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AS 10 EXPANSÕES DE JESUS-MARIA SILVA SANCHEZ

Spencer Toth Sydow


Doutor e mestre em Direito Penal pela Universidade de São Paulo (USP)

RESUMO: O presente trabalho tem por obje@vo a racionalização segmentada da leitura


do livro “La expansion del Derecho Penal” do Professor Jesús-Maria Silva Sanchez
(Universidade Pompeu Fabra – Espanha), apresentando dez modalidades de expansão
diretas ou indiretas do direito penal iden@ficadas sistema@camente em sua obra.

PALAVRAS CHAVE:. Expansão. Direito Penal. Silva Sanchez. Primeira Velocidade.


Segunda Velocidade. Terceira Velocidade. Expansão versus expansionismo. Expansão
legisla@va. Expansão interpreta@va. Expansão puni@va.

ABSTRACT: this ar@cle intends to present in a segment and ra@onal way the reading of
the book “La expansion del Derecho Penal” from Professor Jesús-Maria Silva Sanchez
(Pompeu Fabra University – Spain), presen@ng 10 species of direct or indirect
expansions from the criminal law, iden@fied sistema@cally inside his work.

KEY WORDS: Expansion. Criminal law. Silva Sanchez. First Speed. Second Speed. Third
Speen. Expansion versus expasionism. Legisla@ve expansion. Interpreta@ve expansion.
Puni@ve expansion.

SUMÁRIO: 1 Introdução; 2 Expansão Legisla@va; 3 Expansão Consuma@va; 4 Expansão


Imputa@va; 5 Expansão do Medo; 6 Expansão Vi@mal; 7 Expansão Interpreta@va; 8
Expansão Polí@ca; 9 Expansão de Fusão Público-Privada; 10 Expansão Puni@va; 11
Expansão Pedagógica; 12 Conclusões; 13 Referências Bibliográficas
1. INTRODUÇÃO

A leitura da obra “La Expansión del Derecho Penal”, seja em sua primeira edição
publicada em 1999, seja em sua segunda edição de 2001, é considerada pela doutrina
como geradora de uma pequena revolução no pensamento jurídico penal.

Talvez não pela originalidade em si de iden@ficar a crescente demanda social pelo


aumento do direito penal, mas por sistema@zar a tendência que se desenhava na
sociedade de modo neutro e obje@vo.

Em sua obra, SILVA SANCHEZ é capaz de escrever um texto transtemporal, posto que
mais de uma década após, permanece atual e servindo de base fundamentadora para
a posição polí@co criminal de grande parte dos países ocidentais, inclusive jus@ficando
as posturas dilatadoras.

Nos propusemos, neste ar@go, a apresentar uma análise diferente da obra,


tentadamente isenta e independente das leituras das diversas resenhas existentes.
Assim, a nova leitura feita fez com que iden@ficássemos 10 (dez) categorias de
expansão, direta ou indiretamente ligadas ao direito penal, cada uma delas
desenvolvida de modo mais ou menos longo pelo autor em seu livro.

Por ser uma análise restrita à obra do Professor SILVA SANCHEZ, a bibliografia é
exclusivamente a de seu livro, buscando-se, assim, independência acadêmica e
cria@vidade.

Assim, buscaremos aqui apresentar as segmentações iden@ficadas pelo brilhante autor,


quais sejam I) expansão legisla@va, II) expansão do momento consuma@vo, III)
expansão imputa@va, IV) expansão do medo, V) expansão vi@mal, VI) expansão
interpreta@va, VII) expansão polí@ca, VIII) expansão fusional, IX) expansão puni@va e X)
expansão pedagógica, refle@ndo conjuntamente com suas ideias.

Ressalte-se, finalmente, que não está SILVA obje@vando a legi@mação de um aumento


do direito penal, mas sim, a nosso ver, iden@ficando fenômenos para que limites
possam neles ser colocados, evitando-se uma banalização do direito penal como
“ul6ma ra6o”.

Vamos às expansões, uma a uma.

2. EXPANSÃO LEGISLATIVA

Preliminarmente, fundamental apresentar o ponto de vista de SILVA SANCHEZ acerca


da diferença entre “expansão legisla@va e “expansionismo legisla@vo”.

Expansionismo seria um indesejado evento, representado pelo alargamento da


legislação penal sem aplicação prá@ca, mas que surge apenas como demonstração de
a@vidade – muitas vezes eleitoreira – por parte do poder legisla@vo.

Sua aplicabilidade é geramente baixa posto que a forma de sua criação, geralmente
atécnica, pode chegar até a violar princípios penais de modo acentuado.

Dessarte, a lei existe, mas não é (ou não pode ser) cumprida. Seu significado é
eminentemente populista, gerando mais o símbolo de existência de direito penal
tutelando certa esfera da sociedade do que efe@vidade jurídica.

Não é o expansionismo o objeto de estudo da obra, mas sim a EXPANSÃO. Esta, é


apresentada como razoável e tolerável, se gerada por uma de três fundamentações,
que são expressamente apresentadas:

a) Pelo surgimento de novas realidades, novos valores ou novos segmentos sociais


de atenção (p. Ex., a delinquência informá@ca, nuclear, etc);
b) Pela iden@ficação de novas importância sobre realidades an@gas que, com a
iden@ficação de sua escassez ou enfraquecimento devem ser protegidas (p. Ex.
Meio ambiente, segmentos do sistema financeiro, etc); e
c) Pela iden@ficação de mudanças culturais e de atenção, verificando-se a
necessidade de proteção de segmentos sociais que se tornam valiosos pelo
passar do tempo (P. Ex. Patrimônio histórico, patrimônio cultural, etc).
Necessária, também, uma ressalva: alterações no direito penal material posi@vado
somente podem ser feitas por lei federal e são priva@vas da União, conforme art. 22, I
da Cons@tuição Federal, com a ressalva do parágrafo único1.

Fundamental que a expansão não seja confundida com maior rigor penal ou reação
penal firme à violência. Assim:
“En par6cular, y para evitar de entrada malas interpretaciones,
conviene subtrayar, a este respecto, que la profundidad y la
extensión de las bases sociales de la actual tendência expansiva
del Derecho penal no 6enen nada que ver con las que en la
década de los años sessenta – y posteriores – respaldaban al
movimento, inicialmente norte americano, de law and order”. 2

Nesse sen@do, falar de expansão legisla@va parte de dois momentos: um pré


posi@vação e um de posi@vação. No primeiro, a pressão social por legislação e o
segundo, a construção legal propriamente dita.

SILVA SANCHEZ claramente apresenta na introdução de seu livro a ideia de que há um


sen@mento de esperança popular no surgimento de novas leis penais (ou leis penais
mais severas), no intuito de acalmar a violência existente. Faz, porém, a ressalva de
que onde há lei penal, perde-se liberdade e que tal axioma poucas vezes é
compreendido pela população.

Não há dúvidas de que, nesse sen@do, o legislador encontra-se em dificil situação


posto que tem o dever de legislar de acordo com a Cons@tuição Federal regente de seu
país, contendo impulsos legisla@vo-penais por conta do Princípio da Subsidiariedade do
Direito Penal. Por outro lado, é pressionado por um povo que não compreende
exatamente as consequencias do crescimento do direto penal e clama por mudanças

1 Art. 22, parágrafo único, CF: Lei complementar poderá autorizar os Estados a legislar sobre questões

específicas das matérias relacionadas neste ar6go.

2 SILVA SÁNCHEZ, Jesús-María. La expansión del derecho penal: aspectos de la polí@ca criminal en las
sociedades pos@ndustriales. (Colección Estudios y debates em derecho penal, 1). Buenos Aires: Euros
Editores, 2008, p. 8
legisla@vas e que, não sa@sfeito, pode não reeleger os representantes que não
atenderem suas demandas.

Nessa divcil linha, a função dos contornos entre expansionismo e expansão. SILVA
SANCHEZ aceita a segunda, mas condena a primeira e seguimos a mesma linha por ele
esposada. A criação de limites legisla@vos serviria como base lógica para admi@r
legislação nas 3 situações jus@ficadoras e evitar quaisquer outras criações abusivas. E
apresenta que
“Frente a los movimentos sociales clássicos de restricción del
Derecho penal, aparecen cada vez con mayor claridade
demandas de una ampliación de la protección penal que ponga
fin, al menos nominalmente, a la angus6a derivada de la
inseguridad”.3

Assim, o paralelo entre criminalizar lavagem de capitais e suas novas formas (por
exemplo, geradas pela tecnologia) em si e não criminalizar o advogado que recebe
honorários de alguém acusado de lavagem de capitais.

SILVA, portanto, iden@fica um alargamento do direito penal de modo controlado e


legi@mado por conta da evolução da sociedade, de sua consciência e das tecnologias, e
apresenta o expansionismo como prejudicial à liberdade contratual.

3. EXPANSÃO DO MOMENTO CONSUMATIVO

SILVA iden@fica, também, um movimento de expansão de momento consuma@vo.

A teoria penal clássica ensina que os delitos, para serem compreendidos em sua
inteireza, devem ser visualizados sob a ó@ca de um caminho para seu come@mento.

Desta feita, há que se iden@ficar a existência de um “iter criminis”, ou seja, uma lógica
sequencial de atos para o come@mento do delito material, como ponto de par@da.
Haveria, então, um momento de cogitação, um momento de preparação, um momento

3 Op. Cit., p.32


de execução e um momento de consumação, temporalmente dis@ntos (ainda que por
um á@mo).

A ideia dos delitos formal, culposo e de mera conduta, por sua vez, faria com que
momento de execução e momento de consumação se fundissem. Mas certo é que os
fatos, em sua maioria, de acordo com um raciocínio clássico, somente podem ser
penalmente relevantes quando houver um movimento comissivo ou omissivo
equivalente à execução criminal, mesmo que a consumação não se a@nja (tenta@va).

A expansão do movimento consuma@vo é iden@ficada a par@r da crí@ca de Welzel


acerca do direito penal de intervenção “pós factum”, meramente rea@vo, e que destaca
excessivamente a importância do resultado frente ao desvalor da ação delinquente.
Assim, Welzel e sua teoria legi@mam a punição apesar do resultado, superes@mando o
conceito de desvalor da ação e de ação finalmente dirigida.

Mas a evolução finalista, ainda assim, mostra-se insuficiente para sa@sfazer


determinados anseios e em ser legi@madora de movimentos criminais sem
iden@ficação da reprovabilidade da ação. Também, verifica-se que o embasamento
penal estrito em bens jurídicos legalmente delimitados gerou problemas como o
holocausto da 2ª Guerra Mundial e gerou limitações às quais os novos Estados não
poderiam ficar engessador. Além disso, nas palavras do autor, “La tension entre
integración y atomización, homogeneización y diversidade o mul6culturalidad, es
desde luego ciriminógena: produce violência” e isso requer fórmulas penais mais
abrangentes.

Como alterna@va, vem o funcionalismo como movimento iden@ficador de um novo


elemento na @picidade: o risco. Pelo movimento, passa a ser tarefa do operador do
direito a verificação da criação ou aumento de risco por parte de um agente.

Acontece que a definição de risco passa a ser volá@l e ao legislador fica o espaço para
determinar que certas espécies de risco (que a princípio não geram violação a bens
jurídicos – “harm principle” – e nem insegurança) passem a merecer tutela do direito
penal.
O legislador, posto que legi@mado, então expandiu o conceito de risco, em
determinados casos, para o momento de preparação do delito, ou seja, para um
momento em que não houve sequer exterioração da conduta no mundo fá@co.

E é isso que SILVA SANCHEZ iden@fica como uma expansão do momento consuma@vo
do delito, posto que há uma verdadeira antecipação da consumação do delito no
momento de um mero ato preparatório. Exemplos disso estão espalhados pela
doutrina brasileira como, o art. 241-B (Adquirir, possuir ou armazenar, por qualquer
meio, fotografia, vídeo ou outra forma de registro que contenha cena de sexo explícito
ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente) ou o art. 51 da Lei dos Crimes
Ambientais ( Comercializar motosserra ou u@lizá-la em florestas e nas demais formas
de vegetação, sem licença ou registro da autoridade competente).

Nessa expansão, o que se nota é que o iter, composto por 4 fases e que possuia
relevância penal apenas nas duas úl@mas passa a ter situações de punição para a 2ª
fase, fazendo com que a consumação seja expandida lógica e temporalmente, naquilo
que a doutrina teve por bem denominar de antecipação da tutela penal.

4. EXPANSÃO IMPUTATIVA

A expressão imputação, neste tópico, quer significar a ideia de busca por


responsabilidade pelo fato considerado delitual. Aqui, deve ser compreendida como o
raciocínio jurídico de nexo entre a conduta realizada, geradora do evento juridicamente
proibido e as pessoas que podem receber pena por suas condutas. Diz o autor que:
“El problema radica en que, en estas ul6mas décadas, la
‘expansión de la imputación’ manifesta precisamente el intento
de obviar la existência de fenômenos que no son explicables de
ninguna causa libera, sino sólo explicables en términos
empíricos”4

4 Op. Cit., p.44


Certamente a primeira sugestão que vem à mente é a de autoria e par@cipação,
logicamente atrelada ao conceito de nexo causal. Uma vez iden@ficado uma
par@cipação (lato sensu) previsível cuja condi6o sine qua non teria ocorrido o
resultado juridicamente proibido, esta pessoa está apta a responder criminalmente
pelo delito. A ela pode ser imputada responsabilidade criminal. Claramente se vê isso
na passagem abaixo:
“En el âmbito de las formas de intervencioón en el delito, 6enden
a imponerse fórmulas de no dis6nción entre autoria y
par6cipación; algo que ya se advierte en el plano de la pura
6pificación si se examinan los 6pos de delito en matéria de tráfico
de estupefacientes o de blanqueo de capitales.”5

Aqui, o tópico é a iden@ficação da expansão de tal fenômeno6.

Novamente surge a tona a questão do risco como elemento integrante do @po penal.
Compreendemos, a par@r da leitura da obra, que SILVA SANCHEZ iden@fica que a
assunção do risco como elemento central do funcionalismo gera um enfraquecimento
do conceito de relação causal e mesmo das classificações de delitos em formal e
material (aqui assumindo que o delito formal é mais amplo que o de mera conduta e o
engloba).

Deste modo, se o núcleo penal passa a ser a criação ou incremento de risco, o


resultado, em si, deixa de ser fundamental na análise penal bastanto, portanto, tal
elemento.

Ocorre que a migração para tal valor faz com que haja legi@mação de teorias como a
do domínio do fato e da ignorância deliberada, alargando-se cada vez mais o conceito
de responsabilização subje@va, retornando-se a conceitos próximos a de
responsabilidade obje@va próprios de um direito penal de autor e re@rando valor dos
elementos subje@vos.

5 Op. Cit., p. 105

6 SILVA apresenta que, nos delito de acumulação, “nos hallamos ante una espécie de autoria accesoria

universal de un hecho global y permanente” (Op. Cit., p. 149)


Assim, a expansão de imputação gera uma mul@plicação de responsabilidades, numa
espécie de co-tutela de bens jurídicos em que um deve se precaver acerca de toda a
cadeia de fatos que sucedem sua intervenção, sob pena de a si ser imputada
responsabilidade. Aí a ideia de cuidado generalizado (deveres de cuidado presumidos)
nas intervenções fá@cas.

Isso porque a teoria do risco leva em consideração a tênue linha entre o permi@do e o
proibido, deixando-se ao lado a ideia de intenção e até mesmo de par@cipação efe@va
no fato proibido. A criação irresponsável de risco (ou incremento, inclusive pelo não
impedimento, em função de direção), mesmo que não intencionada, pode gerar
responsabilização. Observe-se, portanto, que a ideia garan@sta de indício de autoria
fica bastante rela@vizada, alargando-se, assim, o rol de imputáveis subje@vamente.

SILVA, porém, destaca que não nega que a limitação à tutela penal restrita em bens
jurídicos e suas violações (ou efe@vas tenta@vas) pode gerar uma certa lacuna na
a@tude do Estado no que se refere à prevenção de delitos. Porém entende mais seguro
a um ordenamento jurídico uma restrição penal grande ao se tratar da primeira
velocidade, totalmente garan@sta e uma expansão apenas nessa criminalidade que
denomina econômica. Coloca que:
“(...) se ha produzido seguramente la culminación del processo: el
Derecho penal, que reaccionaba a posteriori contra un hecho
lesivo individualmente delimitado (en cunto al sujeto ac6vo y al
passivo) se ha conver6do en um Derecho de ges6ón (puni6va) de
riesgos generales y, en esta medida, se há ädministra6vizado”

5. EXPANSÃO DO MEDO

Ainda que pareça que o medo e o direito penal não são diretamente relacionados,
acima apresentamos que um dos fatores que pressionam a expansão legisla@va é o
momento anterior à edição de uma lei em que a população clama por maior proteção,
depositando esperanças no direito penal.
Assim, o medo acaba criando direito penal e serve como alavanca deste.

Mais do que isso, SILVA SANCHEZ apresenta (com a nomeclatura de sociedade da


insegurança sen@da) que o direito penal, em verdade, é irmão do medo na sociedade
contemporânea pós industrial e, juntos, sustentam uma parcela da própria economia.
Ele, inclusive, denomina a sociedade atual (desde a década de 1990) de sociedade da
“insegurança sen@da”.

SILVA apresenta três aspectos que destacam a cultura do medo e sua influência: a) a
velocidade das informações rela@vas a violência, b) a sensação de insegurança e de
insuficiência do Estado no cumprimento da proteção social, e c) a lucra@vidade da
cultura do medo para determinados segmentos da socidade.

No primeiro aspecto, a velocidade com que as tecnologias trazem a informação ao ser


humano faz com que haja a sensação de que mais nozcias violentas cheguem à
população e, assim, haja um aumento do sen@mento de insegurança. Nisto
“A mayor abundamiento, por otro lado, la reiteración y la propia
ac6tud (drama6zación, morbo) con la que se examinan
determinadas no6cia actúa a modo de mul6plicador de los
inícitos y las catástrofes, generando una inseguridad subje6va
que no se corresponde com el nível de riesgo obje6vo 7

Isso levaria ao segundo aspecto, em que, pela percepção acentuada, acredita-se que o
Estado é ineficaz no cumprimento de seu papel de segurança pública e, por isso, exige-
se cada vez mais que, nas situações em que o Estado se faz presente, haja
condenações e responsabilizações. Por conta disso, surge na população uma redução
do limiar de tolerância gerado pelo medo, em que a máxima “se morreu alguém,
alguém deve ser culpado” passa a ser uma realidade. Por isso, a expressão u@lizada “la
seguridade se convierte en una pretensión social, a la que se supone que el Estado y, en
par6cular, el Derecho penal deben dar respuesta” (UnglückàUnrecht).8

7 Op. Cit., p.29

8 Op. Cit., p.31


E tal máxima é destacada pelo úl@mo aspecto que é o fato de que o medo crescente
existe como uma lucra@va bola de neve retroalimentar.

O ser humano, por sua curiosidade, sofre de uma síndrome denominada “Trainwreck
Syndrome”, conhecida como síndrome da desgraça. Por tal síndrome, inerente a cada
um de nós, nos interessamos pela desgraça alheia como método de autosa@sfação e
destaque da felicidade e da realização próprias.

Em outras palavras, somos atraídos pela desgraça e, sabedores de tal fato, os veículos
de mídia exploram crescentemente tal vertente da vida humana. Há relevante
destaque de nozcias desagradáveis em telejornais, apontamento para mídias
chocantes e apresentadores com discurso do medo constante, que geram grande
audiência. Quanto mais audiência, portanto, maior a quan@dade de nozcias ruins.

A sensação de medo, também, aliada à ineficiência do Estado, faz com que a economia
da segurança par@cular (autossegurança/autotutela) tenha lucra@vos resultados.
Assim, câmeras de vigilância par@cular, blindagens, cercas elétricas, segurança
par@cular, vigilante de rua, aplica@vos para smartphone que, em caso de pânico,
alertam polícia e familiares, entre outros, tudo passa a ser um negócio. E o conceito de
comunidade que se ajuda e se protege se perde para um narcicismo egoísta
individualizado e com informação e conhecimento limitados.

Destarte, o medo e o direito penal acabam sendo núcleos importantes para o giro
econômico de setores da sociedade que, assim, tem interesse em que haja a expansão
destes.

6. EXPANSÃO VITIMAL

A sexta expansão que verificamos apresentada na obra foi a vi@mal. Não se trata de
aumento estazs@co da quan@dade de pessoas que efe@vamente tornam-se
vi@mizadas, mas daquilo que SILVA denominou de sensação de potencial vi@mização.
Com a propagação da cultura do medo e da facilitação de obtenção de informações, a
sociedade passou a se conscien@zar mais da sociedade de riscos que a cerca. Deste
modo, a propagação da cultura da violência faz com que, a par@r da construção de um
cenário midiá@co, iden@fiquemos e ressaltemos nossas fragilidades.

Dessa maneira, e posto que o ser humano tende a se iden@ficar com os atores
envolvidos nas histórias que ouve, é normal que a maior parte da população se
iden@fique com a ví@ma de uma violência e, portanto, coloque-se na situação de
potencial agredido.

Assim, a figuração em condição de fraqueza gera reação autoprote@va, refle@da na


cobrança de mais direito penal como resposta imediata para problemas de segurança.
Deste modo, o legislador recebe a já aludida cobrança por a@tude. Nessa toada,
importante trecho da obra apresenta que:
“Sendo posibles en vários casos reacciones dis6ntas a la penal o
reacciones penales de menos intensisas, lo que parece innegable
es que la autocomprensión de la sociedade en que vivimos dirige
demandas significa6vas de intervención puni6va al Derecho del
Estado. Que estas demandas en ocasiones respondan a
fenómenos de psicologia social sin base ‘real’ no es en este punto
tan decisivo (...) ello no implica que l Derecho penal deba
conver6rse en el abanderado de las demandas sociales más
coyunturales, superficiales o meramente verbalizadas.”9

O principal problema destacado pelo autor é o de que esse alargamento vi@mal faz
com que haja uma interpretação enviesada das adequadas polí@cas criminais a serem
adotadas e assim, tende-se a haver busca por criminalização de condutas moral e
administra@vamente reprováveis.

A reação penal a problemas ocorridos, porém, é inaplicável aos problemas do passado


e incapaz de gerar segurança onde a insegurança já está instalada.

9 Op. Cit., pp.121/122


SILVA SANCHEZ, então, inteligentemente destaca a importância de um direito penal
mínimo e adequado, garan@ndo limites e modo de aplicação ao delinquente,
independentemente dos desejos das ví@mas.

Destaca, então, que a pressão popular-vi@mal será responsável pela próxima expansão
apresentada.

7. EXPANSÃO INTERPRETATIVA

Os limites existentes para a criação legisla@va de direito penal e mesmo a morosidade


do poder legisla@vo frente à velocidade da criminalidade (seja pela intensidade, pela
ausência de segurança pública ou novas tecnologias) faz com que o poder judiciário se
veja em uma encruzilhada: aplicar o direito penal do modo restri@vo aprendido nos
bancos acadêmicos e manter a sociedade desagradada ou reagir.

A culpa gerada pela insuficiência da segurança estatal termina gerando expansão. Nas
palavras de SILVA SANCHEZ, o Estado se vê culpado por não conseguir dar às ví@mas
compensação por sua incapacidade de protegê-las e então começa a admi@r
alargamento na interpretação das leis e até mesmo o uso da analogia.

As penas passam a ser mais determinadas com base nas ví@mas do que no delinquente
como forma de compensação num “pacto de solidariedade social” e o direito penal
passa a servir de gestor de problemas sociais e vi@mais, se sobrestando à
Administração Pública.

Nessa linha, SILVA escreve que quando a moral se afasta, o direito penal se aproxima10
e coloca claramente que

8. EXPANSÃO POLÍTICA

SILVA SANCHEZ iden@fica uma perda de iden@dade polí@ca no sen@do de diferenciação


de ideologias com impactos diretos no direito penal, na Espanha.

10 Op. Cit., pp. 60/61


Não se trataria, em realidade, de aumento da polí@ca num sen@do geral, mas sim uma
migração para o segmento conservador da polí@ca, mais atuante no sen@do
expansionista em direito penal. Seria, portanto, uma expansão no sen@do de inchaço
do segmento ortodoxo, an@ga direita.

A par@r de tal fenômeno o que se iden@ficaria seria uma mudança da iden@dade


daquilo que outrora se chamou de esquerda, representada por um pensamento mais
voltado às minorias e aos menos favorecidos e que estaria especialmente em sintonia
com escolas garan@stas de direito penal, privilegiando sua aplicação como “ul6ma
ra6o”, mantendo o núcleo do processo penal intangível, bem como cri@cando
duramente o aumento legisla@vo penal e expansões como a da imputação e do
momento consuma@vo.

Ocorre que todo o movimento econômico a favor da insegurança, aliado ao interesse


legisla@vo-eleitoral em ceder à pressões populares fez com que os intelectuais de
esquerda cedessem aos apelos da sociedade, pouco a pouco, migrando para a
denominada direita, mais conservadora e mais tendente a rela@vizar direitos e
liberdades para expandir o direito penal e gerar mais sensação de proteção.

Isso terminou por provocar uma homogeneização polí@ca, fazendo crescer o


pensamento rea@vo penal. A par@r disso, a maioria polí@ca termina por tender para
uma expansão sistemá@ca da ciência penal e da polí@ca criminal. E SILVA apresenta
que
“La tendência hasta la universalización y la mayor
homogeneización cultural podria tener expresión en una mayor
restric6ón o en una mayor expansión del Derecho Penal” 11

9. EXPANSÃO DAS FUSÕES PÚBLICO-PRIVADAS

11 Op. Cit., p.119


Não há propriamente, na obra, referência a uma expansão que denominamos de
fusão. Mas nos parece que este foi um fenômeno bastante bem iden@ficado por SILVA
SANCHEZ.

Há alguma semelhança desta expansão com a vi@mal, posto que existem pontos de
par@da próximos: a falha ins@tucional pública em garan@r segurança a sociedade,
geradora de reações de par@culares. Assim
“Seguramente habrá que esperar para ver si la tendência que
parece manifestarse ahora – en el marco de la llamada ‘tercera
via’ – hacia uma revitalización de la sociedad civil (Zivil-
Bürgergesellschag), atribuyéndole un nuevo protagonismo,
fruc6fica en este campo.”12

Porém, o que se quer apresentar nesta modalidade de expansão é uma debilidade


estatal de inves@mentos no setor de segurança, que faz com que setores privados
mobilizem-se tentando completar determinadas lacunas mal administradas ou mesmo
não administradas pela Administração.

A aceitação da par@cipação de par@culares em setores públicos denota uma falência


estrutural e que, ao ser assumida por par@culares, exige que haja uma contrapar@da
econômica, na forma de lucro.

Assim, verifica-se, no âmbito do direito penal, uma maior permissividade na


interferência do setor eminentemente fundamental da segurança pública em prisões
em modelo de parceria público-privada e exploração de mão de obra, aceitação de
blindagens em carros par@culares, uso regulado de seguranças par@culares e vigilância
armada, acrescenta-se instrumentos de composição par@cular de danos (transação
civil) em esfera processual penal, acordos de leniência, pagamento de dívida como
método de ex@nção de punibilidade e, assim por diante.

Há, portanto, uma civilização do direito penal, permi@ndo-se que questões econômicas
tomem parte na tutela criminal mais e mais a cada dia. Finalmente

12 Op. Cit., p.61


“Consideraciones de ineficiência son también las que conducen a
algunos a propugnar prisiones privadas y a policias privadas. Las
divergencias ideológicas de quienes realizan unas y otras
propuestas desformalizadoras no obstan a que todas ellas tengan
una raíz común: la desconfianza frente a lo público y lo
formalizado y la conseguiente deslegi6mación de ello13

10. EXPANSÃO PUNITIVA

SILVA iden@fica a lógica racional de Law & Economics ao dizer que, aos olhos leigos, há
uma relação direta entre o aumento da pena e o deseszmulo ao crime.

Nesse sen@do, a própria expansão legisla@va gera expansão puni@va, no casos em que
o legislador aumenta os patamares mínimos e máximos da pena ou re@ra benevcios de
execução. Também há expansão quando se iden@fica criações de @pos penais especiais
para estrangeiros, com penas de expulsão.

Mas esta não é a única face de uma expansão de punição. Há aumento na punição em
abstrato (lei) e há em concreto, na ponta do poder judiciário. A aplicação puni@va
recebe, portanto, uma expansão, no momento em que o magistrado deixa de aplicar a
pena criminal no mínimo, no momento em que o magistrado aplica majorantes de
modo mais gravoso do que o proporcional, e até mesmo no momento em que
relatórios de inquéritos policiais saem de modo parcial, ”recomendando” condenação.

Isso decorre de uma sensação de jus@ceiro que o magistrado ou o delegado passam a


ter e a vontade de transformar a sociedade por meios inaptos
“El fenómeno de iden6ficación con la vic6ma conduce también,
en el planteamiento de alguns autores, a entender la própria
ins6tuición de la pena como mecanismo de ayuda a la superación
por parte de la vic6ma del trauma generado por el delito” 14

13 Op. Cit., p.77

14 Op. Cit., p.51


A pena, então, de proporcional passa a ser funcional.

A ideia de pena funcional é an@ga. Acerca dela, SILVA SANCHEZ apresenta de modo
muito inteligente que:
“Ésta, por su parte, tenia três manifestaciones: como médio de
in6midación individual se dirigia al delincuente ocasional; como
instrumento de resocialización, al delincuente reiterado
corrigible’y, en fin, como mecanismo de inocuizacioón, al
delincuente de estado incorregible”15

Fica demonstrável a permanência de tais posições, quando demonstra o retorno da


polí@ca de tolerância zero na Europa, especialmente acerca de estrangeiros, posto que
o Estado adota hoje a expulsão como polí@ca de inocuização mais barata, mais rápida e
mais radical, até mesmo independentemente de qual espécie de delinquente este seja.

Finalmente, é de se citar o direito administra@vo sancionador, uma proposta para o


direito penal econômico que coloca nas mãos do poder execu@vo punição para certas
modalidade delinquentes, fazendo com que este estabeleça penas pecuniárias ou de
repercussão não penal para coibir a prá@ca da conduta reprovável e que, em tese,
precisará de limites e formas de atuação para não gerar punições desproporcionais e
inadequadas.

11. EXPANSÃO PEDAGÓGICA

A úl@ma modalidade de expansão remonta a movimentos populacionais cíclicos: os


movimentos de reivindicação popular, seja nas ruas, seja nas redes sociais ou diante
dos órgão de representação do povo.

Trata-se de uma tendência da sociedade em que se elevem as condenações


paradigmá@cas e as legislações preven@vas penais. É aquilo que SILVA denominou
direito penal preven@vo ou direito penal gerenciador de riscos, numa forte tendência a

15 Op. Cit., p.113


u@lizar-se o direito penal como verdadeiro ramo educador da sociedade. Em sua
opinião
“El resultado es desalentador. Por un lado, porque la visión del
Derecho penal como ;único instrumento eficaz de pedagogia
polí6co-social, como mecanismo de socialización, de civilización,
supone una expansión ad absurdum de la otrora ul6ma ra6o.
Pero sobre todo porque, además, tal expansión es inú6l en buena
medida porque somete al Derecho penal a cargas que éste no
puede soportar16

Uma verdadeira inversão do princípio da subsidiariedade, uma vez que o reclame


popular passa a ser de direito penal, a polícia passa a ser chamada para resolver
questões que não sejam de segurança pública, as primeiras leis a surgirem acerca de
um tema acabam sendo as penais (vide Lei n. 12.737/12). Aqui, também os gestores
azpicos da moral.

No mesmo sen@do, o crescimento da compliance criminal como forma de fazer com


que as empresas cumpram as regulações de modo a sequer incidir em ilegalidades, e
que passam a representar importante setor da delinquência de segunda velocidade.

12. CONCLUSÕES

1. Há um ní@do aumento do direito penal no dia a dia da sociedade, seja


percebido pela sociedade civil, por conta de seu amadurecimento (iluminismo
penal), seja es@mulado por uma mídia comercialmente interessada, seja pelo
aumento de violência existente ou sen@do.
2. O aumento do direito penal se dá por uma série de fundamentos, alguns
decorrentes de questões administra@vas (mau cumprimento das funções
públicas do Estado), alguns decorrentes de questões econômicas (capitalismo e
modernidade líquida aliadas ao eszmulo pela cultura do medo midiá@ca)
alguns decorrentes de questões sociais (aumento de população, concentração

16 Op. Cit., p.63


de pessoas) e até mesmo por questões penais (maior quan@dade de delitos
@pificados).
3. Iden@fica-se, porém, várias expansões em diversos níveis da sociedade e que
devem ser iden@ficados para conscien@zarmo-nos e evitarmos uma ida a um
Estado de Direito Penal Máximo.
4. Tais expansões seriam (a) a legisla@va, (b) a consuma@va, (c) a de imputação,
(d) a do medo, (e) a vi@mal, (f) a interpreta@va, (g) a polí@ca, (h) a da fusão
público-privada, (i) a puni@va e (j) a pedagógica.
5. Que tais expansões mostram-se largas e a@ngem desde o poder criador das
normas e que aumenta o espectro de inserção do direito penal posi@vo, até a
expansões de consciência, de sensação de fraqueza, de alargamento da leitura
da lei penal, de par@dos polí@cos maximizadores desse ramo do direito e
mesmo expansão da autotutela e do momento em que o direito criminal surge
em uma sociedade.
6. Existem diversas classes de delitos. Alguns denominados de primeira velocidade
(street criminality), outros denominados de segunda velocidade (crimes of the
powerfull) e ainda uma possível terceira classe, denominado de terceira
velocidade (crimes comuns pra@cados por indivíduos de divcil recuperação
denominados “inimigos” ou “não cidadãos”) e há níveis diferentes de direito
penal a serem aplicados a cada um desses delitos.
7. A transnacionalidade dos delitos (segunda velocidade) implicam em mi@gação
da rigidez das normas clássicas de direito penal, de modo a tornar menos
necessário o encarceramento de delinquentes e isso gera sensação de
impunidade e de fraqueza do direito penal população, que clama por mais
direito penal, por mais sanção e por menos garan@as.
13. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

SILVA SÁNCHEZ, Jesús-María. La expansión del derecho penal: aspectos de la polí@ca


criminal en las sociedades pos@ndustriales. (Colección Estudios y debates em derecho
penal, 1). Buenos Aires: Euros Editores, 2008.

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