os poderes públicos,
conhecedores dos significativos efeitos socializadores, e principalmente sociopolíticos,
que a admissão de tais demandas toleram, não só se mostram inclinados a atendê-las
mas, com freqüência, as fomentam.
Os meios para neutralizar essa preocupante evolução da política legislativa penal devem
transitar por diferentes vias. Uma delas é, sem dúvida, o deslocamento da ênfase da
reflexão jurídico-penal a partir do campo da aplicação do direito ao de sua criação.
Torna-se urgente o aprofundamento da elaboração de uma teoria e uma técnica de
legislações penais que destaquem os pressupostos materiais, e não somente os formais,
de qualquer decisão legislativa penal; e que estejam longe de se satisfazer com a
identificação do bem jurídico a tutelar em cada caso ou com reflexões ingênuas sobre o
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princípio da intervenção mínima vigente no direito penal. A outra tem que atender a
uma delimitação sem prejuízo dos contornos dentro dos quais o direito penal pode
utilizar os denominados efeitos simbólicos da sanção, e ainda das normas penais. É
deste último aspecto que nós vamos nos ocupar neste trabalho.
O ponto de partida tem que ser a dupla constatação de que ao direito penal lhe é
consubstancial o uso dos denominados efeitos simbólicos e que, realmente, serviu-se
sempre deles, em geral com plena consciência de sua legitimidade, para a obtenção de
seus fins. Daí por que, como será visto, o escopo de nossa reflexão não deve ser a busca
de mecanismos pelos quais se podem proscrever do campo de atuação penal o emprego
de tais efeitos, mas sim se aprofundar inicialmente na sua natureza e no modo de operar
para, em seguida, nos determos em realizar algumas contribuições às condições que
devem concorrer para que seu uso tenha legitimidade. Somente nesse contexto poderão
se identificar as bases de crítica ao "direito penal simbólico", cuja generalização nos
preocupava desde o início destas linhas.
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O DIREITO PENAL SIMBÓLICO E OS EFEITOS DA PENA
Nesse contexto, a consideração que se tem pelos efeitos simbólicos é muito limitada na
medida em que não atendem primariamente à proteção de bens jurídicos nem produzem
modificações comportamentais na realidade social. Assim, para uns somente são
admissíveis enquanto efeitos secundários da intervenção penal, variando sua aceitação
segundo a importância que é atribuída aos fins ou funções preventivo-gerais da pena, os
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quais, parece, se logram através dos efeitos simbólicos. Para outros, estamos diante de
um efeito da intervenção penal que não é suscetível de legitimação, por mais que para
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alguns seja inevitável.
Considero, porém, que o descrédito que se produz dos efeitos simbólicos é precipitado,
pois, ao contrário do que se sustenta, não apenas estão em condições de proteger bens
jurídicos através da prevenção de comportamentos, mas também tornam-se
indispensáveis para alcançar tais propósitos.
além de ter também o papel fundamental nas teorias preventivas que buscam reforçar
determinadas socializações ou confirmar a vigência dos conteúdos básicos da ordem
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social entre os cidadãos.
O objetivo imediato é evitar danos, riscos ou perigos graves aos bens jurídicos
fundamentais para a convivência, e se legitima pela necessidade de manter a ordem
social básica.
A configuração do objetivo e de sua legitimação faz com que a busca de sua consecução
deva acomodar-se à vigente ordenação valorativa dos pressupostos essenciais para a
convivência, isto é, ao catálogo de bens jurídico-penais e à identificação das lesões ou
perigos mais significativos a eles (princípio da fragmentariedade). Dessa maneira, um
planejamento da obtenção do objetivo desconhecedor de tal ordenação valorativa
volatilizaria este último e geraria desordem social, razão pela qual a citada ordenação se
torna decisiva na delimitação do objetivo.
O objeto escolhido e sua legitimação fazem com que seja necessário manter como ponto
de referência os critérios culturalmente vigentes sobre a atribuição de responsabilidade
pela realização de um comportamento socialmente relevante, isto é, o sistema de
responsabilidade penal e sua graduação. Uma configuração da pessoa suscetível de
responsabilidade desconhecedora de tal sistema de atribuição e de sua diferenciação
volatilizaria o objeto de intervenção e o desconectaria de sua legitimação, pelo que tal
sistema de responsabilidade é condicionante da eleição do objeto de intervenção social.
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socialmente perturbadoras.
Dentro dos subsistemas de controle social, opta-se pela modalidade mais enérgica, que
é o controle social jurídico-penal que tolera o emprego de penas; isso se legitima
cumulativamente pela irrenunciabilidade do objeto perseguido e o caráter subsidiário
diante de outras modalidades de política e de controle social. Mas o modelo concreto de
intervenção sócio-jurídico escolhido e sua legitimação devem ajustar-se estritamente aos
limites da afetação dos planos de vida individuais reconhecidos aos poderes públicos no
momento de estabelecer a ordem social, isto é, às condições de aceitação do contrato
social. Um exercício da intervenção sócio-jurídica mencionada que ignora tais conteúdos
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não se legitimaria por superar os limites do poder acordados socialmente.
Uma vez estabelecido o fundamento das sanções penais, convém salientar os efeitos
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sociais a obter com as penas. Certamente à cominação, imposição e execução das
sanções penais se vêm atribuindo virtualidade para produzir diversas conseqüências
sociais. A legitimidade para produzir uns e outros derivará de sua correspondência com
as decisões fundamentadoras da utilização das sanções penais.
O primeiro deles seria o de proporcionalidade: de acordo com esse princípio, que carece
de conotações utilitárias, a existência e essência da pena devem refletir a presença e a
importância da lesão ao bem jurídico, assim como a concorrência e a intensidade da
responsabilidade do autor. Por meio do respeito se garante a coerência da pena com as
condições de seus dois primeiros fundamentos.
O terceiro princípio é o da humanidade das penas e garante que as sanções penais não
ultrapassem os níveis de incidência sobre cidadãos que são admissíveis no marco das
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O DIREITO PENAL SIMBÓLICO E OS EFEITOS DA PENA
condições de aceitação do contrato social. De caráter não utilitário, assegura que a pena
se mantenha dentro dos limites inerentes ao quarto fundamento.
levar facilmente à comissão de crimes. Isto se faz sobre cidadãos que, pode-se dizer,
têm uma distante potencialidade de delinqüência, na medida em que não se trata de
pessoas que estejam pensando em delinqüir, mas sim de cidadãos que, ao contrário da
maioria social, têm dificuldades para identificar corretamente determinados pressupostos
essenciais para a convivência (bens jurídicos), e cuja existência consta a partir de
conclusões confiáveis da investigação social. Incide sobre eles mediante a produção de
representações mentais que nesse caso reforçam ou consolidam a interiorização de
modelos de comportamento de acordo com o respeito a bens jurídicos penalmente
tutelados, a fim de reduzir os déficits cognitivos e os comportamentais relativos a certas
condutas socialmente inaceitáveis para a convivência social básica. O efeito é
desenvolvido de um modo equivalente nas três fases da sanção penal, na cominação, na
imposição e na execução, pois em todas elas o cidadão percebe que a respeito de
determinadas condutas está-se empregando o modelo de intervenção social mais
enérgico, o controle social penal, o que o motiva, de modo mais ou menos consciente, a
interiorizar os padrões valorativos contidos nessas normas para não correr o risco de
ver-se confrontado, algum dia, com uma pena. Esse funcionamento do controle social
penal em certos âmbitos constitui um mal em si, mesmo para o delinqüente potencial
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distante, pois cria insegurança a respeito de suas condições pessoais para
acomodar-se à lei penal.
Com isso não se pode alegar que já se perdeu o objetivo legitimador da utilização da
pena, constituído pela proteção de bens jurídicos, pois a proteção diante da
desorganização social não é comparável à proteção do consenso social em geral, o que
certamente suporia utilizar a pena para fins que não lhe correspondem, mas que se
centra nos elementos primários da ordem social, como adequado ao âmbito de proteção
próprio do controle social penal.
Esse efeito incide sobre os cidadãos com capacidade para serem delinqüentes, isto é,
sobre quem possui as condições pessoais para criar danos ou riscos aos bens jurídicos
penais e para ser responsável por isso; trata-se de cidadãos sem potencialidade para
delinqüir, já que não mostram um risco apreciável de realizar condutas delitivas
enquanto as considerem como tais; porém, a ausência das reações próprias do controle
social penal poderia suscitar neles, seja a decisão de realizar quaisquer condutas
objetivamente delitivas, na medida em que já não as sentiriam assim por reconhecer
que já não regem os limites à liberdade pessoal derivados dos deveres de autocontrole
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assumidos no contrato social primário, seja a decisão de realizar certas condutas
delitivas, ou condutas delitivas em geral, sob certas condições já não consideradas
delitivas por terem chegado à conclusão errônea de que variaram algumas concepções
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culturais básicas integrantes do contrato social.
- Quanto aos dois últimos efeitos sócio-pessoais mencionados, cuja vinculação a alguns
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dos conteúdos atribuídos à prevenção geral positiva é facilmente perceptível, deve-se
reafirmar sucintamente sua legitimidade ante certas objeções desqualificadoras. Desse
modo, o emprego da sanção penal para socializar a comunidade, que deficientemente
interiorizou os componentes primários da ordem social, constitui uma imposição social
aceitável, na mesma linha que a ressocialização preventivo especial individual. E não há
de se deparar com problemas de legitimação, especialmente com a censura de
moralização indevida, enquanto se limite aos conteúdos mínimos da coexistência que
protegem contra a desorganização social e as representações mentais suscitadas
coincidam materialmente com as assumidas pela grande maioria social aceitadora da
ordem social básica. Do mesmo modo, nada obsta que a confirmação das convicções
básicas da maioria dos cidadãos sobre a vigência da ordem social primária e seus
componentes essenciais possa configurar-se como um efeito social a se obter ao término
da escala de intervenções sociais que viemos descrevendo: somente a pretensão de
modificar tais convicções através da reação penal, atuando contra os valores
amplamente majoritários, ou de impossibilitar sua evolução espontânea, podem tornar
injustificável a utilização desse efeito, da mesma forma que se coloca esse efeito no
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primeiro plano da intervenção penal, que é necessariamente aflitiva.
Talvez não seja demais lembrar como o método de suscitar representações mentais nos
cidadãos, certamente não limitado para produzir efeitos intimidadores, pôde ser
qualificado por algum profundo e crítico conhecedor da evolução dos mecanismos de
controle social como algo característico das técnicas "ilustradas" que acabaram cedendo
diante das demandas de reabilitação e ressocialização individual da "sociedade
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disciplinar".
Na mesma linha argumentativa opera o fato que, do ponto de vista das pessoas sobre as
quais incidem, os efeitos sócio-pessoais estudados podem ter um caráter cumulativo em
uma única direção: aquela que vai desde o delinqüente real ao cidadão com capacidade
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para ser delinqüente, porém não em sentido contrário.
Além disso, a pena que se impõe e executa no delinqüente real deve poder justificar-se
a todo momento pelos efeitos que diretamente se pretendem obter sobre ele, sem que
os fins sociais a obter sobre aqueles que não delinqüiram possam condicionar a sua
aplicação. Certamente, e como vimos, os efeitos a obter sobre o delinqüente real não se
reduzem à sua ressocialização, mas abarcam igualmente sua reabilitação e intimidação
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individual, mas em qualquer caso, os princípios que orientam e as possibilidades que
oferecem à individualização judicial e penitenciária da pena devem estar orientados para
garantir tal justificação. Somente o princípio de proporcionalidade, encarregado de
assegurar a coerência da pena com seus dois primeiros fundamentos, juntamente com a
importância da lesão do bem jurídico e com a intensidade da responsabilidade do autor,
poderá estabelecer limites a essa adequação da imposição e execução da pena, para os
efeitos sociais pretendidos sobre o delinqüente real.
A meu ver, o fenômeno do direito penal simbólico não pode ser entendido como um
problema de desajuste entre os efeitos que se pretendem (fins) ou se crêem (função)
conseguir, e os que realmente se pretendem ou obtêm. Pois o questionamento do direito
penal simbólico não nasce da pretensão de garantir a coerência entre os programas de
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decisão, em geral legislativo, e os resultados alcançados, mas das dúvidas sobre a
legitimidade da produção de certos efeitos sócio-pessoais. Até o ponto de que se uma
intervenção penal produz efeitos que previnem comportamentos lesivos de bens
jurídicos, não a desqualificará como "simbólica", por mais que esse efeito ou efeitos
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produzidos não fossem desejados ou previstos. A ênfase no engano ou na ficção
supõe, no melhor dos casos, fixar-se no adjetivo e não no substantivo.
Isso acontecerá se os mencionados efeitos satisfazem objetivos que não são necessários
para manter a ordem social básica, se centram sua incidência sobre objetos pessoais que
não são os decisivos na lesão ou perigo de lesão dos bens jurídicos, ou se, finalmente,
seu conteúdo não guarda relação com as necessidades de controle social a satisfazer
com a reação penal.
Desse modo, poderemos discordar a respeito de quando uma intervenção penal merece
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O DIREITO PENAL SIMBÓLICO E OS EFEITOS DA PENA
ser qualificada como simbólica, mas em qualquer caso a discussão não deve abandonar
o plano utilitário, isto é, deve girar sobre quando o emprego da sanção penal descansa
de forma relevante sobre efeitos sócio-pessoais desnecessários a partir do princípio
teleológico legitimador da sanção penal. Secundária é a perda da coerência entre o
querido ou previsto e o realmente buscado ou obtido, e a outro lugar pertence a questão
de se os efeitos sócio-pessoais implicados se tornam inaceitáveis a partir do ponto de
vista dos demais princípios, não utilitários, legitimadores da pena, como o da
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proporcionalidade e da humanidade das penas.
Nesse último tipo de leis produz-se com freqüência um fenômeno inverso, também
presente em maior ou menor medida em outras modalidades, em virtude do qual se
renuncia a despenalizar determinados comportamentos, cuja necessidade de prevenção
jurídico-penal já não existe ou é muito discutível, sob o argumento, neste caso, de que a
derrogação de tais preceitos produziria o efeito indesejado de que a sociedade
consideraria tais condutas, a partir desse momento, socialmente corretas. Isto esteve,
nos anos 70 e 80, no centro da polêmica sobre a derrogação dos delitos de adultério,
escândalo público e jogos ilícitos e é, sem dúvida, um dos efeitos cuja possível produção
condiciona as atuais decisões legislativas que persistem em incluir a maconha entre as
substâncias objeto dos delitos relativos às drogas, ou que levou a manter a punição,
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quase só nominal, da cooperação necessária à eutanásia do art. 143.4.
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O DIREITO PENAL SIMBÓLICO E OS EFEITOS DA PENA
Mas se conseguem também esses efeitos na fase de imposição da pena: por exemplo,
mediante decisões judiciais atentas especialmente a mostrar sua identificação com as
preocupações dos cidadãos, como seria o caso da jurisdição penal espanhola, que,
acusada em numerosas ocasiões de escassa sensibilidade no tocante às agressões
sexuais, desenvolveu uma jurisprudência que tende a se conformar rapidamente com o
mero testemunho da vítima para condenar por agressões sexuais ou conjunção carnal.
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Trata-se de intervenções penais cujos efeitos não vão além da fase da cominação penal,
sem prejuízo de que, ao contrário das anteriores, tenha capacidade para prevenir
comportamentos delitivos. Entre elas podem ser mencionadas:
Um terceiro grupo de suposições abarca intervenções penais cuja natureza dos efeitos
supera as necessidades de controle social a satisfazer pela reação penal, o que acontece
quando se vai além do efeito de confirmação da ordem social básica em cidadãos com
capacidade delitiva. Dessa forma, são ignoradas as exigências do princípio da
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O DIREITO PENAL SIMBÓLICO E OS EFEITOS DA PENA
subsidiariedade.
Isto não obsta que estejamos ante intervenções penais com virtualidade para prevenir
comportamentos delitivos e respeitosos com a estrutura pessoal da intervenção penal
que acabamos de recordar na parte anterior. Ademais, seus efeitos podem ser
localizados na fase de cominação, mas também nas de imposição e execução das penas.
As leis ativistas, com as quais se cria na sociedade a confiança de que se está fazendo
algo ante os problemas não resolvidos. Assim sucedeu com a criação do crime de
não-pagamento de pensões familiares do art. 227, em um contexto de incapacidade
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para executar as decisões civis, ou com os delitos de tráfico de influências do art. 428
et seq., dentro de uma atividade administrativa, cuja discricionariedade progressiva não
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se deseja pôr limite.
As leis promotoras, cujo efeito deve ser a modificação de determinadas atitudes sociais,
diante de certos problemas sociais. É o caso do crime de usurpação de imóveis do art.
245.2, de algumas condutas incluídas entre os delitos relativos à flora e à fauna do art.
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332 et seq., ou da inclusão dos maus-tratos psíquicos entre as hipóteses de violência
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doméstica do art. 153.
Por outro lado, o direito penal simbólico não está reduzido ao âmbito da cominação
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O DIREITO PENAL SIMBÓLICO E OS EFEITOS DA PENA
penal ou, o que é a mesma coisa, a um problema relativo às decisões legislativas. Sua
propagação para o âmbito da imposição e execução da pena, através das decisões
judiciais e penitenciárias correspondentes, é cada vez mais evidente, e faltam estudos
sobre as decisões judiciais e de execução de pena que merecem o qualificativo de
simbólico.
Em primeiro lugar, porque uma boa parte deles, como tivemos ocasião de ver, ajusta-se
estritamente ao objetivo de proteção de bens jurídicos através da prevenção de
comportamentos, assim como para o resto de decisões político-criminais que
fundamentam o uso da pena.
Em segundo lugar, porque renunciar a todos aqueles que vão além da intimidação do
delinqüente real ou potencial significa privar-se de alguns dos meios mais eficazes, na
atual sociedade de massas, para alcançar de uma maneira legítima o objetivo de manter
a ordem social primária. Na atual sociedade comunicativa, com a proliferação de
mecanismos de transmissão das mensagens normativas e sua influência sobre os
comportamentos, parece pouco realista sustentar que o controle social penal deve
limitar-se ao uso daqueles efeitos que chamamos materiais, somente reforçados por um
efeito expressivo-integrador - o intimidatório.
1. Veja sobre este último as reflexões que fiz em Exigencias sociales y política criminal.
Claves de razón práctica, 1998, n. 85, p. 48-49.
2. Vide sobre esse assunto em Díez Ripollés. "El bien jurídico protegido en un derecho
penal garantista". Jueces para la democracia 30/10, noviembre 1997.
5. Vide mais sobre este tema em Díez Ripollés. "El bien jurídico...", cit., p. 13 et seq.
7. Vide claramente nesse sentido Voss, op. cit., p. 2-6, 25, 40-42, 77-78, 181-182,
206-208, entre outros muitos lugares; Silva Sánchez. Aproximación..., cit., p. 304-306;
Silva Sánchez. "Eficiencia y derecho penal". Anuario de Derecho Penal y Ciencias Penales
, 1986. p. 119-120; Terradillos Basoco. "Función simbólica y objeto de protección del
derecho penal". Pena y Estado, 1991. p. 10-11, 15-16; Baratta. "Funciones
instrumentales y simbólicas del derecho penal: una discusión en la perspectiva de la
criminología crítica". Pena y Estado, 1991. p. 52-55; Melossi. "Ideología y derecho penal:
¿el garantismo jurídico y la ciminología crítica como nuevas ideologías subalternas?".
Pena y Estado, 1991. p. 57, 62; Sanguiné. "Função simbólica da pena". Revista
portuguesa de ciência criminal, 1995. p. 85-89. Más matizadamente, Hassemer,
"Derecho penal simbólico...", cit., p. 30; Bustos Ramírez, "Necesidad de la pena, función
simbólica y bien jurídico medio ambiente", Pena y Estado, 1991, p. 101, 107-109.
8. Vide: Hassemer. "Derecho penal simbólico...", cit., p. 27, 29, 30-31; Bustos Ramírez.
Op. cit., p. 101, 107-109; Terradillos Basoco. Op. cit., p. 10-11; Cuello Contreras. El
derecho penal español. Parte general/1. Madrid: Civitas, 1996. p. 58.
9. Silva Sánchez. Aproximación..., cit., p. 306-307; Baratta. Op. cit., p. 52-55; Melossi.
Op. cit., p. 62-64.
10. Vide uma documentada referência a respeito em Voss, op. cit., p. 68-70.
12. Vide um uso similar destes termos, com as posteriores referências doutrinárias, em
Voss, op. cit., p. 64-66, 68-70, 151, 155-156, entre outros lugares.
13. Claramente nesse sentido, entre outros: Voss. Op. cit., p. 1-4, 25-35, 39, 40-42,
77-78, 138-139, 194, 206-208; Terradillos Basoco. Op. cit., p. 11, 15; Silva Sánchez.
Aproximación..., cit., p. 305-307; Hassemer. "Derecho penal simbólico...", cit., p. 27.
14. Defende igualmente uma clara proximidade conceitual entre os efeitos expressivos e
os integradores, Voss, op. cit., p. 1-4, 27, 40-42, 77, 194, 206, entre outros lugares.
15. Partindo de um conceito mais restritivo que o que aqui se vai defender, integram de
forma normalizada os efeitos expressivo-integradores entre os efeitos substantivos da
pena, Hassemer, "Derecho penal simbólico...", cit., p. 26, 27, 29; Bustos Ramírez, op.
cit., p. 101, 107, 109; Cuello Contreras, op. cit., p. 58.
16. Dada a finalidade deste artigo, limito-me nos itens subseqüentes a assentar as bases
da argumentação que se desenvolverá a partir do item 3, sem pretender entrar a fundo
na rica polêmica sobre o fundamento e os princípios da sanção penal.
17. Sem que isso implique que os Poderes Públicos tenham que renunciar a outros
objetos de intervenção social, como os condicionantes sócio-estruturais da delinqüência.
18. Tal sistema de responsabilidade não determina quais sejam as classes de objetos
pessoais sobre os quais tem de incidir, nem de que forma nem com que efeitos, porém
estabelece as diferenciações e graduações que, independentemente do momento no qual
se intervenha, deverão respeitar ao incidir sobre qualquer objeto pessoal. Assim, não
poderá atuar sobre meras atitudes internas, nem sobre inimputáveis, a intervenção terá
de ser distinta segundo sejam condutas de autoria ou de participação etc.
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O DIREITO PENAL SIMBÓLICO E OS EFEITOS DA PENA
19. Sem prejuízo de sua coexistência com outros modelos de intervenção social, como
as políticas assistenciais encaminhadas a superar situações individuais de
marginalização.
20. Vide sobre este último, mais amplamente Díez Ripollés. "El bien jurídico...", cit., p.
10.
21. Fora de nossa consideração vão ficar os efeitos sociais produzidos pela norma penal
em si mesma, independentes dos que se conseguem com a pena, e que, apoiados no
prestígio social do direito penal, supõem uma função, e não um fim, a ter em conta
seriamente.
22. Vide os outros dois blocos de princípios, todos constituintes dos princípios estruturais
do controle social penal, e uma breve enumeração dos relativos à proteção, em Díez
Ripollés, "El bien jurídico...", cit., p. 12-13.
23. Também se consegue um efeito reabilitador com penas de multa que produzem uma
quebra econômica que dificulta notadamente a reiteração do delito, com a limitação de
fim de semana quando o delito está relacionado com as atividades durante o tempo livre
ou, em geral, com quaisquer penas que intensifiquem o controle social sobre o
delinqüente.
25. Aqueles que se mencionou que sofre o delinqüente real quando, ou ao menos os que
dão lugar a sua intimidação, mencionados na suposição anterior.
26. Que funda suas raízes nos males que sofreria se em algum momento falhasse em
sua adaptação social.
28. Partir-se-ia do ponto que havia perdido vigência o contrato social ao não reagir
diante das violências de seus elementos integrantes.
29. Embora não se questionasse o contrato social em si mesmo, se sucedesse tal coisa
com respeito à ordenação valorativa dos pressupostos essenciais para a convivência
(bens jurídicos) ou com respeito ao sistema de responsabilidade estabelecido.
30. O que deriva de forma direta do respeito da própria norma e indiretamente dos
obstáculos materiais que tais proibições vão originar (prevenção policial, outras atuações
institucionais...). Chama a atenção sobre este aspecto negativo do efeito de confirmação
da ordem social básica Octavio García Pérez.
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O DIREITO PENAL SIMBÓLICO E OS EFEITOS DA PENA
33. Vide uma nítida contraposição entre ambos os modelos de atuar, manifestando-se
pelo primeiro, embora não desejando reconhecer a indubitável consideração de
elementos do segundo, em Silva Sánchez, "Eficiencia y derecho penal", Anuario de
Derecho Penal y Ciencias Penales, 1996, p. 98-106, 119-112, com uma postura mais
matizada que em escritos anteriores.
34. Vide uma classificação disto, por todos, em Pérez Manzano, Culpabilidad..., cit., p.
18-19, 248 et seq.
35. Sobre este último veja o que se diz em seguida sobre a gradação do componente de
"mal" da pena nos diferentes efeitos sociais por ela produzidos. Em sentido contrário ao
exposto: Voss. Op. cit., p. 117-123; Pérez Manzano. Culpabilidad..., cit., p. 250, 288;
Silva Sánchez. Aproximación..., cit., p. 300-304, quem parece partir de que todo
trabalho de socialização coletiva implica sobre toda uma função promocional, isto é, de
modificação de concepções sociais existentes ou de aceleração da implantação de
concepções sociais ainda não arraigadas. O ponto de vista desse autor tem
provavelmente a ver com a valoração que merecem as convicções sociais majoritárias
como critério de referência do direito penal, vide infra.
36. Vide: Foucault. Vigilar y castigar. 3. ed. Siglo XXI Editores, 1978. p. 94-136.
37. Especialmente convencidos desse ponto de vista, entre outros, Silva Sánchez.
Aproximación..., cit., p. 204-206, 228-241, 307-308; Luzón Peña. "Prevención general y
psicoanálisis". Derecho penal y ciencias sociales. Mir Puig de. UAB, 1982. p. 146 et seq.;
Perez Manzano. Culpabilidad..., cit., p. 42-43, 170-171, 257-258, 260, 270-274, 281.
38. Vide uma descrição do fenômeno em Díez Ripollés, Los elementos subjetivos del
delito. Bases metodológicas, Tirant, 1990, p. 155-189; Haffke, Tiefenpsychologie und
Generalprävention, Verlag Sauerlander, Frankfurt, 1976.
41. Na realidade, até quando essas necessidades irracionais estão presentes, não se
pode resolver o problema simplesmente ignorando-as, pois constituem uma função, em
ocasiões inevitáveis e em todo caso indesejáveis, de certas intervenções penais e ante a
qual tem que desenvolver certas estratégias sociais. Contudo, este é um problema sobre
o qual agora não podemos nos pronunciar.
43. Isto não quer dizer, contudo, que tal acumulação tem obrigatoriamente de se
produzir. De forma que não há por que surgir todos os efeitos sócio-pessoais descritos
posteriormente na escala naqueles que se encontram nos níveis anteriores.
44. Efeitos estes que devem ter-se devidamente em conta, igual ao respeito ao princípio
da proporcionalidade (vide imediatamente infra), a hora de concretizar as atuações a
respeito dos delinqüentes ocasionais, não necessitados de ressocialização.
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O DIREITO PENAL SIMBÓLICO E OS EFEITOS DA PENA
45. Claramente nessa linha: Voss. Op. cit., p. 2-4, 39, 71-71, 74-75, 77-78, 206-212;
Hassemer. "Derecho penal simbólico...", cit., p. 28-30, 35; Paul. "Megacriminalidad
ecológica y derecho ambiental simbólico". Pena y Estado, 1991. p. 122; Cuello
Contreras. Op. cit., p. 58; Pérez Manzano. "El impago de prestaciones económicas a
favor de cónyuge y/o hijas e hijos". Análisis del Código Penal (LGL\1940\2) desde la
perspectiva de género. Instituto vasco de la mujer, 1998. p. 221-222.
46. Nesse sentido, Baratta, op. cit., p. 53-55; Terradillos Basoco, op. cit., p. 10-14, que
na realidade fala de um direito penal ideológico, mais que simbólico, quando superados
certos limites; Melossi, op. cit., p. 57, 62; Bustos Ramírez, op. cit., p. 101, 107-109;
Silva Sánchez. Aproximación..., cit., p. 305-307; do mesmo: Eficiencia..., cit., p.
119-120. Este último autor, contudo, parece que está modificando notavelmente sua
atitude radicalmente negativa para o que agora denomina prevenção
"simbólico-comunicativa" (vide: La expansión del derecho penal. Madrid: Civitas, 1999.
p. 57-61, 124, 127).
47. Contudo, Voss, op. cit., p. 208-218 chega a interpretar o direito penal simbólico
como uma infração da pretensão de validez da veracidade referida à ação comunicativa
de Habermas. Sem prejuízo de que toda ação comunicativa, também a jurídica, deva
satisfazer tal pretensão, não acredito que esse seja o elemento decisivo para
caracterizar o direito penal simbólico, como exponho em seguida.
48. No fundo compartilham também desse ponto de vista Voss y Hassemer, como
demonstra sua decisão de analisar esta problemática a partir do conceito de função e
não do de fim. Vide: Hassemer. "Derecho penal simbólico...", cit., p. 20; Voss. Op. cit.,
p. 58-59. Isto sem esquecer que, com freqüência, simplesmente acontece que o
legislador não sabe o que quer.
49. Alude igualmente a esta idéia Hassemer, "Derecho penal simbólico...", cit., p. 29.
50. Isso explica que, ao meu juízo, a problemática sobre a imposição seletiva ou
arriscada da pena, que mostra a concentração da reação penal sobre certos coletivos ou
indivíduos, ou sua imposição de uma maneira aleatória a somente uma pequena parte
dos infratores, não tem a ver com o direito penal simbólico, mas com o princípio da
humanidade das penas, mediante o qual se oculta, entre outras coisas, pela
não-aplicação desigual da lei. Hassemer estabeleceu a questão nos debates do colóquio
de Toledo, no qual teve origem este artigo.
51. Vide também uma menção a este tipo de leis em Voss, op. cit., p. 30-31, entre
outros lugares.
52. Vide uma crítica nesse sentido do citado preceito em Díez Ripollés, "El delito de
negación de hechos históricos", Diario El País, 9 jul. 1999. Vide também Laurenzo
Copello, "La discriminación en el Código Penal (LGL\1940\2) de 1995", Estudios penales
y penitenciarios, XIX, Universidad de Santiago de C., 1996, p. 265-269. Apóia em geral
o efeito, para o simbólico, da pena de transmitir um sentimento de igualdade entre os
cidadãos, com expressa menção do genocídio, Bustos Ramírez, op. cit. p. 101, 108-109.
54. Veja uma esclarecedora análise crítica em Gracia Martín, "Consideraciones en torno a
la validez de la prueba del testigo perjudicado por el delito", Revista de Derecho Penal y
Criminología, 1998, p. 223 et seq.
55. Suposição esta que constitui, também, um bom exemplo de lei de compromisso.
Veja supra.
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O DIREITO PENAL SIMBÓLICO E OS EFEITOS DA PENA
56. Menciona esta hipótese entre os simbólicos, Silva Sánchez, Aproximación..., cit., p.
305. Vide também: Zugaldía Espina. Fundamentos de derecho penal. 3. ed. Tirant,
1993. p. 239-240. Em sentido contrário, Pérez Manzano, "El impago...", cit., p. 221-223.
57. Nessa linha, vide: Gimbernat Ordeig. "El nuevo delito de tráfico de influencias".
Diario El Mundo. 5 de febrero de 1991; Silva Sánchez. Aproximación..., cit., p. 305; e o
mesmo em Exigencias sociales..., cit., p. 50-51. Na realidade, estes preceitos
encaixam-se facilmente também entre os que temos denominado supra como leis
aparentes.
59. Os delitos contra o meio ambiente, em geral, são objeto habitual de repreensões
relativas ao seu caráter simbólico, freqüentemente embora não sempre, no contexto do
efeito sócio-pessoal que agora criticamos. Vide, entre outros muitos: Hassemer.
"Derecho penal simbólico...", cit., p. 26; Paul. Op. cit., p. 122; Bustos Ramírez. Op. cit.,
107-109; Voss. Op. cit., p. 28-31; Baratta. Op. cit., p. 43-49. Não obstante, as críticas à
caracterização simbólica desta legislação entram em demasiadas ocasiões (Hassemer;
Baratta. Ibidem, não assim Bustos, p. 102-104) associadas a uma não-legitimação dos
bens jurídicos coletivos, que não compartilho. Vide a respeito: Díez Ripollés. "El bien
jurídico...", cit., p. 18-19.
60. O próximo objetivo neste tema é, aparentemente, aprovar uma lei específica sobre a
violência doméstica onde se agrupe a maior parte das intervenções legais, penais ou
não, já existentes, com a pretensão de visualizar, ante a sociedade de uma maneira
mais transparente à repreensão que devem merecer estas condutas. Veja uma crítica a
respeito em meu "Prefácio" à monografia de Cerezo Dominguez, El homicidio em la
pareja: tratamiento criminológico, Tirant, 2000, p. 18-19.
62. Desse modo, será habitual que uma mesma intervenção penal participe de vários
desses excessos, seja dentro da mesma ou em diferente categoria. Já destacamos
alguns exemplos.
63. Das não utilitárias já se ocupam, no marco dos princípios da sanção, os princípios da
proporcionalidade e da humanidade das penas. Vide supra item 2.4.
64. Também criticamente a esse respeito: Terradillos Basoco. Op. cit., p. 14-15; Baratta.
Op. cit., p. 53-54; Melossi. Op. cit., p. 62.
65. Veja o foi dito na Introdução e o que sustentei mais amplamente em Díez Ripollés,
Exigencias sociales..., cit., p. 49-50.
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