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Organização

Criminosa
1. O Conceito de Organização Criminosa 4
Crime Institucionalizado 7
Associação Criminosa 7
Configuração do Crime 9
Crimes de Organização Criminosa 11

2. Políticas de Enfrentamento 13
Projeto de Lei Anticrime 15
Organizações Criminosas no Brasil e no Mundo 18
Modelos Estruturais 18

3. Poder Estatal e a Democracia 21


Prevenção e Repressão 23
Lavagem de Dinheiro 25
Competência 27

4. Referências Bibliográficas 30

02
03
ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA

1. O Conceito de Organização Criminosa

Fonte: Canal Ciências Criminais1

A pesar de se tratar de um tema


discutido ao longo do anos,
apenas recentemente o Brasil come-
há mais de uma década, o diploma
legal tratou dos meios de obtenção
de prova especiais a serem utilizados
çou a discutir acerca de uma legisla- no enfrentamento da criminalidade
ção especial em seu ordenamento ju- organizada, entre eles o da colabora-
rídico acerca das organizações cri- ção premiada.
minosas. Dito isto, vemos que a lei Segundo o pesquisador Dimi-
12.850, de 2 de agosto de 2013: tri Vlassis, a Convenção de Palermo
Define organização criminosa foi organizada em quatro etapas,
e dispõe sobre a investigação crimi- sendo elas:
nal, os meios de obtenção da prova, 1. Criminalização;
infrações penais correlatas e o pro- 2. Cooperação internacional;
cedimento criminal; altera o De- 3. Cooperação técnica;
creto-lei no 2.848, de 7 de dezembro 4. Implantação.
de 1940 (Código Penal); revoga a Lei
no 9.034, de 3 de maio de 1995; e dá Na criminalização foram defi-
outras providências. nidos os conceitos e as formas de cri-
Dessa forma vemos que além mes transnacionais. Nas partes de
de tipificar o crime de organização cooperação e técnica pautaram-se
criminosa, apesar de o Brasil já in- nos assuntos referentes às trocas de
ternalizar a Convenção de Palermo

1 Retirado em https://canalcienciascriminais.com.br/crime-organizado/

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ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA

informações, inteligência, progra- lações entre estes elementos, a or-


mas de treinamentos e financiamen- dem que deles resulta, o objetivo pa-
to de atividades de promoção contra ra o qual tudo é dirigido. Em face do
o crime transnacional. último aspecto, a relação fundamen-
A etapa de implementação tal entre os elementos é pressuposta
criou o órgão chamado Conferência de natureza cooperativa
das Partes, o qual tem como compe- O artigo 1° do diploma legal
tência monitorar, sugerir mudanças, apresentado anteriormente (Lei 12.
facilitar as atividades de troca de in- 850, de 2 de agosto de 2013) nos diz
formação; além de servir como fó- que: ao estabelecer os principais
rum de ajuda aos países menos de- pontos da Lei, deve-se definir orga-
senvolvidos na implementação das nização criminosa, compreendendo
medidas de combate ao crime orga- os meios de obtenção da prova apli-
nizado transnacional. Podemos ob- cáveis a sua investigação e tratar do
servar que nos últimos anos houve seu procedimento. Assim, o pará-
grande expansão e maior visibili- grafo 1º trouxe o conceito de organi-
dade da área de atuação do crime or- zação criminosa para os efeitos da
ganizado. Indo além de suas frontei- aplicação da lei:
ras nacionais, o crime organizado
§ 1º Considera-se organização cri-
tornou-se um ator global, por conse-
minosa a associação de 4 (quatro)
quente, uma ameaça a segurança do ou mais pessoas estruturalmente
sistema internacional. Essa mundia- ordenada e caracterizada pela di-
lização do crime é observada através visão de tarefas, ainda que infor-
malmen-te, com objetivo de obter,
do aumento dos mercados em que direta ou indiretamente, vantagem
realizam o tráfico de armas, pessoas de qualquer natureza, mediante a
e drogas. prática de infrações penais cujas
De acordo com Ada Becchi, o penas máximas sejam superiores a
4 (quatro) anos, ou que sejam de
termo organizar contém, na lingua- caráter transnacional.
gem corrente, uma ação muito am-
pla. É uma ação voltada a estabele- Conforme os ensinamentos de
cer uma ordem nas relações entre Guaracy Mingardi, ao estudar o te-
vários elementos que compõem o ma, aponta-se como características
todo e/ou resultado das ações. Com- principais das organizações crimi-
põe, em substância, alguns dados nosas: previsão de lucros, hierar-
centrais: A articulação de um con- quia, divisão de trabalho, ligação
junto em elementos distintos. As re- com órgãos estatais, planejamento

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ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA

das atividades e delimitação da área caracterizada pela divisão de tarefas,


de atuação. O autor estabelece ainda ainda que informalmente, com obje-
uma divisão em dois modelos: a or- tivo de obter, direta ou indiretamen-
ganização criminosa tradicional ou te, vantagem de qualquer natureza,
territorial e a empresarial. mediante a prática de crimes cuja
Alberto da Silva Franco, por pena máxima seja igual ou superior
sua vez, aponta como característi- a 4 (quatro) anos ou que sejam de
cas: caráter transnacional; aprovei- caráter transnacional.”
ta-se de deficiências do sistema pe- Frente a legislação mais atual,
nal, a partir de sua estruturação or- é necessária a participação de no mí-
ganizacional e de sua estratégia de nimo 4 (quatro) pessoas na organi-
atuação global; atuação resulta em zação criminosa, enquanto a lei an-
dano social acentuado; realiza várias terior dizia sobre a participação mí-
infrações, com vitimização difusa ou nima de 3 (três) pessoas. Importan-
não; aparelhado com instrumentos te, também, o uso da expressão “in-
tecnológicos modernos; conexões fração penal”; gênero, do qual o cri-
com outros grupos criminosos, orga- me é espécie, juntamente com a con-
nizados ou não; mantém ligações travenção penal. Por fim, a novel le-
com pessoas que ocupam cargos ofi- gislação, estabeleceu a exigência de
ciais, na vida social, econômica e po- que essas infrações penais tenham
lítica; utiliza-se de atos de violência; pena máxima superior (não mais
e beneficia-se da inércia ou fragili- igual ou superior) a 4 (quatro) anos,
dade de órgãos estatais. disposição essa, mais adequada à
A primeira definição de orga- sistemática do Código de Processo
nização criminosa veio com a Lei 12. Penal (vide arts. 313, I e 322 do
694/12, de acordo com a referida lei CPP). Sendo assim, houve a revoga-
em seu art. 1º, criou-se a possibilida- ção tácita parcial da lei anterior, no
de de julgamento colegiado em pri- que concerne à conceituação de or-
meiro grau, nos crimes praticados ganizações criminosas. Assim como,
por organizações criminosas. No seu expressamente, revogou totalmente
art. 2º está contemplada a definição (ab-rogou) a Lei 9.034/95. De ma-
de organização criminosa: neira que, com a Lei 12.850 de 02 de
“Para os efeitos desta Lei, con- agosto de 2013, que entrou em vigor
sidera-se organização criminosa a após a vacatio legis de 45 dias, temos
associação, de 3 (três) ou mais pes- superada a problemática relativa ao
soas, estruturalmente ordenada e conceito de organização criminosa.
Resta agora o enfrentamento efetivo

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dessas corporações com uso das téc- força máxima contra os que investi-
nicas de investigação criminal e gam e provam tudo aquilo que a so-
meios de obtenção de provas dispos- ciedade sempre soube, mas não era
tos no mesmo diploma legal. documentalmente mostrado. E aí
começa a perseguição política, per-
Crime Institucionalizado seguição administrativa e persegui-
ção legislativa. Publicações no diário
Segundo doutrinadores, dife- oficial tentando levar ao ostracismo
rente do crime organizado já conhe- autoridades que combatem a cor-
cido de todos, no crime instituciona- rupção, instauração de procedimen-
lizado devemos analisar que as es- tos persecutórios contra quem bata-
truturas criminosas se confundem lha pelo fim da organização crimi-
com a própria estrutura estatal. nosa e aprovação de projetos de lei
Nesse tipo de ação, as grandes deci- que visam diminuir forças, embara-
sões do Estado se confundem com as çar ou impedir o prosseguimento de
decisões do grupo criminoso. Assim, investigações.
a organização criminosa utiliza-se
daquilo que conhecemos como “má- Associação Criminosa
quina pública” para multiplicar seus
ganhos ilícitos. Para tanto, as armas Sabe-se que um dos assuntos
são substituídas pelo diário oficial, e mais pesquisados no cenário jurí-
decisões de grande impacto ao Es- dico criminal e tormentoso para os
tado são tomadas não em razão de órgãos de segurança pública mundi-
políticas públicas, mas para satisfa- ais é a organização criminosa, que
zer os interesses econômicos do gru- nada mais é, como o nome mesmo já
po, que não apresenta apenas um lí- indica, do que a capacidade que os
der, como as organizações crimino- agentes criminosos possuem de se
sas comuns, mas uma estrutura em associar para praticarem atividades
forma de teia, colaborativa, em ab- ilícitas. Devido a isso e tendo em vis-
soluta simbiose. ta à precariedade estatal frente aos
Dessa forma, vemos que tudo grupos criminosos organizados, em
isso é escancarado para a sociedade, 2013 foi publicada no Brasil a Lei 12.
e os líderes do crime institucionali- 850/13 que apresenta artigos de na-
zado utilizam o que têm sob seu po- tureza penal e processual penal e
der para estancar a sangria e barrar traz como forma inédita, a definição
o combate ao crime. As prerrogati- legal sobre crime organizado, com já
vas do estado são utilizadas com explanado anteriormente. Dessa

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ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA

forma, para configurar o crime de a seguinte indagação: o que difere a


organização criminosa os agentes organização criminosa da Lei nº
devem praticar as condutas descri- 12.850/13 com a associação crimi-
tas no artigo 2º, sendo eles: nosa do art. 288 do Código Penal?
Analisando o texto da lei pode-
Art. 2 Promover, constituir, fi- mos ter uma melhor compreensão:
nanciar ou integrar, pessoalmente
Art. 288. Associarem-se 3 (três) ou
ou por interposta pessoa, organi-
zação criminosa: Pena - reclusão, mais pessoas, para o fim específico
de 3 (três) a 8 (oito) anos, e multa, de cometer crimes: Pena - reclusão,
sem prejuízo das penas correspon- de 1 (um) a 3 (três) anos.
dentes às demais infrações penais
praticadas.
Para respondermos a pergun-
ta, é crucial lembramos que o refiro
I. Associação de quatro ou mais artigo (288) passou por uma modifi-
pessoas; cação em 2013 onde a nomenclatura
II. Estrutura ordenada, pessoas
organizadas sob um regime hierár- do delito passou a ser denominado
quico; “associação criminosa” ao invés de
III. Divisão de tarefas, ainda que “quadrilha ou bando”. Apesar das
informalmente;
semelhanças entre os tipos penais as
IV. Finalidade de buscar vantagem
indevida em razão de crimes cuja diferenças entre eles estão nos crité-
pena (máxima) seja superior a 04 rios estabelecidos na lei 12.850/13,
anos ou que tenham caráter trans- razão pela qual é importante lem-
nacional.
brarmos os itens: (I) necessidade de
Sendo assim, analisando os fa- ser uma associação estruturada e
tos elencados nesses critérios, usa- (II) divisão de tarefas entre os sujei-
remos uma situação do cotidiano tos, até porque esses são os elemen-
como exemplo: um conjunto de qua- tos que diferenciam a organização
tro pessoas organizadas sob uma es- criminosa da lei 12.850/13 do con-
trutura hierárquica, com tarefas in- curso de agentes ou do crime de as-
formalmente divididas, com a finali- sociação criminosa do art. 288 do
dade de praticar o famigerado “jogo Código Penal. (Decreto-lei no 2.848,
do bicho”, não pode ser considerado de 7 de dezembro de 1940.)
uma organização criminosa, uma Conforme nos ensina Osvaldo
vez que o objetivo de obtenção de Emanuel, no que se refere ao crime
vantagem é através de uma contra- de associação criminosa, é necessá-
venção penal, cuja penal máxima é rio observar que a organização tem
inferior aos 04 anos estabelecidos na toda a sua estrutura hierárquica
legislação. Todavia, cabe ao assunto bem definida, inclusive com todos

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ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA

tendo as suas funções e tarefas bem atividade do crime na prática. Toda-


definidas. Interessante observar é via, o objetivo não é obter uma con-
que se 3 pessoas ou mais se reuni- ceituação tão abrangente, mas sim
rem para cometer uma infração pe- um norte a seguir, buscando bases
nal, as mesmas não serão enquadra- seguras para identificar a atuação da
das no tipo penal do artigo 288 do delinquência estruturada, que visa
Código Penal. ao combate de bens jurídicos funda-
Ainda elencando o entendi- mentais para o Estado Democrático
mento do referido doutrinador, com de Direito. É indiscutível e impor-
o advento da lei 12.850/2013, o pa- tante analisarmos a relevância da
rágrafo único do artigo 288 teve a conceituação de organização crimi-
sua redação alterada de modo a fa- nosa, não somente para fins acadê-
vorecer com uma pena menor quem micos, mas pelo fato de se ter criado
pratica esse crime, ou seja, poderá um tipo penal específico para punir
ocorrer um aumento que será de até os integrantes dessa modalidade de
a metade da pena imposta. Isso sig- associação.
nifica dizer que antes o crime quan- a. Associação de quatro ou mais
do era praticado sob a nomenclatura pessoas: o número de associados,
de quadrilha ou bando armada, a pe- para configurar o crime organizado,
na dobrava. A única inovação trazida resulta de pura política criminal,
pela lei em comento foi à proteção as pois variável e discutível.
crianças e adolescentes, devido ao b. Estruturalmente ordenada:
aumento frequente do envolvimento exige-se um conjunto de pessoas es-
dos mesmos com o crime organiza- tabelecido de maneira organizada,
do. Se apenas um dos integrantes da significando alguma forma de hie-
associação criminosa estiver arma- rarquia (superiores e subordina-
do, isso já será o suficiente para o dos). Não se concebe uma organiza-
aumento da pena, bastando apenas ção criminosa se inexistir um escalo-
à arma estar em sua posse. namento, permitindo ascensão no
âmbito interno, com chefia e chefia-
Configuração do Crime dos;
c. Divisão de tarefas: a decorrên-
Conforme estudamos ante-
cia natural de uma organização é a
riormente, e de acordo com os ensi-
partição de trabalho, de modo que
namentos do doutrinador André Es-
cada um possua uma atribuição par-
tefam, vemos que a definição de or-
ticular, respondendo pelo seu posto.
ganização criminosa é ampla e de
A referida divisão não precisa ser
grande notoriedade, assim como a

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ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA

formal, ou seja, constante em regis- a organização criminosa. Logica-


tros, anais, documentos ou prova si- mente, o inverso é igualmente ver-
milar. O aspecto informal, nesse dadeiro, ou seja, a infração penal ter
campo, prevalece, justamente por se origem no exterior, atingindo o ter-
tratar de atividade criminosa, logo, ritório nacional.
clandestina; g. Análise do tipo de organização
d. Obtenção de vantagem de criminosa: quanto ao tipo, são pre-
qualquer natureza: o objetivo da or- vistas as seguintes condutas alterna-
ganização criminosa é alcançar uma tivas: promover (gerar, originar algo
vantagem (ganho, lucro, proveito), ou difundir, fomentar, cuidando-se
como regra, de cunho econômico, de verbo de duplo sentido), consti-
embora se permita de outra natu- tuir (formar, organizar, compor), fi-
reza. O ponto faltoso da lei é a ausên- nanciar (custear, dar sustento a
cia de especificação da ilicitude da algo) ou integrar (tomar parte, jun-
vantagem, pois é absolutamente iló- tar-se, completar). Cuidando-se de
gico o crime organizado buscar uma tipo penal misto alternativo, pode o
meta lícita. agente praticar uma ou mais que
e. Mediante a prática de infra- uma das condutas ali enumeradas
ções penais cujas penas máximas se- para configurar somente um delito.
jam superiores a 4 anos: este ele- Segundo Damásio de Jesus,
mento também é fruto de política quanto ao sujeito, entende-se que o
criminal, que, em nosso entendi- sujeito ativo pode ser qualquer pes-
mento, é equivocada. Não há sentido soa, desde que se identifique, clara-
em se limitar a configuração de uma mente, a associação de, pelo menos,
organização criminosa, cuja atuação quatro pessoas. Esse número mí-
pode ser extremamente danosa à so- nimo pode ser constituído, inclusive,
ciedade, à gravidade abstrata de in- por menores de 18 anos, que, embo-
frações penais. ra não tenham capacidade para res-
f. Mediante a prática de infra- ponder pelo delito, são partes funda-
ções penais de caráter transnacio- mentais para a configuração do gru-
nal: independentemente da nature- po. O sujeito passivo é a sociedade,
za da infração penal (crime ou con- pois o bem jurídico tutelado é a paz
travenção) e de sua pena máxima pública. Cuida-se de delito de perigo
abstrata, caso transponha as frontei- abstrato, ou seja, a mera formação e
ras do brasil, atingindo outros paí- participação em organização crimi-
ses, a atividade permite caracterizar nosa coloca em risco a segurança da
sociedade. O delito é doloso, não se

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admitindo a forma culposa. Exige-se recente, característico da contempo-


o elemento subjetivo específico im- raneidade. Malgrado haja polêmica
plícito no próprio conceito de orga- em torno do assunto, parece ser
nização criminosa: obter vantagem mais correto o entendimento segun-
ilícita de qualquer natureza. do que a delinquência organizada
não é nem um fenômeno tão antigo
Crimes de Organização Crimi- que possa ter sua gênese ligada às
nosa sociedades primitivas mais longín-
quas nem tampouco pode ser apon-
Conforme Guaracy Mingardi,
tada como produto peculiar do Pós-
crime organizado é o grupo de pes-
Segunda Guerra Mundial. O que se
soas voltadas para atividades ilícitas
pode afirmar com certeza é que a cri-
e clandestinas que possui uma hie-
minalidade organizada ganhou no-
rarquia própria e capaz de planeja-
toriedade mundial principalmente
mento empresarial, que compreen-
após o advento da globalização da
de a divisão do trabalho e o planeja-
economia e dos meios de comunica-
mento de lucros. Suas atividades se
ção e informação, ameaçando de for-
baseiam no uso da violência e da in-
ma incisiva o Estado Constitucional
timidação, tendo como fonte de lu-
Democrático.
cros a venda de mercadorias ou ser-
Conforme dados do Escritório
viços ilícitos, no que é protegido por
da ONU contra Drogas e Crimes o
setores do Estado. Tem como carac-
comércio ilegal do crime organizado
terísticas distintas de qualquer outro
registra ganhos anuais de mais de
grupo criminoso um sistema de cli-
US$ 2 trilhões. O GFI elaborou seu
entela, a imposição da Lei do silên-
relatório a partir de 12 atividades ile-
cio aos membros ou pessoas próxi-
gais e as cinco primeiras são estas.
mas e o controle pela força de deter-
 Narcotráfico: US$ 320 bi-
minada porção de território.
lhões;
Segundo Gustavo Junqueira,  Falsificação: US$ 250 bilhões;
quanto as organização criminosas  Tráfico humano: US$ 31,6 bi-
no mundo, não há consenso entre os lhões;
estudiosos da matéria no que tange  Tráfico ilegal de petróleo: US$
à origem do crime organizado. Al- 10,8 bilhões;
guns são partidários da tese de que  Tráfico de vida selvagem: US$
as organizações criminosas sempre 10 bilhões.
existiram e vêm evoluindo com o
passar dos anos. Por seu turno, há
quem defenda que tal fenômeno é

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2. Políticas de Enfrentamento

Fonte: Agencia Ac2

D e acordo com Jean Ziegler,


2003, os autores do crime or-
ganizado decidiram dificultar o sur-
estejam instalados em ambientes
por eles frequentados, comprome-
tendo o emprego de técnicas de in-
gimento de provas em seu desfavor. terceptação ambiental ou de vigilân-
Sendo assim, notaram que integran- cia eletrônica. Aliás, percebeu-se
tes de algumas organizações crimi- também o frequente uso de idiomas
nosas passaram a adquirir equipa- e dialetos estrangeiros para a comu-
mentos eletrônicos, geralmente com nicação entre os membros da orga-
tecnologia superior à daqueles utili- nização, dificultando ainda mais o
zados pela polícia, que facilmente trabalho da polícia.
identificam a presença de microfo- Com isso, de acordo com Edu-
nes ocultos ou micro câmeras que ardo Araújo Da Silva, observada essa

2 Retirado em https://agencia.ac.gov.br/

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ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA

situação, foi necessária a procura internacionais, com outros grupos


por outros meios de investigação po- criminosos organizados; III) As in-
licial, dentre os quais, a infiltração frações que os grupos criminosos or-
de agentes, transplantando os pro- ganizados praticaram ou poderão a
cedimentos de espionagem e de con- vir praticar;
traespionagem realizados pelas ser- b. A prestarem ajuda efetiva e
viços secretos para o processo penal. concreta às autoridades competen-
A introdução de agentes policiais no tes, suscetível de contribuir para pri-
interior de grupos organizados, si- var os grupos criminosos organiza-
mulando a condição de integrante, a dos dos seus recursos ou do produto
fim de obter informações a respeito do crime.
de seu funcionamento e sua estru-
tura, tem se mostrado um eficiente 2. Cada Estado Parte poderá con-
instrumento para a apuração da cri- siderar a possibilidade, nos casos
minalidade organizada. pertinentes, de reduzir a pena do
Segundo a Convenção das Na- que é passível um arguido que coo-
ções Unidas contra o Crime Organi- pere de forma substancial na inves-
zado Transnacional, conhecida tam- tigação ou no julgamento dos auto-
bém como Tratado de Palermo, vem res de uma infração prevista na pre-
ratificar o plano interno pelo Decre- sente Convenção.
to nº 5.015/04, dispõe em seu art. 26 3. Cada Estado Parte poderá con-
sobre medidas para intensificar a co- siderar a possibilidade em conformi-
operação com as autoridades com- dade com os princípios fundamen-
petentes para aplicação da lei: tais do seu ordenamento jurídico in-
1. Cada Estado Parte tomará as terno, de conceder imunidade a uma
medidas adequadas para encorajar pessoa que coopere de forma subs-
as pessoas que participem ou te- tancial na investigação ou no julga-
nham participado em grupos crimi- mento dos autores de uma infração
nosos organizados: prevista na presente Convenção.
a. A fornecerem informações
úteis às autoridades competentes Analisando nossa legislação,
para efeitos de investigação e produ- vemos que desde a promulgação do
ção de provas, nomeadamente: I) A Decreto 5.015/2004, a Convenção
identidade, natureza, composição, das Nações Unidas contra a Crimi-
estrutura, localização ou atividades nalidade Organizada está em vigor
dos grupos criminosos organizados; no Brasil. O referido texto é comple-
II) As conexões, inclusive conexões tado por três protocolos, que foram

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ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA

incorporados ao direito interno bra- ção de quatorze leis federais deno-


sileiro, por meio dos Decretos n. minado “Projeto de Lei Anticrime”,
5.016 e 5.017, de 12 de março de que, desde então, já sofreu algumas
2004. O terceiro protocolo foi pro- alterações, cujo objetivo seria nome-
mulgado pelo Decreto 5.941, de 26 adamente estabelecer medidas con-
de outubro de 2006. tra a corrupção, o crime organizado
Acerca do tratado, com sua in- e os crimes praticados com grave vi-
trodução, o Brasil conseguiu enfren- olência à pessoa. As alterações visa-
tar internamente e responder inter- das, contudo, vão muito além do que
nacionalmente, de forma mais pron- a ementa sugere, e afetam, de forma
ta e eficiente, à crescente ameaça do marcante, garantias fundamentais,
crime organizado doméstico e trans- normas penais e processuais penais
nacional e a suas diversas manifes- e substancialmente aspectos de exe-
tações, como o tráfico (de pessoas, cução criminal, reclamando detida
de órgãos, de drogas, de animais sil- análise dos operadores do Direito.
vestres, de bens culturais, de armas De acordo com o que foi apre-
e munições etc.), o CIBERCRIME, a sentado, em resumo, o referido pro-
corrupção, a pirataria marítima, o jeto tem como objetivo agilizar a
terrorismo e os “novos” delitos de execução das penas tanto privativas
contrafação ou adulteração de bens de liberdade quanto pecuniárias,
de luxo. bem como as restritivas de direitos,
Em nosso ordenamento jurí- após decisão condenatória colegi-
dico, outras normas brasileiras cum- ada. É bem verdade que há uma pre-
prem o papel de leis convencionais ocupação em conceder efeito sus-
ao tratado referido, como a Lei de pensivo aos recursos cabíveis, quan-
Lavagem de Dinheiro (1998), a Lei do, excepcionalmente, o respectivo
de Proteção a Vítimas e Testemu- tribunal vislumbrar a plausibilidade
nhas (1999), a Lei de Tráfico de Dro- de o direito invocado pelo conde-
gas (2003) o Estatuto do Desarma- nado vir a redundar na alteração do
mento (2006). julgado (“questão constitucional ou
legal relevante, cuja resolução por
Projeto de Lei Anticrime Tribunal Superior possa plausivel-
mente levar à revisão da condena-
O Ministro da Justiça, Sérgio ção”).
Moro, em 4 de fevereiro de 2019, Dessa forma, começaria assim
apresentou uma proposta de altera- uma busca pela atribuição de efeito

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ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA

suspensivo, através de pedidos inci- nome de alguns grupos hoje existen-


dentais instruídos pelas peças ne- tes no Brasil, como o Primeiro Co-
cessárias, o que provavelmente aca- mando da Capital e o Comando Ver-
baria ocasionando uma vulgarização melho, revelando que o Estado bra-
da negativa, impedindo que casos sileiro reconhece a existência dessas
realmente relevantes venham a ser agremiações e procura claramente
julgados, a exemplo do que hoje combatê-las.
ocorre com a obstaculizarão dos re- A Lei 13.964/19, Pacote Anti-
cursos excepcionais pelas cortes es- crime, modificou a Lei de Organiza-
taduais, obrigando que as partes ções Criminosas, Lei 12.850/13,
manejem embargos às Cortes Supe- apresentaremos a seguir as três mu-
riores. danças ocorridas referentes a
As mudanças no ordenamento mesma.
jurídico, referente ao processo penal
quanto aos líderes de organizações 1. A primeira mudança se deu
criminosas que envolvam uso de ar- quanto ao artigo 2º, onde foram
mamento iniciarão o cumprimento acrescentados os parágrafos 8 e 9. O
de pena em presídios de segurança § 8º determina que as lideranças das
máxima. Havendo indicativos de organizações criminosas armadas
que determinado indivíduo seja liga- ou que tenham armas à sua disposi-
do ao crime organizado não poderia ção deverão iniciar o cumprimento
progredir de regime. Não é possível da pena em estabelecimento penal
ignorar que nossas prisões são con- de segurança máxima.
troladas por facções criminosas, que
dominam alas inteiras das peniten- A Súmula Vinculante 26, nos
ciárias. Isso implicaria negar o di- ensina que: viola o Princípio da In-
reito à progressão a um número in- dividualização da Pena a determina-
calculável de presos que, apenas ção compulsória de um determinado
pelo fato de estarem em locais sob a regime de pena ou modalidade de
influência destes grupos criminosos cumprimento de pena, sem que o
podem ser rotulados como integran- juiz possa ter direito à análise indi-
tes ou, no mínimo, simpatizantes de vidual. Entendemos, portanto, que o
facções. Sendo assim, entende-se § 8º deve ser lido como “deverão
que o objetivo de alteração do con- preferencialmente iniciar”, podendo
ceito de organização criminosa bus- o juiz, no caso concreto, entender
ca abarcar um número maior de as- que o cumprimento da pena possa
sociações e traz para o texto de lei o ser inicialmente cumprido de outra

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ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA

forma, desde que devidamente fun- ou do documento que formalize até


cionamento. o levantamento de sigilo por decisão
Quanto ao parágrafo 9º diz judicial e impede o órgão público de
que o condenado por integrar orga- utilizar as provas apresentadas pelo
nização criminosa ou por crime pra- colaborador, em caso de não assina-
ticado por meio de organização cri- tura do acordo por sua iniciativa.
minosa não poderá progredir de re-
gime de cumprimento de pena ou Segundo as alterações, o artigo
obter livramento condicionamento 3º-C tem como objetivo explicar que
ou benefícios prisionais se houver a proposta de colaboração premiada
elementos probatórios que indi- deve vir instruída com procuração
quem a manutenção do vínculo as- com poderes para o advogado ou de-
sociativo. fensor público, o colaborador deve
narrar todos os ilícitos que concor-
2. A segunda mudança é correla- reu e que possui relação direta com
cionada com à “colaboração premi- os fatos investigados e a incumbên-
ada”. Para isso, 3º-A, 3º-B e 3º-C fo- cia de instruir com a proposta com
ram acrescentados na legislação. O as provas existentes é da defesa.
artigo 3º-A determina que a colabo-
ração premiada é meio de obtenção 3. A última alteração é referente
de prova, encerrando a discussão se a infiltração de agentes. Sendo as-
a mesma era meio de obtenção de sim, foi criada a modalidade de infil-
prova ou prova propriamente dita. tração de agentes em ambiente vir-
Além disso, o § 16 passou a decretar tual para investigação de crimes co-
que medidas cautelares e recebi- metidos por organização criminosa.
mento da denúncia ou queixa po- Já criado pela Lei 13.441/17 para in-
derá ser decretada ou proferida com vestigação de cometimento de cri-
fundamento apenas nas declarações mes sexuais contra menores, os no-
do colaborador, além da sentença vos artigos 10-A, 10-B, 10-C e 10-D
condenatória, que já era original- criam os requisitos para a infiltração
mente prevista. O artigo 3º-B cria o de agentes no ambiente virtual, des-
Termo de Confidencialidade entre o de que haja o fim de investigar os
órgão público responsável pela cele- crimes previstos na Lei 12.850/13 e
bração do acordo de colaboração eles conexos, praticados por organi-
premiada e o investigado ou denun- zações criminosas, desde que de-
ciado. Com este termo, fica proibido monstrada sua necessidade e indica-
a divulgação das tratativas iniciais

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ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA

dos o alcance das tarefas dos polici- isso, elencou-se das novidades trazi-
ais, os nomes ou apelidos das pes- das pela tecnologia junto a especiali-
soas investigadas e, quando possí- zação cada vez mais alarmante, não
vel, os dados de conexão ou cadas- só em relação às práticas criminosas
trais que permitam a identificação praticadas pela organização, mas
dessas pessoas. As demais regras também referente à captação de
continuam idênticas às da infiltra- membros especialistas em diversas
ção de agentes convencional. áreas, como, por exemplo, em infor-
mática, em transações comerciais
Organizações Criminosas no etc.
Brasil e no Mundo
Modelos Estruturais
Segundo João Bosco Sá, atual-
mente estamos em uma sociedade Conforme ensina Lurizam
altamente pautada pelo dinamismo, Costa, quanto aos modelos de orga-
somos cada vez mais informatiza- nizações criminosas, há predomi-
dos, devido a um crescente desen- nantemente quatro formas básicas,
volvimento tecnológico que nos traz sendo elas:
uma crescente interconexão dos cir- 1. Tradicional: A máfia é um
cuitos econômico-financeiros, com a exemplo desse tipo de organização,
utilização de recursos da informá- pois se adequa ao padrão clássico
tica e da telemática, permitindo um das organizações criminosas, reve-
fluxo intenso de informações e de lando características específicas, de
capitais. Além disso, assistimos a tipo mafiosas. As associações de tipo
uma forte tendência à formação de mafioso se diferenciam das comuns
cidadãos cada vez mais especializa- por meio de seu elemento constitu-
dos em sua área de atuação profissi- tivo especial: a existência de uma
onal, em todos os campos de conhe- profunda força intimidatória, que
cimento, seja na medicina, na enge- atua de forma autônoma, difusa e
nharia, no direito, na informática, permanente.
entre muitos outros. 2. Rede (Network): Neste tipo de
Diante desta abordagem, con- organização, percebemos a globali-
forme doutrinadores, vemos que é zação como a sua principal caracte-
crucial analisar que as associações rística. Constitui-se por meio de um
criminosas se integraram destas grupo de experts sem ritos, vínculos,
inovações sociais rapidamente. Para base ou critérios mais rígidos de for-
mação hierárquica.

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ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA

Trata-se de uma organização feras, Federal, Estaduais e Munici-


provisória em natureza, que se apro- pais, que a depender de seus objetos
veita das diversas oportunidades e atividades, envolve cada um dos
que surgem em cada setor e local, Poderes da União (Legislativo, Exe-
formando-se por meio de ‘indica- cutivo e Judiciário).
ções’ e ‘contatos’ existentes no ambi-
ente criminal, sem qualquer com- Quanto sua composição, essa é
promisso de vinculação ou perma- formada por políticos e agentes pú-
nência. blicos de todos os escalões, conse-
As organizações criminosas de quentemente envolvendo crimes
rede concentram a sua atuação nos praticados por funcionários públicos
espaços e territórios que favorecem contra a Administração Pública,
os delitos de sua proposição, esten- bem como, quase que inevitavel-
dendo suas atividades por um curto mente, outras infrações penais como
período de tempo até diluir-se. Seus aquelas que se relacionam direta ou
integrantes passam a se unir a ou- indiretamente.
tros agentes, constituindo uma nova
célula em outro local.

3. Empresarial: Nesta espécie de


organização criminosa, percebemos
o seu desenvolvimento no âmbito de
empresas licitamente constituídas,
ambiente em que seus empresários,
aproveitando-se da própria estru-
tura hierárquica da empresa e man-
tendo as suas atividades primárias
lícitas, de modo a fabricar, produzir
e comercializar bens de consumo
para, secundariamente, praticar cri-
mes fiscais, crimes ambientais, car-
téis, fraudes, etc.
4. Endógena: Neste formato de
organização criminosa, as atividades
ilícitas concentram-se dentro do
próprio Estado, em todas as suas es-

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ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA

3. Poder Estatal e a Democracia

Fonte: Veja3

C onforme ensina Norberto Bob-


bio, na visão tecnocrática de
um lado e na postura indiferente do
A democracia tem como fun-
damentos:
 Conforme o douto doutrina-
outro, duas situações são adversas à dor, a democracia deve estar
democracia. A primeira teimava em sempre em transformação. O
reduzi-la apenas a um ritual mecâ- seu estado natural é a dinâ-
mica, enquanto que no despo-
nico de sucessivas eleições, enquan-
tismo predomina a estática,
to que a outra, ao dizer que podia ser sempre igual a si mesmo;
eleito qualquer um, tanto faz, a des-
qualificava.

3 Retirado em https://veja.abril.com.br/blog/noblat/o-estado-do-crime/

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ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA

 O direito e o poder são duas fa- um antídoto eficiente contra os cri-


ces da mesma moeda. Somen- mes praticados pelos agentes públi-
te o poder cria o direito, e só ao cos.
direito cabe limitar o poder; O referido doutrinador ainda
 O centro da atenção da demo-
ensina que é por este motivo que,
cracia repousa numa concep-
ção individualista da socieda- por obra do legado kantiano, no co-
de. Ela somente se desenvolve mo são tomadas as decisões numa
onde os direitos de liberdade democracia, o princípio da visibili-
têm sido reconhecidos por dade do poder é constitutivo, pois
uma constituição. permite a informação sem a qual to-
dos não podem formar uma opinião
Norberto Bobbio ainda nos diz apropriada sobre a gestão da coisa
que: a democracia trata-se de um comum, para desta maneira exercer
conjunto de regras que estabelece seu poder de participação e controle.
quem está autorizado a tomar deci- Sendo assim, vemos que a
sões coletivas e quais são os seus CR/88, no tocante à proteção do Es-
procedimentos; - baseia-se na regra tado e os indivíduos, representa es-
de que a democracia é o regime da forço notável no sentido de regula-
maioria e que o Estado Liberal é o mentar, com nitidez, os dois ele-
suposto histórico-jurídico do Estado mentos da noção de cidadania, quais
Democrático; - é um regime que de- sejam: a proteção dos direitos e li-
fine o bom governo como aquele que berdades individuais frente às ame-
age em função do bem comum e não aças a eles representadas pela força
do seu exclusivo interesse, e se move e poder das instituições do Estado -
através de leis estabelecidas, claras o âmbito do controle do uso dos
para todas, e não por determinações meios de violência na produção da
arbitrárias. ordem social - e a proteção da vida e
De acordo com os ensinamen- da propriedade dos cidadãos amea-
tos de Celso Lafer, sendo assim, no çadas pela predição criminosa - o
estado democrático os Partidos polí- âmbito da eficiência no controle so-
ticos e movimentos sociais reivindi- cial.
cam radicalmente o princípio da Contudo, concluímos que
transparência, da publicidade, da vi- frente a essas ilegalidades, a CR/88
sibilidade do poder público, da par- caracteriza em escala nacional e até
ticipação na gestão da coisa pública. mesmo, internacional de grandes
A invenção das novas formas e con- ilegalidades ligadas aos aparelhos
teúdo da ação política aparece como políticos e econômicos, passando

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ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA

por ilegalidades financeiras, servi- Sendo assim, deve-se elencar


ços de informação, tráfico de armas ao nosso conhecimento e observar a
e drogas. dimensão do crime organizado in-
Dessa forma, de acordo com a ternacional, pois este se vincula com
constituição e todo nosso ordena- a nova ordem econômica e para as
mento jurídico vigente, temos assim diferenças existentes entre as leis in-
uma multiplicidade de ilegalidades ternas e as práticas dos países no co-
organizadas em torno do comércio e mércio e relações internacionais.
da indústria, com sua diversidade de Ainda segundo Norberto Bob-
natureza e de origem e seu papel es- bio, um dos princípios do Estado
pecífico nada mais é que a obtenção constitucional é o de que o caráter
de vantagens, sobretudo o lucro. público das atividades públicas é a
Dessa feita, a corrupção é, conjunta- regra, com o segredo sendo a exce-
mente com o crime organizado liga- ção, justificável apenas se limitada
do, sobretudo, ao tráfico da droga e no tempo. Este é, portanto, um dos
ao branqueamento do dinheiro, a traços essenciais do Estado constitu-
grande criminalidade que Sousa cional.
Santos chama de crise do Estado-
Providência e coloca os tribunais no Prevenção e Repressão
centro de um complexo problema de
controle social. Conforme Paulo Henrique
De acordo com Boutros Bou- Braga Silva, frente ao objetivo de en-
tros-Ghali (Secretário Geral da frentar a criminalidade de uma for-
ONU) conforme dito em congresso ma eficaz, o Brasil, procura constan-
acerca da prevenção do crime: temente uma atualização e aprimo-
ramento no que se refere ao combate
Os poderosos cartéis do crime as organizações criminosas, uma ho-
estão fora do alcance das leis ra criando leis, que muitas vezes en-
nacionais e internacionais (...)
esses elementos criminosos se contra respaldo no modelo estran-
aproveitam tanto da liberali- geiro, outra hora fornecendo subsí-
dade da nova ordem econômica dios a atuação certa das autoridades
internacional quanto das dife-
renças existentes nas leis e prá- responsáveis pelo combate à crimi-
ticas dos países. Eles movimen- nalidade. Alguns dos meios mais efi-
tam gigantescas somas de di- cazes utilizados pelo estado brasi-
nheiro, que usam para subor-
nar autoridades e alguns desses leiro para combater as organizações
impérios do crime são mais ri- criminosas são: a delação premiada,
cos do que muitas nações do
mundo. (ONU, 1995:2).

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ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA

a ação controlada, acesso a informa- passa vem aprimorando o seu modo


ções sigilosas, interceptação ambi- de ocultar a origem ilícita do dinhei-
ental de sinais eletromagnéticos, óti- ro obtido. De modo que a utilização
cos ou acústicos, a Lei de combate à de empresas de fachada, ou até mes-
lavagem de dinheiro, a infiltração mo empresas legais, compra de bi-
policial. lhetes premiados, transferência de
De acordo com os ensinamen- valores para os “paraísos fiscais”,
tos de Marcelo Batlouni, para se ter entre outras formas de tentativa de
uma noção da complexidade e da di- ocultação, exige-se do Estado uma
versidade das condutas que envol- forma de repressão à altura, que nos
vem o crime de lavagem de dinheiro, dias atuais se deu com a criação da
basta voltar à uns 15 anos atrás, e Lei de lavagem de capitais.
perceber que o sistema financeiro Estudaremos a seguir alguns
mundial aumentou e se tornou mui- princípios orientadores para a pre-
to desenvolvido, com cada vez mais venção e repressão do crime organi-
novas formas de financiamentos, zado:
pagamentos e investimentos, o que Um dos princípios é a necessi-
faz com que a circulação de capital dade de sensibilização e a mobiliza-
seja surpreendentemente ágil e cada ção da sociedade. Os programas de
vez mais complicada de regular e educação e de promoção e a sensibi-
controlar. E como se sabe, as organi- lização do público têm permitido
zações criminosas utilizam a lava- modificar a atitude da coletividade e
gem de dinheiro como forma de ob- obter o respectivo apoio. Medidas
ter proveito com o produto do crime, desta ordem podem contribuir para
daí a importância do Estado atacar reduzir a fraude fiscal, podem ser
de maneira eficiente essa tentativa desenvolvidas e pode sistematizar-
de burlar o sistema. se o respectivo uso, tomando como
A referida Lei nº 9.613/1998 alvo as infrações que apresentam
ao ser analisada por Marcelo Bat- um particular grau de nocividade so-
louni, se justifica mais uma forma de cial e econômica para a coletividade
repressão ao crime organizado, e e obtendo o concurso dos meios de
dessa vez com foco no lado econô- informação que possam desempe-
mico, com o objetivo de reprimir a nhar um papel positivo.
ocultação ou dissimulação dos pro- Conforme entendimento dou-
dutos e proventos do crime. E com o trinário, a melhoria da eficácia da
advento da globalização, as organi- repressão e da administração da jus-
zações criminosas a cada dia que tiça penal constitui uma estratégia

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ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA

de prevenção importante, fundada combater o tráfico ilícito de drogas e


sobre os procedimentos mais efica- deveriam advertir os outros Estados
zes e mais justos chamados a desem- do perigo iminente que este repre-
penharem um efeito dissuasório e a senta. Todos os países deveriam par-
reforçarem a proteção dos direitos ticipar na luta contra o crime orga-
do homem. Métodos de planificação nizado, o qual é uma preocupação
concebidos para integrar e coorde- comum a todos. A este respeito, se-
nar os diferentes serviços da justiça ria necessário dedicar, a nível inter-
penal que funcionam muitas vezes nacional, um esforço coerente e sus-
independentemente uns dos outros tentado, com vista à troca de dados e
Sabe-se que a repressão tem de recursos operacionais necessá-
relevância crucial frente aos progra- rios.
mas contra o crime organizado. É Deve-se então apoiar as buscas
importante assegurar que os servi- comparativas e a recolha de dados
ços de repressão tenham poderes su- sobre as questões ligadas ao crime
ficientes, acautelados para que se- organizado internacional, às suas
jam devidamente os direitos do ho- causas, às suas relações com os fato-
mem. Deveria atentar-se na possibi- res de instabilidade interna e as ou-
lidade de criar um órgão interdisci- tras formas de criminalidade, bem
plinar especializado, encarregado assim como a sua prevenção e re-
unicamente de lutar contra o crime pressão.
organizado.
Frente as dimensões que o cri- Lavagem de Dinheiro
me organizado tem alcançado, é ne-
cessária a criação de novos e eficazes O enfrentamento ao crime de
acordos de cooperação, de âmbito lavagem de dinheiro é a forma mais
mais global. Sendo assim, o compar- prática de combate às organizações
tilhamento de informações com os criminosas e ao crime organizado de
serviços competentes dos Estados forma hierárquica. O combate direto
membros é igualmente uma ativi- ao capital que gira diversas formas
dade importante que é preciso refor- de estruturas criminosas no mundo
çar e desenvolver. inteiro, notadamente no tráfico de
Como prevenção, é necessário drogas, e interliga diferentes redes
que os estados apoiem as demais ini- de corrupção, é a melhor estratégia
ciativas dos países, contribuindo pe- para ao menos tentar a redução das
las instituições internacionais para atividades de seus agentes, ou seja,

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ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA

praticar a política criminal que os administrativo foi criado pela pró-


norte-americanos chamaram de pria lei 9.613/98 e é denominado
Follow The Money. conselho de controle de atividades
Sendo assim, vemos que nos financeiras (COAF), composto por
termos do art. 1º da lei 9.613/98, al- representantes de vários setores da
terada pela lei 12.683/12, a lavagem Administração Pública.
de dinheiro é a sequência de ações Sobre o setor referido, sua fun-
praticadas pelo sujeito ativo com ção primordial é a de gerir a super-
fins de ocultação da origem, nature- visão administrativa de setores sen-
za, disposição, localização, proprie- síveis para formulação de políticas
dade ou movimentação de determi- de prevenção e combate à lavagem.
nado bem, direito ou valor de ori- No campo da inteligência, cabe ao
gem em crime ou contravenção pe- COAF receber dados, organizá-los e
nal para que, em último escopo, pos- elaborar relatórios de inteligência fi-
sa inseri-lo novamente na economia nanceira para subsidiar autoridades
formal com falso aspecto lícito. competentes para investigar ou dar
Os ensinos doutrinários sepa- início à persecução penal. No campo
ram o crime de lavagem de dinheiro regulatório, cabe a elaboração de re-
em três fases, sendo: gras voltadas a determinados seg-
1. Ocultação - na qual visa a afas- mentos (bancos, corretoras, conta-
tar a visibilidade dos bens adquiri- doras) sobre o método de registro de
dos criminosamente; informações de clientes e sobre os
2. Dissimulação - em que se obje- atos suspeitos de lavagem que de-
tiva separar o capital de sua origem vem ser comunicados. Já a atividade
ilícita, dissimulando os resquícios repressiva decorre da competência
do modo como fora conseguido; para instauração de processo admi-
3. Integração - na qual o dinheiro nistrativo e de aplicação de sanções
sujo reingressa na economia formal às entidades e pessoas indicadas no
coberto pelo manto da aparência de art. 9º.
licitude. O COAF nos traz 10 sinais de
alerta que, se realizados em con-
Para a realização do trabalho junto e de forma sistemática, apon-
de inteligência financeira é crucial tam para a provável ocorrência do
sintetizar dados e identificar atos crime de lavagem de dinheiro, são
obscuros com o intuito de escamo- elas:
tear capitais. No Brasil, esse órgão

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ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA

a. Movimentações incompatíveis Competência


com a capacidade econômico-finan-
ceira dos investigados; É necessário estudar e com-
b. Contas movimentadas por preender quem tem a competência
procuração; para julgar e processar o Crime Or-
c. Movimentações de grandes ganizado (investigações e ações pe-
volumes de depósitos; nais).
d. Retiradas sistemáticas geral- De imediato, se algum investi-
mente por meios eletrônicos; gado for detentor de foro por prerro-
e. Atuação contumaz sem revela- gativa, este prevalecerá para atrair
ção dos reais beneficiários; as investigações, ainda que a título
f. Contas que não demonstram de supervisão judicial, a depender
ser resultado das atividades normais do cargo em jogo (o mesmo se dan-
dos envolvidos; do, quanto às ações penais). Toda-
g. Operações com estrangeiros via, se nas localidades em que hou-
ou em regiões de fronteira; ver Vara Especializada definida em
h. Indícios de manipulação do lei propriamente dita para julga-
mercado paralelo de câmbio; mento e processamento sobre o Cri-
i. Venda simulada de passagens me Organizado, o critério em razão
aéreas; da matéria prevalecerá sobre a ques-
j. Indícios de evasão de divisas. tão territorial, não suscitando maio-
res perquirições.
De acordo com a visão de Viní- Porém, caso não conste Vara
cius de Melo podemos concluir en- Especializada definida em lei pro-
tão que o COAF - Conselho de Con- priamente dita para julgamento e
trole de Atividades Financeiras - tem processamento sobre o Crime Orga-
uma grande relevância no combate à nizado teremos a questão territorial
lavagem e o financiamento do terro- para tais fins, onde aparecerão mai-
rismo, contando, inclusive, com re- ores complexidades. Em regra, pelo
conhecimento internacional, a Código de Processo Penal, o crime é
exemplo do recebimento do prêmio perseguido no local em que o crime
Brasil de destaque no combate à cor- se consuma (art. 70, caput, do CPP).
rupção na 5ª conferência internaci- Devemos lembrar que em se
onal promovida pela associação na- tratando de organizações crimino-
cional dos delegados de polícia Fe- sas, não se pode esquecer que, as cé-
deral, em reconhecimento aos servi- lulas criminosas integrantes do refe-
ços prestados em prol do combate à
corrupção no país.

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ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA

rido crime costumam se erradica- A prevenção é igualmente elei-


rem em vários lugares, o que difi- ta pela lei processual como parâme-
culta ainda mais a análise da compe- tro subsidiário específico de deter-
tência pelo critério da territoriali- minação da competência de foro,
dade. Nesse ponto, não seria rara, a nas hipóteses de incerteza da com-
alegação de violação do juiz natural petência territorial (CPP, art. 70, §
por parte quando houvesse compe- 3º); nos crimes continuado e perma-
tências territoriais distintas e defini- nente (CPP, art. 71); e nas infrações
das. Outro critério importante para penais ocorridas a bordo de navios e
ser usado em relação aos crimes in- aeronaves em território nacional,
vestigados é se há ou não conexidade mesmo que ficto, nos casos em que
probatória com outros investigados não é possível determinar o local de
para se apurar à prevalência de um embarque ou chegada imediatamen-
Juízo ou outro. te anterior ou posterior ao crime
Como regra, a fixação da com- (CPP, art. 91). Ressalte-se que,
petência de foro ou territorial segue quando da determinação do juízo
a teoria do resultado, sendo deter- prevalente nas causas conexas e con-
minante o lugar da consumação da tinentes, se inservíveis os critérios
infração, ou do último ato da execu- do art. 78, II, ‘a’ e ‘b’, do CPP (CPP,
ção, nas hipóteses de tentativa (art. art. 78, II, ‘c’), atua como verdadeiro
70 do CPP), tendo como critério sub- critério de concentração da compe-
sidiário o domicílio do réu (CPP, art. tência relativa.
72). A denominada competência por Sendo assim, conclui-se que,
prevenção, que pressupõe distribui- para fixar a competência com obje-
ção (CPP, art. 75, parágrafo único), tivo de processar e julgar eventual
no geral, é utilizado como critério ação penal em face de crime organi-
subsidiário de fixação da competên- zado, e até mesmo de medidas cau-
cia territorial, baseado na cronologia telares de atos investigativos e de
do exercício de atividade jurisdicio- operações policiais (investigações),
nal, mesmo que antes de oferecida dependerá, em muito, das nuances
denúncia ou queixa, necessariamen- do caso concreto, mormente diante
te entre dois ou mais juízes igual- das complexidades e particularida-
mente competentes ou com compe- des de cada organização criminosa.
tência cumulativa, consoante aponta
o art. 83 do CPP.

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