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UNIDADE CURRICULAR: Justiça, Segurança e Criminalidade

CÓDIGO: 41103

DOCENTE: Paulo Manuel Costa

A preencher pelo estudante

NOME: Bruna Letícia Mota Gonçalves

N.º DE ESTUDANTE: 2000959

CURSO: Licenciatura em Ciências Sociais

DATA DE ENTREGA: 22 de novembro de 2021

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TRABALHO / RESOLUÇÃO:

O descontentamento dos cidadãos portugueses face ao sistema judicial era/é,


predominantemente, alusivo ao custoso acesso ao direito, à sua morosidade e
ao congestionamento dos tribunais. Em Portugal, condutas desonestas,
fraudulentas ou antiéticas, possivelmente adotadas pelo sistema judicial, não
eram matéria de discussão. Contudo, atualmente este depara-se com novos
desafios consequentes da complexidade social, e.g., multiculturalismo, e da
deterioração da democracia com a crescente captura pelos interesses privados,
e.g., corrupção e tráfico de influências, sendo cada vez mais necessária a
promoção e defesa dos direitos dos cidadãos e, concomitantemente, maior
interpretação das leis da Constituição.
Pressupondo que o artigo 7º da Declaração Universal dos Direitos do Homem
(1948) - “todos são iguais perante a lei e, sem distinção, têm direito a igual
proteção da lei.” (Constituição da República Portuguesa, 2003, p.223), é
executado de forma incontornável pelo sistema judicial, poder-se-ia afirmar que
este trata todas as pessoas de forma igual.
O acesso à Justiça deve ser encarado como um direito fundamental de todos os
cidadãos, sendo imprescindível cumprir o que está disposto na Constituição e,
não praticar políticas que vão no sentido inverso.
O modo como as pessoas são tratadas não é indiferente a nenhuma sociedade,
sendo fundamental que sejam assegurados tratamentos justos para com todos
os cidadãos. Posto isto, a forma como o sistema judicial atua é de extrema
importância.
Um estudo apresentado pelo Tribunal Europeu dos Direitos Humanos em 2019,
referiu a existência de 354 processos contra o Estado português (entre 1959 e
2018), tendo cerca de 75%, i.e., 262 casos, sido desfavoráveis a Portugal.
O estudo determinou como principal violação a demora excessiva da
administração da Justiça, seguida da violação do direito à proteção da
propriedade e do direito a um recurso efetivo. O TEDH deliberou ainda a
existência de violações referentes ao direito a um julgamento justo (37 casos) e
à liberdade de expressão (Ganhão, 2020).
De acordo com o estudo supramencionado, é visível no sistema judicial
português, ineficiência, morosidade e diversas violações de direitos.

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No ato de posse, os agentes judiciais são submetidos a um juramento de
cumprimento da Constituição da República Portuguesa. A imparcialidade, ética
e rigor técnico por parte destes, é primordial para melhor eficiência e qualidade
de resposta. Todavia, nem sempre é o que se sucede.
Os agentes judiciais são seres humanos, dotados de valores e crenças incutidos
pelo meio que estão inseridos, e as suas personalidades e ideais vão, de facto,
ter influência e repercutir-se nas decisões tomadas, pondo a sua imparcialidade,
muitas vezes, em causa. Muitas decisões nem sempre são as mais corretas e
justas, havendo ainda discriminação de minorias éticas, preconceito e
tratamentos distintos alicerçados na posição social e económica dos cidadãos.
A caso de exemplo, num julgamento polémico, realizado no Tribunal da Relação
do Porto, o juiz minimizou um caso de violência doméstica, tendo atenuado a
pena ao agressor, alegando o facto da vítima do sexo feminino ter cometido
adultério. Proferiu declarações para com esta, ofensivas, desrespeitosas e
atentatórias dos princípios constitucionais e supraconstitucionais da dignidade e
igualdade humanas, tais como adúltera, dissimulada, falsa, hipócrita e desleal
(Ramos, 2019). O juiz invocou ainda a Bíblia, o Código Penal de 1886 e até
civilizações que punem o adultério com pena de morte, para justificar a violência
cometida contra a vítima pelo seu companheiro agressor (Ramos, 2019).
Perante tal atitude, o juiz violou, em minha opinião, direitos fundamentais
reconhecidos pela Constituição e pela lei, nomeadamente o artigo 25º da
Constituição da República, que declara que “a integridade moral e física das
pessoas é inviolável.” (2003, p.14); o artigo 13º da Constituição da República
(2003, p.11) e o artigo 2º da Declaração Universal dos Direitos do Homem
(1948). Este foi sancionado com uma advertência registada por infração
disciplinar por violação do dever de correção.
É visível, por parte do sistema judicial, uma incapacidade ao lidar com delitos
cometidos por pessoas poderosas, e acusar ou arquivar, absolver ou condenar
em tempo razoável. Os temas mais mediáticos não cumprem, muitas vezes, os
prazos com objetivo de servir interesses privados/públicos e estratégias,
podendo mesmo levar a casos extremos como a prescrição de processos.
Todas as desigualdades visíveis no sistema judicial português, permitem concluir
a existência de um paradoxo, uma vez que o sistema de justiça detende a função
de proteger os direitos das pessoas, e torna-se ele próprio agente de violação
dos mesmos.
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Referências Bibliográficas

Constituição da República Portuguesa (2003). Coimbra: Livraria Almedina. ISBN


972-40-1999-3.

Ganhão, Mafalda (2020, janeiro 15). Atrasos, “preconceitos”, “interferência


desproporcionada”. Os casos em que o Estado português falhou. Jornal
Expresso. Disponível em https://expresso.pt/sociedade/2020-01-15-Atrasos-
preconceitos-interferencia-desproporcionada.-Os-casos-em-que-o-Estado-
portugues-falhou [acedido a 16.11.21].

Gomes, Conceição (2011). Os Atrasos da Justiça. Ensaios Fundação. Lisboa:


Fundação Francisco Manuel dos Santos. ISBN 978-989-8424-35-8.

Gomes, Conceição (2019). Justiça - Ainda demasiado lenta, ainda demasiado


cara. pp.74-78. Disponível em
https://elearning.uab.pt/pluginfile.php/1715679/mod_resource/content/1/Texto%
201.5%20Conceicao%20Gomes%20Justica%20Ainda%20demasiado%20lenta
.pdf.

Ramos, Vânia (2019, fevereiro 5). Juiz que citou Bíblia para minimizar violência
doméstica punido com advertência. TVI24. Disponível em
https://tvi24.iol.pt/amp/sociedade/neto-de-moura/juiz-do-acordao-que-citou-a-
biblia-punido-apenas-com-advertencia [acedido a 20.11.21].

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