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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE GOIÁS

ESCOLA DE DIREITO E RELAÇÕES INTERNACIONAIS

NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA

COORDENAÇÃO ADJUNTA DE TRABALHO DE CURSO

MONOGRAFIA

ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS: o crime organizado brasileiro e as


políticas de enfrentamento por parte do Estado

ORIENTANDO – HENRIQUE SOUZA TELES DE MENEZES


ORIENTADORA – PROFª. Ms. REGINA CELESTE DE CASTRO FARIA

GOIÂNIA-GO
2021
HENRIQUE SOUZA TELES DE MENEZES

ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS: o crime organizado brasileiro e as


políticas de enfrentamento por parte do Estado

Artigo Científico apresentado à disciplina


Trabalho de Curso I, da Escola de Direito e
Relações Internacionais, Curso de Direito,
da Pontifícia Universidade Católica de
Goiás (PUCGOIÁS).
Prof.ª Orientadora: Ms. Regina Celeste de
Castro Faria

GOIÂNIA-GO
2021
HENRIQUE SOUZA TELES DE MENEZES

ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS: o crime organizado brasileiro e as


políticas de enfrentamento por parte do Estado

Data da Defesa: ____ de __________ de _______

BANCA EXAMINADORA

______________________________________________________
Orientador (a): Prof. (a): Titulação e Nome Completo Nota

______________________________________________________
Examinador (a) Convidado (a): Prof. (a): Titulação e Nome Completo
Nota
CAPÍTULO I – ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA

1.1. Noções Introdutórias

A criminalidade organizada constitui nos dias de hoje uma


assustadora ameaça para a sociedade mundial, bem como para a existência
de um estilo de vida consoante com os princípios basilares de um Estado social
e democrático de Direito, assim como de um Estado de bem-estar social,
conforme assevera o doutrinador Rogério Greco.
Diante de tal fato, surge um imenso desafio para os
governantes, parlamentares e agentes públicos, tendo em vista que tal
fenômeno ainda não é bem compreendido com profundidade, necessitando-se
assim de intensa pesquisa para, primeiramente, definir o que pretendemos
combater.
De acordo com o professor Paulo Freitas, esse fenômeno
agora discutido é imbuído de complexidade, demandando planejamento,
perícia e clandestinidade continuada. É complexo, porque é constituído de
atividades ilícitas com funções diversificadas e realizadas por uma variedade
de indivíduos. Além disso, conforme diz o professor, é feito de forma
continuada e permanente, se delongando no tempo; assim como é
multidimensional, se manifestando por meio de grupos que exploram um ou
mais mercados ilegais e que se valem de numerosas atividades instrumentais e
acima de tudo lesivo no que tange às suas consequências econômicas, sociais
e humanas.
Ademais, a atual criminalidade organizada possui como uma
de suas características fundamentais a transnacionalidade, e corriqueiramente
está ligada a corrupção de agentes públicos, quando não possui, ela própria, o
objetivo de desviar recursos públicos e é formada, em sua “cúpula”, por
políticos e servidores públicos de mais alta hierarquia do Estado, como se vê
frequentemente no Brasil. Consequentemente, o crime organizado e o
terrorismo (que está estreitamente ligado com o primeiro) atingem de forma
prejudicial os aspectos fundamentais da vida socioeconômica e institucional,
bem como atrapalham a paz mundial, aproveitando-se do aperfeiçoamento
tecnológico, comercial e econômico resultante da globalização.
Destarte, a jurista Laura Zuñiga Rodriguez pontua bem sobre o
papel das organizações criminosas no enfraquecimento dos Estados e da
consolidação da paz das nações unidas. Vejamos:

“A delinquência organizada contribui para o


enfraquecimento dos Estados, impede ou dificulta o
crescimento econômico, alimenta muitas guerras civis,
mina regularmente as iniciativas de consolidação da paz
das nações unidas e proporciona mecanismos de
financiamento de grupos terroristas. Os grupos de
delinquentes organizados têm também um papel
decisivo no contrabando ilegal de migrantes e no tráfico
de armas de fogo.”

(RODRÍGUEZ, Laura Zuniga. Modelos de Política


Criminal Frente à Criminalidade Organizada: A
Experiência Italiana. (p.3)

Insta salientar que, a criminalidade organizada tem sido capaz


de se beneficiar dos avanços tecnológicos, como dito anteriormente, e da
liberdade dos mercados para dar um salto qualitativo em sua atuação
criminógena, nos oferecendo um tipo de delinquência que parece não ser
facilmente definível com os parâmetros tradicionais das categorias penais,
conforme preceitua Zuñiga.
Por essa transnacionalidade fruto do avanço tecnológico,
houve um aprimoramento dos meios utilizados para usufruir dos produtos de
atividade ilícitas, para ocultar, ou mesmo legitimar, a origem dos lucros
auferidos em atividades ilegais. Esse, sem dúvida, é o resultado mais
indesejado da globalização econômica , uma vez que o crime organizado,
especialmente nessa modalidade, tira proveito dessa interligação global para
transferir fundos rapidamente, não se detendo nas fronteiras nacionais, como
explica o Doutor Emmanoel Pereira.
Esse novo tipo de criminalidade, como preceitua Felipe
Machado e Emílio Silvar, é impraticável sem o emprego de redes logísticas e
de comunicação, o que configura sofisticadas estruturas organizacionais. Logo,
em termos globais, alguns desses grupos possuem um poder maior que os
próprios Estados, ou então escapam ao seu controle político-jurídico, safando-
se, em consequência, da persecução e punição por seus delitos.
A delinquência organizada, assim como organismo vivo, se
adaptou com o desenvolvimento das estruturas sociais, alterando seu
“esqueleto” e forma de atuação para se adequar ao novo contexto que
encontraram. Com isso, as políticas até então utilizadas pelo Estado para
combatê-las tornaram-se ineficazes.
Dessa maneira, as organizações criminosas abalaram o
modelo de repressão e prevenção à criminalidade adotados tradicionalmente,
tendo em vista esse contexto de globalização que desregula mercados e
internacionaliza a economia. Ainda nesse contexto, Machado e Silvar pontuam
que:

“No contexto globalizado, o crime organizado busca


maiores ganhos com mínimos riscos, de modo que seu
modus operandis prioriza o emprego de métodos
sofisticados no empreendimento delitivo, deixando, em
segundo plano, o uso da força e violência. De fato, a
sofisticação das organizações criminosas as
transformou em um dos negócios mais lucrativos do
planeta. Estudos das Organizações das Nações Unidas
(ONU) apontam que o narcotráfico aufere por ano cerca
de US$ 400 bilhões em todo o mundo, o que equivale a
8% do comércio internacional e “mais do que todas as
exportações de ferro e aço, da indústria automobilística
ou da têxtil”. Outro dado significativo que revela a
dimensão das cifras movimentadas pelo crime
organizado é o de que a máfia italiana teria cooptado a
ilha caribenha de Aruba com recursos provindos do
tráfico de drogas praticado nos Estados Unidos da
América na década de 1980.”

(MACHADO, Felipe Daniel Amorim; SILVAR, Emílio de


Oliveira. Uma Leitura das Organizações Criminosas, a
partir da Legislação de Emergência. Revista de Direitos
e Garantias Fundamentais. Vitória, ES. 2010) (p.178)

Portanto, como assevera a jurista Zuñiga, o modelo de


participação em associação criminosa deve ser analisado à luz de uma nova
macro criminalidade, que realiza ações de amplo espectro, em que os sujeitos
ativos costumam a ser grandes organizações criminosas, os bens jurídicos são
plurais e as vítimas são praticamente indeterminadas.
Todavia, de acordo com os juristas Joaquín Herrera e
Francisco Rodríguez, é importante dizer que a delinquência organizada não é
novidade recente surgida apenas nessa era globalizada ou fruto da sociedade
pós-moderna, pelo contrário, existe desde sempre. São vários os exemplos que
atestam essa afirmação, como os primeiros grupos de assaltantes de estradas
da antiguidade, passando pelos sicários da Palestina do século I e os
assassinos da Pérsia do século XI, bem como os bandoleiros da Espanha
romântica.
Em certos períodos históricos, certas organizações criminosas
criaram estruturas de poder que, em determinados níveis, rivalizou com o
próprio poder estatal, como é o caso das facções presentes no Rio de Janeiro
(especialmente o Comando Vermelho e a Milícia) e São Paulo (especialmente
o PCC). Com isso, surge uma complexa rede de relações entre diversos
setores da política, sociedade, órgãos de controle penal etc., que nega o
Estado de Direito, bem como o substitui em certas ocasiões. (ALMEIDA, Lucas.
2017)
A pluralidade de agentes e sua associação para o cometimento
de delitos foi e é um fenômeno presente em diversas partes do globo, em
diferentes épocas, como acentua o jurista Lucas Almeida. Além disso, ele
afirma que essa pluralidade de agentes sempre prejudicou e desafiou o Estado,
vejamos:

“(...) sempre se mostrou como permanente desafio para


o Estado e, consequentemente, para o seu sistema
punitivo na medida em que se utiliza de meios racionais
e técnicos que permite a sua adaptação e sobrevivência,
seja pela própria simbiose com os entes estatais, seja
por simplesmente renegar os valores ditos como
aceitáveis e normais, adotando códigos próprios de
conduta e estilo de vida.”

(ALMEIDA, Lucas Laire Faria. Crime Organizado:


Aspectos Dogmáticos e Criminológicos. Belo Horizonte,
MG: Editora D’Plácido, 2017.) (p.19)

Almeida ainda expõe que, dentro desse fenômeno histórico


delitivo, um deles merece especial destaque uma vez que além do vínculo
associativo , o vínculo de sangue passou a ser também um dos fatores
característicos da criminalidade organizada, marcando assim o surgimento da
família criminosa ou ainda a união de famílias dedicadas exclusivamente a
atividades ilícitas, cunhando-se a Máfia.
Isto posto, diversos doutrinadores como Joaquín Herrera
afirmam que as primeiras estruturas organizadas no âmbito delinquencial têm
suas raízes principalmente na Itália do século XIX e nos Estados Unidos da
América do Século XX. Assim sendo, vejamos o que jurista afirma sobre essas
principais estruturas organizadas modernas:

“Na Itália, três são os focos principais que entre o início


e meados do século XIX veriam nascer a moderna
delinquência organizada: Sicília e a máfia Siciliana,
Nápoles e a Camorra, Calábria e a máfia Calabresa. Nos
Estados Unidos da América, a delinquência organizada
está vinculada aos primeiros clãs irlandeses e judeus
das grandes cidades da costa oeste e, posteriormente,
ao surgimento da máfia ítalo-americana, sobretudo a
partir do advento da Lei Seca (1919-1931),”

(HERRERA, Joaquín Merino; RODRÍGUEZ, Francisco


Javier Paíno. Lecciones de Criminalidad Organizada.
Madrid, Espanha: Servicio de Publicaciones de la
Facultad de Derecho de la Universidad Complutense de
Madrid, 2016) (p.40)

Vale ressaltar que o famoso termo “Máfia” remonta ao período


feudal, mais precisamente o século XVI em Sicília na Itália, conforme esclarece
Mendroni (2015): “significa bravura, coragem e autoconfiança e proteção
contra a “arrogância de poder”.
Ademais, o doutrinador Lucas Faria declara que, ao contrário
do crime ordinário ou do criminoso de ocasião, que são marcados pela
oportunidade criada para a prática do delito ou por sua motivação passional,
sendo assim subjetiva, a delinquência organizada é conhecida pela força do
vínculo associativo empregado como meio para execução de condutas ilícitas.
Portanto, diante de todo o contexto histórico apresentando,
assim como a situação atual envolvendo a transnacionalização do crime
organizado e como ele se aproveita da globalização, também compreendendo
brevemente como a delinquência organizada prejudica o advento da paz e do
progresso social, chega-se a mesma conclusão do doutrinador Rogério Greco,
que afirma que “conhecer de perto o fenômeno é, portanto, um dos
pressupostos para que o Estado possa enfrenta-lo de forma minimamente
eficiente.”.
1.2. CARACTERÍSTICAS ESSENCIAIS DAS ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS

Em primeiro lugar, antes de expor as características essenciais


das organizações criminosas, é imperioso trazer brevemente um conceito
sobre crime organizado, consoante com a definição disposta na Lei nº
12.850/2013, servindo como uma introdução do assunto. Com isso, conforme
esclarece o jurista Marcelo Mendroni:

“o crime organizado é qualquer cometido por pessoas


ocupadas em estabelecer em divisão de trabalho uma
posição designada por delegação para praticar crimes
que como divisão de tarefa também inclui, em última
análise, uma posição para corruptor , uma para
corrompido e uma para mandante.”

(MENDRONI, Marcelo Batlouni. Crime Organizado:


aspectos gerais e mecanismos legais. 4. ed. São Paulo:
Atlas, 2012)

Mendroni ainda afirma que, incluindo as características


supracitadas, o crime organizado possui um tipo de estrutura formalizada cujo
objetivo primário é a obtenção de dinheiro através de atividades ilegais.
Insta salientar que o doutrinador acaba excluindo, de certa
forma, os grupos terroristas do rol de organização criminosa, ao ponto que
assevera o objetivo-fim de obtenção financeira (nesse caso específico).
Todavia, os grupos terroristas estão ligados, corriqueiramente, a objetivos
religiosos, sendo o dinheiro apenas instrumento para persecução de seus
objetivos.
Independente disso, tais grupos mantêm suas posições
através do uso de violência, corrupção, fraude ou extorsões, e geralmente tem
significante impacto sobre os locais e regiões do país onde atuam.
Sobre o uso da violência, este meio é utilizado sempre que
necessário para se alcançar o objetivo determinado. Geralmente, as práticas
violentas são determinadas por ordem específica em relação ao membro que
deve cumprir, contra quem cumprir e a forma que deve ser cumprida, como
dispõe o jurista Mendroni.
Ainda nesse contexto de uso de força por parte das
organizações criminosas, o professor Marcelo Mendroni assegura que:

“Nas organizações com melhor estruturação a violência


é utilizada como último recurso, de forma que, sempre
que possível deve-se utilizar-se de ameaças e
corrupção. O motivo desta estratégia, é que o uso da
violência sensibiliza e causa maior repúdio na
população e desta forma faz com que a investigação
seja realizada com mais ânimo por parte dos
responsáveis e alimenta a vontade de atuação firme da
justiça.”

(MENDRONI, Marcelo Batlouni. Crime Organizado:


aspectos gerais e mecanismos legais. 4. ed. São Paulo:
Atlas, 2012)

Essa afirmação é consoante com o discurso exposto pelo


jurista Pedro Andrade, que assegura que o emprego da violência é
proporcional ao tipo empresarial e tecnológico da organização. Sendo que em
uma organização bem estruturada este expediente é utilizado como derradeiro
recurso.
Ainda segundo Andrade:

“Certamente, à medida que as organizações criminosas


atingirem a sua finalidade lucrativa, mediante a
utilização dos meios e recursos tecnológicos,
garantindo, assim, a sua atuação e impunidade, menos
poderão se valer do uso da violência real, eis que o seu
uso é aceitável sempre e quando seja necessário para
que o objetivo seja alcançado.”

(ANDRADE, Wemerson Pedro. Organização Criminosa:


Por uma Melhor Compreensão. Revista de Direito da
Faculdade Milton Campos. Acesse em:
http://www3.mcampos.br:84/REVISTA%20DIREITO/PRO
DUCAOCIENTIFICA/artigos/
wemersonpedroandradeorganizacaocriminosaporumam
elhorcompreensao.pdf)

Em contrapartida, o professor Rogério Greco assevera que o


emprego da violência ou a ameaça de seu uso para a realização de seus fins
constitui como característica elementar na constituição da organização
criminosa, se mantendo em elevadíssima porcentagem nas organizações
criminosas em atividade, independente de seu tipo empresarial e tecnológico.
Além dessa conceituação, é importante trazer os conceitos
cunhados por Juary C. Silva, que afirma existir uma criminalidade tradicional,
chamada de microcriminalidade e uma criminalidade avançada, chamada de
macrocriminalidade, distinguindo-se estas pelo seu tamanho, intensidade e
natureza.
Segundo o autor, a microcriminalidade é caracterizada pela
ação isolada de um agente, de forma impulsiva e, mesmo que em grupo, em
um concurso espontâneo, não ocorre habitualidade e não possui estabilidade.
Em contrapartida, a macrocriminalidade está imbuída de um caráter
empresarial, hierárquico, muito parecido com uma sociedade privada, com
direção, gerência e “executivos”. O crime organizado está inserido neste
contexto.
Ademais, a macrocriminalidade cria uma rede criminosa de
elevadas proporções, transgredindo os limites nacionais, tornando-se uma teia
complexa de atuação expandida dentro do ordenamento jurídico, atuando
semelhantemente a uma empresa multinacional, objetivando proporcionar
substrato a atividades ilícitas, como pontua bem o jurista Artur Lins.
Lins ainda define o crime organizado como um
empreendimento sistemático, à semelhança de uma atividade econômica bem
dirigida, podendo estar em justaposição com outras ações de cunho financeiro
que se concatenam sob direção de um chefe ou “conselho”. Ainda sobre essa
temática, o autor aborda que:

“Há uma multiplicidade da atuação criminosa em vários


campos, usura, tráfico de drogas, prostituição, jogo,
extorsão; o crime é diversificado, pois especialização
em uma única atividade criminosa indica atraso
estrutural. Existe ainda a impessoalidade da
organização, que a aproxima de uma sociedade
anônima. O moderno crime organizado não possui
contornos definidos no que diz respeito aos seus
integrantes, diferentemente do que ocorria no passado.”

(LINS, Artur de Lima Barretto. O Crime Organizado:


diligências investigatórias do Ministério Público. Brasil,
2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5422/o-
crime-organizado)
É imperioso dizer que cada organização criminosa assume
características peculiares e incrível poder variante, amoldadas às próprias
necessidades e facilidades que encontram no âmbito territorial em que se
instalam, ao ponto de mudarem de “roupagem” que possibilite a sua
identificação, tendo em vista que, além de existirem inúmeras associações
delitivas, é importante para cada uma delas angariar o maior número de pontos
de mercado.
As condições políticas e socioeconômicas atuam
decisivamente para a demarcação destas características, preponderando uma
em desfavor de outra, sempre em conformidade com aquilo que torna a
atividade ilícita mais viável, podendo assim obter maiores fontes de renda ou
simplesmente cumprir seus objetivos de forma mais eficaz.
Entretanto, existem algumas características que podem ser
destacadas comumente que, embora não presentes de forma obrigatória em
todos os modelos, servem bem ao objetivo de busca da sua distinção perante
as outras formas de práticas delituosas.
Alberto Silva Franco, aponta como características básicas do
crime organizado: um padrão constante na forma de agir; intercâmbio de
informações com outros grupos delinquenciais. Organização hierárquica;
expansionismo; uso de tecnologia “de ponta” e a capacidade de intervenção
nos Poderes Estatais.
Além do mais, o doutrinador Rogério Greco, de forma bem
didática e importante, traz a tona que algumas das características essenciais e
mais comuns que conceituam a delinquência organizada hoje existentes,
foram herdadas da máfia.
Como primeira característica, o autor cita a estruturação
hierárquica, que constitui adjetivo necessário para uma organização criminosa,
aparecendo de forma acentuada em grande parte das redes delitivas. Esse tipo
de atuação é chamada de esquema piramidal que, embora seja adotado
corriqueiramente, existem outras organizações que atuam em rede de forma
distinta dessa.
É importante frisar o que o jurista Wemerson Andrade nos diz
acerca da estrutura hierárquica-piramidal das associações delinquenciais.
Vejamos:

“Desta forma, as organizações criminosas revelam uma


estrutura hierárquica-piramidal de seus membros, na
qual o chefe se posiciona no vértice da pirâmide e os
executores do delito em sua base. Para tanto, existe
uma cadeia de sujeitos, onde o mentor intelectual
coordena a organização criminosa, sem ter qualquer
contato com os agentes executores (“aviões”), os quais
muitas vezes nem imaginam quem seja o “cabeça” ou
“chefão”. Em seguida, existem os sub-chefes para
transmitirem as ordens da chefia para os gerentes e
tomar decisões na sua eventual ausência. Por fim, os
gerentes (“testas de ferro”) são criminosos de
confiança do chefe, com capacidade de comando que
recebem as ordens da cúpula e repassam aos “aviões”
para a função de execução, a semelhança de um
exército.”

(ANDRADE, Wemerson Pedro. Organização Criminosa:


Por uma Melhor Compreensão. Revista de Direito da
Faculdade Milton Campos. Acesse em:
http://www3.mcampos.br:84/REVISTA%20DIREITO/PRO
DUCAOCIENTIFICA/artigos/
wemersonpedroandradeorganizacaocriminosaporumam
elhorcompreensao.pdf)

Além disso, podemos verificar que, em decorrência desse


modus operandi piramidal, surge a divisão funcional de tarefas entre os
membros das organizações, na qual cada integrante possui um papel
específico designado, na maioria das vezes, em acordo com sua especialidade,
assim como é praticado nas sociedades empresariais privadas. Insta salientar
que esses papéis abrangem também as qualificações profissionais,
estabelecendo que indivíduos de tal rede criminosa atuem de forma técnica em
negócios lícitos em prol da organização.
Com isso, podemos citar como exemplo os casos em que,
após o cometimento do crime, as facções mais estruturadas utilizam-se de
procedimentos que se prestam a revestir-se de legalidade e acobertar a
impunidade, introduzindo no sistema econômico ou financeiro, elevadas
quantias pecuniárias da prática delituosa, mediante lavagem de dinheiro, como
bem assinala o jurista Wemerson Andrade.
Vale ressaltar ainda a lição deixada pelo jurista Wemerson
Andrade, que afirma que independentemente do nível de sofisticação da
organização criminosa, do local de atuação e de seu alcance, sempre haverá
uma organização mínima e respeito à hierarquia, como se estivessem
vinculadas a um manual de procedimento e condutas, devendo o membro
obedecer a regras, seguir ordens e manter segredos.
Ainda de acordo com Greco, outro aspecto apontado como
marca das grandes máfias do passado e que atualmente não só se mantém,
como se encontra potencializada e em expansão, é a coordenação interna
entre seus integrantes e a coordenação e cooperação externa com outras
organizações, permitindo as atividades e a consecução dos fins da
organização.
Outra característica importante dos grupos criminosos dos dias
de hoje, que foi herdada das máfias do passado, é a ideia de permanência e
continuidade no exercício de suas atividades, utilizando-se de suas respectivas
estruturas para prostraram-se no tempo. Segundo o autor Rogério Greco, as
organizações criminosas:

“Não são constituídas para a prática de um ou outro


delito, mas para se manterem o maior período possível
em atividade e cometer o maior número de infrações
penais, quantas forem necessárias para o crescimento
dos lucros e o incremento do patrimônio e do poder,
especialmente seus fundadores e líderes.”

(GRECO, Rogério; Freitas, Paulo. Organização


Criminosa: Comentários à lei n. 12.850/2013. Niterói, RJ:
Editora Impetus, 2020.) (p.21)

O jurista Wemerson Andrade corrobora com o posicionamento


de Greco, no que tange à ideia de permanência e continuidade das facções
criminosas, assegurando que os integrantes das organizações criminosas têm
um objetivo de continuidade de suas atividades delitivas, percebendo-se uma
verdadeira estabilidade, a fim de prevalecer um querer único, no qual os
interesses individuais de cada membro se sujeitam aos desejos coletivos
organizacionais.
Além disso, assegura Andrade que é o caráter duradouro da
delinquência organizada que faz com que a sua finalidade lucrativa seja
alcançada. Para ele, a associação de pessoas com um único e exclusivo fim de
cometer determinadas infrações, para desagregarem-se após suas realizações,
não é o propósito de uma organização criminosa.
Outra característica básica das organizações criminosas atuais
que foi herdada das máfias do passado é a finalidade de conquistar benefícios
econômicos, sendo ou o fim principal das associações delitivas ou o principal
meio de que se valem para a obtenção de seus finalidade, como é o caso dos
grupos terroristas, citados anteriormente, que captam recursos financeiros para
levar o terror à sociedade. (GRECO, Rogério. 2020)
Essas vantagens econômicas, comumente, são obtidas a partir
da realização de atividades delituosas de especial gravidade. Entretanto, a
obtenção da vantagem indevida pode resultar de atividades lícitas, todavia
surgidas com dinheiro ilícito, como bem preceitua Wemerson Andrade. Dessa
maneira, este dispõe que:

“A propósito, a obtenção da vantagem indevida pode


resultar de atividades lícitas, todavia surgidas com
dinheiro ilícito. Daí, a necessidade de realização de
atividades variadas, pela multiplicidade de condutas, ou
seja, a mescla de atividades lícitas e ilícitas, nas quais
as organizações criminosas não se fixam em apenas
uma exclusiva modalidade delituosa.”

(ANDRADE, Wemerson Pedro. Organização Criminosa:


Por uma Melhor Compreensão. Revista de Direito da
Faculdade Milton Campos. Acesse em:
http://www3.mcampos.br:84/REVISTA%20DIREITO/PRO
DUCAOCIENTIFICA/artigos/
wemersonpedroandradeorganizacaocriminosaporumam
elhorcompreensao.pdf)

Dessa forma, Mendroni exemplifica algumas técnicas utilizadas


para ilustrar a mescla de recursos de atividades lícitas e ilícitas, que
dissimulam outras práticas delituosas: 1) bares/tráfico de entorpecentes, 2) loja
de carros/roubo e ou receptação de carros, 3) escritório de administração de
negócios empresa/Usura, 4) loja/contrabando-descaminho etc.
De acordo com Paulo Freitas, ainda em relação às
características essenciais presentes nas atuais facções criminosas que foram
herdadas das máfias do passado, temos a manipulação e uso das classes
menos favorecidas, tanto para a captação de novos integrantes, como para a
obtenção de favores sociais. Esse adjetivo está muito presente nas
associações delitivas da América Latina, como observamos nas comunidades
brasileiras, em que os criminosos prestam toda sorte de benefícios sociais à
população de baixa renda, “tomando o lugar” reservado ao Estado para, em
seguida, cobrar altíssimo preço por isso.
A infração penal mais comum nesses conglomerados é o
tráfico de drogas, atividade delituosa que necessita de um número considerado
de “funcionários” para o seu bom funcionamento, tendo em vista as numerosas
operações policiais. Com isso, afirma Greco:

“O traficante acaba por arregimentar adultos, crianças e


adolescentes para trabalharem como funcionários do
tráfico, servindo como mulas, soldados, vigilantes,
guardadores de drogas, dentre inúmeras outras
funções. Recusar a ajuda e a prestação de serviços ao
tráfico no mais das vezes custa a própria vida do
cidadão menos favorecido.”

(GRECO, Rogério; Freitas, Paulo. Organização


Criminosa: Comentários à lei n. 12.850/2013. Niterói, RJ:
Editora Impetus, 2020.) (p.23)

Ademais, segundo Mendroni, percebe-se que em quase todas


as atividades ilícitas desenvolvidas por organizações criminosas é possível
encontrar, de alguma forma, a investida contra o dinheiro estatal. Isso ocorre
porque, para uma organização mais estruturada e consolidada, é benéfico
pagar servidores públicos para executar algumas tarefas de seu desejo.
Outro ponto a ser destacado é que a atividade corrupta, devida
a sua ação silenciosa na sociedade, é de difícil persecução penal, conforme
assevere o jurista acima citado. Mesmo que essa atividade seja silenciosa, o
prejuízo causado à sociedade é incomensurável, como por exemplo o
descrédito das instituições públicas, o desvio de verba que resulta em um
rombo numa área de extrema importância, como na saúde, entre outros.
A corrupção policial, judicial, política e de sindicatos se
convertem em elementos singulares de quase qualquer organização criminosa,
além da própria atuação de integrantes desta de forma infiltrada nas
instituições de poder. Além disso, é fato que a corrupção e a sociedade
organizada caminham lado a lado, fazendo com que as organizações
criminosas se aproveitem das fragilidades sociais e das brechas deixadas pelo
corrompimento endêmico do povo. Ao emergirem e se agigantarem como, uma
vez constituídas e operantes, dificilmente se perpetuam sem se ancorarem em
agente públicos corruptos, como assevera o jurista Greco.
É importante dizer que Greco também elenca essa
característica como sendo herdada das máfias do passado, demonstrando que
os modelos utilizados pelas redes delitivas nos contextos atuais possuem a
mesma essência, entretanto se desenvolveram com o avanço econômico-
tecnológico.
Outrossim, observa-se que o próprio sistema democrático é
afetado e comprometido pela simbiose verificada entre os políticos e demais
organismos públicos com a delinquência organizada.
É imperioso ressaltar a visão do jurista Flávio Pereira acerca
dos laços que envolvem o crime organizado e a corrupção. Vejamos:

“(...) os laços e vínculos entre a delinquência organizada


e a corrupção apresentam tamanha profundidade, a tal
ponto em que se poderá sustentar que, em alguns
casos, esta última consista em requisito essencial para
a formação e consolidação de uma determinada
organização criminosa. Muito séria e complicada se
torna a questão, a partir do momento em que todos
estes fatores apontados contribuem para que o Estado
enfraquecido seja terreno fértil para a atuação de redes
ilícitas de delinquentes organizados. Desta forma,
ausente a confiança por parte da sociedade nas
instituições públicas e, em grande medida,
desorganizado e insuficiente o sistema de justiça de um
determinado país, as organizações criminosas acabam
por estabelecer suas bases de atuação dentro do
aparato estatal, fulminando qualquer tentativa de
prevenção ou repressão a esta espécie de
criminalidade.”

(PEREIRA, Flávio Cardoso. Crime Organizado e sua


Infiltração nas Instituições Governamentais. 2ª ed. Belo
Horizonte, MG: Editora Fórum, 2017.) (p.49)

Destarte, o crime organizado corriqueiramente mantem laços


com o Poder Público, influindo na realização de leis e no controle repressivo de
suas atividades, utilizando-se do oferecimento de suborno e da propina,
conduzindo a outros delitos em desfavor da Administração Pública.
Ainda nesse sentido, Hassemer sintetiza que a delinquência
organizada é a própria corrupção da legislatura, da magistratura, da polícia, do
Ministério Público, dentro outras instituições democráticas.
Com isso, em acordo com o professor Flávio Cardoso Pereira,
feitas essas ponderações, surge a ilação de que a corrupção como regra
praticamente absoluta se amolda como requisito indispensável à formatação de
estrutura de várias redes criminosas mundiais. Caso a organização criminosa
perca sua influência junto aos poderes do Estado, a sua atuação apresenta-se
frágil e sem potencialidade lesiva.
Insta salientar que a impunidade atingida através da compra de
interesses junto ao aparato estatal contribui para a debilidade institucional de
um Estado, na qual os autores de delitos graves se sentem imunes em razão
da inexistência ou insuficiência de qualquer pena ou sanção, bem como a
sociedade padece em meio a um estado de insegurança generalidade, como
bem coloca os doutrinadores Rogério Greco e Paulo Freitas.
Diante desse cenário, podemos pontuar os inúmeros casos em
que juízes, promotores, advogados e profissionais de segurança pública , em
suma, aqueles que integram de alguma forma o sistema penal, foram mortos
por delinquentes organizado, seja para gerar terror na população, bem como
para se beneficiarem de certa forma.
Por fim, ainda podemos citar como características essências
das redes criminosas: a transnacionalidade, a ausência de vítimas individuais
(em alguns casos), a pluralidade de componentes e a utilização de meio
tecnológicos para proporcionar maior efetividade para a consumação dos
delitos.
Portanto, compreende-se que o fenômeno da delinquência
organizada é complexo, como citado anteriormente, necessitando-se assim de
intenso aperfeiçoamento e estudo por parte das autoridades competentes para
que essas práticas ilícitas acabem ou ao menos sejam contidas de forma mais
incisiva. É imperioso dizer que a grande maioria dos países têm se dedicado,
mais recentemente, à modernização de suas legislações acerca desse tema,
como o caso do Brasil. Entretanto, como acentua o doutrinador Rogério Greco,
continuamos extremamente carentes de medidas a nível institucional que
permitam enfrentar de forma mais eficaz o gravíssimo problema.

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