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Alexandre Luiz Alves de Oliveira**
RESUMO
O artigo procura trazer alguns apontamentos sobre o afastamento da Lei
dos Crimes Ambientais do Direito Penal Democrático. Não tem a preten
são de exaurir o tema, mas, sim, provocar o leitor sobre algumas deter
minações da Lei n. 9.605/98 que não respeitariam princípios e institutos
do Direito Penal Democrático. Realiza-se uma análise da sociedade
atual, com suas características peculiares, assinalando-se a questão dos
novos riscos. Dentre esses novos perigos do tempo hodierno, destaca-se
a questão ambiental. Os problemas ambientais exigiram uma tutela legal
do meio ambiente ecologicamente equilibrado, o que consubstanciou na
edição da Lei dos Crimes Ambientais. Apesar da finalidade digna, perce
be-se que a Lei n. 9.605/98, em alguns pontos, não observa cânones
fundamentais do Direito Penal Democrático.
Palavras-chave: A conjuntura da sociedade contemporânea; Direito
penal ambiental; Direito penal democrático; Afastamento da lei dos
crimes ambientais do direito penal democrático.
ABSTRACT
The article tries to bring some notes about the removal of the Law on Envi
ronmental Crimes Democratic Criminal Law. It does not pretend to exhaust
the subject, but lead the reader on some provisions of Law n. 9.605/98, which
would not respect the principles and institutions of the Democratic Criminal
Law. It carried out an analysis of the current society, with its unique charac
teristics, pointing to the issue of new risks. Among these new dangers of
*
Advogado criminalista, professor de Direito Processual Penal da UFMG, vice-presidente do
Instituto dos Advogados de Minas Gerais – IAMG. E-mail: felipe@felipemartinspinto.com.br.
**
Advogado. Doutorando em Direito Penal nas Sociedades Democráticas Contemporâneas. Mes
tre em Direito Ambiental e Desenvolvimento Sustentável. Especialista em Temas Filosóficos.
Bolsista Capes. E-mail: alexandrelalves@hotmail.com.
2 Felipe Martins Pinto // Alexandre Luiz Alves de Oliveira
INTRODUÇÃO
Revista da Faculdade de Direito do Sul de Minas, Pouso Alegre, v. 34, n. 1: 1-20, jan./jun. 2018
A Lei de Crimes Ambientais analisada sob a óptica do direito penal democrático 3
pessoa jurídica. Tais temas serão expostos a seguir.
A metodologia do artigo procurou realizar uma interdisciplinar pesquisa
bibliográfica. Investigações e análises foram concretizadas com base na sociolo
gia e, principalmente, na doutrina do Direito Penal. Destacam-se as contribuições
de autores como Ulrich Beck, Santiago Mir Puig e Luiz Regis Prado.
1
Nos termos de Boaventura de Souza Santos, a história do capitalismo seria composta em três
grandes fases: o capitalismo liberal, o capitalismo organizado e o capitalismo desorganizado.
Cronologicamente, a primeira fase seria constituída pela quase totalidade do século XIX, a
segunda fase teria início no final do século XIX e permaneceria até o final da década de ses
senta e, por fim, a terceira fase surge na década de setenta e permanece até os dias atuais.
2
BECK, Ulrich. Sociedade de risco: rumo a uma outra modernidade. Tradução de Sebastião
Nascimento. 2. ed. São Paulo: Ed. 34, 2011.
3
Neste estudo, risco e perigo serão utilizados como termos sinônimos, sabendo-se que autores,
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4 Felipe Martins Pinto // Alexandre Luiz Alves de Oliveira
em busca de novas terras e continentes por descobrir assumiu riscos”. De tal forma,
a percepção do perigo e a pretensão por proteção contra os mesmos pelo direito
não é uma criação da contemporaneidade como possam supor equivocadamente:
Todo este cenário, entretanto, pode dar a falsa impressão que estamos
diante de uma instituição nova, que possibilita a partir dela uma nova
epistemologia penal. Pois bem, tal impressão é uma imprecisão. Com
efeito, o perigo é um dos mais antigos conceitos jurídicos. O vocábulo
periculum, presente na compilação de Justiniano, significou no direito
romano a representação de um mal iminente, o qual autorizava a reali
zação de comportamentos, em princípio, ilícitos, mas que eram autori
zados em face da reta razão.4
Revista da Faculdade de Direito do Sul de Minas, Pouso Alegre, v. 34, n. 1: 1-20, jan./jun. 2018
A Lei de Crimes Ambientais analisada sob a óptica do direito penal democrático 5
mente à capacidade perceptiva humana imediata. Cada vez mais estão
no centro das atenções ameaças que com frequência não são nem visíveis
nem perceptíveis para os afetados, ameaças que, possivelmente, sequer
produzirão efeitos durante a vida dos afetados, e sim na vida de seus
descendentes, em todo caso ameaças que exigem os “órgãos sensoriais”
da ciência – teorias, experimentos, instrumentos de medição – para que
possam chegar a ser “visíveis” e interpretáveis como ameaças.5
Constata-se, além disso, que os riscos não respeitam mais o espaço, o tempo e
até mesmo o poder financeiro. Os danos do passado6 eram mensuráveis no espaço/
tempo e atingiam, praticamente, as classes e os países menos abastados. Os “novos”
perigos, que se juntam aos já existentes, são transfronteiriços e seus danos podem ter
duração indeterminada. Percebe-se, inclusive, que a capacidade financeira (que pode
amenizar) não tem a propriedade de excluir seus impactos. As decorrências do bu
raco da camada de ozônio e do efeito estufa ilustram bem tal situação.
Dentre os novos perigos contemporâneos, merecem destaque os danos co
metidos contra o meio ambiente. Fato incontestável é que o ser humano sempre
utilizará o meio ambiente para aferir suas necessidades. A exploração dos recur
sos naturais é imprescindível para sua existência e para seu desenvolvimento. O
homem não voltará a viver nas cavernas e, mesmo que isso ocorresse, continua
ria a depender dos elementos ao seu redor. O problema não é propriamente a
relação da humanidade com o ambiente, mas, sim, as propriedades desse rela
cionamento e suas implicações oriundas.
O século XX foi marcado por uma utilização inadequada dos recursos na
turais. A poluição atingiu níveis alarmantes com implicações nefastas. Clamam
a atenção as questões pertinentes à depleção da camada de ozônio, ao aumento
do efeito estufa, ao desabastecimento de água, à desertificação. Nota-se, clara
mente, a impossibilidade de o planeta Terra resistir a um consumo tão conspícuo.
Ademais, os acidentes ambientais são uma lastimável realidade. Destacam-se os
casos do envenenamento por mercúrio em Minamata; a liberação de gás quími
co em Seveso; os vazamentos dos petroleiros Torrey Canyon e Amoco Cadiz; o
acidente da plataforma petrolífera no Golfo do México e, o de maior repercussão
mundial, o derretimento do reator nuclear em Chernobyl.
O século XXI guarda uma identidade com o seu antecessor. O consumo
imoderado e a equivocada utilização dos recursos naturais continuam presentes.
Cite, apenas para ficar em um exemplo de um grave acidente ambiental, o rom
5
BECK, Ulrich. Sociedade de risco: rumo a uma outra modernidade. p. 32.
6
Não quer dizer que esses tipos de riscos e danos deixaram de existir, mas, sim, que os novos
riscos oriundos do desenvolvimento da técnica e tecnologia são de consequências diferentes e,
na verdade, incrementam a sensação de insegurança da sociedade.
Revista da Faculdade de Direito do Sul de Minas, Pouso Alegre, v. 34, n. 1: 1-20, jan./jun. 2018
6 Felipe Martins Pinto // Alexandre Luiz Alves de Oliveira
7
G1. Prejuízo com lama de barragem é de R$ 1,2 bi para 35 cidades, diz MG. Disponível em:
<http://g1.globo.com/minas-gerais/desastre-ambiental-em-mariana/noticia/2016/02/pre
juizo-com-lama-de-barragem-e-de-r-12-bi-para-35-cidades-diz-mg.html>. Acesso em:
04/02/2016.
8
Novos no sentido de suas novas características, pois, como salientado, o dano e o perigo de sua
consecução sempre estiveram presentes na história do homem.
9
Não que antes desse período não houvesse a tutela dos recursos ambientais; contudo, a prote
ção dava-se de forma mediata, pois se visavam outros fins imediatamente, como o econômico.
10
A Conferência de Estocolmo sobre meio ambiente humano de 1972 foi composta, de acordo
com Cretella Neto, de: “113 Estados, representantes de praticamente todas as organizações
intergovernamentais, 700 observadores enviados por quase 400 ONGs e cerca de 1.500 jorna
listas”. CRETELLA NETO, José. Curso de direito internacional do meio ambiente. São Paulo:
Saraiva, 2012. p. 131.
11
Verifica-se que não se deve compreender o ordenamento jurídico composto de partes estan
ques. O ordenamento jurídico é uno, e o que se deseja é realçar esse maior contato do Direito
Ambiental com as demais disciplinas jurídicas.
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A Lei de Crimes Ambientais analisada sob a óptica do direito penal democrático 7
O tratamento jurídico do meio ambiente se faz em diferentes áreas do
Direito e por diferentes instrumentos que, nem sempre, são de “direito
ambiental”. Talvez esse fato seja um dos mais relevantes no contexto do
Direito Ambiental, pois nem toda norma que, direta ou indiretamente,
relaciona-se a uma questão ambiental pode ser compreendida no uni
verso do Direito Ambiental.12
DIREITO PENAL
12
ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito ambiental. 14. ed. São Paulo: Atlas, 2012. p. 7.
13
ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasilei
ro: parte geral. São Paulo: RT, 1997. p. 61.
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8 Felipe Martins Pinto // Alexandre Luiz Alves de Oliveira
14
Zaffaroni e Pierangeli destacam que podem, também, ter conteúdo sancionatório outros ins
trumentos que não estão englobados nesse sentido limitado do sistema penal. Cite-se, por
exemplo, a institucionalização dos velhos (asilos).
15
ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro:
parte geral, p. 70.
16
PUIG, Santiago Mir. Introducción a las bases del derecho penal. 2. ed. Buenos Aires: B de F,
2003. p. 8.
17
BRANDÃO, Cláudio. Tipicidade penal: dos elementos da dogmática ao giro conceitual do mé
todo entimemático. Coimbra: Almedina, 2012. p. 25.
18
Faz-se uma generalização, mas é imperioso ressaltar que a história do Direito Penal é muito
mais ampla e complexa, com marchas e contramarchas.
19
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal. 21. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo:
Saraiva, 2015. p. 72.
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A Lei de Crimes Ambientais analisada sob a óptica do direito penal democrático 9
no entanto, que, para o autor, não se verifica nesses períodos uma progressão
metódica com características estanques em cada uma dessas fases.
Pode-se realizar, também, uma divisão dentro desta fase da vingança pú
blica em um Direito Penal do terror e um Direito Penal limitado. O Direito
20
20
Vingança pública no sentido da aplicação do ius puniendi pertencer ao Estado, podendo-se
compreender que em alguns sistemas vigoram a teoria absoluta e a teoria relativa de sua função.
21
BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. Disponível em: <http://www.ebooksbrasil.org/
adobeebook/delitosB.pdf>. Acesso em: 05/02/2016. p. 29.
Revista da Faculdade de Direito do Sul de Minas, Pouso Alegre, v. 34, n. 1: 1-20, jan./jun. 2018
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dições precárias advindas dessa situação passaram a exigir uma nova configura
ção do Estado. Não bastaria ser o Estado um mero defensor das liberdades, mas
caberia a ele uma atitude ativa em prol de uma igualdade material de seus cidadãos.
Surge o Estado do bem-estar social (Welfare State ou Estado Providência).
De una filosofía del Estado como mero guardián del orden jurídico, no
legitimado para invadir activamente la configuración positiva de la socie
dad, que se considera exclusiva competencia de los particulares, se ha pa
sado a una concepción intervencionista del Estado, el cual no sólo se con
sidera facultado sino incluso obligado a incidir en la organización de lo
social.22
22
PUIG, Santiago Mir. Introducción a las bases del derecho penal, p. 104.
23
PUIG, Santiago Mir. Introducción a las bases del derecho penal, p. 104.
24
Hoje se fala em uma quarta ou quinta dimensão dos Direitos Humanos como os direitos refe
rentes à manipulação genética, ao acesso à internet e à democracia direta.
Revista da Faculdade de Direito do Sul de Minas, Pouso Alegre, v. 34, n. 1: 1-20, jan./jun. 2018
A Lei de Crimes Ambientais analisada sob a óptica do direito penal democrático 11
estabelecer condutas e proibições. Dessa forma, o Direito Penal tem uma função
ético-social por meio de resguardo desses valores que configuram os bens jurí
dicos. Destaca Hans Wezel:
25
WELZEL, Hans. Derecho penal: parte general. Buenos Aires: Roque de Palma, 1956. p. 3.
26
PRADO, Luiz Regis. Direito penal do ambiente. 3. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: RT, 2011. p. 107.
Revista da Faculdade de Direito do Sul de Minas, Pouso Alegre, v. 34, n. 1: 1-20, jan./jun. 2018
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A Lei dos Crimes Ambientais, apesar de seus fins nobres, apresenta pecu
liaridades que a afastam do Direito Penal Democrático. Alguns de seus institutos,
quando não são evidentemente ilegítimos, estão no limiar de infringir princípios
fundamentais.
Dessa forma, percebe-se que alguns dos institutos da Lei n. 9.605/98 não
coadunam com princípios fundamentais que regem o legítimo e democrático
Direito Penal. Verificam-se, por exemplo, lesões aos princípios da legalidade,
proporcionalidade, lesividade, ultima ratio, responsabilidade pessoal.
O princípio da legalidade é um marco para a história do Direito Penal mo
derno. Como já salientado, a necessidade de que as condutas proibidas, sob
ameaça de pena, sejam estabelecidas em lei constitui uma ruptura com os regimes
autoritários do passado. Em outras palavras, o ius puniendi passa a não ser mais
27
A Lei n. 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, nasceu de projeto enviado pelo Poder Executivo Fe
deral. A Exposição de Motivos 42 é de 22 de abril de 1991, do Secretário do Meio Ambiente.
Inicialmente, o projeto tinha o objetivo de sistematizar as penalidades administrativas e uni
ficar os valores das multas. Após amplo debate no Congresso Nacional, optou-se pela tentativa
de consolidar a legislação relativa ao meio ambiente no que diz respeito à matéria penal. MA
CHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 18. ed. rev., atual. e ampl. São
Paulo: Malheiros, 2010. p. 737.
28
PRADO, Luiz Regis. Direito penal do ambiente, p. 83.
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A Lei de Crimes Ambientais analisada sob a óptica do direito penal democrático 13
absoluto (ao livre arbítrio do monarca), exigindo-se uma lei para se impor uma
pena.
Sólo una ley puede declarar una acción como delito (nullum crimen sine
lege), y solamente una ley puede determinar para ella una pena (nulla
poena sine lege), y ambas cosas, solamente antes de que haya sido ejecuta
da la acción (exclusión de la fuerza retroactiva de leyes penales que fun
damentan o agravan la pena). Con ello se prohíbe la creación de tipos y
determinación de penas extralegales, sea por analogía o por el derecho
consuetudinario. De ambas fuentes jurídicas, la ley y el derecho consuetu
dinario, la ley tiene, en derecho penal, la primacía absoluta.31
A primeira observação a ser feita é que uma conduta somente poderá ser
considerada crime quando existe uma lei em sentido estrito, trazendo a possibi
lidade de subsunção. Impede-se, dessa forma, a delegação dessa atribuição legi
ferante em respeito ao princípio da divisão de poderes. Ademais, o Direito Penal
é uma violência que limita direitos fundamentais do cidadão. Sendo, assim,
29
BRANDÃO, Cláudio. Tipicidade penal: dos elementos da dogmática ao giro conceitual do mé
todo entimemático. p. 30.
30
BACIGALUPO, Enrique. Derecho penal y el estado de derecho. Santiago: Jurídica de Chile,
2005. p. 106.
31
WELZEL, Hans. Derecho penal: parte general, p. 25.
Revista da Faculdade de Direito do Sul de Minas, Pouso Alegre, v. 34, n. 1: 1-20, jan./jun. 2018
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imperativo exigir, para haver supracitada limitação, uma lei formulada dentro
dos padrões constitucionais.
Em decorrência da edição dessa lei penal (princípio da legalidade), verifica
-se o princípio da irretroatividade para prejudicar o réu. A lei é um divisor de
águas que assegura que somente serão criminalizadas as condutas ocorridas após
a sua edição. A retroatividade apenas será permitida in bonam partem.
Não se pode olvidar, também, que não é suficiente que a conduta esteja
prevista em lei. Obrigatória é que a conduta proibida seja descrita claramente, ou
seja, que a ação ou proibição vedada esteja determinada o máximo possível. A
taxatividade é uma garantia para que o cidadão possa conhecer plenamente a
conduta proibida e, assim, se comportar conforme a norma. Devem-se, na cons
trução do tipo, evitar condutas imprecisas, gerais, expressões dúbias, elementos
normativos, normas penais em branco etc.
A Lei dos Crimes Ambientais criminaliza constantemente condutas não
delimitadas, utiliza conceitos normativos e, também, recorre a normas penais
em branco. Reconhece-se que existem situações tais que algumas dessas técnicas
são necessárias, mas isso não autoriza a exceção a virar regra.
32
PRADO, Luiz Regis. Direito penal do ambiente, p. 151.
Revista da Faculdade de Direito do Sul de Minas, Pouso Alegre, v. 34, n. 1: 1-20, jan./jun. 2018
A Lei de Crimes Ambientais analisada sob a óptica do direito penal democrático 15
o tipo enumeram praticamente qualquer atividade. Toda ação potencialmente
poluidora se enquadrará na descrição do tipo. Pergunta-se: onde está a taxativi
dade do tipo? Praticamente todas as condutas se enquadram na circunstância
legal. Ademais, o tipo estabelece que as atividades dependem de autorização ou
licença e não deve contrariar as leis e as normas regulamentares pertinentes. Quais
são essas normas? Adota-se a técnica da norma penal em branco; contudo, a le
gislação ambiental é por demais ampla,33 dificultando a complementação do tipo.
Deve-se destacar, também, que a Lei n. 9.605/98, em alguns de seus dispo
sitivos, não observa o princípio da ofensividade ou lesividade. O princípio da
ofensividade pode ser definido pelo brocardo latino nullum crimen sine iniuria.
Estabelece que somente serão crimes as ações ou omissões prejudiciais ao bem
jurídico de outrem. Dessa forma, estão proibidas as criminalizações de condutas
que não afetem, seriamente, bem jurídico qualquer.
Bajo este punto de vista, no sería democrático un derecho penal que em
please la pena o las medidas de seguridad para dar protección a valores
puramente morales, de los cuales no dependa la subsistencia o mínimo
funcionamiento de la sociedad (v. gr.: persiguiendo la homosexualidad u
otros actos contrarios a la mon ral sexual, sin que produzcan notable per
turbación social, como hace un sector de la jurisprudencia en base a la
interpretación de la palabra “trascendencia” del art. 431 del Código Penal
como “gravedad moral” que no exige escándalo ni toma conocimiento por
terceros). Tampoco es propio de un derecho penal democrático castigar
conductas que supongan en realidad el ejercicio de derechos políticos que
no cabe negar al ciudadano (como derecho de manifestación, de reunión,
de asociación, de prensa, etc.). El derecho penal sexual y el político debe
rían reducirse al mínimo indispensable.34
33
A competência para legislar sobre poluição é concorrente e, além disso, os Municípios podem
legislar sobre interesse local. Percebe-se o emaranhado de disposições legais que podem versar
sobre o assunto.
34
(PUIG, Santiago Mir. Introducción a las bases del derecho penal, p. 135.
35
A materialidade dos tipos de precaução não é evidente, e sua aplicação aproxima-se da com
preensão dos crimes de perigo abstrato como crimes formais, cuja simples prática da ação
descrita na lei acarreta a tipicidade, pois não há, nesstas hipóteses, conhecimento científico ou
estatístico suficiente sobre os riscos envolvidos, o que impede a constatação da periculosidade
do comportamento, mesmo sob uma óptica ex ante (BOTTINI, 2010, p. 299).
Revista da Faculdade de Direito do Sul de Minas, Pouso Alegre, v. 34, n. 1: 1-20, jan./jun. 2018
16 Felipe Martins Pinto // Alexandre Luiz Alves de Oliveira
36
BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Crimes de perigo abstrato. 2. ed. rev. atual. São Paulo: RT, 2010, p.115.
37
PRADO, Luiz Regis. Direito penal do ambiente. 3. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: RT, 2011, p. 188.
38
O que não é pacífico na doutrina.
39
Recomenda-se a leitura do livro Responsabilidade penal da pessoa jurídica, coordenado por
Luiz Regis Prado e René Ariel Dotti sobre a temática.
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A Lei de Crimes Ambientais analisada sob a óptica do direito penal democrático 17
titucional, lesão ao princípio da ultima ratio, impossibilidade de cumprir os fins
da pena, impossibilidade de conduta, desrespeito à responsabilidade pessoal da
pena.
Doutrinadores40 aduzem que o art. 225, § 3°, da Constituição Federal de
1988 não permite uma interpretação de um permissivo para a imputabilidade
41
Por sua própria natureza, a pessoa jurídica não se sujeita a sofrer pena de
restrição/privação de liberdade e, tampouco, medidas de segurança. As sanções
penais que a Lei n. 9.605/98 prescreve para as pessoas morais são praticamente
as mesmas que as sanções administrativas. Desse modo, surgem as seguintes
indagações: Qual a necessidade do Direito Penal se o Direito Administrativo
estabelece as mesmas sanções? Por que se “convocar” o Direito Penal se existe
outro ramo do Direito que prevê a mesma sanção?
40
Por exemplo, Miguel Reale Júnior, Jair Leonardo Lopes e René Ariel Dotti.
41
Art. 225, § 3º, da CF/88: “As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente su
jeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, indepen
dentemente da obrigação de reparar os danos causados”.
42
O que tem predominado nos tribunais pátrios é a possibilidade da criminalização das pessoas
jurídicas por crime ambiental.
43
PUIG, Santiago Mir. Introducción a las bases del derecho penal, p. 109.
Revista da Faculdade de Direito do Sul de Minas, Pouso Alegre, v. 34, n. 1: 1-20, jan./jun. 2018
18 Felipe Martins Pinto // Alexandre Luiz Alves de Oliveira
CONCLUSÃO
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A Lei de Crimes Ambientais analisada sob a óptica do direito penal democrático 19
art. 225 da Carta Magna. Da mesma maneira, julgou que o meio ambiente tem
uma grande importância ao prescrever a responsabilidade civil, administrativa
e penal para as condutas e atividades que venham a prejudicá-lo (art. 225, § 3°,
da CF/88).
A Lei n. 9.605/98, denominada Lei dos Crimes Ambientais, foi editada com
o escopo de cumprir a determinação constitucional. Dispõe sobre as sanções penais
e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, bem
como dá outras providências constituindo um “Código Penal Ambiental”.
Dúvidas não há sobre a necessidade de proteção do bem jurídico equilíbrio
ambiental; contudo, a sua importância não tem o condão de revogar os princípios
e institutos do Direito Penal Democrático.
O que se verificou da análise do texto legal, que, aliás, não foi exauriente, é
que em diversos institutos da Lei dos Crimes Ambientais existe um afastamento
do Direito Penal Democrático. Com o intuito de tutelar o meio ambiente, o le
gislador ordinário flexibiliza e desrespeita garantias fundamentais estabelecidas.
Evidencia-se que os fins justificam os meios, ou seja, para a proteção do meio
ambiente permite-se uma menor rigidez das garantias penais.
A não observância dos princípios da legalidade/taxatividade, proporciona
lidade, lesividade, responsabilidade pessoal etc. torna alguns pontos da Lei n.
9.605/98 ilegítimos. Os princípios norteadores do Direito Ambiental não são os
mesmos do Direito Penal. É obrigatório que a proteção penal do equilíbrio am
biental respeite os fundamentos do Direito Penal Democrático.
REFERÊNCIAS
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BACIGALUPO, Enrique. Derecho penal y el estado de derecho. Santiago: Jurídica de Chi
le, 2005.
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Nascimento. 2. ed. São Paulo: Ed. 34, 2011.
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org/adobeebook/delitosB.pdf>. Acesso em: 05/02/2016.
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal. 21. ed. rev., ampl. e atual. São
Paulo: Saraiva, 2015.
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BRANDÃO, Cláudio. Tipicidade penal: dos elementos da dogmática ao giro conceitual
do método entimemático. Coimbra: Almedina, 2012.
BRANDÃO, Cláudio; SIQUEIRA, Leonardo. Tipicidade e perigo: para a compreensão da
recepção penal da dicotomia do risco e do perigo.
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Saraiva, 2012.
Revista da Faculdade de Direito do Sul de Minas, Pouso Alegre, v. 34, n. 1: 1-20, jan./jun. 2018
20 Felipe Martins Pinto // Alexandre Luiz Alves de Oliveira
G1. Prejuízo com lama de barragem é de R$ 1,2 bi para 35 cidades, diz MG. Disponível
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